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Acórdão 746/2014, de 18 de Dezembro

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Sumário

Não toma conhecimento do objeto do pedido por falta de legitimidade ativa do requerente, Representante da República para a Região Autónoma da Madeira

Texto do documento

Acórdão 746/2014

Processo 1011/13

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, o Representante da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro, que "Determina que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indireta da Região", publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira do dia 6 de setembro de 2013, 1.ª série, n.º 122, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

2 - A Resolução do Governo Regional da Madeira n.º 905/2013, de 6 de setembro, tem o seguinte teor:

"As alterações aprovadas pela Lei 68/2013, de 29 de agosto, em matéria de duração do horário de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, introduziram o alargamento dos períodos de trabalho daqueles profissionais, independentemente dos serviços em causa, alicerçando-se na convergência entre os regimes de trabalho público e privado. Não obstante tal convergência, vem agravar as condições de trabalho que pesam naturalmente em desfavor da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal. A este agravamento, acresce o atual quadro jurídico em vigor para o funcionalismo público desde o ano de 2011, marcado pela diminuição de remunerações, pela proibição do seu aumento, e pelas interrupções de evolução na carreira. O alargamento do horário de trabalho da função pública, instituído pela referida lei, é introduzido de forma transversal, sem justificação de especificidades ou particularismos de serviços e sem qualquer contra partida pela prestação desse trabalho.

Neste contexto, já a Região Autónoma da Madeira se pronunciara, em sede própria, por um sentido negativo relativamente à introdução de tal regime, por o julgar desinserido de razões que o fundamentem e justifiquem, corroendo a confiança jurídica e desgastando situações profissionais de pessoas que são, afinal, cada uma e no seu conjunto, a base da sociedade que temos e da que queremos ter, na visão personalista que é Doutrina do Governo Regional da Madeira.

Nessa conformidade, considerando que, nos termos do artigo 55.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, o Governo Regional é o órgão superior da Administração Pública regional;

Considerando a análise do impacto da referida lei nos serviços dependentes da administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira, sem violar a lei em referência concluiu-se que no momento presente não se justifica o prolongamento do horário de trabalho nos serviços da Administração Pública regional, pois esse fato não iria aumentar a produtividade dos serviços públicos regionais, não contribuindo sequer para um aumento da sua eficácia e eficiência, nem melhorar o desempenho dos respetivos trabalhadores;

O Conselho de Governo reunido em plenário em 5 de setembro de 2013, resolveu determinar o seguinte:

"1 - Nos serviços que integram a administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira, o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana.

2 - Os trabalhadores em funções públicas nos serviços referidos no n.º anterior ficam genericamente dispensados do cumprimento das 40 horas semanais, até deliberação em contrário, devendo os respetivos serviços proceder ao registo mensal das horas não efetuadas por cada trabalhador até ao limite máximo referido no n.º anterior.

3 - As horas não efetuadas por cada trabalhador são creditadas a favor dos respetivos serviços públicos, para serem realizadas sempre e quando as necessidades laborais o justifiquem e mediante determinação superior, sem prejuízo dos limites legais em vigor sobre a matéria.

4 - Nos casos a que se refere a parte final do n.º anterior, designadamente por motivo de força maior ou de urgência, o dirigente máximo do serviço pode determinar a prestação de trabalho até ao limite de 8 horas diárias e 40 semanais, e notificar o trabalhador com a antecedência possível.

5 - O trabalho prestado até às 8 horas diárias e 40 semanais, nos termos da lei em vigor é para todos os efeitos considerado como incluído no período normal de trabalho, e em caso algum pode ser considerado como trabalho suplementar ou extraordinário.

6 - O limite mínimo do período normal de trabalho referido no n.º 1, não prejudica a aplicação de regimes legalmente previstos que determinem ou admitam a redução do período normal de trabalho, designadamente no caso de jornada contínua.

7 - A redução referida no número anterior incide sobre o período normal de trabalho concretamente aplicado no serviço, setor, unidade orgânica ou posto de trabalho em que se insere o trabalhador.

8 - A duração semanal do trabalho nos serviços integrados na área específica da saúde, será objeto de despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais."

3 - Os fundamentos em que se apoia o pedido de declaração de ilegalidade da Resolução do Governo Regional da Madeira n.º 905/2013 são os seguintes:

«1 - A Lei 68/2013, de 29 de agosto, estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.

2 - De harmonia com o artigo 1.º desta lei, esta regula a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, alterando, em conformidade:

i) O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado em anexo à Lei 59/2008, de 11 de setembro, alterada pela Lei 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei 124/2010, de 17 de novembro, e pelas Leis 64-B/2011, de 30 de dezembro e 66/2012, de 31 de dezembro;

ii) O Decreto-Lei 259/98, de 18 de agosto, que estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário na Administração Pública, alterado pelo Decreto-Lei 169/2006, de 17 de agosto, e pelas Leis 64-A/2008, de 31 de dezembro e 66/2012, de 31 de dezembro;

iii) A Lei n. º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado alterada pelas Leis 51/2005, de 30 de agosto, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril e 64/2011, de 22 de dezembro;

iv) A Lei 59/2008, de 11 de setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, alterada pela Lei 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei 124/2010, de 17 de novembro, e pelas Leis 64-B/2011, de 30 de dezembro e 66/2012, de 31 de dezembro.

3 - O artigo 2.º da lei dispõe da seguinte forma:

"Artigo 2.º

Período normal de trabalho dos trabalhadores e funções públicas

1 - O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

2 - Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.

3 - O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio."

4 - Assim, e nos termos do supramencionado artigo 2.º, n.º 1, o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas passou a ser de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

5 - Sem prejuízo do período normal de trabalho fixado no n," 1 do artigo 2.º - oito horas por dia e quarenta horas por semana - a lei prevê, no n.º 3 do mesmo artigo 2.º, que possam existir períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio.

6 - A aprovação desta lei visou ampliar e uniformizar o horário de trabalho para todos os trabalhadores que exercem funções públicas.

7 - Com efeito, e de harmonia com o preâmbulo da Proposta de lei que veio a dar origem à Lei 68/2013, de 29 de agosto, com o novo regime de duração do período normal de trabalho o Estado pretendeu prosseguir "dois eixos de ação prioritários":

i) Estabelecer a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da sua modalidade de emprego e da carreira em que se encontrem inseridos, permitindo, assim, corrigir, entre outros, os casos de flagrante injustiça e desigualdade em que trabalhadores que exercem as mesmas funções no mesmo local de trabalho se encontrem sujeitos a diferentes regimes de horário de trabalho;

ii) Alcançar uma maior convergência entre os setores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo.

8 - A estes "eixos prioritários" o preâmbulo da proposta de lei associou um outro: externalizar positivamente o novo regime de horário de trabalho na vida dos cidadãos, fazendo refletir o aumento de 5 horas do período normal de trabalho no alargamento do número de horas de atendimento semanal dos serviços públicos, dispondo, assim, os cidadãos de mais tempo para os utilizar e da possibilidade de melhor organizarem as suas vidas e o seu tempo.

9 - Estes objetivos não são específicos do território continental compreendendo-se assim que o legislador nacional queira que valham para todo o território nacional.

10 - É justamente a natureza e âmbito nacional dos objetivos prosseguidos que justificam, na perspetiva do legislador, a inexistência de qualquer salvaguarda expressa à possibilidade de definir regimes de horários diferentes (como a manutenção de 35 horas semanais), atendendo, por exemplo, às necessidades funcionais dos serviços ou outros equivalentes.

11 - Esta lei procurou, assim, concretizar aquilo que a doutrina designa como "tendências mais recentes [...] no sentido da aproximação do regime dos funcionários e agentes das entidades públicas ao regime dos trabalhadores de entidades privadas" (Cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 620).

12 - Como é assinalado de forma idêntica pela mesma doutrina, esta aproximação está "patente no uso do termo "trabalhadores da Administração Pública"" nos n.os 1 e 2 do artigo 269.º da Constituição de forma equivalente ao termo "trabalhadores" utilizado no artigo 59.º da Constituição (cf. ibidem. pp. 620-621).

13 - É que, na verdade, ao Estado incumbe, nos termos do artigo 59.º, n.º 2 da Constituição, relativamente a todos os trabalhadores - quer sejam da Administração Pública quer atuem no setor privado - assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente "a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho" (cf. alínea b).

14 - Como igualmente foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 474/02, o artigo 59.º da Constituição "tem como destinatários todos os trabalhadores, abrangendo, também, obviamente, os trabalhadores da Administração Pública."

15 - Está em causa, por conseguinte, a definição a nível nacional dos limites da duração do trabalho.

16 - Justifica-se, assim, que a proposta de lei 153/XII/2.ª - que deu origem à Lei 68/2013, de 29 de agosto - refira no preâmbulo que, "atenta a matéria, no âmbito do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República devem ser ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas", o que veio efetivamente a suceder, tendo sido ouvidos, no caso da Região Autónoma da Madeira, a Assembleia Legislativa e o Governo Regional (cf. http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/Detalheiniciativa.aspx!D=37).

17 - Consequentemente, pode afirmar-se que a Lei 68/2013, de 29 de agosto, tem um âmbito de aplicação nacional.

18 - O âmbito de aplicação nacional, que envolve a fixação dos limites da duração do trabalho e justifica a intervenção dos órgãos de soberania, foi, aliás, reconhecido no passado pelo Tribunal Constitucional quando afirmou, no Acórdão 212/92, o seguinte:

"Aliás, no particular domínio da matéria em causa, resulta do disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, que incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente «a fixação a nível nacional, dos limites da duração do trabalho».

Independentemente da questão de saber se todos os direitos dos trabalhadores reconhecidos naquele preceito (sejam dirigidos contra as entidades patronais, sejam dirigidos ao Estado) dispõem de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (e a resposta haveria de ser certamente negativa), deve dizer-se que a fixação dos limites da duração do trabalho, no coso, a fixação das condições de prestação e dos limites quantitativos da duração do trabalho suplementar (e estas duas realidades interpenetram-se entre si), há de pertencer aos órgãos da República." (sublinhado nosso)

19 - Não pode, desta forma, considerar-se que está em causa matéria de interesse específico ou, na decorrência da revisão constitucional de 2004, de âmbito regional.

20 - Na verdade, o conceito de "interesse específico" ou de "âmbito regional" não pode ser entendido apenas como um conceito estático alheio, na sua predefinição, às circunstâncias do tempo.

21 - Há matérias que, em dadas circunstâncias, podem assumir relevância nacional em vista de exigências de igualdade, solidariedade e unidade entre todos os portugueses, legitimando medidas de caráter geral imperativamente válidas para todo o território nacional.

22 - É nesta linha que se pode ler, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2011, que "não obstante o desaparecimento das leis gerais da república como categoria geral, não é sustentável - à luz dos fundamentos, finalidades e limites da autonomia regional enunciados nomeadamente no artigo 225.º da atual Constituição - a ideia de que nunca, e em circunstância alguma, possa haver medidas legislativas que muito embora não estejam textualmente no domínio da reserva de competência da Assembleia da República sejam, por motivos de relevante interesse nacional, tomadas imperativamente para todo o território nacional". E depois se conclui: "Nesse sentido, o legislador poderá estabelecer medidas (...) a vigorar imperativa e soberanamente para todo o território nacional, em vista da sua mais lograda eficácia, segundo princípios de "solidariedade" e de "unidade" (artigo 225.º, n.os 2 e 3, e artigo 6.º ambos da Constituição)."

23 - Com efeito, as autonomias político-administrativas regionais devem ser respeitadas sem prejuízo da soberania e unidade solidária do Estado português.

24 - Sublinhe-se que, em matérias estruturantes ao nível da reforma do Estado e do regime da função pública, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido clara em assumir um conceito de "princípio fundamental" aplicável aos funcionários do Estado, para efeitos do artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM, que faz ligar este conceito à vontade histórica do legislador parlamentar nacional.

25 - É o que resulta, por exemplo, do Acórdão n. º 256/2010, quando se afirma da seguinte forma: "Pode, pois, extrair-se do regime transitório estabelecido na Lei 12-A/2008, no tocante à manutenção e conversão da relação jurídica de emprego, que o legislador ordinário estabeleceu para os funcionários do Estado, como princípio fundamental, o da transição imediata para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado, sem qualquer possibilidade de opção por parte deles".

26 - Compreende-se que assim seja: em matéria de reforma do Estado, as opções políticas do legislador parlamentar nacional, em vista da melhor prossecução do interesse público, devem permitir-lhe concretizar uma ponderação que tenha em consideração as especiais circunstâncias económicas, financeiras e sociais.

27 - A tudo isto acresce que a definição do período normal de trabalho, correspondendo à definição geral de um elemento essencial da prestação de trabalho na função pública, não pode deixar de integrar o conceito de "bases do regime e âmbito da função pública", a que se refere o artigo 165.º, alínea t) da Constituição, estando pois no âmbito da competência reservada da Assembleia da República

28 - É à luz de todo o entendimento exposto que se justifica que a Lei 68/2013, de 29 de agosto, não delimite o seu espaço territorial de aplicação nem preveja a possibilidade de ser adaptada pelas Regiões Autónomas.

29 - Nesta decorrência compreende-se que o regime resultante da Lei 68/2013, de 29 de agosto, tenha prevalência sobre quaisquer outros.

30 - Motivo pelo qual o artigo 10.º da Lei 68/2013, de 29 de agosto, determina que o disposto no artigo 2.º daquela lei - que, recorde-se, define o período normal de trabalho - tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

[...]

31 - Recentemente foi aprovada, pelo Governo Regional da Madeira, a Resolução 905/2013, de 6 de setembro, que tem o seguinte teor:

[...]

32 - Trata-se de um ato do Governo Regional que, revestindo a forma de Resolução, tem materialmente conteúdo normativo.

33 - Face ao conteúdo da Resolução transcrito resulta a seguinte interpretação:

a) A Resolução fixa a duração máxima do número de horas de trabalho por dia e por semana, estabelecendo, simultaneamente, que as horas de trabalho não podem ser inferiores a 7 horas por dia e 35 horas por semana (cf. n.º 1 da Resolução 905/2013);

b) A Resolução determina que os trabalhadores em funções públicas ficam genericamente dispensados do cumprimento do total de 40 horas semanais (cf. n.º 2 da Resolução n." 905/2013);

c) A Resolução estabelece que o dirigente máximo do serviço pode, designadamente por motivo de força maior ou de urgência, determinar a prestação de trabalho até ao limite de 8 horas diárias e 40 semanais (cf. n.º 4 da Resolução 905/2013), o que permite concluir a duração do período normal de tempo de trabalho fixada pela Lei 68/2013, de 29 de agosto - 8 horas diárias e 40 semanais - passou a ser, de harmonia com o texto da Resolução, extraordinária, deixando assim de corresponder à duração do período normal de trabalho relativamente ao universo de trabalhadores abrangidos pela Resolução;

d) O preâmbulo da Resolução sublinha, aliás, que "nos serviços dependentes da administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira [...] não se justifica o prolongamento do horário de trabalho nos serviços da Administração Pública regional" pretendendo, desta forma, sublinhar que, através da Resolução, se pretende criar um horário de trabalho aplicável àqueles serviços claramente distinto daquele que decorre da Lei 68/2013, de 29 de agosto;

e) Resulta da Resolução 905/2013 que o período normal de trabalho para as entidades públicas abrangidas pela Resolução passa a ser de 7 horas diárias e de 35 horas semanais e não de 8 horas diárias e 40 horas semanais como consta da Lei 68/2013, de 29 de agosto;

f) O que equivale a dizer, por outras palavras, que o suposto limite mínimo previsto no n.º 1 da Resolução - 7 horas diárias e 35 horas semanais - corresponde, afinal, ao período normal de trabalho;

34 - É legítimo concluir que, face ao regime criado pela Resolução 905/2013, os trabalhadores em funções públicas residentes na Região Autónoma da Madeira estarão sujeitos a dois tipos de horários de trabalho:

i) Os trabalhadores que integram a administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira devem cumprir um horário de trabalho equivalente a 7 horas por dia e 35 horas por semana, nos termos resultantes da Resolução 905/2013;

ii) Os trabalhadores que não integram a administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira - verbi gratia os que fazem parte dos serviços do Estado localizados na Região ou da administração autárquica - devem cumprir um horário de trabalho equivalente a 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos previstos na Lei 68/2013, de 29 de agosto;

35 - Face ao exposto, mister é concluir que a Resolução em apreço visa derrogar o regime previsto na Lei 68/2013, de 29 de agosto, porquanto afasta o disposto no artigo 2.º daquela lei, ao criar um regime especial de horário de trabalho - 7 horas por dia e 35 horas por semana - aplicável especificamente na Região Autónoma da Madeira a um universo restrito de trabalhadores.

36 - O conteúdo normativo da Resolução implica, consequentemente, que esta pretenda ter um alcance derrogatório relativamente à Lei 68/2013, de 9 de agosto.

37 - Porém o artigo 2.º da Lei 68/2013, de 29 de agosto, tem, como foi assinalado, natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

[...]

38 - Ao pretender derrogar, através da Resolução 905/2013, de 6 de setembro, uma lei da Assembleia da República - a Lei 68/2013, de 29 de agosto -, o Governo Regional da Madeira está a exercer um poder - legislativo ou regulamentar - que, no caso concreto, não lhe é conferido pelo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

39 - Com efeito, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira consagrou uma arquitetura do poder autonómico que, na esteira do previsto no quadro constitucional - e, em particular, do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas a) e d) e do n.º 1 do artigo 232.º -, prevê que o Governo Regional tenha competência administrativa - nomeadamente para elaborar os decretos regulamentares regionais necessários à execução dos decretos legislativos e ao bom funcionamento da administração da Região, bem como outros regulamentos, nomeadamente portarias (cf. artigo 69.º, alínea d) - mas já não competência legislativa.

40 - O referido Estatuto Político-Administrativo densifica o quadro de distribuição de competências entre os órgãos de governo próprio da Região.

41 - Assim, o artigo 69.º procede à definição das competências do Governo Regional da Madeira através de um extenso elenco disposto no referido preceito.

42 - Percorridas as competências estatutariamente conferidas ao Governo Regional da Madeira não se vislumbra nenhuma que permita a este órgão editar a Resolução 905/2013 com os termos substantivos pretendidos.

43 - Na verdade, não pode o Governo Regional da Madeira aprovar resoluções com conteúdo normativo sobre matérias relativamente às quais não dispõe de competências atribuídas nem pela Constituição, nem pelo Estatuto Político-Administrativo.

44 - De forma diversa, a Constituição determina que a competência normativa referente às leis gerais emanadas dos órgãos de soberania é exercida, nas Regiões Autónomas, pelas respetivas Assembleias Legislativas como resulta, atualmente, do n.º 1 do artigo 232.º e é, consequentemente, reafirmado nos artigos 37.º e 39.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

45 - Pode, por isso, concluir-se que a Resolução 905/2013 tem conteúdo normativo para cujo exercício, independentemente da sua natureza - legislativa ou regulamentar - o Governo Regional da Madeira não dispõe de competência.

46 - Consequentemente, a Resolução 905/2013, aprovada pelo Governo Regional da Madeira enferma do vício de ilegalidade, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político Administrativo da Madeira".

4 - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente do Governo Regional da Madeira opôs-se à respetiva procedência, considerando que o conteúdo da Resolução 905/2013 deverá ser julgado conforme com as normas estatutárias em vigor.

A resposta apresentada tem o seguinte teor:

«O referenciado pedido de declaração de ilegalidade reporta-se às normas da Resolução supra identificada, na qual consta, designadamente, que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 por semana nos serviços que integram a administração direta e indireta da Região, por alegada violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

O dito pedido de declaração de ilegalidade sustenta-se nos seguintes pontos:

1 - A Lei 68/2013, de 29 de agosto, estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, definindo-o como tendo a duração de 8 horas diárias e 40 semanais, refletindo-se no alargamento das horas de atendimento dos serviços públicos;

2 - O regime estabelecido a nível nacional segue a tendência de aproximação entre os setores público e privado e insere-se na incumbência cometida ao Estado, pela alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º da Constituição, para proceder à fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;

3 - Assim, está em causa a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho, pelo que a Lei 68/2013 tem um âmbito de aplicação nacional que justifica a intervenção dos órgãos de soberania;

4 - A matéria em causa não se considera de interesse específico da Região ou respeitante ao âmbito regional, reclamando a intervenção do legislador nacional, por possuir relevância nacional, pelo que ainda que não se insira entre as matérias reservadas por lei à competência da Assembleia da República, motivos, designadamente, respeitantes à unidade solidária do Estado e ao interesse nacional, conduzem à aprovação de medidas a vigorar de forma imperativa e soberanamente para todo o território nacional;

5 - No pedido de declaração de ilegalidade vem, ainda, a concluir-se que a matéria relativa à definição do período normal de trabalho corresponde a um elemento essencial da prestação de trabalho na função pública, pelo que integra o conceito de bases do regime e âmbito da função pública, inserindo-se na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, elencada na alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição;

6 - Os ditames da Resolução 905/2013 têm conteúdo normativo e alcance derrogatório relativamente à Lei 68/2013;

7 - Assim, através da Resolução 905/2013, o Governo Regional está a exercer um poder legislativo ou regulamentar que não lhe é conferido pelo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), sendo que as competências legislativa e regulamentar, neste caso, relativamente a leis emanadas dos órgãos de soberania, são tanto pela Constituição como pelo EPARAM, nos termos, respetivamente, do n.º 1 do artigo 232.º e dos artigos 37.º e 39.º, atribuídas à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, não cabendo, ainda, a dita Resolução, segundo o alegado, nas competências administrativas do Governo Regional, elencadas no artigo 69.º do EPARAM;

8 - Assim, conclui o Representante da República pela ilegalidade da Resolução 905/2013, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do EPARAM. Ora, não obstante o respeito pela argumentação e conclusão produzidas pelo Senhor Representante da República, supra sumariadas, as mesmas não são, de todo, unívocas na hermenêutica jurídica presente, designadamente, à Resolução 905/2013 e à Lei 68/2013 e não nos merecem concordância, pelas razões que se passam a expor:

[...]

1.º Constitui-se como princípio estruturante da hermenêutica jurídica o estatuído no artigo 9.º do Código Civil, o qual refere que "1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.".

2.º Tal princípio interpretativo significa, na economia do que ao caso interessa, que a letra da lei é a base da hermenêutica jurídica, mas esta não pode nem deve cingir-se-lhe, pois que é necessário reconstituir, a partir daí, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias da elaboração da Iei e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerada uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, presumindo-se sempre que o legislador consagrou soluções acertadas e se exprimiu adequadamente.

3.º Vale o referido para que, a propósito da leitura do normativo definidor do período normal de trabalho diário e semanal, constante da Lei 68/2013, tenhamos, desde logo, bem presente que das palavras da lei partiremos para o seu bom entendimento, no entanto, esse entendimento deverá erigir-se sobre uma interpretação feita à luz do que enuncia e estabelece o supracitado artigo 9.º do Código Civil.

4.º Assim, não podemos esquecer, como bem realça o Senhor Representante da República, que a Lei Fundamental portuguesa, a Constituição da República, determina na alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º que cabe ao Estado fixar, a nível nacional, os limites da duração do trabalho.

5.º Cumprindo com este desiderato, efetivamente, o legislador nacional tem vindo a fixar os limites da duração normal do trabalho, designadamente, fê-lo no Código do Trabalho, através do n.º 1 do artigo 203.º determinando que O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.

6.º Por outro lado, também no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, constante do anexo I da Lei 59/2008, de 11 de setembro, na versão anterior à ora introduzida pela Lei 68/2013, se encontrava fixado, no artigo 126.º, o limite até ao qual poderia ser prestado trabalho no âmbito do seu período normal.

7.º Na verdade, fixar os limites da duração do trabalho, como impõe a Constituição, implica balizar, ou seja, neste caso, estabelecer uma medida até à qual a prestação de trabalho é exigível.

8.º Estabelecer limites a algo, não pode ser e não é, determinar seja o que for, de forma rígida, sem qualquer margem de graduação; aliás, etimologicamente, limite significa linha de demarcação, grandeza constante, da qual outra pode aproximar-se indefinidamente sem nunca a atingir - Silva, Fernando Jorge, (1984), Dicionário da Língua Portuguesa. Porto, Editorial Domingos Barreira - pelo que, por imposição constitucional, cabe ao Estado legislar sobre o limite da duração do trabalho, ou seja, o número de horas até ao qual poderá ser prestado trabalho.

9.º E teremos de interpretar a lei de acordo com o sistema em que ela se insere, para além dos restantes aspetos conjunturais e de circunstância em que a mesma é emanada, como estatui o artigo 9.º do Código Civil, para lhe descobrir o espírito, ou a sua ratio.

10.º É certo, também, que a Proposta de lei que veio a dar origem à Lei 68/2013, na sua exposição de motivos invoca a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, visando, igualmente, alcançar uma maior convergência entre os setores público e privado, "passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo".

11.º Ora, para que os trabalhadores do setor público passem a estar sujeitos ao período normal de trabalho que vem sendo praticado no setor privado, e em cumprimento do supracitado ditame constitucional, é preciso entender que, sem embargo do elemento verbal expressamente utilizado pelo legislador, o que na realidade se instituiu através da Lei 68/2013, na matéria em apreço, foi um limite, ou seja, um extremo, de duração do período normal de trabalho na função pública que, efetivamente, passou para as oito horas diárias e quarenta semanais.

12.º Na realidade, só esta leitura permite alcançar um ponto de conformidade entre o direito constituído e a Constituição da República e entre aquele regime e o todo do sistema jurídico considerado na sua unidade e harmonia, bem como a equidade entre a situação jurídica dos trabalhadores do setor público e os do setor privado, em consonância com a anunciada convergência entre ambos.

13.º E de equidade haverá, na verdade, que também falar, visto que, pretendendo-se fazer convergir os regimes dos trabalhadores do setor público e do setor privado, neste caso, em matéria de limites da duração do trabalho, não poderá entender-se que, tendo aqueles últimos um regime que estabelece o período normal de trabalho em função das oito horas diárias e quarenta semanais, definidas como limite máximo, seja no caso dos trabalhadores da função pública definido tal horário não como limite máximo, mas sim, como imposição rigidamente estabelecida, o que violaria o princípio da igualdade de tratamento perante a lei, estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República, discriminando os trabalhadores da função pública em relação aos do setor privado, o que, certamente, não só não foi a intenção do legislador, como não é, até porque não pode ser, essa a ratio legis presente à Lei 68/2013, na matéria em causa.

14.º Em consequência, a prevalência e imperatividade da alteração introduzida pela Lei 68/2013, relativamente ao limite de duração do período normal de trabalho, ambas estatuídas no artigo 10.º da dita lei, não são, de todo o modo, impeditivas da prática de horários que se incluam naquele limite máximo, como de resto, também sucede no setor privado.

15.º Além do mais, determina o n.º 3 do artigo 2.º da Lei 68/2013 que a existência de períodos normais de trabalho superiores ao previsto na dita lei é admitida nos termos do previsto em diploma próprio, o que evidencia, textualmente, que podem existir períodos de horário normal de trabalho diferentes, neste caso para mais, dos definidos na dita Lei 68/2013.

16.º Assim, os casos legalmente admitidos de períodos normais de trabalho superiores aos ali previstos terão de ser conformes ao determinado em diploma próprio, o que bem se compreende, pois serão situações em que se mostra excedido o limite máximo do período normal de trabalho estabelecido, em geral, para a função pública, não obstante, não está vedado em lado algum, designadamente, na Lei 68/2013, a adoção, em concreto, de horários que caibam no dito limite definido pela Lei 68/2013, de oito horas diárias e quarenta semanais.

17.º E na verdade, haverá sempre situações, mesmo no âmbito do regime previsto a nível nacional, em que o horário normal será inferior aos limites impostos de oito horas diárias e de quarenta semanais, como acontece, por exemplo, nas situações de dispensas para amamentação ou das reduções de horário inerentes ao estatuto do trabalhador estudante, legalmente admitidas, respetivamente, pelos artigos 47.º e 90.º, ambos do Código do Trabalho, aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas nos termos do artigo 22.º da parte preambular da Lei 59/2008, de 11 de setembro, e do artigo 8.º-B aditado a este diploma legislativo pela Lei 66/2012, de 31 de dezembro.

18.º E o mesmo sucederá nas situações legalmente previstas de prática de horário de trabalho na modalidade de jornada contínua, prevista na Cláusula 8.ª do Acordo Coletivo de Trabalho n.º 1/2009, tornado aplicável aos trabalhadores dos serviços inseridos no território do continente português não filiados em entidades sindicais, pelo Regulamento de Extensão n.º 1-A/2010, do Ministério das Finanças e da Administração Pública, por sua vez, tornado aplicável aos trabalhadores não filiados dos serviços da administração regional autónoma da Madeira, pelo Regulamento de Extensão n.º 2/2010, da Vice-Presidência e Secretaria Regional do Plano e Finanças.

19.º Com o devido respeito, julga-se ter demonstrado, cabalmente, que os normativos da Lei 68/2013, em relação à definição do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, estabelecem um limite máximo da duração de tal período e que de outra forma não pode entender-se, quer face ao disposto na Constituição da República, considerando a alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º e o artigo 13.º, quer perante os princípios de interpretação instituídos pelo artigo 9.º Código Civil, como também, perante o cotejo de situações legalmente previstas, exemplificativas da prática de horário normal por parte de trabalhadores da função pública, abaixo do limite legalmente estabelecido pela dita Lei 68/2013, para além, ainda, do confronto com o estabelecido no âmbito do setor privado pelo artigo 203.º do Código do Trabalho.

20.º Assim, há que concluir, segura e claramente, que o período normal de trabalho definido através da Lei 68/2013, em relação aos trabalhadores em funções públicas, é um período máximo, e ainda que imperativo e prevalecente sobre outros normativos enquanto limite máximo, mesmo nesta vertente, admite a existência de horários superiores, desde que estabelecidos em sede normativa própria e naturalmente, tal regime, por definição, como limite máximo que é, de acordo com o que deverá e não poderá deixar de ser, admite a adoção de horários em função de períodos normais de trabalho aquém desse limite.

[...]

21.º Por este motivo, a Resolução 905/2013, ao contrário do que sustenta o Senhor Representante da República, sem embargo do respeito que lhe é devido, não se apresenta como ilegítima e não é violadora de qualquer ditame constitucional, estatutário ou legal, em particular ou em geral.

22.º Isto porque, para além do facto de tudo quanto se refere na dita Resolução se encontrar dentro do limite de duração do período normal de trabalho definido através da Lei 68/2013, como se evidenciou já, também a mesma não reveste natureza legislativa ou regulamentar, senão vejamos:

23.º O Governo Regional é, estatutariamente, definido como o órgão executivo de condução da política regional e o órgão superior da administração pública regional, conforme o que estabelece o artigo 55.º do EPARAM.

24.º Sendo por definição estatutária o órgão superior da administração pública regional, como se destacou, incumbe, naturalmente, ao Governo Regional da Madeira, a assunção de orientações e diretrizes relativas ao funcionamento dos seus órgãos e serviços e à gestão dos trabalhadores que se insiram na respetiva administração regional autónoma.

25.º Orientações e diretrizes essas que, uma vez assumidas, terão de ser, naturalmente, transmitidas no mínimo, aos destinatários das mesmas, ou seja, aos serviços e entidades que compõem a administração regional autónoma da Madeira, a qual engloba, conceptualmente, os serviços sob a administração direta e indireta da Região.

26.º Evidentemente, que tais orientações e diretrizes terão de se enquadrar no respeito pela lei e serão legitimamente emitidas quando detalham ou especificam aspetos do quadro legal traçado e dentro do admitido pelo mesmo.

27.º Cabe aqui frisar, como já se referiu acima, que do regime introduzido pela Lei 68/2013, em matéria de definição do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, interpretado de acordo com a unidade do sistema jurídico e com a sua ratio, como estatui o artigo 9.º do Código Civil, resulta que o período normal de trabalho definido através da citada Lei 68/2013, em relação aos trabalhadores em funções públicas, é um período máximo, e ainda que imperativo e prevalecente sobre outros normativos, enquanto limite máximo, tal regime não poderá deixar de admitir a prática de horários aquém desse limite.

28.º A concretização da aplicação do limite respeitante ao período normal de trabalho definido através da Lei 68/2013, relativamente aos trabalhadores dos serviços da administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira, cabe, por força do artigo 55.º do EPARAM, ao respetivo Governo Regional.

29.º E detalhando esta qualidade de "órgão superior da administração pública regional" por definição cometida ao Governo Regional através do citado artigo 55.º do EPARAM, vem a alínea e) do artigo 69.º do diploma estatutário cometer ao Governo Regional a competência para "Dirigir os serviços e a atividade da administração regional..." e ainda na alínea g) do mesmo artigo "Orientar, coordenar, dirigir... os serviços, os institutos públicos... que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na Região...".

30.º Assim, reunido em Conselho do Governo Regional, como prevê o artigo 71.º do EPARAM, o órgão executivo madeirense, atenta a alteração constante da então publicada Lei 68/2013, em matéria de limite de duração do período normal de trabalho, assumiu e divulgou, através da Resolução 905/2013, publicada no Jornal Oficial n.º 122, 1.ª série, de 6 setembro passado, as orientações sobre a aplicação das ditas alterações no serviços da administração regional autónoma.

31.º Assim, a Resolução em apreço não tem alcance derrogatório relativamente à Lei 68/2013, na medida em que se contém naquilo que, conforme se demonstrou, a dita lei, em si mesma, admite.

32.º Do referido resulta também, claramente, que tal Resolução não tem conteúdo legislativo, mesmo do ponto de vista material, uma vez que tal natureza é a que reveste a Lei 68/2013, a qual prevê e define limites (máximos) de duração do período normal de trabalho na função pública, admitindo a adoção de horários em função de períodos normais de trabalho até ao limite definido, como vimos sustentando e como, legal e constitucionalmente, não pode deixar de ser.

33.º Pelo que a Resolução não respeita ao exercício de competência legislativa da Região, não estando, de modo algum, violado o artigo 37.º do EPARAM, ao contrário do que sustenta o Senhor Representante da República.

34.º E outrossim se dirá da mesma Resolução que, não encerrando natureza legislativa, obviamente, também não consubstancia invasão de competência legislativa de nenhum órgão nem, evidentemente, se imiscuiu na competência reservada à Assembleia da República, seja a constante da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição ou qualquer outra, ao contrário do que, com o devido respeito, se pretende sustentar no requerimento de declaração de ilegalidade

35.º Por outro lado, também não é de natureza regulamentar o conteúdo da Resolução 905/2013, posto que a matéria prevista na Lei 68/2013, sobre a duração do período normal de trabalho, não carece de qualquer regulamentação, ou seja, o que consta da dita lei, a esse propósito, é aplicável tal como está, sem embargo, evidentemente, do poder de direção sobre os serviços, designadamente, e no que toca ao caso, por parte do Governo Regional da Madeira, no sentido de os dirigir e instruir, dentro dos limites previstos pela lei nacional, sobre a adoção do período normal de trabalho a praticar no seu âmbito, ao abrigo do que prevê o artigo 55.º do EPARAM e se detalha, nomeadamente, nas alíneas e) e g) do artigo 69.º, do mesmo EPARAM.

36.º Assim, a Resolução 905/2013, não respeita, mesmo do ponto de vista material, ao exercício de qualquer competência regulamentar, designadamente, de lei emanada de órgão de soberania, pelo que não foram e não se mostram violados os artigos 39.º e 69.º do EPARAM, ao contrário do que sustenta o Representante da República.

37.º Na verdade, a Resolução 905/2013, consubstancia instruções aos serviços da administração regional, direta e indireta, emitidas no âmbito do poder de direção do Governo Regional sobre tais serviços, assumidas ao abrigo da sua natureza de órgão superior da administração pública regional, com competência de direção sobre os serviços e a atividade da administração regional, bem como de orientação e coordenação sobre os mesmos, quer sejam da administração direta como da indireta, conforme resulta das alíneas e) e g) do artigo 69.º do EPARAM, normativos que se articulam com a definição constante do supracitado artigo 55.º também do EPARAM.

38.º Na verdade, como bem refere Caetano, Marcelo (1991), Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, Vol. I, pág. 246, o poder de direção é aquele que o superior tem de "...dar ordens e expedir instruções para impor aos seus subordinados a prática dos atos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei".

39.º Assim, como bem se compreende, a Resolução 905/2013, emitida pelo Governo Regional, insere-se, precisamente, na competência daquele órgão para transmitir aos serviços que compõem a administração regional autónoma, direta e indireta, as suas instruções sobre a aplicação do limite do período normal de trabalho definido por lei que, por sua vez, em si mesma, admite tal interpretação.

40.º E que assim é, mostra-o a parte preambular da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, onde é invocado o artigo 55.º do EPARAM, precisamente, porque estava, como está, em causa na intenção subjacente à prolação da dita Resolução 905/2013, transmitir instruções aos serviços sobre a aplicação, em concreto, do novo limite legal do período normal de trabalho do funcionalismo público, e foi e é, precisamente, essa a qualidade e natureza que reveste a Resolução em apreço.

41.º O conteúdo da Resolução 905/2013 respeita à transmissão de instruções aos serviços, com base na lei em vigor e dentro dos limites permitidos pela mesma, não criando normas nem consubstanciando normativos, no exercício de um qualquer poder legislativo ou regulamentar de diplomas emanados, ou não, de órgãos de soberania, designadamente, não legisla na matéria versada nem regulamenta a Lei 68/2013, ou outro diploma.

42.º Pela mesma ordem de ideias, também, frisa-se novamente, o conteúdo da Resolução 905/2013, não reveste natureza que possa conduzir à inserção do seu normativo em matéria de competência legislativa reservada da Assembleia da República, posto que a mesma Resolução nada legislou e não tem conteúdo legislativo.

43.º Além de não ter natureza legislativa ou regulamentar, o que é referido na Resolução em causa, não reclama tratamento pelo legislador nacional, posto que é a Lei 68/2013 que, ao definir os limites de duração do período normal de trabalho, admite a adoção de horários de trabalho até àqueles limites ali definidos, adoção esta que, na Região, cabe assumir e orientar, perante os serviços, a quem tem o poder cimeiro de direção sobre os mesmos no âmbito da administração regional autónoma, ou seja, ao Governo Regional.

44.º Fundamental é a perceção do alcance jurídico da definição dada pela Lei 68/2013, ao período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, que é, em ratio e veritas do normativo estabelecido, um período máximo, o qual, ainda que imperativo e prevalecente sobre outros normativos, enquanto limite máximo, obviamente e como não pode deixar de ser, admite a prática de horários em período normal, aquém desse limite, ou seja, contidos nele.

45.º Assim, pela Resolução 905/2013, o Governo Regional dirigindo instruções aos serviços da administração regional autónoma, transmitiu-lhes, nesse âmbito, o sentido da aplicação do limite de duração do período normal de trabalho contido na Lei 68/2013.

46.º Não há, portanto, qualquer derrogação da lei nacional, nem violação de artigos estatutários ou de quaisquer outros, designadamente, dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do EPARAM, como se sustenta no pedido de declaração de ilegalidade apresentado pelo Representante da República, relativo ao conteúdo da Resolução 905/2013.

47.º Não obstante não se concordar com a razão do requerimento de ilegalidade apresentado sobre a citada Resolução 905/2013, sempre se refere, à luz do dever de prudência e mera cautela, honrando o valor iminente que é o da segurança jurídica do Direito face a trabalhadores e serviços envolvidos que, em situação de acolhimento dos argumentos contrários ao ora sustentado na presente resposta, sejam, de todo o modo, salvaguardados os anteriores efeitos produzidos até à vigência desse eventual acórdão, hipótese que aqui se admite, tal como referido, apenas por motivos de cautela jurídica».

5 - Após discussão em Plenário do memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.

II - Fundamentação

Questão prévia: a legitimidade processual do requerente

Nos presentes autos, o Representante da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro, que "Determina que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indireta da Região", publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira do dia 6 de setembro de 2013, 1.ª série, n.º 122, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. E fá-lo ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.

Na verdade, este preceito atribui aos Representantes da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade de normas com fundamento na violação do respetivo Estatuto.

Ao contrário do que sucede com aquele que é atribuído aos órgãos enumerados nas demais alíneas, o poder de iniciativa conferido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição é, não geral, mas limitado, resultando essa limitação dos requisitos específicos a que se encontra sujeita a respetiva causa de pedir. Assim, quando o pedido for de declaração de ilegalidade, esta encontrar-se-á tematicamente circunscrita, para efeitos de legitimidade processual ativa, à violação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma em cujo âmbito se inscreva a entidade requerente.

Note-se que o efeito de supraordenação das normas estatutárias resulta do seu valor paramétrico geral (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição), concretizando-se este na previsão constitucional de um controlo de legalidade a que são sujeitáveis as normas constantes de atos legislativos que se não encontrem em conformidade com os estatutos regionais - trate-se de diploma regional ou de diploma emanado dos órgãos de soberania [cf. artigos 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), e 281.º, n.º 1, alíneas c) e d), da CRP].

Conforme consensualmente reconhecido na jurisprudência e na doutrina constitucionais, a superioridade hierárquica das disposições constantes dos estatutos só deve ser reconhecida em relação às normas materialmente estatutárias (cf. Acórdãos n.º 291/99, 567/2004, 581/2007 e 238/2008 e, no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pg. 295), isto é, àquelas que disponham sobre matérias que só os estatutos regionais podem regular (cf. Acórdão 162/99).

Para que a determinada norma estatutária possa ser reconhecido valor material reforçado não bastará, assim, que a mesma conste de um estatuto regional: perante a insuficiência do critério da sediação, apenas terão valor supralegislativo - e, com ele, a prerrogativa de inalterabilidade por fonte normativa diversa - as normas constantes do Estatuto que pertençam ao "âmbito material estatutário" (cf. Acórdão 162/1999).

Embora a Constituição não enuncie de modo expresso as matérias "estatutárias por natureza" (Acórdão 460/99) -, é consensualmente aceite que as mesmas deverão ser identificadas a partir do princípio segundo o qual o "estatuto regional é o estatuto de uma pessoa coletiva" - uma pessoa coletiva territorial (cf. artigo 227.º, n.º 1, da Constituição) - "e, neste sentido, uma lei organizatória (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª ed., Coimbra Editora, pg. 650).

Ora, o presente pedido fundamenta-se na violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º, todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, relativos à competência legislativa e regulamentar da Assembleia Legislativa, bem como à competência do Governo Regional, respetivamente, o que poderia indiciar a verificação automática do requisito de legitimidade constante da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.

Porém, assim não é.

Independentemente da questão de saber se a Resolução em apreço tem carácter normativo, ou não, e se a competência para a aprovar pertence à Assembleia Legislativa ou ao Governo Regional - o que coloca a discussão no domínio da legalidade - preexiste um outro problema que já não é de legalidade, mas sim de constitucionalidade, qual seja o da saber se a Região Autónoma, em si, tem competência para determinar "que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indireta da Região".

Se essa competência não pertencer à Região Autónoma, mas antes integrar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, ou por outras palavras, se essa competência pertencer à República, então o Representante da República não terá legitimidade processual ativa para requerer a sua fiscalização abstrata sucessiva.

Ora, o Tribunal já teve ocasião de afirmar em acórdão anterior - o Acórdão 793/13, de 21 de novembro - que "a definição do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, enquanto termo de referência para a fixação dos limites máximos da duração do tempo de trabalho de tais trabalhadores, é um aspeto nuclear e estruturante do regime próprio da relação de emprego público, quer em razão da sua importância para os próprios trabalhadores, em especial devido à conexão com os seus direitos fundamentais à saúde, à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso semanal - artigo 59.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), e n.º 2, alínea b), da Constituição); quer como condição relevante para garantir a eficácia, eficiência e qualidade da ação da Administração na prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição). Como tal, aquela definição constitui uma «base do regime da função pública», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da Constituição.

Assim sendo, segundo o referido acórdão, a matéria em apreço integra, efetivamente, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

Se assim é, então a questão que o Representante da República coloca não é primordialmente de legalidade, antes pressupõe a aferição da constitucionalidade da Resolução. Com efeito, trata-se de um problema de repartição de poderes entre a República e a Região Autónoma que deve ser regulado pela Constituição e não pelos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, pelo que a ilegalidade não tem aqui valor paramétrico autónomo.

Ora, tratando-se de uma questão de constitucionalidade, nos termos do artigo 282.º, n.º, 1, alínea g), da CRP, o requerente - o Representante da República da Região Autónoma da Madeira - não tem legitimidade processual ativa para requerer a sua fiscalização abstrata sucessiva, pelo que o Tribunal não deve tomar conhecimento do objeto dos presentes autos.

III - Decisão

O Tribunal decide não tomar conhecimento do objeto dos presentes autos por falta de legitimidade ativa do requerente.

Lisboa, 5 de novembro de 2014. - Ana Guerra Martins (com declaração nos termos do acórdão 793/13) - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - José Cunha Barbosa - Carlos Fernandes Cadilha - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, de acordo com a declaração junta) - João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração de voto que anexo) - Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, pelas razões constantes da declaração de voto que anexo).

Declaração de voto

O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

O Tribunal Constitucional decidiu, no presente acórdão, não tomar conhecimento do pedido, por considerar estar em causa uma questão de constitucionalidade, para cuja formulação o Representante da República não teria competência.

Um dos motivos para a minha discordância quanto ao Acórdão é precisamente este facto. Incidindo o pedido sobre a declaração de legalidade das normas, face ao princípio do pedido (artigo 51.º, n.º 5, LTC), não compreendo como pode o Tribunal Constitucional concentrar a sua análise na questão da constitucionalidade do ato que é objeto do pedido, nos termos em que o faz, afastando a legitimidade do Representante da República para um pedido que não formulou.

Esta opção é ainda menos compreensível se enquadrada na recente jurisprudência do Tribunal Constitucional. De facto, tem-se verificado uma evolução nesta jurisprudência, baseada na declaração de voto do Conselheiro Paulo Mota Pinto ao Acórdão 198/2000, no sentido da autonomização do vício da ilegalidade e dos pressupostos do seu conhecimento face ao pedido de fiscalização da inconstitucionalidade. Essa evolução, evidenciada nos Acórdãos n.os 645/2013 (no n.º 13) e 96/2014 (no n.º 7), é agora posta em causa, de forma notória, pelo presente acórdão.

De acordo com a assinalada declaração de voto, citada nos referidos Acórdãos, deve ser afirmada a «autonomia da força paramétrica do estatuto regional em relação à da Constituição», pelo que «a ilegalidade por violação de estatuto não pode ser reduzida apenas a um minus em relação à inconstitucionalidade, sendo sim um aliud». De facto, a «introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação "intrinsecamente estatutária" [...], tem [...] o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucional - que, porém, como todas as normas, aquele tem de respeitar -, se e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico [...] relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação». Não só a «violação de estatuto regional» é irredutível à «invocação de uma inconstitucionalidade», como, no âmbito da ilegalidade, «a ligação com a região autónoma e a defesa do seu estatuto político administrativo está sempre assegurada - ao contrário do que acontece com a invocação da inconstitucionalidade - pelo facto de estar em questão apenas a ilegalidade justamente por violação de estatuto regional».

Para além da referida diferenciação entre a parametricidade estatutária e constitucional também não pode ser esquecido que, como referiu o Acórdão 96/2014, no seu n.º 7, existem «notáveis diferenças de regime entre a inconstitucionalidade e a ilegalidade por violação de estatuto, nomeadamente, a diferença respeitante ao âmbito de legitimidade». Também estas diferenças exigem um cuidado redobrado na distinção entre as duas figuras. Por todos estes motivos, deve aceitar-se a ilegalidade com fundamento em violação do Estatuto como vício autónomo relativamente à inconstitucionalidade, com pressupostos processuais distintos, a analisar autonomamente.

Ora, o pedido do Representante da República, incide sobre a violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º, todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, relativos à competência legislativa e regulamentar da Assembleia Legislativa, bem como à competência do Governo Regional para a aprovação deste ato regulamentar (n.os 43-45 do pedido). Trata-se de normas que incidem sobre a divisão de tarefas entre os órgãos de governo regional, matéria que deve constar dos Estatutos. Assim, na sequência lógica da jurisprudência referida, o Tribunal Constitucional deveria tomar como legítima a questão e apreciá-la independentemente de apreciações sobre a constitucionalidade do ato em causa. É possível autonomizar o conhecimento da competência do Governo Regional para a emissão daquele ato, à luz do Estatuto, da questão da sua constitucionalidade, em termos materiais. No entanto, no presente aresto, o Tribunal Constitucional recusa conhecer do pedido, por considerar que está em causa não uma questão de legalidade (que é a questão suscitada no pedido), mas uma questão de constitucionalidade (que não faz parte do pedido). E o que ainda é mais surpreendente é que, apesar de não reconhecer legitimidade ao requerente para formular uma questão de constitucionalidade, o Tribunal acaba por centrar o juízo precisamente naquela questão para a qual o requerente carecia de legitimidade e que, de resto, não suscitou.

Ao decidir desta forma, o Tribunal Constitucional, após uma evolução no entendimento da ação de fiscalização da legalidade por violação do Estatuto, está a involuir, misturando a fiscalização da constitucionalidade com a fiscalização da legalidade, enleando-se numa argumentação cujo sentido não se percebe mas que desvirtua o sentido emergente da fiscalização da legalidade.

Assim, por um lado, o Tribunal Constitucional depois de ter sinalizado aos órgãos com legitimidade nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, nomeadamente aos Representantes da República, um determinado entendimento relativamente à legitimidade para o pedido de fiscalização da legalidade por violação do Estatuto, recua - sem que para isso apresente razão convincente. Note-se, por outro lado, que este Tribunal, através do Acórdão 793/2013, se pronunciou pela inconstitucionalidade de um decreto legislativo regional açoriano - aprovado pelo órgão regionalmente competente - relativo a esta matéria de duração do horário de trabalho dos trabalhadores em funções públicas (em face das alterações aprovadas pela Lei 68/2013, de 29 de agosto). No entanto, no presente processo, em que o órgão regional emissor do ato em causa não é, manifestamente, o competente, abstém-se de decidir, possibilitando que o ato em causa continue a produzir efeitos. Que sentido faz?

Maria de Fátima Mata-Mouros

Declaração de voto

A legitimidade do Requerente afere-se pelo pedido formulado e a causa de pedir por ele invocada.

O Requerente - o Representante da República para a Região Autónoma da Madeira - pediu a declaração de ilegalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro.

Como fundamento para o pedido formulado alegou que o Governo Regional não tinha competência para emitir as normas impugnadas, estando essa competência atribuída à Assembleia Legislativa Regional, nos termos do disposto nos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

Sendo estes o pedido e a respetiva causa de pedir, tem o Requerente legitimidade para os formular, no uso do poder que lhe é conferido pelo artigo 281.º, n.º 2, g), da Constituição.

Diz o presente Acórdão que o conteúdo das normas em causa integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que a questão colocada não é de legalidade, mas sim de constitucionalidade, não tendo o Requerente legitimidade para suscitar tal questão.

Se é verdade que o Requerente não tem legitimidade para pedir a fiscalização sucessiva de normas, com fundamento na sua inconstitucionalidade, também é verdade que o Tribunal Constitucional não pode oficiosamente proceder à deteção de vícios que não lhe tenham sido arguidos, vigorando na fiscalização sucessiva o princípio de pedido.

Por essa razão, não podia o Tribunal ter formulado, por sua iniciativa, um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas em questão para afastar o conhecimento da questão de ilegalidade que lhe foi colocada pelo Requerente.

Assim, teria reconhecido ao Requerente legitimidade para a dedução do pedido de fiscalização apresentado e, apreciando o pedido, teria declarado a ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução 905/2013 de 6 de setembro do Governo Regional, uma vez que a competência legislativa é atribuída pelos Estatutos em exclusivo à Assembleia Legislativa Regional.

João Cura Mariano

Declaração de voto

Por força do que dispõe o artigo 232.º da CRP, a competência para exercer o poder legislativo regional cabe, em exclusivo, às respetivas assembleias legislativas. Contrariamente ao que sucede com o Governo da República, os governos regionais não detêm poderes legislativos a nenhum título, nem em concorrência com as assembleias regionais, nem mediante autorização desta.

Como lei organizatória do poder político regional, cabe ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira reproduzir e densificar as normas constitucionais relativas às competências dos órgãos de governo próprio da região. E efetivamente desse diploma consta um preceito - o artigo 69.º -, onde exaustivamente se define a competência do Governo Regional. Em obediência à conformação constitucional, este quadro estatutário não contempla qualquer possibilidade de exercício por parte do Governo Regional da Madeira de competências qualificáveis como legislativas.

Ora - contrariamente ao que pretende, na sua resposta, o Presidente deste órgão - a Resolução impugnada não "consubstancia instruções aos serviços da administração regional [...] emitidas no âmbito do poder de direção do Governo regional sobre os serviços", antes adota um regime jurídico primário, substitutivo do preexistente, tendo, em consequência um iniludível conteúdo legislativo.

Sendo assim, estando em causa a competência do Governo regional, e confrontada a Resolução impugnada com o preceito que, com maior grau de concretização, procede a uma delimitação positiva e negativa dessa competência - o artigo 69.º dos Estatutos - a conclusão a tirar é a de que estamos perante uma ilegalidade, por violação deste preceito estatutário.

Há que ter presente, todavia, que a conformação estatutária segue e desenvolve o sistema constitucional de repartição de competências, pelo que, quanto à competência legislativa, o artigo 69.º dos Estatutos dá expressão ao comando do artigo 232.º da Constituição. A mais disso, pode sustentar-se que estamos perante um aspeto nuclear e estruturante do regime próprio da relação de emprego público - integrando, nessa medida, as"bases" que a Constituição reserva à Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea t). Ou seja, em razão da matéria, trata-se de um ato legislativo que nem a Assembleia Legislativa regional poderia emitir, por cair dentro da competência reservada da Assembleia da República.

Ao vício da ilegalidade soma-se, assim, um vício de inconstitucionalidade. O Acórdão entende que, nestas circunstâncias, "a ilegalidade não tem aqui valor paramétrico autónomo", com a consequência da falta de legitimidade do requerente, em que se funda a decisão de não conhecimento do objeto do pedido.

Discordo deste entendimento quanto à forma como se relacionam os dois vícios, em caso de coincidência de normas paramétricas.

Esse entendimento tem por detrás de si a ideia, já expressa em Acórdãos anteriores e designadamente no Acórdão 198/2000, de que "o vício da inconstitucionalidade consome o de ilegalidade [...]". Mas creio que a esta diretriz não pode ser reconhecida valência absoluta, estendendo-a mesmo aos pontos em que não há equiparação dos dois regimes, como sucede quanto à legitimidade para requerer a fiscalização abstrata sucessiva. Pretender o contrário leva à conclusão paradoxal (que é a do Acórdão) de que o requerente não pode invocar um vício efetivamente existente (o da ilegalidade) para a arguição do qual a Constituição lhe reconhece legitimidade, pela razão de que se verifica um vício mais grave (o da inconstitucionalidade), o qual, todavia, ele está inibido de invocar, por não dispor de legitimidade - vício este, aliás, que, de acordo com o pedido, estava de todo ausente do processo. E a desrazoabilidade da solução avulta ainda mais quando, como nos presentes autos, o requerente é o Representante da República para a Região Autónoma, o qual se vê, assim, impedido de acionar o controlo da observância da "lei básica "da Região, constante de uma lei da Assembleia da República com valor reforçado - como é a lei estatutária.

Sendo a matéria da fixação da competência do Governo Regional indiscutivelmente "estatutária por natureza", o facto de o legislador, ao regulá-la, ter que obedecer às suas vinculações constitucionais, mesmo a ponto de ter que emitir uma norma coincidente, não rouba à norma estatutária - no plano normativo que é o seu, distinto do plano constitucional - todo o valor jurídico próprio. A norma estatutária não pode ser tratada como se não existisse no ordenamento, mesmo quando tem repercussões normativas - designadamente quanto ao controlo da sua observância - distintas das que cabem à norma constitucional de idêntico conteúdo regulador. Seria contraditório com a obrigatória inclusão nos Estatutos de tal matéria denegar à violação da norma estatutária que a tem por objeto o tratamento que lhe corresponde, quanto à legitimidade para a sua invocação, a pretexto de que está consubstanciada também uma violação constitucional, sujeita, quanto a esse ponto, a um regime não coincidente.

A razão, a meu ver, estava com o Conselheiro Paulo Mota Pinto, quando, na declaração de voto que apensou ao Acórdão 198/2000, deixou escrito: «Assim, a introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação "intrinsecamente estatutária" [...] tem, pois, o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucional - que, porém, como todas as normas, aquele tem que respeitar - se, e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico, como acontece, no presente caso, relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação».

Em conformidade com o exposto, teria conhecido do pedido e declarado a ilegalidade das normas constantes da Resolução 905/2013 do Governo Regional da Madeira, de 6 de setembro, por violação do artigo 69.º do EPARAM.

208293189

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/366082.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1992-07-21 - Acórdão 212/92 - Tribunal Constitucional

    Decide pronunciar-se, pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º do decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira na sessão plenária de 30 de Abril de 1992, subordinado ao título «Aplicação à Região Autónoma da Madeira do regime jurídico do trabalho suplementar». (Proc. n.º 200/92).

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Decreto-Lei 259/98 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 2005-08-30 - Lei 51/2005 - Assembleia da República

    Estabelece regras para as nomeações dos altos cargos dirigentes da Administração Pública. Procede à alteração das Leis n.ºs 2/2004, (republicada em anexo com as alterações ora introduzidas), 3/2004, 4/2004, todas de 15 de Janeiro, relativas, respectivamente, ao estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, à lei quadro dos institutos públicos, e aos princípios e normas de organização da administração directa do Estado. Altera também o Decreto-L (...)

  • Tem documento Em vigor 2006-08-17 - Decreto-Lei 169/2006 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Altera os regimes jurídicos constantes dos Decretos-Leis n.os 41/84, de 3 de Fevereiro (instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública), 259/98, de 18 de Agosto (duração e horário de trabalho na Administração Pública), 100/99, de 31 de Março (férias, faltas e licenças), 331/88, de 27 de Setembro (subsídio de alojamento), 236/99, de 25 de Junho (regime de contrato e voluntariado nas Forças Armadas), e 323/95, de 29 de Novembro (sistema poupança-emigrante).

  • Tem documento Em vigor 2008-02-27 - Lei 12-A/2008 - Assembleia da República

    Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

  • Tem documento Em vigor 2008-09-11 - Lei 59/2008 - Assembleia da República

    Aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e respectivo Regulamento.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2010-04-28 - Lei 3-B/2010 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2010. Aprova ainda o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais (RERT II), que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2009.

  • Tem documento Em vigor 2010-11-17 - Decreto-Lei 124/2010 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Aprova a orgânica da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), reforçando as suas competências no acompanhamento e representação de vítimas de discriminação de género no trabalho e no emprego em processos administrativos e judiciais e altera (quarta alteração) o Decreto-Lei 211/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

  • Tem documento Em vigor 2011-12-22 - Lei 64/2011 - Assembleia da República

    Modifica os procedimentos de recrutamento, selecção e provimento nos cargos de direcção superior da Administração Pública, alterando (quarta alteração), com republicação, a Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, e alterando (quinta alteração) a Lei 4/2004, de 15 de Janeiro, que estabelece os princípios e normas a que deve obedecer a organização da administração directa do Estado, cria a Comissão (...)

  • Tem documento Em vigor 2011-12-30 - Lei 64-B/2011 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2012 bem como o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem em território português, em 31 de Dezembro de 2010, abreviadamente designado pela sigla RERT III.

  • Tem documento Em vigor 2012-12-31 - Lei 66/2012 - Assembleia da República

    Procede à sexta alteração à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, à quarta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, e à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, determinando a aplicação do regime dos feriados e do Estatuto do Trabalhador-Estudante, previstos no Código do Trabalho, aos trabalhadores que exercem funções públicas.

  • Tem documento Em vigor 2013-08-29 - Lei 68/2013 - Assembleia da República

    Estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.

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