Acórdão 867/2023, de 26 de Janeiro
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 19/2024, Série II de 2024-01-26
- Data: 2024-01-26
- Parte: D
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Sumário
Texto do documento
Sumário: Indefere pedido de declaração de extinção, por prescrição, do procedimento contraordenacional, por o poder jurisdicional do Tribunal sobre a matéria se ter extinguido com o Acórdão 508/2023.
Processo 1342/21
Aos doze do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla «LTC»), ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas dos partidos políticos, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (referida adiante pela sigla «ECFP»), em que são recorrentes o Partido Socialista (PS), o Partido Trabalhista Português (PTP), o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Partido da Terra (MPT), foram interpostos recursos das decisões daquela Entidade, de 7 de julho de 2021 e de 16 de setembro de 2021: a primeira relativa à apresentação das contas da campanha eleitoral para a Eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 29 de março de 2015; a segunda que sancionou os recorrentes no plano contraordenacional.
2 - Através do Acórdão 508/2023, de 18 de julho de 2023, foi decidido o seguinte:
a) Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo MPT e pelo PAN da decisão de 7 de julho de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos;
b) Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo PS, PTP, PAN e MPT, da decisão de 16 de setembro de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, e condenar os recorrentes PS, PAN, PTP e MPT no pagamento, cada um, de uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
3 - Este aresto foi notificado por cartas registadas expedidas, no que ao recorrente MPT concerne, no dia 19 de junho de 2023, seja para o respetivo mandatário judicial, seja para a sede do recorrente (fls. 327 e 331).
Em 11 de setembro de 2023, o recorrente MPT apresentou em juízo requerimento com o seguinte teor:
PARTIDO DA TERRA (MPT), recorrente nos autos à margem em epígrafe, notificado que foi (via correio eletrónico enviado em 02-08-2023 ao seu mandatário, subscritor do presente) do douto Acórdão 508/2023, vem mui respeitosamente, expor e requerer o seguinte a V. Ex.ª:
1 - O douto Acórdão 508/2023 foi notificado ao ora requerente em 02-08-2023 (via correio eletrónico enviado em 02-08-2023 ao seu mandatário, subscritor do presente), pelo que, atendendo a que nos presentes autos os prazos não correm em férias judiciais, tal acórdão não transitou ainda em julgado, importando efetuar a análise de uma questão que ficou por esclarecer: a da prescrição do presente procedimento contraordenacional.
2 - A prescrição opera pelo simples decurso do tempo, independentemente de qualquer condição, devendo ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento.
3 - Efetivamente, no douto Acórdão é analisada a questão da prescrição do presente procedimento contraordenacional, mas não é definida qual a data em que seria atingida tal prescrição.
4 - Ao ora requerente é imputada responsabilidade contraordenacional por infrações e diversos deveres consagrados na Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (LFP), cuja moldura sancionatória ultrapassa o montante de (euro)49'879,79 (cf. artigo 878.º, alínea a) do Regime Geral das Contraordenações (RGCO).
5 - Assim, o prazo prescricional de tais infrações é de cinco anos.
6 - Este prazo prescricional iniciou-se em 17.09.2015 - data da prática da infração imputada ao ora requerente, reportado ao termo do prazo para apresentação das contas referentes à campanha para as Eleições Regionais da Madeira (cf. artigos 26.º, n.º 1 da LFP e 27.º, alínea a) do RGCO).
7 - Sucede que a prescrição do procedimento contraordenacional suspende-se até emissão do parecer da Entidade das Contas e Financiamento Políticos (cf. artigo 22.º da LEG), o que só perdura até ao termo do prazo máximo legalmente previsto para a emissão do mencionado parecer, isto é, 20 dias, e não até esta apresentar parecer, caso venha a ocorrer após o termo daquele prazo (cf. artigo 39.º do LEC).
8 - Porém, o prazo de prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (cf. artigo 28.º, n.º 3 do RGCO).
9 - Ou seja, o prazo prescricional máximo legalmente estabelecido em matéria de responsabilidade contraordenacional aqui imputada ao ora requerente é de sete anos, seis meses e vinte dias.
10 - Pelo que, tendo os factos sub judice ocorrido em 17.09.2015, o prazo prescricional foi atingido em 06.04.2023. Ou seja,
11 - Quando foi proferido o douto Acórdão 508/2023 já o presente procedimento estava prescrito.
12 - Motivo este pelo qual deverá ser declarada verificada a exceção de prescrição e, em consequência, determinar a extinção do procedimento contraordenacional e da responsabilidade do requerente, com o consequente arquivamento dos presentes autos.
TERMOS EM QUE, e demais de Direito aplicável ao caso, deve ser arquivado o presente procedimento contraordenacional instaurado contra o ora requerente.
4 - O Ministério Público declinou pronunciar-se sobre a questão, por entender que a sua intervenção processual se esgotou com a emissão do parecer a que se refere o artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5 - O recorrente MPT alega que, não obstante no Acórdão 508/2023 se ter tratado a questão da eventual prescrição do procedimento contraordenacional, não se definiu a data em que a prescrição seria atingida. De seguida expõe a forma segundo a qual, no seu juízo, deve ser contado o prazo prescricional aplicável ao caso, dadas as infrações imputadas, concluindo que a prescrição teria sobrevindo em 6 de abril de 2023, ou seja, em data anterior a ter sido proferido o Acórdão 508/2023. Conclui pedindo a declaração de extinção do procedimento contraordenacional, por prescrição.
6 - Sobre a questão da prescrição, escreveu-se no aresto impugnado o seguinte:
«16.1 - Considera o PAN que ocorreu prescrição do procedimento contraordenacional. Trata-se de uma questão prévia ao julgamento do mérito do recurso.
As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo.
Verifica-se, porém, que, entre a data da prática das infrações imputadas aos arguidos - 17 de setembro de 2015 - e a data da decisão administrativa sancionatória - 16 de setembro de 2021 -, o regime e o processamento das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais foi alterado pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, com evidente repercussão na contagem do prazo de prescrição do procedimento, quer porque se restringiu o alcance das causas suspensivas previstas no artigo 22.º da LEC, quer porque o processo de fiscalização das contas foi profundamente restruturado, com a consequente alteração dos eventos subsumíveis às causas que, nos termos gerais, têm virtualidade interruptiva ou suspensiva da prescrição.
Ocorrendo sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminui o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional (v., por todos, os Acórdãos n.os 231/2021 e 242/2021). Com efeito, traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia ao poder de sancionar, cujas razões essenciais se reconduzem aos fins das sanções punitivas e ao interesse do agente em atingir um estado de paz jurídica, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da evidente vertente processual, têm relevância substantiva bastante para que se lhes aplique o princípio da aplicação retroativa do regime jurídico concretamente mais favorável (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto, por um lado, que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, e, por outro, que deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que se mostre, em concreto, mais favorável ao agente.
Note-se, por outro lado, que na determinação do regime de prescrição mais favorável, deve proceder-se à aplicação do regime legal da prescrição, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com o (ou os) regimes que lhe sucederam até à data em que é proferida a decisão sancionatória. Em suma, aplica-se a lei antiga (LA) e a seguir a lei nova (LN), uma e outra integralmente, comparando-se os resultados. (v., os Acórdãos n.os 231/2021, 242/2021 e 319/2021).
16.2 - Para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, a violação do dever de devida comprovação das despesas consumou-se no termo do prazo de apresentação das contas (17 de setembro de 2015). Para além das causas interruptivas e suspensivas previstas no RGCO, a lei vigente à data da consumação desta contraordenação - Lei Orgânica 2/2005, na sua versão originária - previa, no seu artigo 22.º, uma causa especial de suspensão, nos termos da qual «a prescrição do procedimento pelas contraordenações previstas na Lei 19/2003, de 20 de junho, e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer a que se referem, consoante os casos, os artigos 28.º, 31.º, 39.º e 42.º». Significa isto que o prazo máximo de prescrição, ao abrigo da LA, além de contar com os acréscimos decorrentes da aplicação das causas de suspensão da prescrição previstas no regime geral (v. o artigo 27.º-A do RGCO), contava ainda com um acréscimo de 70 dias imputável a uma causa de suspensão da prescrição específica (v. o artigo 42.º, n.º 3, da LEC, na sua redação originária).
Como mencionado, a Lei Orgânica 1/2018 veio introduzir diversas alterações na LFP e na LEC, nomeadamente no regime processual de apreciação das contas. Acresce que, à data da entrada em vigor da nova lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, pelo que tal regime lhes é aplicável, nos termos da norma transitória constante do respetivo artigo 7.º Ora, uma das alterações relevantes em matéria de prazo de prescrição do procedimento contraordenacional resulta da nova redação do artigo 22.º da LEC, que procedeu a uma importante alteração nas causas suspensivas da prescrição, tendo eliminado o tempo de suspensão que mediava entre a apresentação das contas e a elaboração do parecer sobre as mesmas. Em consequência, ao prazo máximo de prescrição, no âmbito da lei nova, deixou de se somar o período correspondente àquela causa específica, continuando a poder somar-se o tempo correspondente às causas de suspensão do procedimento contraordenacional previstas no regime geral.
Outra alteração significativa introduzida pelo novo regime processual constante da Lei Orgânica 1/2018 prende-se com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como para aplicar as respetivas coimas: até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional; com a nova lei, passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP). Nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC). Uma das consequências desta modificação é a aplicabilidade de uma das causas gerais de suspensão da prescrição previstas no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO: a «prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: c) [e]stiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso», sendo certo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Com efeito, até à entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, esta causa de suspensão, embora integrasse o regime de prescrição da LA, não podia ser convocada nos processos da espécie dos presentes autos, visto que os atos praticados não lhes eram subsumíveis, tendo em conta que a ECFP carecia de competência para aplicar as sanções previstas na LFP (v. o artigo 46.º, n.º 1, da LEC, na redação anterior à Lei Orgânica 1/2018). A punição das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais era então da competência exclusiva do Tribunal Constitucional.
No caso em apreço, importa notar que, no decurso do procedimento contraordenacional tramitado à luz da versão anterior a 2018 da LEC, foram praticados numerosos atos processuais com virtualidade interruptiva da prescrição: (i) a notificação do relatório sobre a auditoria às contas das campanhas eleitorais, em 7 de outubro de 2016 (fls. 27 a 63); (ii) a notificação do despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, proferido na sequência da entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018 e da consequente inaplicabilidade do artigo 43.º da LEC na sua redação anterior, a ordenar a remessa dos autos à ECFP, em 30 de outubro de 2018 (fls. 170 e 171); (iii) a notificação da decisão da ECFP relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, em 8 de julho de 2021 (fls. 173 a 184); (iv) a notificação da instauração do procedimento de contraordenação, em 16 de julho de 2021 (fls. 25 a 28 do Processo de Contraordenação n.º 21/2021); (v) a notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 16 de setembro de 2021, em 21 de setembro de 2021 (fls. 45 a 56); (vi) a notificação da deliberação de sustentação da decisão condenatória e da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, de 14 de dezembro de 2021, em 29 de dezembro de 2021 (fls. 225 a 234); (vii) a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, em 17 de janeiro de 2022 (fls. 248 a 253); (viii) a notificação da promoção do Ministério Público, em 31 de janeiro de 2022 (fls. 254 a 274).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que na data da notificação referida em (i) ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos a contar da consumação da contraordenação - 17 de setembro de 2015 - e que entre as datas das demais nunca passaram cinco anos, o prazo máximo de prescrição a considerar, por aplicação da norma do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, é o de sete anos e seis meses. Ora, a notificação referida em (vii) determina, como se explicou, a aplicação do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO: a suspensão do prazo de prescrição por um período máximo de seis meses (v. o n.º 2 do mesmo preceito). Assim, considerando a LA, aos sete anos e seis meses de prazo máximo de prescrição acrescem os seis meses desta suspensão, acrescidos ainda de 70 (setenta) dias de suspensão resultantes da causa de suspensão específica (em concreto, a emissão do parecer a que se refere o artigo 42.º, n.º 3, da LEC) prevista no artigo 22.º da LEC, na sua redação originária.
Já ao abrigo da LN, embora não se verifique nenhuma das causas de suspensão específicas mencionadas no atual artigo 22.º da LEC, verificou-se que, em 17 de janeiro de 2022, foi notificado o despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO). Aplica-se ao caso, pois, a causa de suspensão prevista na atual redação do artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, o que significa que aos sete anos e seis meses de prazo máximo de prescrição acrescem os seis meses desta suspensão.
Assim, constata-se que o presente procedimento, seja qual for a lei que lhe seja concretamente aplicável, não prescreveu.»
Em face destas considerações, é evidente que a pretensão do recorrente é, não apenas processualmente inviável, como substancialmente injustificada.
A primeira porque, ao contrário do alegado, o Tribunal Constitucional esgotou o tema da prescrição do procedimento contraordenacional, concluindo que, à data do Acórdão 508/2023 - 18 de julho de 2023 -, a mesma não tinha ocorrido. Com essa apreciação, extinguiu-se o seu poder jurisdicional sobre a matéria, não podendo agora o Tribunal reapreciar a questão de saber se a prescrição não teria ocorrido em data anterior a essa, uma vez que tal juízo seria inconciliável com o proferido no julgamento.
A segunda - de que aqui se cura a título de obter dictum - porque a contagem do prazo que o recorrente apresenta para sustentar a sua conclusão omite, de forma patente, sem que seja adiantado argumento algum que o justifique, a circunstância de o artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (doravante RGCO), não se limitar a estabelecer que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. O que aí se dispõe é que a prescrição sobrevém quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Ora, como se afirmou explicitamente no excerto transcrito do Acórdão 508/2023, no âmbito da lei nova, tida por aplicável ao caso vertente por mais favorável aos arguidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do RGCO, operou a causa de suspensão prevista na atual redação do artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do mesmo diploma, o que significa que aos sete anos e seis meses de prazo máximo de prescrição acresceram os seis meses desta suspensão. Não obstante o aresto não indicar a data concreta em que a prescrição ocorreria, é bom de ver que, ao fixar a data coincidente com o seu termo inicial e ao explicitar o seu prazo - não menos de oito anos sobre a data de 17 de setembro de 2015 -, indicou tudo o que era necessário para sustentar o juízo efetuado.
Acrescente-se que a referência à causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, não esgotou as causas de suspensão relevantes para o cômputo do prazo em causa - ainda que fosse suficiente para decidir a questão no caso vertente -, pois sempre lhe acresceria a suspensão de prazos decorrentes da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária, que se prolongou por, pelo menos, 157 dias (v., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021; sobre a sua aplicabilidade aos recursos de impugnação judicial das decisões aplicativas de coima por parte da ECFP, v. o Acórdão 261/2022).
Conclui-se, pois, que, com o Acórdão 508/2023, extinguiu-se o poder jurisdicional do Tribunal sobre a matéria.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir o requerido.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.
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Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5625225.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
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1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça
Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.
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1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
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2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República
Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
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2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República
Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
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2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República
Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)
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