Acórdão do Tribunal Constitucional 809/2022, de 21 de Dezembro
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 244/2022, Série I de 2022-12-21
- Data: 2022-12-21
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Sumário
Texto do documento
Sumário: Decide dar por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho deliberou realizar, contendo a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho?».
Processo 1095/22
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - O Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho apresentou requerimento junto do Tribunal Constitucional para efeitos de verificação preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 25.º da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto, que aprovou o regime jurídico do referendo local, alterada pelas Leis Orgânicas n.º 3/2010, de 15 de dezembro, n.º 1/2011, de 30 de novembro, n.º 3/2018, de 17 de agosto, e n.º 4/2020, de 11 de novembro (doravante, «RJRL»), das deliberações tomadas pela Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Sacavém e Prior Velho, primeiro na sessão extraordinária realizada em 3 de novembro de 2022, que deliberou a realização de um referendo local para a auscultação da população sobre a desagregação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho e, em seguida, na sessão extraordinária de 15 de novembro de 2022, que aprovou a pergunta a submeter aos cidadãos eleitores no referido referendo local.
2 - O pedido de fiscalização preventiva foi instruído com cópia certificada das atas das referidas reuniões extraordinárias, bem como dos respetivos documentos de suporte.
3 - Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 18 de novembro de 2022, foi ordenada a distribuição do processo.
4 - Discutido o memorando a que se refere o n.º 3 do artigo 29.º do RJRL e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de acordo com o que então se estabeleceu.
II - Fundamentação
5 - Com relevo para a presente decisão, resultam dos autos os seguintes factos:
i) A Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho realizou uma sessão extraordinária no dia 3 de novembro de 2022, tendo como ordem de trabalhos deliberar sobre a reorganização administrativa do território das freguesias da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho.
ii) Nessa sessão extraordinária, o Executivo da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho apresentou uma proposta, datada de 3 de novembro de 2022, visando a «realização de um referendo local para a auscultação da população relativamente [à] desagregação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho», bem como a «criação de um grupo de trabalho com um representante de cada força política com representatividade [na] Assembleia», tendo em vista a elaboração de um «texto elucidativo do conteúdo do referendo para divulgação à população e a elaboração da pergunta a constar no referendo».
iii) A proposta foi aprovada com 14 (catorze) votos a favor, do Partido Socialista, Partido Social Democrata e Partido CHEGA, e 5 (cinco) votos contra, da CDU e Bloco de Esquerda.
iv) Na sequência da constituição do grupo de trabalho, que reuniu no dia 7 de novembro de 2022, os seus membros apresentaram uma proposta, datada de 8 de novembro de 2022, tendo em vista a «votação e aprovação, em assembleia de freguesia extraordinária, da seguinte pergunta a submeter a referendo local: 'Concorda com a separação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho?'».
v) A proposta foi aprovada em nova sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho, realizada em 15 de novembro de 2022, com 15 (quinze) votos a favor, do Partido Socialista, Partido Social Democrata, Partido CHEGA e Bloco de Esquerda, e 4 (quatro) abstenções, da CDU.
6 - Enunciados os factos relevantes, importa seguidamente verificar se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a possibilidade de julgar verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho deliberou realizar, tendo em conta que a competência para esse efeito se encontra atribuída ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, conforme decorre da alínea f) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição, dos artigos 11.º e 105.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica 1/2022, de 4 de janeiro) e dos artigos 25.º e seguintes do RJRL.
7 - No que concerne aos pressupostos do processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, constata-se que o requerente, na qualidade de Presidente da Assembleia que deliberou a realização do referendo, tem legitimidade para desencadear a intervenção do Tribunal Constitucional (artigo 25.º do RJRL) e instruiu o pedido que formulou com o texto das deliberações de que resultou a aprovação da proposta de realização do referendo local e cópia certificada das atas das sessões em que aquelas foram tomadas, cumprindo assim o determinado pelo n.º 1 do artigo 28.º do RJRL.
Para além disso, verifica-se ainda que o pedido foi formulado dentro dos 8 dias subsequentes à deliberação de realização do referendo, observando-se assim o requisito temporal fixado no artigo 25.º do RJRL. Dos autos resulta que o requerimento foi entregue no Tribunal Constitucional no dia 18 de novembro de 2022, ou seja, 15 dias após a primeira deliberação, que aprovou a realização de um referendo local para a auscultação da população relativamente à desagregação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho, e 3 dias depois da segunda deliberação, que aprovou a pergunta a submeter a referendo. Não obstante ser superior a oito dias o tempo decorrido desde a primeira deliberação, o certo é que, para efeitos de subsunção no conceito de «deliberação de realização do referendo» a que alude o artigo 25.º do RJRL, as duas deliberações devem ser havidas como uma só, já que são indissociáveis. Neste sentido, tratar-se-á de uma deliberação tomada a dois tempos, que apenas se completou na sessão extraordinária de 15 de novembro de 2022, momento em que o objeto do referendo ficou perfeitamente concretizado. Mesmo que assim não se entenda, é inequívoco que a segunda deliberação não pode deixar de compreender e integrar o objeto da primeira, na medida em que, ao aprovar o teor da pergunta a submeter a referendo local, tem como premissa necessária a aprovação da realização deste. Assim, sempre será a segunda deliberação a fixar o termo inicial do prazo para apresentação do pedido de fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional previsto no artigo 25.º do RJRL, o que permite concluir que o pedido foi apresentado tempestivamente.
8 - Relativamente aos pressupostos do procedimento administrativo atinente à realização de um referendo de âmbito local, constata-se que o mesmo teve o seu início numa proposta de deliberação apresentada pelo Executivo da Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho, em conformidade com o disposto nos artigos 10.º e 11.º do RJRL. A deliberação foi tomada por órgão competente, i.e. a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho (artigo 23.º do RJRL), respeitando o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJRL, bem como o prazo a que alude o artigo 24.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. Por outro lado, não se verificam os limites temporais e ou circunstanciais estatuídos nos artigos 8.º e 9.º do RJRL.
9 - Analisemos agora a constitucionalidade das deliberações que aprovaram a realização do referendo local com o objetivo de ver respondida pelos eleitores a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho?».
Tendo em conta o disposto o n.º 1 do artigo 240.º da Constituição, nos termos do qual «[a]s autarquias locais podem submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer», há que apurar se o referendo local se reporta a matéria incluída na competência dos órgãos convocantes.
No Acórdão 452/2022, que se pronunciou pela constitucionalidade e legalidade do referendo local relativo à separação da União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro, houve oportunidade de responder afirmativamente a essa questão, esclarecendo-se o seguinte:
«[...]
A criação, a extinção e a modificação de autarquias locais integram a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [alínea n) do artigo 164.º da Constituição], não competindo por isso aos órgãos autárquicos determinar a desagregação de freguesias: a decisão final de separação da União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro não se integra na esfera de competências das autarquias. Ademais, não se está sob o âmbito de aplicação do artigo 249.º da Constituição, nos termos do qual a criação ou extinção de municípios (mas já não de freguesias) é precedida de consulta dos órgãos autárquicos; deste modo, não existe previsão constitucional de consulta dos órgãos autárquicos para a separação das freguesias.
Porém, com a revisão constitucional de 1997, o artigo 240.º (anterior artigo 241.º) deixou de exigir que a matéria a referendar se integre na competência exclusiva dos órgãos autárquicos. Sendo certo que a Constituição remete para a lei ordinária a concretização das «matérias incluídas nas competências» daqueles órgãos, nos termos do seu n.º 1 (cf. Acórdãos n.º 388/2012, n.º 400/2012 e n.º 402/2012).
Ora, nos termos da Lei 39/2021, de 24 de junho, que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias, prevê-se um procedimento deliberativo complexo (artigos 10.º a 13.º), que é aplicável à desagregação de uma união de freguesias «decorrente da Lei 22/2012, de 30 de maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica e da Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro» (n.º 1 do artigo 25.º) - norma que é expressamente invocada na fundamentação da deliberação:
'Artigo 25.º
Procedimento especial, simplificado e transitório
1 - A agregação de freguesias decorrente da Lei 22/2012, de 30 de maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica e da Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias, pode ser transitoriamente corrigida, se fundamentada em erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações, e desde que cumpra os critérios previstos nos artigos 5.º a 7.º, com exceção do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 2 do artigo 7.º da presente lei.
2 - O procedimento previsto no n.º 1 tem início no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, através dos procedimentos definidos nos artigos 10.º a 13.º, na sequência de deliberação por maioria simples das respetivas assembleias de freguesia e assembleia municipal.
3 - A desagregação de freguesias prevista no presente artigo respeita as condições em que as mesmas foram agregadas anteriormente, não podendo, em caso algum, dar origem a novas ou diferentes uniões de freguesias.»
Neste contexto, não apenas o procedimento de desagregação pode ser desencadeado por um terço dos membros do órgão deliberativo da freguesia (n.º 1 do artigo 10.º da Lei 39/2021, de 24 de junho), como - independentemente do modo como haja sido iniciado - têm sempre lugar a apreciação do pedido pela assembleia de freguesia e um parecer obrigatório da junta de freguesia (artigo 11.º). Assim, a matéria integra-se na competência (embora não exclusiva) dos órgãos autárquicos, nos termos permitidos pelo n.º 1 do artigo 3.º do RJRL - que determina poder o referendo local ter por objeto questões que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências «quer exclusivas quer partilhadas com o Estado». O referendo tende a vincular os órgãos de freguesia quanto aos atos da sua competência (n.º 1 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 219.º, ambos do RJRL), designadamente a aprovação do pedido de desagregação submetido à assembleia de freguesia (artigo 11.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). Resta concluir, pois, que o referendo versa sobre questão da competência do órgão convocante, nos termos do n.º 1 do artigo 240.º da Constituição, no contexto da desagregação de freguesias a que se refere o artigo 25.º da Lei 39/2021, de 24 de junho.
Por fim, não se vislumbra que qualquer dos sentidos possíveis do resultado da consulta popular determine a prática de atos ou a adoção de medidas desconformes com quaisquer princípios ou normas constitucionais».
O que se disse no Acórdão 452/2022 é inteiramente transponível para o caso presente.
Na situação vertente, o procedimento de desagregação foi desencadeado pelo órgão executivo da Freguesia, e não, como ali sucedeu, por um terço dos membros do seu órgão deliberativo - o que afasta, desde logo, a exigência do parecer obrigatório a que alude o n.º 1 do artigo 11.º, n.º 1, da Lei 39/2021, de 24 de junho. Tal circunstância, todavia, em nada afeta a validade da conclusão a que ali se chegou. Isto é, a matéria relativa à desagregação das freguesias integra-se na competência (embora não exclusiva) dos órgãos autárquicos, tal como a define o n.º 1 do artigo 240.º da Constituição, constituindo, assim objeto possível de referendo local, uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJRL, este pode incidir sobre «questões [...] que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências quer exclusivas quer partilhadas com o Estado [...]».
Em suma, não se vislumbra qualquer desconformidade com o artigo 240.º, n.º 1, da Constituição, ou com outro preceito constitucional.
10 - No plano da legalidade, verifica-se que a matéria relativa à desagregação de freguesias não apenas se integra na competência dos órgãos autárquicos, como exige o artigo 3.º do RJRL, como não se subsume em nenhuma das exclusões previstas no artigo 4.º do mesmo diploma legal. Não existem, igualmente, razões para entender que a eventual separação das freguesias que atualmente integram a União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho possa de algum modo contender com os princípios da unidade e da subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal, a que alude o n.º 2 do artigo 3.º do RJRL (v., os Acórdãos n.º 452/2022 e 541/2022). Acresce que a questão relativa à união ou desunião das freguesias agregadas na sequência da Lei 22/2012, de 30 de maio, que aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, e da Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procedeu à reorganização administrativa do território das freguesias, é de indiscutível interesse para as respetivas comunidades, o que permite ter por observado no caso o pressuposto fixado no primeiro segmento do n.º 1 do artigo 3.º do RJRL.
Recuperando, uma vez mais, o que se escreveu no Acórdão 452/2022:
«[...]
Também não restam dúvidas de que a eventual desagregação de uma união de freguesias, tendo presente que a configuração das autarquias interfere no modo e nos termos de prestação dos serviços locais às populações, é questão que se reveste de relevante interesse local (n.º 1 do artigo 3.º do RJRL), razão pela qual o legislador previu a intervenção obrigatória dos órgãos autárquicos (artigos 10.º a 13.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). Se de facto existirá um 'erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações', nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º da Lei 39/2021, como se invoca no pedido de fiscalização, e se estarão cumpridos os 'critérios previstos nos artigos 5.º a 7.º, com exceção do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 2 do artigo 7.º', como se exige igualmente naquele artigo 25.º, é questão que se não confunde com a da relevância do interesse local em causa.»
Por fim, verifica-se que a iniciativa não contende com o prazo fixado para o procedimento de desagregação das freguesias agregadas na sequência das Leis n.º 22/2012 e 11-A/2013, que deve ser iniciado, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, da Lei 39/2021, no prazo de um ano após a entrada em vigor desta.
11 - Ainda no âmbito da aferição da legalidade do referendo que foi aprovado, cumpre notar que o mesmo tem por objeto uma só matéria, o que permite ter por observado o n.º 1 do artigo 6.º do RJRL. Relativamente às exigências legais atinentes ao texto a submeter a consulta popular, verifica-se que não é excedido o limite legal das três perguntas e, bem assim, que a única pergunta formulada não é precedida de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas, tudo conforme o previsto nos n.os 1 a 3 do artigo 7.º do RJRL.
Resta apenas indagar se a pergunta a submeter a referendo - recorde-se, «Concorda com a separação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho?» - , reúne as propriedades impostas por lei, tendo em conta que, por força do n.º 2 do artigo 7.º do RJRL, as perguntas devem ser «formuladas com objetividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem direta ou indiretamente o sentido das respostas». Sobre este tema, o Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas vezes, extraindo-se dessa jurisprudência que o «quesito referendário tem de ser formulado de modo a admitir exclusivamente as respostas sim ou não, de acordo com a natureza dilemática ou bipolar da consulta popular» (Acórdão 3/2020); o objeto da concordância ou discordância que os eleitores são chamados a exprimir deve ser «enunciado de forma absolutamente clara e objetiva, não dando azo a qualquer ambiguidade ou obscuridade»; e a pergunta não deve revestir «qualquer complexidade que possa dificultar o seu entendimento», tendo de ser «formulada de modo simples e direto» (Acórdão 423/2020).
Na aplicação destes critérios - extrai-se igualmente dessa jurisprudência -, deverá fazer-se «apelo a um paralelismo com a teoria da impressão do destinatário», tendo presente que «o horizonte para aferir a compreensão das perguntas há de ser o cidadão eleitor normal, sem conhecimentos especializados nas matérias sobre que é inquirido» (Acórdão 531/1998). Significa isto que, «do ponto de vista da fiscalização preventiva da deliberação de referendo, releva unicamente que a pergunta formulada tenha aquela clareza necessária para que o eleitor típico ou mediano compreenda plenamente de que matéria se trata, para que saiba exatamente como exprimir a sua preferência e para que o sentido da sua resposta seja inequívoco. A norma de controlo é a suficiência» (Acórdão 3/2020).
Aplicando a «norma de controlo» a pergunta formulada em termos idênticos aos deliberados pela Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho, o Acórdão 452/2022 chegou à seguinte conclusão:
«[...]
Conforme reiterado no Acórdão 383/2022, impõe-se que o quesito referendário seja formulado de modo a admitir exclusivamente as respostas sim ou não, de acordo com a natureza dilemática ou bipolar da consulta popular. A pergunta aprovada pela Assembleia de Freguesia satisfaz inequivocamente esse requisito.
Poderia questionar-se se o facto de a pergunta se encontrar formulada por referência à 'separação' da união das freguesias em causa, e não à sua continuidade, de algum modo sugeriria o sentido da resposta. No entanto, não pode deixar de concluir-se que assim não é: para além da incontornável circunstância de que a pergunta sempre teria de tomar por referência algum desses dois cursos de ação (o que torna incensurável a opção por qualquer deles), a opção pela 'separação' tem a vantagem de denotar a organização atualmente estabelecida (a União) e de que é sobre a eventual modificação desse status quo que se pretende auscultar a população: a formulação alternativa implicaria que a resposta negativa fosse a que corresponderia a uma alteração do estado de coisas vigente (cf. Acórdão 3/2020). A isso acresce que, estando-se perante uma 'União de Freguesias', a escolha do termo 'separação' traduz ao eleitorado, com rigor, estar em causa a reposição das freguesias agregadas (n.º 3 do artigo 25.º da Lei 39/2021, de 24 de junho), cumprindo as exigências de clareza, mostrando-se objetiva e não sugerindo, direta ou indiretamente, um sentido para a resposta.
Pode, porventura, indagar-se se a pergunta é dotada da precisão exigível, por não estar em causa, como questão a referendar, a decisão final de desagregação (que compete à Assembleia da República) mas o ato de aprovação do pedido de desagregação pela Assembleia de Freguesia, no âmbito de um procedimento complexo (artigos 10.º a 13.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). Ora, não é exigível que o eleitor seja elucidado, pelo próprio teor da pergunta, quanto à competência específica do órgão autárquico cujo exercício está em causa e aos efeitos legais de um ou outro sentido de voto (cf. Acórdão 388/2012). Apenas seria vedado que a pergunta induzisse aos eleitores a ideia de que a decisão quanto à separação da União de Freguesias de Barroselas e Carvoeiro dependia exclusivamente do resultado eleitoral - o que não sucede com a formulação aprovada ('Concorda com a separação da União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro?').
Conclui-se, pois, pelo cumprimento dos requisitos de objetividade, clareza e precisão da pergunta aprovada, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do RJRL.»
É esta jurisprudência, uma vez mais transponível para o caso presente, que importa aqui reiterar, concluindo-se, assim, pela verificação dos requisitos de objetividade, clareza e precisão da pergunta aprovada, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RJRL.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho deliberou realizar, contendo a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho?».
Atesto o voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros José António Teles Pereira e António José da Ascensão Ramos. - Joana Fernandes Costa.
Lisboa, 30 de novembro de 2022. - Joana Fernandes Costa - Lino Rodrigues Ribeiro - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - Maria Benedita Urbano - José Eduardo Figueiredo Dias - Pedro Machete - Assunção Raimundo - João Pedro Caupers.
115974176
Anexos
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Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
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1982-11-15 -
Lei
28/82 -
Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
-
2000-08-24 -
Lei Orgânica
4/2000 -
Assembleia da República
Aprova o regime jurídico do referendo local.
-
2012-05-30 -
Lei
22/2012 -
Assembleia da República
Aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica.
-
2013-01-28 -
Lei
11-A/2013 -
Assembleia da República
Procede à reorganização administrativa do território das freguesias.
-
2021-06-24 -
Lei
39/2021 -
Assembleia da República
Define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias
-
2022-01-04 -
Lei Orgânica
1/2022 -
Assembleia da República
Harmoniza a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu com as disposições em vigor na ordem jurídica portuguesa sobre perda de mandato de titulares de cargos eletivos, alterando a Lei n.º 14/87, de 29 de abril, e a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional
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