Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020
Sumário: Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.
Plenário
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, alterada por último pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, doravante LTC), a organização de processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, para apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.
Alega o Requerente que tal norma foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.os 461/2016, 298/2018, 307/2018 e 567/2018, bem como na Decisão Sumária n.º 483/2018, decisões transitadas em julgado.
2 - O Presidente da Assembleia da República, notificado nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, ofereceu o merecimento dos autos e remeteu uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios conducentes à aprovação da norma contida no artigo 24.º, n.º 5, alínea a) da Lei 34/2004, de 29 de julho, dando conta da inexistência, nesse contexto, de elementos com relevância para os presentes autos.
3 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4 - De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição, e no artigo 82.º da LTC, o Tribunal Constitucional aprecia, com vista a eventual declaração com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. O presente processo de fiscalização abstrata sucessiva foi promovido pelo Ministério Público, ao qual, nos termos do artigo 82.º da LTC, assiste legitimidade para tal.
Encontra-se igualmente preenchido o requisito da repetição de julgados, com referência aos juízos de inconstitucionalidade proferidos nos Acórdãos n.º 461/2016, 298/2018, 307/2018 e 567/2018, e também na Decisão Sumária n.º 483/2018, todos mobilizando o mesmo fundamento de inconstitucionalidade: a infração do artigo 20.º, n.os 1 e 4 da Constituição.
Mostra-se, assim, verificados os pressupostos para que o Tribunal aprecie a generalização do juízo de inconstitucionalidade proferido em sede de fiscalização concreta.
5 - A norma fiscalizada encontra-se contida na alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, relativa ao regime de acesso ao direito e aos tribunais. Ainda que a lei tenha sido objeto de várias alterações, operadas pelas Leis 47/2007, de 28 de agosto e 40/2018, de 8 de agosto Decreto-Lei 120/2018, de 27 de dezembro, a disposição de que se retira a norma fiscalizada mantém a sua redação originária:
Artigo 24.º
Autonomia do procedimento
1 - O procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com exceção do previsto nos números seguintes.
2 - [...]
3 - [...]
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
O preceito em causa [alínea a) do n.º 5] insere-se no capítulo dedicado à proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, regulando os efeitos do pedido de apoio judiciário quando o requerente pretende nomeação de patrono [alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 16.º] em pedido apresentado na pendência de uma ação judicial. De acordo com o n.º 4 do artigo 24.º, tal determina a interrupção dos prazos judiciais em curso; os quais se reiniciam nas condições previstas no n.º 5: se houver indeferimento, com a notificação ao requerente dessa decisão [alínea b)]; no caso de decisão favorável, o prazo reinicia-se com a notificação ao patrono nomeado da sua designação [alínea a)].
É justamente sobre o momento do reinício de prazo previsto na alínea a) que incidiram os juízos de inconstitucionalidade que motivaram os presentes autos. Na interpretação normativa em exame, extraída daquela disposição, postula-se o reinício do decurso do prazo com notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela não ter sido notificado. Nos termos da norma, o início do prazo judicial dá-se independentemente de o requerente do apoio judiciário conhecer a identidade do patrono nomeado; apenas releva a notificação ao patrono na respetiva designação.
6 - A interrupção dos prazos por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono - estabelecida pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei 35/2004, de 29 de julho - foi entendida, pelo Tribunal Constitucional, como garantia inerente ao direito à de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. No Acórdão 461/2016, apontam-se as razões em que assenta o mecanismo interruptivo dos prazos processuais, enquanto instrumento alicerçado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, em termos que importa aqui recuperar:
«6 - Dentre as várias modalidades operativas de proteção jurídica comportadas no referido regime - elencadas no artigo 16.º, n.º 1 da Lei 34/2004, de 29 de julho - , a norma em apreço disciplina os efeitos do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, quando apresentado na pendência de ação.
Quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica idónea a suportar o custo de tais serviços, pode requerer que lhe seja nomeado patrono e satisfeito pelo Estado - total ou parcialmente - o respetivo pagamento, devendo fazê-lo, por regra, antes da primeira intervenção processual subsequente a tal necessidade (artigo 18.º, n.os 2 e 3 da Lei 34/2004, de 29 de julho), junto dos serviços da segurança social da área de residência ou sede do requerente, entidade administrativa competente para a respetiva decisão (artigos 20.º e 21.º da Lei 34/2004, de 29 de julho). Mas, porque a resposta a essa pretensão não é imediata, coloca-se o problema de acautelar que, até que seja emitida uma decisão, positiva ou negativa, o normal decurso do processo pendente, mormente no plano dos prazos processuais preclusivos já em curso, não comprometa irremediavelmente a posição do requerente de apoio judiciário.
7 - Esse problema encontra resposta no mecanismo interruptivo dos prazos em curso e nova contagem por inteiro, estatuído nos n.os 4 e 5 do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, solução normativa que, cabe assinalar, não pode ser tido como inovadora.
Na verdade, a previsão de norma a estatuir a interrupção da contagem de prazo em curso como efeito da dedução de pedido de nomeação de patrono remonta ao Decreto-Lei 562/70, de 18 de novembro. No seu artigo 4.º, foi estabelecido que o pedido de nomeação de patrono operava a suspensão da instância - o que, por seu turno, já acontecia no regime anterior, constante do artigo 6.º do Decreto 33 548, de 23 de fevereiro de 1944 - e, bem assim, por força do n.º 2 do mesmo preceito, que "[o] prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido conta -se de novo, por inteiro, a partir do momento do despacho que dele conhecer".
Seguiu-se o Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de dezembro, onde se acolheu, na redação original, a suspensão do prazo em curso e, a partir da alteração operada pela Lei 46/96, de 3 de setembro, a interrupção do prazo em curso, por efeito da apresentação do pedido de nomeação de patrono, e o respetivo reinício a partir "da notificação do despacho que dele conhecer" (artigo 24.º, n.º 2).
Nos diplomas referidos, a concessão de apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, assentou essencialmente num modelo jurisdicional, constituindo incidente do processo a tramitar por apenso, para cuja decisão era competente o juiz da causa. A este cabia igualmente, em caso de deferimento do requerido, nomear o patrono a partir de uma escala organizada para o efeito pela Ordem dos Advogados.
A Lei 30-E/2000, de 20 de dezembro, afastou-se desse modelo, que substituiu por sistema de índole administrativa, conferindo inteira autonomia ao procedimento de proteção jurídica, ainda que com repercussões excecionais no andamento da causa a que respeite (artigo 25.º). Entre as exceções previstas encontrava-se justamente a interrupção dos prazos em curso e o seu reinício [artigo 25.º, n.os 4 e 5, alíneas a) e b), da Lei 30-E/2000, de 20 de dezembro].
No âmbito do regime da Lei 30-E/2000, de 29 de dezembro, através dos Acórdãos n.os 98/2004, 467/2004 e 285/2005, o Tribunal foi chamado a apreciar a conformidade constitucional da norma do n.º 4 do artigo 25.º, sendo questionado o ónus de junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, para efeitos de interrupção dos prazos processuais que estiverem em curso. Em todos os arestos, foi sublinhada a essencialidade da interrupção dos prazos em cursos para respeitar a garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados, contida no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o imperativo constitucional de igualdade entre os cidadãos (artigo 13.º da Constituição), na vertente da igualdade de armas. Lê-se no Acórdão 98/2004:
"O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.
Nesta conformidade, há de a lei estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.
Tais medidas impõem -se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos.
É, aliás, essa a razão do disposto no artigo 25.º, n.º 4, da Lei 30-E/2000, ao determinar, nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de ação judicial, a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade."
E, acrescentou o Acórdão 467/2004:
"[A] norma em causa dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que "o prazo que estiver em curso interrompe-se" com a junção aos autos deste documento.
A ratio do preceito é evidente. Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei 30-E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a ação, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação. O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado."
A normação contida, neste particular, na Lei 30-E/2000, de 20 de dezembro, foi transposta, sem alterações, para os n.os 4 e 5, alíneas a) e b), do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, pelo que o entendimento firmado nos referidos Acórdãos mantém atualidade, no quadro do regime aplicável nos presentes autos.»
Deste modo, a interrupção do prazo judicial por efeito da apresentação, na pendência de uma ação, de um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi entendida como garantia do acesso à justiça: se assim não fosse, pôr-se-iam em causa os direitos processuais dos sujeitos carecidos de meios económicos, impossibilitados de contratar um patrono para defender as suas razões em litígio durante o prazo judicial em curso.
A norma ora fiscalizada não se liga ao estabelecimento da interrupção dos prazos, mas à definição do momento em que estes se reiniciam. Sendo certo que a definição dessa ocasião obedece, necessariamente, às mesmas razões que determinaram a interrupção: a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir, em condições de igualdade com as outras partes, utilizar os meios processuais ao seu dispor.
Como é referido no Acórdão 461/2016:
«8 - A questão aqui em apreço radica, não já no momento interruptivo - e nos ónus que lhe estão associados - , mas, a jusante, no momento em que, feita a notificação da nomeação de patrono, ocorre a cessação desse efeito e volta a correr o prazo processual, in casu o prazo para a contestação em processo de injunção.
Não obstante, ainda que distintos, aos dois momentos preside a mesma teleologia: proporcionar ao interessado carenciado de recursos económicos meios de defender em juízo de forma tecnicamente efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, assegurando que tenha acesso a quem esteja legalmente habilitado a exercer o patrocínio judiciário e possa, por intermédio deste, exercer em condições de igualdade com os demais litigantes os instrumentos processuais ao seu dispor. Ora, se, como se viu, a solução de paralisia do prazo em curso obedece à necessidade de preservar a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir aos autos através de técnico do direito expor as suas razões de facto e de direito, então, por identidade de razão, o reinício do prazo interrompido haverá de obedecer à reunião de condições que garantam o efetivo estabelecimento e a atuação de uma relação de patrocínio judiciário. O que pressupõe naturalmente, como em qualquer relação comunicante, o conhecimento pelos seus dois polos - patrono e patrocinado - da existência de um tal vínculo. Daí que, e como sublinha Salvador da Costa (O Apoio Judiciário, 6.ª edição, 2007, Almedina pp. 198-199), o legislador tenha cuidado especialmente na Lei 34/2004, de 29 de julho, dos termos e conteúdo da notificação aos interessados da decisão de nomeação de patrono».
Tomada a decisão relativa à concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, e sendo esta favorável ao requerente, a norma em crise determina que o prazo se reinicie com a notificação do patrono da respetiva designação, mesmo quando o requerente dela não tiver conhecimento, por não ter sido ainda notificado. Isto é, na interpretação normativa fiscalizada, o prazo reinicia-se em circunstâncias em que o interessado não conhece o patrono nomeado.
Sobretudo tendo em conta que os distintos métodos de notificação (do patrono nomeado e do requerente do apoio judiciário) podem conduzir a que o interessado só conheça da designação de patrono muito depois de o advogado designado ter sido notificado. Como se disse no Acórdão 461/2016:
«9 - Com efeito, em caso de deferimento do requerimento de nomeação de patrono por decisão da Segurança Social, de acordo com os critérios legais de insuficiência económica, segue-se uma nova fase, da competência da Ordem dos Advogados. A esta cabe a nomeação do advogado que irá assegurar a defesa do requerente de patrocínio judiciário e também desenvolver os procedimentos de nomeação e comunicações impostos pelos artigos 26.º, n.º 4 e 31.º, n.os 1, 2 e 4, da Lei 34/2004, de 29 de julho, a saber:
i) Notificação do patrono nomeado de que o foi e qual o representado, com expressa advertência do início do prazo judicial (n.º 1 do artigo 31.º);
ii) Notificação do requerente de apoio judiciário da decisão de nomeação, igualmente com expressa advertência do início do prazo judicial (n.º 1 do artigo 31.º) e menção expressa da identidade e localização do escritório do patrono, com menção do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado (n.º 2 do artigo 31.º);
iii) Comunicação ao tribunal da nomeação (n.º 4 do artigo 26.º [no Acórdão 461/2016, por evidente lapso de escrita, consta "n.º 4 do artigo 31.º").
Em si mesmo, o sistema de notificações, assim delineado, parece reunir condições idóneas a fazer chegar aos seus destinatários toda a informação relevante para que, de imediato, patrono e patrocinado possam comunicar entre si.
Intercede, porém, uma outra vertente do regime, com influência no problema em análise. Trata-se da crescente introdução de mecanismos de automatização e desmaterialização do procedimento de nomeação e de notificação do advogado nomeado, o que passou a ser feito na modalidade de envio de correio eletrónico através do sistema informático próprio da Ordem dos Advogados - denominado SINOA - de acordo com os artigos 2.º e 29.º da Portaria 10/2008, de 3 de janeiro, alterada pelas Portarias 210/2008, de 29 de fevereiro, 654/2010, de 11 de agosto e 319/2011, de 30 de dezembro. Enquanto isso, a notificação do beneficiário do apoio judiciário segue a via postal registada.
Pese embora os anteriores regimes de notificação, a cargo da secretaria judicial, não tenham sido imunes a situações pontuais em que as notificações da decisão de nomeação de patrono não ocorreram em simultâneo - a jurisprudência dá notícia de dois casos (cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de outubro de 1981, publicado na Coletânea de Jurisprudência, ano IV, tomo IV, p. 116 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10 de abril de 1997, in Coletânea de Jurisprudência, ano XII, pp. 72-73), ambos resolvidos no sentido de considerar operante a última notificação - , o regime aplicável aos presentes autos propicia que exista uma dilação temporal significativa entre a instantânea receção e produção de efeitos da mensagem de correio eletrónico enviada através do SINOA ao advogado nomeado, e a data em que se presume recebida a notificação feita por carta registada (o terceiro dia posterior ao do registo ou o terceiro dia útil seguinte, quando o não seja), dirigida à residência ou sede ou para o domicílio escolhido para tal pelo requerente da nomeação de patrono (artigo 249.º do CPC). Foi o que aconteceu no caso vertente, mediando 15 dias entre a notificação eletrónica e a notificação postal».
Ademais, deve notar-se que o sistema de designação dos patronos constante nas normas das Portarias citadas no Acórdão 461/2016 (que não sofreram qualquer alteração) assenta na nomeação de advogados para lotes de processos (artigo 18.º da Portaria 10/2008, de 3 de janeiro, alterada pelas Portarias 210/2008, de 29 de fevereiro, 654/2010, de 11 de agosto e 319/2011, de 30 de dezembro). Ora, como nota Salvador da Costa, Apoio Judiciário, 9.ª Edição, 2013, p. 191, não parece ter sido esse o modelo pressuposto pelo legislador quando determinou o reinício do prazo com a notificação ao patrono da sua designação: «O disposto neste artigo foi pensado para um sistema de intervenção de causídicos no sistema do acesso ao direito e aos tribunais algo diverso daquele que foi adotado no regulamento do apoio judiciário, em que aos profissionais forenses são atribuídos lotes de processos. As suas normas estão vocacionadas para a nomeação isolada para processos, mas não para aquela nova realidade, pelo que se impõe a sua interpretação e aplicação adaptadas a nova situação, tendo em vista que o fim é o conhecimento pelo requerente de patrocínio oficioso de quem é o seu patrono e, por este, a quem deve patrocinar».
Por força deste sistema, ainda que o advogado designado, notificado da designação como patrono num lote de processos, tenha um dever de assegurar o efetivo patrocínio - e, desse modo, procurar ex officio o contacto com o requerente [alínea b) do artigo 10.º do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados - Regulamento 330-A/2008 de 24 de junho, publicado na 2.ª série, Diário da República, n.º 120, Suplemento de 2008-06-24, alterado pelas Deliberações n.º 1733/2010, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 188, de 27 de setembro de 2010, n.º 1551/2015, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 152, de 6 de agosto de 2015, e n.º 230/2017, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 61, de 27 de março de 2017] - é conjeturável a inviabilidade de contactar imediatamente todos os beneficiários de apoio judiciário do lote atribuído.
Daí que se questione a conformidade dessa solução normativa com o direito de acesso à justiça e com o direito a um processo equitativo, nas suas dimensões de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa (n.os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição), o que mereceu resposta negativa do Tribunal no referido Acórdão 461/2016, cujo conteúdo foi reproduzido nos Acórdãos n.os 298/2018, 307/2018, e 567/2018:
«10 - Feito este percurso, retomemos a apreciação da conformidade constitucional do sentido normativo cuja aplicação foi recusada, isto é, que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, mesmo que o requerente do apoio judiciário dela não tenha conhecimento por via de notificação.
Para o tribunal a quo, e também para o recorrente, o início do prazo interrompido nas apontadas condições de desconhecimento pelo requerente de apoio judiciário sobre a identidade de quem o patrocina em juízo, e à qual deve colaboração, coloca este em posição de indefesa, podendo ver frustrado o seu direito de acesso à justiça devido a insuficiência de meios económicos.
De facto, desconhecendo a nomeação e a identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado de defesa, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr. Aliás, a dupla advertência imposta pelo legislador no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 34/2004, de 29 julho, visa justamente obstar a uma tal situação de impotência, e de indefesa, consubstanciadora de uma posição processual desfavorável em relação às partes ou sujeitos processuais que possam suportar a constituição de mandatário, em termos similares ao que se julgou nos Acórdãos n.os 98/2004 e 467/2004.
11 - É certo que a notificação do patrono nomeado assegura de imediato o estabelecimento da relação de representação em juízo, nada obstando a que o advogado, ciente da premência da obtenção de elementos para a defesa, desencadeie sponte sua o contacto com quem patrocina, fazendo-o em tempo côngruo com o respeito pelo prazo processual cuja contagem se iniciou com a sua notificação. Note-se que, nos termos do artigo 10.º, alíneas b) e e) do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados, aprovado pelo Regulamento 330-A/2008, de 24 de julho, na redação vigente à data (com as alterações decorrentes da Deliberação 1733/2010 do Conselho Geral da Ordem dos Advogado, de 27 de setembro; seguiram-se as alterações operadas pela deliberação 1551/2015, de 23 de julho), é dever do advogado participante no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, praticar todos os atos necessários à defesa do patrocinado do apoio judiciário, "não obstante as limitações e dificuldades, decorrentes do seu desinteresse ou da sua falta de colaboração" e indicar na área reservada do portal da Ordem dos Advogados, entre outros dados, "o fim para o qual foi requerido o apoio judiciário".
Porém, mesmo que o cumprimento de tais deveres postule uma conduta ativa por parte do advogado nomeado no quadro do apoio judiciário, de modo a que a comunicação entre representante e representado seja estabelecida antes mesmo do recebimento da notificação estipulada nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, não existem garantias normativas idóneas a assegurar que assim aconteça em todos os casos. E, sobretudo, não remove a possibilidade de o cidadão economicamente carenciado sofrer, sem culpa sua, um encurtamento, ou até a inutilização, do prazo de organização e exercício da sua defesa em juízo com a assistência de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do processo, face ao que teria ao seu dispor caso, logo após a notificação do requerimento de injunção, contasse com meios económicos para contratar de imediato os serviços de um advogado como seu mandatário. Persiste o risco, incompatível com o respeito pelo processo equitativo, na dimensão de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), de o interessado economicamente carenciado não poder defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo se poderá esgotar, quer porque disporá de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado.
12 - Conclui-se, pelo exposto, pela desconformidade constitucional, à luz da norma-princípio de garantia de acesso direito e aos tribunais, sem denegação por insuficiência de meios económicos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), da interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado».
Na verdade, a interpretação normativa em crise importa a cessação do efeito interruptivo quando ainda não estão reunidas as condições para que o requerente de apoio judiciário possa, em condições de igualdade com os litigantes que não são economicamente carenciados, utilizar os meios processuais em sua defesa. O que é desconforme com o direito a um processo equitativo e com o direito de acesso à justiça.
Devendo ser reiterada essa orientação jurisprudencial, cumpre proferir juízo de generalização, nos termos do n.º 3 do artigo 281.º da Constituição, como peticionado.
III - Decisão
Pelo exposto, decide o Tribunal Constitucional declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação dos n.os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.
Notifique.
O relator atesta o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros José Teles Pereira, Lino Rodrigues Ribeiro e Maria José Rangel de Mesquita. Fernando Vaz Ventura.
Lisboa, 13 de outubro de 2020. - Fernando Vaz Ventura - Maria de Fátima Mata-Mouros - Gonçalo Almeida Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho - Pedro Machete - João Pedro Caupers - Manuel da Costa Andrade.
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