de 22 de Outubro
1. Em certas zonas do País, particularmente no Ribatejo e na península de Setúbal, existem situações em que a terra inculta foi totalmente aproveitada por famílias de agricultores que, com base em contratos de arrendamento, a desbravaram, cultivaram e valorizaram, nela se fixando com carácter de permanência. Normalmente, tratou-se de divisão de herdades em courelas, que foram entregues à exploração directa de pequenos agricultores.A disciplina jurídica de tais situações era a do arrendamento rural que não contemplava a situação específica de as terras se encontrarem incultas e daí terem-se verificado, desde há dezenas de anos, graves problemas de justiça social, quando o senhorio requeria o despejo ou exigia aumentos de renda, tendo em conta o rendimento das benfeitorias que haviam sido fruto do trabalho e de investimentos exclusivos dos rendeiros.
Em 23 de Novembro de 1954 foi publicado o Decreto-Lei 39917, em que, a propósito dos casos da Quinta da Torre, do concelho de Palmela, e Fernão Ferro, do concelho do Seixal, se estatuiu o princípio de que as benfeitorias feitas nas referidas condições eram propriedade de quem as realizou ou dos seus sucessores na respectiva posse ou fruição.
O Supremo Tribunal de Justiça, ao julgar sobre a inconstitucionalidade daquele diploma, invocada pelos proprietários, decidiu negativamente, acolhendo o princípio estabelecido no referido diploma legal.
2. Não obstante, a situação continuou até hoje e importa ter em conta que a apropriação, pelo dono da terra, das benfeitorias feitas pelos rendeiros e bem assim o despejo destes das terras que eles ou os seus antepassados cultivaram e onde muitas vezes têm a sua habitação constituem uma forma injusta de exploração da terra e uma violação dos princípios elementares de justiça social.
Esta situação, que está em manifesta oposição com os princípios do programa do Governo Provisório, tem de cessar imediatamente, o que se leva a efeito através do presente diploma, que não só atribui ao rendeiro o direito às benfeitorias, como cria as condições para, à semelhança dos aforamentos, se poderem extinguir os contratos existentes, através da consolidação, na pessoa do rendeiro, do direito da propriedade do solo, mediante remição.
A estabilidade do rendeiro, enquanto não usar do direito de remição, é garantida pela fixação de condições limitadas e taxativas para o despejo por parte do senhorio.
O valor das benfeitorias e da terra é fixado, para efeitos de indemnização ou de remição, por uma comissão arbitral, constituída por um juiz de direito designado pelo Secretário de Estado da Agricultura, que preside, um técnico também designado pelo Secretário de Estado, um representante dos proprietários e outro dos rendeiros.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo n.º 1, 3.º, do artigo 16.º da Lei Constitucional 3/74, de 14 de Maio, o Governo Provisório decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os casos de arrendamento rural em que as terras foram dadas de arrendamento no estado de incultas ou em mato e se tornaram produtivas mediante o trabalho e investimento do rendeiro regem-se, além do disposto na lei sobre o arrendamento rural, pelas disposições especiais constantes dos artigos seguintes.
Art. 2.º - 1. As benfeitorias feitas pelos rendeiros constituem propriedade destes.
2. Entende-se por benfeitoria, para os efeitos deste diploma, todo e qualquer melhoramento feito pelo rendeiro ou seus sucessores sobre os terrenos incultos ou em mato.
Art. 3.º - 1. Cabe às comissões arbitrais decidir sobre a existência dos factos referidos no artigo 1.º e das benfeitorias e fixar o valor destas.
2. As comissões arbitrais são constituídas por três membros, sendo o presidente o juiz de direito da comarca, outro representante dos proprietários e outro dos colonos-rendeiros, ambos designados pelas respectivas associações, se existirem, ou eleitos em assembleias expressamente convocadas para esse fim pelo Instituto de Reorganização Agrária.
3. Das decisões das comissões arbitrais cabe recurso, com efeito meramente devolutivo, para o tribunal da relação competente, que julga em definitivo.
4. As decisões das comissões arbitrais serão tomadas como base nos meios de prova que as mesmas admitirem como válidos.
5. Os rendeiros estão isentos de quaisquer encargos, quando recorrerem às comissões arbitrais para os efeitos prescritos neste diploma, e não são por eles devidas custas nos recursos interpostos para o tribunal da relação.
Art. 4.º - 1. O senhorio só pode fazer cessar o contrato se o rendeiro não pagar a renda em dois anos seguidos ou se prejudicar gravemente a potencialidade produtiva da terra.
2. Na hipótese da cessação do contrato prevista no número anterior, o rendeiro goza do direito de retenção enquanto não for pago do valor das benfeitorias.
Art. 5.º - 1. O rendeiro tem o direito de remir o contrato, tornando-se dono da terra pelo pagamento do preço que for fixado pela comissão arbitral.
2. Este preço será determinado pelo valor potencial da terra, excluídas as benfeitorias, tendo em conta o estado em que se encontrava a terra no início do contrato.
3. Depositado na Caixa Geral de Depósitos o montante do preço referido no número anterior e paga a respectiva sisa, a comissão arbitral efectuará a transferência, a favor do rendeiro, dos bens remidos.
4. As certidões ou fotocópias notariais da deliberação da comissão referida no número anterior são havidas, para todos os efeitos, como escrituras públicas.
Art. 6.º Ao rendeiro que use do direito facultado no artigo anterior será prestada assistência financeira pelos Fundos de Melhoramentos Agrícolas ou de Reestruturação Fundiária, para pagamento do preço da remição e da sisa.
Art. 7.º - 1. São suspensas as acções de despejo, bem como as acções cíveis cujo objectivo seja o da restituição de terras e aquelas em que se peça a destruição de casas e benfeitorias levadas a efeito pelos rendeiros, de qualquer natureza e em qualquer fase, intentadas contra os rendeiros referidos no artigo 1.º 2. A instância será suspensa com a apresentação de requerimento onde se invoque a existência da situação de arrendamento rural prevista neste diploma.
3. Os processos judiciais assim suspensos transitarão para as comissões arbitrais.
Art. 8.º Os rendeiros que, embora na situação prevista no artigo 1.º, foram judicialmente despejados podem, no prazo de dois anos, requerer à comissão arbitral o regresso às terras, a partir do ano agrícola que então estiver em curso, ou o pagamento das benfeitorias por eles realizadas.
Art. 9.º Constará de portaria do Secretário de Estado da Agricultura o regulamento do processo a seguir pelas comissões arbitrais para a fixação do preço da terra, defesa dos direitos de terceiros, e bem assim do que for necessário à execução do disposto neste decreto-lei.
Art. 10.º Este decreto-lei entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Francisco Salgado Zenha - José da Silva Lopes.
Promulgado em 18 de Outubro de 1974, nos termos do n.º 3.º do artigo 10.º da Lei Constitucional 3/74.
O Presidente da República, JOSÉ BAPTISTA PINHEIRO DE AZEVEDO.