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Acórdão 712/2014, de 18 de Dezembro

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Sumário

Julga inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, enquanto manda aplicar o limite mínimo (1 mês) previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal (atualmente artigo 41.º), a um tipo penal previsto em legislação avulsa - no caso, o crime de pesca ilegal previsto nos artigos 3.º, 33.º, 44.º, alínea a), e punido nos termos do artigo 65.º, todos do Regulamento da Lei n.º 2097, de 6 de junho de 1959, aprovado pelo Decreto n.º 44623, de 10 de outubro de 1962 - cuja moldura penal se situa entre os 10 e os 30 dias de prisão

Texto do documento

Acórdão 712/2014

Proc. n.º 534/14

Acordam, na 2.ª secção, do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público, e recorrido José Domingos Almeida, foi interposto recurso obrigatório, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.os 1, alínea a), e n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), de despacho proferido pelo Juízo de Instrução Criminal de Águeda - Comarca do Baixo Vouga (fls. 50 e 51), que recusou a aplicação do "convocado § único do artigo 67.º do Decreto-Lei 44623 de 10-10-62, por inconstitucionalidade do mesmo".

2 - No requerimento de interposição do recurso, o Ministério Público precisou o objeto do seu recurso nos seguintes termos:

"(...)

Porquanto tal despacho recusou a aplicação da norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 3.º, 33º, 44º, al. a), e 65º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962 (sendo de notar que tal despacho, com certeza por lapso de escrita e uma vez que se refere a pena de prisão, se refere ao artigo 46.º do Código Penal de 1982);

Recusa essa que tem como fundamento a inconstitucionalidade de tal norma legal, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da culpa, da igualdade, de necessidade e da proporcionalidade (invocados em tal despacho);

Considerando, em consequência, não punível a conduta que naqueles autos é imputada ao arguido e, portanto, recusando a sua concordância com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.

Tal juízo de inconstitucionalidade constituiu o fundamento normativo da decisão contida no sobredito despacho.

Traz-se, assim, à apreciação do Tribunal Constitucional a norma desaplicada pelo Tribunal a quo: a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, quando conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 3.º, 33º, 44º, al. a), e 65º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962;

Requerendo-se seja apreciada a sua constitucionalidade."

3 - Notificado para alegar o Ministério Público veio concluir o seguinte:

"1 - A existência de penas de prisão fixas, não é constitucionalmente admissível, face aos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.

2 - A norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, enquanto manda aplicar o limite mínimo (1 mês) previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal (atualmente artigo 41.º), a um tipo penal previsto em legislação avulsa - no caso o crime de pesca ilegal prevista nos artigo 3.º, 33.º, 44.º, alínea a), e punido nos termos do artigo 65.º, todos do Regulamento da Lei 2097 (de 6 de junho de 1959), aprovado pelo Decreto 44 623 de 10 de outubro de 1962 -, cuja moldura penal se situa entre os 10 e os 30 dias de prisão, é inconstitucional, porque, dessa forma, a pena aplicável, passa a ser uma pena fixa de um mês de prisão.

3 - Consequentemente deve negar-se provimento ao recurso."

4 - Notificado para o efeito, o recorrido deixou passar o prazo sem que tivesse vindo aos autos contra alegar.

Importa, pois, apreciar e decidir.

II - Fundamentação

5 - Antes de nos debruçarmos sobre a questão de constitucionalidade, propriamente dita, para boa decisão da causa, impõe-se delimitar o objeto do presente recurso, na medida em que, do relatório supra, podem ficar algumas dúvidas quanto à norma desaplicada.

O Ministério Público, no âmbito de um processo sumário, entendeu que o arguido José Domingues Almeida incorrera "na autoria material de um crime previsto e punido pela Base XXI, da Lei 2097, de 06-06 e pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, 33.º, 44.º, alínea a), 65.º e 67.º § único do decreto 44 623, de 10 -10", tendo-se decidido pela suspensão provisória do processo pelo período de três meses, mediante a imposição ao arguido de injunção que consistia em, durante o período de suspensão, entregar a uma IPSS do Concelho de Albergaria-a-Velha a quantia de 150(euro).

Conclusos os autos ao Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, e 384.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aquele magistrado não concordou com a "promovida suspensão do processo", tendo decidido desaplicar o "convocado § único do artigo 67.º" do Decreto 44 623 (por lapso refere "DL"), de 10 de outubro de 1962, porque já tinha sido declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pelo Acórdão 124/2004, do Tribunal Constitucional.

E, em seguida, acrescentou:

"O Decreto-Lei 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 46.º do Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».

A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade".

Ora, deste excerto decorre, sem margem para dúvidas, que o Juiz a quo recusou, expressamente, aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro.

Daí que o Ministério Público tenha delimitado objeto do recurso nos seguintes termos:

"Traz-se, assim, à apreciação do Tribunal Constitucional a norma desaplicada pelo tribunal a quo: a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, quando conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 3.º, 33.º, 44.º, al. a), e 65.º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962".

E é este, de facto, o objeto do presente recurso.

Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso deve precisar-se que os artigos do Decreto 44 623, de 10 de outubro de 1962, mencionados, integram, não o Decreto mas sim o Regulamento da Lei 2097 (de 6 de junho de 1959), aprovado pelo Decreto.

As normas desaplicadas são, portanto, o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82 que estabelece que "ficam alterados para os limites mínimo e máximo fixados no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, todas as penas de prisão que tenham duração inferior aos limites ali estabelecidos".

Nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal (atual 41.º, n.º 1) a pena de prisão tem a duração mínima de um mês.

O crime previsto no artigo 65.º do Regulamento é punível com pena de 10 a 30 dias de prisão.

Assim, o mínimo da pena de prisão constante do artigo 40.º do Código Penal coincide com o máximo de pena aplicável ao crime, o que significa que estamos perante uma pena de prisão fixa.

Tal como a Relatora alertou no despacho que proferiu para alegações, sobre esta questão já se pronunciaram os Acórdãos n.os 22/2003, 163/2004, e as Decisões Sumárias n.os 189/2003, 190/2003 e 386/2009, que julgaram inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 433/82, quando dele decorre o estabelecimento para a pena de prisão, do limite mínimo previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal aprovado por aquele diploma, relativamente a um tipo legal de crime previsto em legislação avulsa cuja moldura penal tenha como limite máximo um limite igual ou inferior ao limite mínimo consagrado no mesmo n.º 1 do artigo 40.º

De salientar que, nos processos em que foram proferidos aqueles Acórdão e as duas primeira Decisões Sumárias, tal como neste, estavam em causa, precisamente, crimes de pesca ilegal punidos nos termos do artigo 65.º do Regulamento.

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão 80/2012, que julgou inconstitucional a norma do artigo 65.º do Regulamento aprovado pelo Decreto 44623, quando, por força do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, conjugado com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal (versão originária), determina que a pena aplicável ao crime é uma pena fixa de um mês de prisão.

Acrescente-se ainda que, sobre a questão da pena fixa aplicável aos crimes de pesca ilegal, embora previstos em outras disposições legais, como o artigo 67.º§ único do Regulamento aprovado pelo Decreto 44623, ocorreu um conflito jurisprudencial.

Efetivamente, após decisões divergentes, o Plenário, pelo Acórdão 70/2002, confirmando o Acórdão então recorrido (o Acórdão 95/2001), entendeu que a existência de uma pena fixa violava os princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, sendo que é no Acórdão 95/2001 que se encontra desenvolvida fundamentação sobre a matéria.

Aquela norma veio posteriormente a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão 124/2004, que adotou a fundamentação constante do Acórdão 95/2001.

Em suma, a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 433/82, quando dele decorre o estabelecimento para a pena de prisão, do limite mínimo previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal aprovado por aquele diploma, relativamente a um tipo legal de crime previsto em legislação avulsa cuja moldura penal tenha como limite máximo um limite igual ou inferior ao limite mínimo consagrado no mesmo n.º 1 do artigo 40.º, é inconstitucional.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, enquanto manda aplicar o limite mínimo (1 mês) previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal (atualmente artigo 41.º), a um tipo penal previsto em legislação avulsa - no caso, o crime de pesca ilegal previsto nos artigos 3.º, 33.º, 44.º, alínea a), e punido nos termos do artigo 65.º, todos do Regulamento da Lei 2097, de 6 de junho de 1959, aprovado pelo Decreto 44623 de 10 de outubro de 1962 - cuja moldura penal se situa entre os 10 e os 30 dias de prisão;(1)

b) Negar provimento ao presente recurso.

Notifique.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

(1) Retificado pelo Acórdão 780/2014, de 12 de novembro.

Lisboa, 28 de outubro de 2014. - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208293131

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3771028.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1959-06-06 - Lei 2097 - Presidência da República

    Promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do país.

  • Tem documento Em vigor 1962-10-10 - Decreto 44623 - Ministério da Economia - Secretaria de Estado da Agricultura - Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas

    Aprova o regulamento da Lei 2097, de 6 de Junho de 1959, que promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do País.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-31 - Acórdão 124/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44623, de 10 de Outubro de 1962, (aprova o regulamento da Lei 2097, que promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do País), enquanto manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º do mesmo diploma para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada - por violação dos princípios cons (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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