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Acórdão 421/2014, de 27 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, na redação original resultante da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, interpretado no sentido de que não há lugar à atribuição da compensação nele prevista nos casos em que, verificada a caducidade do contrato decorrente da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar, o trabalhador tenha celebrado, num curto período de tempo posterior à referida caducidade, com a mesma entidade empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato

Texto do documento

Acórdão 421/2014

Processo 19314

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Maria Fernanda Fernandes Rocha instaurou ação administrativa comum, com processo sumaríssimo, contra o Ministério da Educação e da Ciência, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de (euro) 2.587,61, sendo (euro) 1.676,77, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas que celebrou em 14/05/2009 com a Escola Secundária de São Pedro da Cova e (euro) 910,84, a título de férias e de subsídio de férias.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

A Autora requereu a "reforma e ou nulidade" da sentença e, por decisão de 5 de junho de 2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu o requerido.

A Autora recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

"...b) Suscitou a inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto no artigo 252.º, n.º 3 da Lei 59/2008, de 11 de setembro (RCTFP).

c) Entende que a interpretação da citada norma, no sentido em que se faz depender a atribuição da compensação, da frustração da expectativa do trabalhador, entendendo-se, por sua vez, esta afastada quando celebrado novo contrato autónomo, mesmo quando o empregador público não tenha comunicado ao trabalhador a vontade de não renovar, é ofensiva a princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados.

d) Invocou naquela peça processual, a violação das disposições constitucionais, consagradas nos artigos 12.º-1, 13.º-1, 53.º, 58.º-1 e 59.º-1-a), todos da Constituição da República Portuguesa..."

Não tendo este recurso sido admitido, a Autora reclamou para o Tribunal Constitucional que, por acórdão proferido em 17 de dezembro de 2013, concedeu provimento à reclamação apresentada e, em consequência, admitiu o referido recurso.

A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1 - A Recorrente é colocada e celebra novo Contrato de Trabalho com a Recorrida, na decorrência de novo concurso público que visou uma nova oferta de trabalho para a Recorrida.

2 - A Recorrente não sabia que seria publicado nova oferta de trabalho, quando o seu contrato de trabalho cessou, nem poderia dar por adquirido que ficaria com aquele posto de trabalho.

3 - A Recorrente não trabalhou nem foi remunerada, pelo período de um mês após a sua desvinculação contratual.

4 - Ainda que se admitisse, dos factos resultam a frustração da Recorrente na sua expectativa de renovação do contrato de trabalho.

5 - A cessação acarretou efetivamente consequências financeiras para a Recorrente, que em última análise aquela compensação visa compor.

6 - A indemnização aí referida propõe-se a compensar a existência de uma situação de precariedade laboral pública, decorrente da própria natureza do contrato a termo certo, em consequência de uma não renovação daquele.

7 - É irrelevante a celebração de outro contrato de trabalho, quaisquer que sejam as condições em que realizado.

8 - Não é plausível considerar-se que dois contratos, formal e materialmente autónomos, consubstanciam um único contrato, objeto de renovação, principalmente, quando entre um e outro há um lapso temporal.

9 - Não se admite a interpretação adotada pelo tribunal a quo sobre o fundamento teleológico, consagrado no artigo 252.º, n.º 3 do RCTFP, porquanto é ofensiva a princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados, nomeadamente, das disposições dos artigos 12.º-1, 13.º-1, 53.º, 58.º, 1 e 59.º-1-a), todos da Constituição da República Portuguesa.

10 - A Recorrente defende que aquela norma é um instrumento de política legislativa que visa, por um lado, dissuadir a celebração de contratos a termo certo e, por outro, compensar o trabalhador pela própria precariedade laboral inerente à natureza daquele contrato, motivo pelo qual a compensação é calculada atendendo à efetiva duração do contrato.

11 - Posto isto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 252.º, n.º 3 do RCTFP explanada pelo tribunal a quo e, por conseguinte, deverá aquela norma ser interpretada em termos objetivos e, em consequência, deverá a sentença daquele tribunal ser parcialmente substituída em conformidade, fazendo-se, uma vez mais, inteira JUSTIÇA!»

O Recorrido apresentou contra alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso.

Fundamentação

1 - Delimitação do objeto do recurso

A Recorrente pretende que seja apreciada a conformidade constitucional da norma do artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro, quando interpretada no sentido de que a atribuição da compensação nela prevista depende da frustração da expectativa do trabalhador, entendendo-se esta afastada quando seja celebrado novo contrato autónomo, mesmo quando o empregador público não tenha comunicado ao trabalhador a vontade de não renovar.

A adoção pela decisão recorrida deste critério teve em atenção a circunstância de o contrato em funções públicas, a termo resolutivo certo, que havia sido celebrado pela ora Recorrente, ter cessado a sua vigência, por caducidade, no dia 31-08-2011, tendo a Recorrente celebrado novo contrato a termo resolutivo certo com a mesma entidade empregadora pública no dia 28-09-2011, ou seja, decorrido um curto período de tempo após a cessação do contrato anterior, em condições de vigência que não foram menos favoráveis das que poderiam resultar da renovação do anterior contrato.

Assim, na interpretação do disposto no artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, o tribunal a quo teve em consideração, como circunstâncias determinantes, o facto de após a cessação do contrato anterior, ter sido celebrado, passado um curto período de tempo, um novo contrato, em condições de vigência não menos favoráveis das que poderiam resultar da renovação do contrato anterior, com a mesma entidade empregadora pública. Estas circunstâncias deverão, por isso, ser incluídas na interpretação normativa sindicada, procedendo-se a uma delimitação do objeto do recurso nesse sentido.

Assim, o objeto do presente recurso consiste na norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, na redação original resultante da Lei 59/2008, de 11 de setembro, interpretada no sentido de que não há lugar à atribuição da compensação nela prevista nos casos em que, verificada a caducidade do contrato decorrente da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar, o trabalhador tenha celebrado, num curto período de tempo posterior à caducidade, com a mesma entidade empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato.

2 - Do mérito do recurso

Segundo a Recorrente, a referida interpretação normativa do artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aplicada pela decisão recorrida viola determinados princípios constitucionais, nomeadamente, os que se encontram consagrados nas disposições dos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, 53.º, 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

O artigo 252.º do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (aprovado pela Lei 59/2008, de 11/09, e sucessivamente alterado pela Lei 3-B/2010, de 28/04, pelo Decreto-Lei 124/2010, de 17/11, e pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30/12, 66/2012, de 31/12, e 68/2013, de 29/08) dispõe o seguinte (na redação original, aprovada pela Lei 59/2008, de 11/09, aplicável aos presentes autos):

«Artigo 252.º

Caducidade do contrato a termo certo

1 - O contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora pública ou o trabalhador não comuniquem, por escrito, 30 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o renovar.

2 - Na falta da comunicação pelo trabalhador presume-se a vontade deste de renovar o contrato.

3 - A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respetivamente, não exceda ou seja superior a seis meses.

4 - Para efeitos da compensação prevista no número anterior a duração do contrato que corresponda a fração de mês é calculada proporcionalmente.»

Conforme se pode ler na exposição de motivos da Proposta de Lei 209/X (que veio a dar origem à Lei 59/2008, de 11/09), uma das preocupações do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas é a de responder aos problemas de precariedade no emprego. Refere-se aí, a esse respeito, o seguinte:

«Como já estabelece a Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o contrato de trabalho é, por regra, celebrado por tempo indeterminado. O contrato a termo resolutivo é a exceção. Assim mantêm-se as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei 23/2004, de 22 de junho, que visam, no essencial, adequar o regime de contratação a termo no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conformar aquele regime com o direito constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso». Assim, o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo só pode ser utilizado nas situações expressamente previstas no RCTFP, tem exigências qualificadas de forma, não está sujeito a renovação automática, caducando no termo do prazo estipulado, e não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado. Contudo, neste domínio, dão-se dois passos de maior relevo no combate à precariedade no emprego público. Por um lado, o contrato a termo certo passa a ter a duração máxima de três anos, incluindo renovações, sem prejuízo do disposto em lei especial, para situações muito específicas que nestas se venham a consagrar. Por outro, estabelece-se, em norma transitória, que para os contratos em vigor cuja renovação implique duração superior a cinco anos, em certas situações, são os serviços obrigados a publicitação de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação de emprego por tempo indeterminado.

O contrato a termo não pode, em caso algum, converter-se em contrato por tempo indeterminado, como acima se disse. Contudo, no RCTFP que agora se apresenta, prevê-se que o trabalhador contratado a termo que se candidate a procedimento concursal de recrutamento publicitado durante a execução do contrato ou até 90 dias após a cessação do mesmo tem preferência em caso de igualdade de classificação.»(Cfr. Diário da Assembleia da República, 2.ª série A, Número 107, 4 de junho de 2008, págs. 33-34).

Antes de proceder à análise da questão de constitucionalidade, importa lembrar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar o acerto da interpretação do direito ordinário adotada pelo tribunal a quo. Compete-lhe, apenas, apreciar a conformidade da interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida com normas ou princípios constitucionais, designadamente, os previstos nos artigos 12.º, n.º 1, 13.º-1, 53.º, 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, invocados pela Recorrente.

É essa apreciação que importa agora efetuar.

2.1 - Da violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição)

O princípio da igualdade, que tem como fundamento a igual dignidade social de todos os cidadãos, abrange no seu âmbito de proteção três dimensões: a) a proibição do arbítrio, que faz com que sejam inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objetivos, constitucionalmente relevantes, e impede o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; b) a proibição de discriminação, que impede diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; c) e a obrigação de diferenciação, como forma de compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste sentido, J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 339).

O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência reiterada, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, muito embora não proíba diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundamentadas.

A esse respeito, no Acórdão 39/88 refere-se o seguinte:

«O princípio da igualdade não proíbe [...] que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º

Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.

O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante».

A proibição do arbítrio constitui, assim, um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Realce-se, no entanto, que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existirá infração ao princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material.

No caso dos autos, embora tal não resulte claro das suas alegações, será com fundamento na violação desta dimensão do princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio, que a Recorrente reputa de inconstitucional a interpretação normativa sindicada, sendo a essa luz que se afigura relevante a análise da conformidade constitucional de tal interpretação normativa.

A decisão recorrida entendeu que a compensação pela não renovação do primeiro contrato, prevista no artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, tem em vista «compensar o trabalhador pela frustração da expectativa em ver o contrato renovado». Assim, e uma vez que a recorrente havia celebrado, 28 dias após a cessação do primeiro contrato, um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora pública em condições de vigência não menos favoráveis que o anterior, entendeu a decisão recorrida que, em tal situação, não haveria lugar à referida compensação.

Assim, o critério normativo aplicado pelo tribunal a quo fez depender a não atribuição dessa compensação de dois fatores objetiváveis: o decurso do tempo após a cessação do contrato anterior e as condições de vigência do novo contrato (não menos favoráveis que as do contrato anterior). Ou seja, teve como relevante para a atribuição da compensação, quer o tempo em que o trabalhador ficou sem trabalhar após a cessação do contrato de trabalho anterior, bem como as condições de vigência em que foi celebrado o novo contrato.

Poderá concordar-se ou não com esta interpretação normativa e com o critério que lhe está subjacente. No entanto, não se poderá afirmar que tal critério se mostre de tal forma desrazoável ou arbitrário ou que a distinção estabelecida entre quem, depois de ter cessado o contrato não veio a ser contratado e quem, após decorrido um período curto período de tempo vem a celebrar novo contrato de trabalho, se revele destituída de fundamento, de modo a que se possa considerar violadora do parâmetro constitucional da igualdade.

Com efeito, a celebração de um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora pública, em condições de vigência não menos favoráveis que o anterior, decorrido um curto período de tempo após a cessação desse contrato anterior, constituem elementos objetivos no sentido de concluir que a situação de precariedade que justificaria a atribuição de compensação se mostrou superada em circunstâncias que poderão ter-se como justificativas da sua não atribuição.

Em face do exposto, conclui-se que a interpretação normativa sindicada não viola o princípio da igualdade.

2.2 - Da violação do direito ao trabalho, na vertente da garantia de segurança no emprego (artigo 53.º e 58.º, n.º 1 da Constituição)

Enquanto vertente negativa ou de defesa do direito ao trabalho, o direito à segurança no emprego tem em vista garantir a manutenção do emprego ou o direito a não ser privado dele, tendo como dimensão mais importante a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Abrange ainda as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho, exigindo a existência de um motivo justificativo para a contratação a termo e, numa vertente positiva, implica a vinculação do legislador a proteger o direito à segurança no emprego através da configuração de instrumentos legais destinados a esse fim.

No que respeita aos contratos a termo, a garantia constitucional da segurança no emprego manifesta-se na ideia de excecionalidade daquele tipo de vínculo laboral, sem prejuízo de tal opção poder ser constitucionalmente justificada, deferindo-se ao legislador a prerrogativa de poder estabelecer o regime desse tipo de contratação.

Antes de mais, importa referir que não são questionadas nos autos as normas de que resulta o caráter temporário do vínculo laboral da Recorrente, nem as normas que permitem que o contrato se extinga pelo decurso do prazo (por caducidade), na falta de uma manifestação por parte da entidade empregadora.

O que está em questão é apenas a circunstância de, cessado o contrato nas aludidas circunstâncias, não haver lugar à compensação prevista no n.º 3 artigo 252.º do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (aprovado pela Lei 59/2008, de 11/09), nos casos em que o trabalhador tenha entretanto celebrado com a mesma entidade empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato.

Assim, havendo um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, está em causa, quando o mesmo não seja renovado nos casos em que a renovação é possível, uma tutela do trabalhador apenas de caráter compensatório.

A questão está, pois, em saber se a interpretação normativa sindicada, ao negar esse direito à compensação quando o trabalhador, passado pouco tempo após cessação do contrato de trabalho a termo, celebrou novo contrato de trabalho, viola o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição.

Se é certo que não se pode deixar de entender, conforme referido, que o âmbito de proteção do direito à segurança no emprego não se esgota na proibição do despedimento sem justa causa ou por motivos políticos e ideológicos, abrangendo também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho, mesmo no âmbito da relação jurídica de emprego público, a verdade é que não se vislumbra (nem a Recorrente o indica), em que medida a interpretação normativa sindicada se mostra lesiva da aludida garantia.

A atribuição de uma compensação monetária ao trabalhador que não viu renovado o contrato a termo, por opção da entidade pública empregadora, resulta na consagração de um direito a uma indemnização por ato lícito, não se podendo incluir esta medida no conjunto de instrumentos legais necessários a assegurar o direito à segurança no emprego.

Daí que, da interpretação seguida pela decisão recorrida não advém uma maior precariedade da relação de trabalho do que aquela que resulta da própria natureza do vínculo e cujos efeitos a compensação em questão apenas visa atenuar.

Conclui-se, assim, que a interpretação sindicada não viola o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição.

2.3 - Da violação do direito à retribuição (artigo 59.º, n.º 1, al. a), da Constituição)

O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, estabelece que «[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito [...] à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

Conforme resulta do corpo deste artigo 59.º, n.º 1, o direito à retribuição, tal como os restantes direitos aí consagrados, tem de ser entendido também à luz do princípio da igualdade.

Não é percetível das alegações da Recorrente, se a invocação da violação desta norma, bem como do artigo 13.º da Constituição, se fundamenta na existência de um tratamento discriminatório da sua situação, em resultado da interpretação normativa sindicada.

Contudo, conforme se referiu aquando do confronto com o princípio da igualdade, a solução resultante da interpretação normativa sindicada, independentemente de se concordar ou não com a mesma, não poderá ter-se como arbitrária ou discriminatória.

Já na perspetiva do direito fundamental a uma justa remuneração, enquanto retribuição da prestação laboral ou contrapartida da disponibilização pelo trabalhador da sua capacidade laborativa, colocada ao serviço da entidade empregadora, não resulta da situação sub judicio qualquer ofensa a tal direito, uma vez que a compensação prevista no artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, não se insere no âmbito de proteção da norma da alínea a), do n.º 1, do artigo 59.º da Constituição, não integrando um conceito amplo de retribuição.

Assim sendo, a interpretação da norma em causa no sentido sub iudicio não se mostra violadora do direito fundamental a uma justa remuneração.

2.4 - Da violação do princípio da universalidade (artigo 12.º, n.º 1, da Constituição)

Sob a epígrafe "princípio da universalidade", o artigo 12.º da Constituição dispõe, no seu n.º 1, que "[t]odos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição", acrescentando o n.º 2 que "[a]s pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza."

Trata-se de um princípio geral dos direitos fundamentais, do qual decorre que todas as pessoas são, ipso facto, titulares de direitos (e deveres) fundamentais.

No caso dos autos, não se vislumbra de que modo é que a interpretação normativa sindicada possa contender com o princípio da universalidade, sendo que a Recorrente se limita apenas a afirmar que a interpretação normativa em questão é ofensiva do artigo 12.º, n.º 1, da Constituição, não apontando as razões em que baseia tal afirmação.

2.5 - Conclusão

Pelas razões expostas, há que concluir que a interpretação normativa em questão não viola qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente, os que se encontram previstos nos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, 53.º, 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

Decisão

Nestes termos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, na redação original resultante da Lei 59/2008, de 11 de setembro, interpretado no sentido de que não há lugar à atribuição da compensação nele prevista nos casos em que, verificada a caducidade do contrato decorrente da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar, o trabalhador tenha celebrado, num curto período de tempo posterior à referida caducidade, com a mesma entidade empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

*

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma), sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela beneficia.

Lisboa, 11 de junho de 2014. - João Cura Mariano - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208239194

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3764303.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-03-03 - Acórdão 39/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL DA NORMA DO ARTIGO 3, NUMERO 1, ALÍNEAS A) E B) E NUMERO 2, DA LEI 80/77, DE 26 DE OUTUBRO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDEMNIZAÇÃO CONSAGRADO NO ARTIGO 82 DA CONSTITUICAO. NAO DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DAS RESTANTES NORMAS QUE VEM IMPUGNADAS.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2004-06-22 - Lei 23/2004 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 2008-02-27 - Lei 12-A/2008 - Assembleia da República

    Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

  • Tem documento Em vigor 2008-09-11 - Lei 59/2008 - Assembleia da República

    Aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e respectivo Regulamento.

  • Tem documento Em vigor 2010-04-28 - Lei 3-B/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2010. Aprova ainda o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais (RERT II), que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2009.

  • Tem documento Em vigor 2010-11-17 - Decreto-Lei 124/2010 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Aprova a orgânica da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), reforçando as suas competências no acompanhamento e representação de vítimas de discriminação de género no trabalho e no emprego em processos administrativos e judiciais e altera (quarta alteração) o Decreto-Lei 211/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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