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Decreto 1/2022, de 5 de Janeiro

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Sumário

Classifica como bens de interesse nacional o Cravo, João Batista Antunes, século XVIII (1789), MNM 373, e o Pianoforte, Henri-Joseph Van Casteel, século XVIII (1763), MNM 425, e como conjunto de interesse nacional os três bustos imperiais provenientes da Villa Romana de Milreu: Agrippina minor, Adriano e Galieno, sendo-lhes atribuída a designação de «tesouro nacional»

Texto do documento

Decreto 1/2022

de 5 de janeiro

Sumário: Classifica como bens de interesse nacional o Cravo, João Batista Antunes, século xviii (1789), MNM 373, e o Pianoforte, Henri-Joseph Van Casteel, século xviii (1763), MNM 425, e como conjunto de interesse nacional os três bustos imperiais provenientes da Villa Romana de Milreu: Agrippina minor, Adriano e Galieno, sendo-lhes atribuída a designação de «tesouro nacional».

O presente decreto procede à classificação como bens de interesse nacional dos bens móveis Cravo, João Batista Antunes, século xviii (1789), MNM 373, e Pianoforte, Henri-Joseph Van Casteel, século xviii (1763), MNM 425, e como conjunto de interesse nacional dos três bustos imperiais provenientes da Villa Romana de Milreu: Agrippina minor, Adriano e Galieno, sendo atribuída aos referidos bens e conjunto a designação de «tesouro nacional».

De acordo com os critérios e os pressupostos de classificação previstos na Lei 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, os bens que o Governo classifica como de interesse nacional revestem-se de excecional interesse nacional, pelo que se torna imperativo que se lhes proporcione especial proteção e valorização, nos termos que a lei prevê.

Nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 3.º e do artigo 16.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, os procedimentos de classificação do conjunto de bens móveis e dos bens móveis identificados documentam e demonstram o seu interesse cultural relevante, entre outros, nos domínios histórico, arqueológico, artístico e social, e, ainda, valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, criatividade, raridade e exemplaridade.

Os bens e o conjunto ora classificados refletem os critérios, constantes do referido artigo 16.º, relativos, nomeadamente, ao seu caráter matricial, ao génio do respetivo criador, ao seu valor estético, técnico e material intrínseco, ao facto de representarem testemunho notável de vivências ou factos históricos, à sua importância na perspetiva da sua investigação histórica e científica e ao que nela se reflete do ponto de vista de memória coletiva e ao seu estado de conservação.

Assim, no que concerne ao Cravo, João Batista Antunes releva referir que estudos recentes permitiram atribuir o cravo Antunes 1789 a João Batista Antunes, filho mais novo e um dos continuadores do ofício do construtor de cravos lisboeta Manuel Antunes, cuja oficina estendeu o negócio por três gerações e igual número de reinados (de D. João V a D. Maria I). Este cravo parece resultar da época de apogeu do labor de João Batista Antunes, e coloca a sua obra num patamar de inovação até então inédito em Portugal, permitindo igualmente um vislumbre do que poderão ter sido a sonoridade e os ideais estéticos nacionais e ibéricos. É uma peça de absoluta raridade no pequeno conjunto de cravos portugueses conservados até aos nossos dias, mais rara ainda se se considerar apenas aqueles existentes em coleções nacionais, constituindo um dos únicos quatro instrumentos conhecidos fabricados pela família Antunes, e representando ainda, pelas suas características particulares, um caso excecional em todo o mundo.

Entre as particularidades que o cravo apresenta estão o contraste entre o exterior da caixa, tradicional, simples e austero, com um interior de exuberantes ramagens pintadas pouco habitual nos cravos portugueses, bem como a estrutura de grandes dimensões da caixa, da qual, conjugada com outros aspetos construtivos, resultou um encordoamento misto, em latão e ferro, e uma consequente sonoridade algo experimental, e ainda um teclado de extensão atípica, situável entre as maiores conhecidas em instrumentos sobreviventes do século xviii em quaisquer tradições europeias. Esta invulgar encomenda, para a qual não há sequer repertório conservado de compositores coevos, destinava-se, possivelmente, a permitir que o instrumento pudesse competir com o pianoforte, que daria origem ao piano moderno, e estava então em voga por toda a Europa.

Da criatividade e arrojo de João Baptista Antunes resultou um instrumento de características únicas, que, apesar do aspeto um pouco tosco e da construção aparentemente pouco sofisticada, não apenas revelou ter uma sonoridade de excecional qualidade, mas igualmente uma mecânica muito precisa. Restaurado, o cravo está atualmente em condições de utilização, contribuindo para preservar o património musical nacional e para revelar um pouco daquilo que terá sido o cravo português setecentista e a autêntica sonoridade da música cravística barroca em Portugal, bem como as conceções estéticas dos mestres construtores que serviram o desenvolvimento da música para tecla na Península Ibérica, entre os séculos xvii e xviii.

No que alude ao Pianoforte, importa referir que da passagem por Lisboa do construtor flamengo de instrumentos de teclas Henri-Joseph Van Casteel se conhece apenas um testemunho material, o Pianoforte datado de 1763 que se conserva no Museu Nacional da Música. O instrumento integra-se ainda na primeira fase da construção pianística europeia, sendo bastante fiel à matriz desenvolvida pelo veneziano Bartolomeu Cristofori, embora apresentando características experimentais e outras particularidades que acrescem à sua absoluta raridade e ao seu grande valor para a reconstituição da sonoridade da música portuguesa anterior ao século xix. Entre estas destacam-se a afinação original, num diapasão correspondente à afinação moderna, sem paralelo conhecido no seu contexto e época, ou a reduzida extensão do teclado, oposta à tendência de ampliação que então se verificava e que culminaria, no século xx, no teclado moderno, mas que tornam este pianoforte perfeitamente adequado à execução de obras de compositores nacionais, como Carlos Seixas ou Francisco Xavier Baptista, fazendo dele uma chave fundamental para a compreensão dos princípios interpretativos da música portuguesa coeva.

A isto soma-se o seu valor como testemunho do desenvolvimento, em Lisboa, de uma tradição artesanal nacional resultante da fusão entre modos de fazer flamengos, italianos (nomeadamente florentinos) e portugueses, e, consequentemente, o seu elevado interesse para a investigação do universo da construção portuguesa e ibérica de cordofones na época clássica da música erudita ocidental, sendo que a conformação dos artífices estrangeiros ao modo de fazer nacional, bem patente nesta obra de Van Casteel, presta bom testemunho da firmeza da tradição construtiva nacional.

De referir, igualmente, a absoluta raridade da peça, o mais antigo de entre o reduzidíssimo número de pianofortes de fabrico nacional conservados até aos nossos dias, um dos dois existentes em coleções nacionais, e o único pianoforte atribuível a Van Casteel existente no mundo, bem como o seu recente e exemplar restauro, que permitiu a manutenção da qualidade intrínseca e da grande clareza tímbrica deste autêntico tesouro.

No que respeita ao conjunto de bens móveis composto por três bustos imperiais provenientes da Villa Romana de Milreu: Agrippina minor, Adriano e Galieno, importa referir que as Ruínas Romanas de Milreu ou Ruínas de Estoi se encontram classificadas como monumento nacional, conforme o Decreto de 16 de junho de 1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23 de junho de 1910.

Entre o rico conjunto decorativo da Villa Romana de Milreu, sítio arqueológico correspondente a uma das mais importantes propriedades agrícolas romanas do sul de Portugal, composta por casa senhorial de grandes dimensões, organizada em redor de pátio central com peristilo, instalações agrárias, balneário e templo, presumivelmente fundada no início do século i, destaca-se a presença de um conjunto de bustos imperiais que compõe a maior coleção de retratos desta tipologia descoberta em contexto peninsular, talvez resultado do colecionismo de peças importadas por proprietários da vila em época tardia, tendo em conta as distintas cronologias dos bustos, que se situam entre os séculos i e iii.

Os bustos de Agrippina minor e de Adriano foram descobertos, em 1966, num compartimento junto ao peristilo da vila romana, sob os mosaicos. O busto de Galieno era já conhecido nas últimas décadas do século xix, encontrando-se então numa coleção privada.

O primeiro busto, datável do século i, representa Júlia Agripina Menor, mãe de Nero e mulher de Cláudio, e corresponde à primeira imagem oficial de Agrippina minor como imperatriz. Constitui um dos apenas nove retratos de Agrippina encontrados em toda a Hispânia e o único em contexto rural, o qual tem paralelo no busto existente no Museu Arqueológico de Milão.

O busto identificado como um retrato de Adriano no ano em que visita a Hispânia (121 d. C.), datado do início do segundo quartel do século ii, com alusões estéticas ao gosto grego que aquele admirava, é uma raridade em termos das representações deste imperador descobertas em ambiente privado, tendo como paralelo o busto existente no Museu Nacional Romano.

O busto de Galieno, datado da segunda metade do século iii, uma cabeça, fragmentada na zona do pescoço, que terá integrado uma estátua completa, constitui uma obra de apreciável execução, destacando-se mesmo a nível internacional, no conjunto de retratos imperiais, como um dos mais notáveis e representativos deste imperador, e é o único descoberto, até ao momento, na Península Ibérica, tendo paralelo no busto da Casa das Vestais do Museu Nacional Romano.

Estes três bustos, em excelente estado de conservação, representam um testemunho excecional das vivências de proprietários romanos abastados do sul do território nacional, apresentando-se, igualmente, como exemplares extraordinários da produção artística do período romano na península itálica.

Face ao exposto, nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, foram emitidos pareceres favoráveis da Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial do Conselho Nacional de Cultura, bem como foram cumpridos os procedimentos de audiência prévia dos interessados previstos no artigo 20.º do mencionado diploma, de acordo com o disposto no Código do Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual.

Assim:

Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, na sua redação atual, do n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º

Classificação

1 - São classificados como bens de interesse nacional os seguintes bens móveis:

a) O Cravo, João Batista Antunes, século xviii (1789), MNM 373, identificado no anexo i do presente decreto e do qual faz parte integrante;

b) O Pianoforte, Henri-Joseph Van Casteel, século xviii (1763), MNM 425, identificado no anexo ii do presente decreto e do qual faz parte integrante.

2 - São classificados como conjunto de interesse nacional os três bustos imperiais de Agrippina minor, Adriano e Galieno provenientes da Villa Romana de Milreu, identificados no anexo iii do presente decreto e do qual faz parte integrante.

3 - É atribuída a designação de «tesouro nacional» aos bens móveis e ao conjunto de bens móveis classificados.

Artigo 2.º

Entrada em vigor

O presente decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 9 de dezembro de 2021. - Pedro Gramaxo de Carvalho Siza Vieira - Graça Maria da Fonseca Caetano Gonçalves.

Assinado em 18 de dezembro de 2021.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendado em 21 de dezembro de 2021.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

ANEXO I

[a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º]

Descrição do bem móvel classificado

Designação: Cravo, João Batista Antunes.

Cronologia: século xviii.

Função original: instrumento musical.

Material: madeira (caixa em macacaúba e pinho, teclas acidentais em ébano e pau-santo, teclas naturais em buxo).

Dimensões: L1 105,8 x L2 31,4 e S 47,8 x C 266 cm.

Decoração: caixa pintada de cor verde uniforme e tampo harmónico decorado com flores cor-de-rosa e azuis e folhagens verdes.

ANEXO II

[a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º]

Descrição do bem móvel classificado

Designação: Cravo de Martelos/Pianoforte (cordofone/cordofone de teclas).

Cronologia: século xviii.

Função original: instrumento musical.

Material: madeira (caixa em madeira de conífera, macacaúba e pau-santo, teclas encapadas em buxo e pau-santo).

Dimensões: L1 87 x L2 24,8; C 227 cm.

Decoração: caixa pintada de cor verde uniforme, interior em cor de tijolo.

ANEXO III

(a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º)

Descrição do conjunto de bens móveis classificados

Busto n.º 1

Designação: busto/retrato de Agrippina minor.

Cronologia: época de Cláudio (século i d. C.).

Função original: decorativa/simbólica.

Material: mármore branco.

Dimensões: altura 47,5 cm.

Busto n.º 2

Designação: busto/retrato de Adriano.

Cronologia: anos 121 ou 122 d. C.

Função original: decorativa/simbólica.

Material: mármore branco.

Dimensões: altura 43,2 cm.

Busto n.º 3

Designação: busto/retrato de Galieno.

Cronologia: ano de 260 d. C.

Função original: decorativa/simbólica.

Material: mármore branco com vestígios de policromia.

Dimensões: altura 29 cm.

114841147

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4761389.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-09-08 - Lei 107/2001 - Assembleia da República

    Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.

  • Tem documento Em vigor 2015-08-04 - Decreto-Lei 148/2015 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime da classificação e da inventariação dos bens móveis de interesse cultural, bem como as regras aplicáveis à exportação, expedição, importação e admissão dos bens culturais móveis

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2022-04-12 - Acórdão do Tribunal Constitucional 180/2022 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 4.º, n.º 2, alíneas b) e f), e das normas do artigo 13.º do «Regime Jurídico da Atividade de Transportes Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir de Plataforma Eletrónica para a Região Autónoma dos Açores», aprovado pelo Decreto n.º 1/2022, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

  • Tem documento Em vigor 2024-02-23 - Acórdão do Tribunal Constitucional 68/2024 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 11.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2020/M, de 2 de outubro, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e nos artigos 4.º, n.º 2, 8.º e 9.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2021/M, de 25 de janeiro, do Governo da Região Autónoma da Madeira; não restringe os efeitos da referida declaração de inconstitucionalidade e, nomeadamente, a sua eficácia retroativa

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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