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Acórdão 724/2014, de 3 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil, se permite o decretamento do arresto preventivo sem audição prévia do arguido

Texto do documento

Acórdão 724/2014

Processo 224/14

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente Ricardo Manuel dos Santos Oliveira e recorrida PARVALOREM, S. A., o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão proferido em conferência por aquele Tribunal, em 28/01/2014 (cf. fls. 2606-2686).

2 - O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente da decisão proferida pelo Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (a fls. 679-699), que determinou, a requerimento da sociedade PARVALOREM, S. A., o arresto preventivo de bens do recorrente e das sociedades RO CAR Classic, S. A. e Grupo Ricardo Oliveira - RO SGPS S. A., nos termos do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

3 - Nos termos do requerimento de interposição de recurso (de fls. 2694-2697), é pedida a fiscalização da constitucionalidade do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. (CPP), «[...] na interpretação que lhe foi dada pelo Mmo. JIC (entretanto sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa) pela qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil (artigo 404.º do C.P.C.), se permite o decretamento do Arresto Preventivo sem prévia audição prévia do Arguido», invocando-se a violação das «garantias de defesa, nomeadamente dos princípios do contraditório e do direito de audição prévia constitucionalmente consagrados nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da C.R.P» (cf. requerimento de interposição de recurso, fls. 2695).

4 - É este o teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:

«Ricardo Manuel dos Santos Oliveira, notificado, através da notificação com a Referência n.º 6817152, do douto Acórdão de V. Ex.ª de fls... e ss. que julgou improcedente o Recurso apresentado da decisão que decretou o Arresto Preventivo nos termos e com os efeitos do disposto no artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. e assim permitiu a manutenção do mesmo, dele vem, mui respeitosamente,

Interpor recurso para o Tribunal Constitucional

O que faz nos termos do disposto no artigo 280.º n.º 1 alínea b) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 70.º n.os 1 al. b), 2 e 3, 72.º n.os 1 alínea b) e n.º 2 e 75.º-A da LOFPTC e com os fundamentos que seguem:

1 - O presente recurso de constitucionalidade é interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o Recurso ajuizada pelo ora Recorrente (artigo 70.º n.º 1 al. b), n.º 2 e n.º 3 LOFPTC) contra o Despacho lavrado pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal (fls. 679 a 699 dos autos) que decretou o Arresto Preventivo, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 228.º do C.P.P., de vários bens do Arguido e de sociedades comerciais em que este participa e é membro de órgãos estatutários.

2 - A decisão que decretou o Arresto Preventivo e o acórdão que, pugnando pela improcedência do Recurso, a manteve, afeta direitos processuais e substantivos do ora Recorrente (artigo 72.º n.º 1 alínea b) LOFPTC), tudo quanto sumariamente se passa a demonstrar.

3 - A decisão de que ora se recorre foi notificada ao Recorrente no dia 30 de Janeiro de 2014 (artigo 75.º n.º 1 LOFPTC).

4 - A norma cuja inconstitucionalidade se entende verificada é a do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P., na interpretação que lhe foi dada pelo Mmo. JIC (entretanto sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa) pela qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil (artigo 404.º do C.P.C.), se permite o decretamento do Arresto Preventivo sem prévia audição prévia do Arguido, sem que tal implique a violação das garantias de defesa, nomeadamente do princípio do contraditório e do direito de audição prévia constitucionalmente consagrados nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da C.R.P, em especial no que respeita à imperiosa contraditoriedade prévia quanto ao decretamento de medidas de coação e garantia patrimonial (artigo 75.º-A n.os 1 e 2 da LOFPTC);

5 - Tal interpretação afigura-se, igualmente, violadora da norma materialmente constitucional plasmada no artigo 9.º n.º 3 do Código Civil na medida em que esta, regulando a fixação do sentido e o alcance da lei, impõe que não sejam afastadas as disposições gerais e expressas quanto à obrigatoriedade da audiência prévia constantes dos artigos 191.º, n.º 1 e 194.º, n.º 4, ambos do C.P.P. e que regulam a aplicação, em processo penal, das medidas de garantia patrimonial (artigo 75.º-A n.º 2 da LOFPTC).

6 - Além de que erige um suposto benefício decorrente de um "efeito surpresa" de tal medida como valor superior ao do exercício do contraditório em processo cuja natureza (penal) é especialmente grave para quem a ele se encontra sujeito (desconsiderando jurisprudência constitucional que considera ser um vexame e um incómodo ser sujeito a julgamento, o que resulta agravado se alguém o é apesar da existência de uma nulidade tão grave no processo).

7 - Olvidando, igualmente, que a apreciação da prova - ainda que indiciária - a realizar no processo penal não é realizada nos mesmos moldes daquela realizada em processo civil, facto que não pode deixar de relevar para a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 228.º n.º l do C.P.P., na interpretação e aplicação que lhe foram dadas, porquanto a faculdade de intervir e ser ouvido em processo penal, antes de promovidos atos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, constitui uma tradução da expressão do direito de defesa, não comparável ao exercício do contraditório em processo civil (artigo 75.º-A n.º 2 da LOFPTC).

8 - As questões de constitucionalidade que constituem objeto do presente recurso foram suscitadas pelo ora Recorrente (artigo 75.º-A n.º 2 LOFPTC):

. No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa contra a decisão do Mmo. JIC que decretou o Arresto Preventivo, que corresponde à primeira intervenção processual do Recorrente nos autos de Procedimento Cautelar.

9 - As concretas questões de constitucionalidade que constituem objeto do presente recurso não foram decidas pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão 303/2003 de 18.06.2003 no processo 1124/98 (referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, apreciando os fundamentos de inconstitucionalidade oportunamente invocados pelo Recorrente, nele fundamentou a não inconstitucionalidade da interpretação da norma em crise pelo Mmo. JIC), uma vez que o objeto deste último incide sobre as disposições processuais que regulam, em sede de processo civil, o arresto, sem que do mesmo processo resulte qualquer conexão com o regime processual penal.

10 - Desconhecendo o Recorrente qualquer jurisprudência constitucional que tenha analisado a questão, pelo presente recurso suscitada, nos moldes supra descritos ou, sequer, em moldes similares, entende não existir obstáculo à admissão do presente recurso e prosseguimento dos seus normais termos.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, mui doutamente suprirão, se requer seja o presente Requerimento deferido, nos termos do disposto no artigo 76.º LOFPTC, considerando-se interposto o presente Recurso, ordenando-se o respetivo processamento e subida ao Egrégio Tribunal Constitucional, nos termos legalmente previstos.

Com todas as legais consequências.»

5 - Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido pelo Tribunal a quo (cf. fls. 2701) e prosseguido neste Tribunal (cf. fls. 2709), foram as partes notificadas para produzir alegações (cf. fls. 2710 e 2747), não tendo sido usada a faculdade prevista no artigo 43.º, n.º 5, da LTC.

6 - O recorrente apresentou alegações (fls. 2711-2746), concluindo:

«CONCLUSÕES

A interpretação da norma constante do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. ["A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; [...]"], pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos constante de arresto preventivo n.º 121/08.1 TELSB - E.L1, segunda a qual é possível o decretamento da medida de arresto preventivo sem prévia audição do arguido e sem que sequer esteja fundamentada tal omissão de audição, é materialmente inconstitucional, porquanto:

Tal interpretação olvida a existência de disposições gerais, aplicáveis a todas as medidas de coação e garantia patrimonial, constante do 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a), do C.P.P., que impõem a audição prévia do arguido, salvo impossibilidade devidamente fundamentada.

A referida interpretação é por força da desconsideração de tais normas e dos requisitos de fundamentação que lhes são inerentes, uma violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da CRP, na medida em que permitir o afastamento da audição prévia elimina, objetiva e totalmente, o conteúdo essencial do direito ao contraditório plasmado no artigo 32.º n.º 5 da CRP.

Ainda que se entendesse que o direito ao contraditório não é completamente afastado, no que não se concede, sempre se dirá que permitir o afastamento da audição sem qualquer fundamentação é violador do mesmo princípio na vertente da proporcionalidade em sentido restrito, por implicar uma desproporção em relação aos fins que se visam atingir e às especiais garantias de que goza o arguido no que respeita ao exercício do contraditório em processo penal.

Desconsiderando que nenhuma norma expressa existe no artigo 228.º do C.P.P. que afaste ou derrogue as regras gerais previstas no 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a) do mesmo Código e que nenhuma lacuna existe no Código de Processo Penal que permita aplicar, por via do disposto no artigo 4.º do mesmo Código, as disposições processuais civis no que ao exercício do contraditório diz respeito.

Consubstanciando essa interpretação do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. uma violação da norma constante do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil ["Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."], tida por materialmente constitucional, uma vez que implica considerar que o legislador, ao prever nos artigos 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a) a necessidade de audição prévia do arguido, não soube expressar de forma adequada o seu pensamento.

Verifica-se, igualmente, uma violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da CRP por desconsideração das diferentes posições processuais de Arguido e Réu, da diferente natureza dos processos civil e penal e, até, da igualdade na aplicação das garantias de defesa quando estejam em causa arguidos que não sejam demandados civis face a outros que o sejam.

O princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º n.º 2 da CRP, é igualmente colocado em causa na interpretação do artigo 228.º n.º 1 do CPP realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto eliminando a possibilidade de exposição de versão contrária dos fatos elimina da análise da situação concreta a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo, inquinando potencialmente toda e qualquer decisão que venha a ser tomada nos autos principais após o decretamento da referida medida de garantia patrimonial.

Ainda que assim não fosse, no que não se concede, e se entendesse aplicável a norma do 408.º n.º 1 do C.P.C. ["Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais"] por remissão do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P., a referida interpretação sempre estaria ferida, como está, de inconstitucionalidade, porquanto:

O princípio do contraditório, com assento constitucional nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição, impõe que o juiz penal ao desenvolver a sua atividade oiça tanto a acusação como a defesa (nestes termos já se pronunciava o Prof. Figueiredo Dias, a páginas 149, do seu "Direito Processual Penal", reimpressão da 1.ª edição 1974, Coimbra Editora 2004);

Que o mesmo tem clara aplicação no caso concreto por estar em causa a alteração do estatuto jurídico substantivo e processual do Arguido: "Acontece, por último, que o princípio deve respeitar a todo o decurso do processo, impedindo que nele se tome qualquer decisão que atinja o estatuto jurídico de uma pessoa sem que esta tenha oportunidade de se fazer previamente ouvir [...]". (cf. mesma obra, páginas 151);

Só assim se dando concretização à norma constitucional constante do artigo 32.º n.º 1 da CRP quando esta impõe que o processo criminal assegure todos os meios de defesa, o que não sucedeu no caso em apreço por força da interpretação dada à norma constante do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P.;

Já o n.º 5 do artigo 32.º da CRP ao afirmar "O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.", impõe que exista um debate (efetivo) das razões da acusação e da defesa;

Tal debate terá um alcance mais alargado que o mero exercício do contraditório em sede de julgamento, "...e podendo e devendo abranger atos que ocorram noutras fases processuais em que a apreciação contraditória seja importante para a descoberta da verdade e concretização dos direitos de defesa, como o é, por exemplo, a discussão sobre a verificação dos pressupostos e requisitos das medidas de coação";

Tal posição encontra-se, de resto, derramada pelo legislador ordinário no artigo 194.º n.º 4 do CPP, ao impor (salvos casos de impossibilidade devidamente fundamentada) a audiência prévia do arguido para a aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial;

Já em acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional no processo 1006/98 afirmou-se, no que ao reexame dos pressupostos da medida de coação prisão preventiva diz respeito: "É que, o direito que o arguido tem em se fazer ouvir e contraditar todos os elementos (aqui se incluindo os de prova) ou argumentos (incluindo-se os de ordem jurídica), designadamente os carreados pela acusação, foi já devidamente assegurado aquando da imposição da medida de coação em causa, [...].

Não há, pois, por assim dizer "matéria" diferenciada sobre a qual (e isso seria sempre exigido pelos princípios do asseguramento da plenitude das garantias de defesa e do contraditório) o arguido tivesse que se pronunciar [...] e que, seguramente, foram ponderadas na precedente decisão determinadora da imposição da medida de coação da prisão preventiva.";

Interpretação que, a contrario, se afigura fundamentar o juízo de inconstitucionalidade da derrogação da audição prévia aquando do primeiro decretamento de medidas de coação ou garantia patrimonial.

Pelo que o Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter julgado no sentido de ser inconstitucional a aplicação do disposto no artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. na interpretação que permite dispensar a aplicação do disposto nos artigos 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a), do C.P.P. e, consequentemente, o decretamento da medida de arresto preventivo sem prévia audição do arguido e sem que esteja sequer devidamente fundamentada tal dispensa.

Sendo julgada a inconstitucionalidade de tal interpretação do disposto no artigo 228.º n.º 1 do C.P.P., encontra-se verificada a nulidade insanável da decisão que decretou o arresto preventivo, impondo-se uma alteração do sentido da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa por interpretação da norma constante do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. no sentido desta não poder ser interpretada no sentido de se dispensar a audição prévia do arguido salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, mui doutamente suprirão, se requer seja o presente Recurso considerando procedente, por demonstrada a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 228.º n.º 1 do CPP na interpretação da mesma que admita (e admitiu) o decretamento da medida de arresto preventivo, sem prévia audição do arguido em caso em que não se demonstra que tal impossibilidade se encontre (devidamente) fundamentada, por força da remissão que consta de tal norma para o regime processual civil, o que expressamente se alega para todos os devidos e legais efeitos.

Com todas as legais consequências.»

7 - Por seu turno, a recorrida apresentou também alegações (cf. fls. 2748-2779), em que formulou as seguintes conclusões (cf. fls. 2772-2779):

«[...] CONCLUSÕES

I. O douto e bem elaborado Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, objeto do presente recurso, tem necessariamente de se manter, pois consubstancia a solução que consagra a justa e rigorosa aplicação ao caso sub judice das normas legais e dos princípios constitucionais competentes.

II. As considerações de caráter opinativo, com recurso a referências literárias e políticas são absolutamente irrelevantes, pretendendo o Arguido criar uma aura de suspeição e de perseguição à sua pessoa, a qual é absolutamente descabida, pretendendo sugerir que o julgador tem sido influenciado e sugestionado pela pressão e comunicação social.

III. O objeto do presente recurso circunscreve-se tão-somente à questão de saber se é, ou não, inconstitucional a norma contida no artigo 228., n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que pode ser decretado o Arresto Preventivo sem audição prévia do Arguido.

IV. O Arresto Preventivo é uma medida de garantia patrimonial e não uma medida de coação, pelo que ambos não podem ser confundidos como faz o Recorrente.

V. O objeto central das medidas de garantia patrimonial é assegurar o pagamento de responsabilidades patrimoniais do Arguido, nomeadamente responsabilidade civil perante o Lesado, resultante da prática de atos tipificados como crime.

VI. A aplicação de medidas de garantia patrimonial não tem como objetivo antecipar qualquer punição penal, nem significam um qualquer juízo antecipado de culpabilidade.

VII. Existem no processo penal outros interesses e posições legítimas que não a defesa cega e absoluta do Arguido, ao atropelo de toda e qualquer posição processual oposta, nomeadamente a daqueles que se viram lesados pela prática dos fatos.

VIII. Assim, no processo penal coexistem direitos e interesses legítimos cuja salvaguarda poderá implicar inconvenientes à defesa do Arguido, como será o caso da derrogação da audição prévia do Arguido, aquando do decretamento da providência de Arresto.

IX. A não audição prévia do Arguido ao decretamento da providência de arresto não consubstancia apenas uma questão de cedência nas garantias de defesa do Arguido, em nome de outros direitos de outros intervenientes processuais, numa lógica de proporcionalidade conforme ao artº. 18.º da Constituição da República Portuguesa, tratando-se igualmente de conferir efetiva utilidade ao Arresto Preventivo em processo penal, assegurando a sua eficácia e as funções para as quais foi criado.

X. O entendimento legal, tradicional e enraizado do arresto preventivo no direito português é de que, ou o mesmo tem lugar depois de a caução ter sido fixada e não ter sido prestada - e, neste caso o arguido já foi ouvido -, ou o arresto tem lugar antes de a caução ter sido fixada, e neste caso o requerido não deve ser ouvido, pois só o sigilo da providencia protege o interesse do requerente do arresto preventivo.

XI. O arresto é decretado, por definição legal, sem audição do Requerido, conforme expressamente estatui o artigo 393.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para o qual o artº. 228.º do CPP se limita a remeter.

XII. Aliás, o n.º 3 do artº. 228.º do CPP é claro ao estatuir que o exercício do contraditório no arresto preventivo é feito pela oposição ao despacho que tiver decretado o arresto, ou seja, apenas depois do seu decretamento.

XIII. A necessidade de eficácia da providência cautelar de arresto não se compadece com a prévia audição do arguido, sendo tal entendimento comum aos Processos Civil e Penal.

XIV. O Recorrente, em momento imediatamente anterior ao decretamento do Arresto, preparava-se para alienar uma coleção de 74 carros clássicos da marca Mercedes-Benz, os quais tinham sido já enviados para o estrangeiro, e a maioria dos veículos não tinha um preço de venda mínimo estabelecido, pelo que a verificação dos requisitos legais exigidos são absolutamente claros e, por outro lado a necessidade de não audição do Arguido indispensável para a eficácia e utilidade da providência.

XV. Entender que o arresto preventivo é precedido de audiência do arguido é, em toda a linha, violentar o regime e o propósito da providência cautelar de arresto, esvaziando-o de conteúdo, tornando-o uma inutilidade jurídica, razão pela qual o artigo 228.º, n.º 1, do CPP, é claro ao estabelecer, tout court, que "pode o juiz decretar o arresto nos termos da lei do processo civil".

XVI. O prévio contraditório e a consequente atribuição do prazo de 10 dias para o Arguido se opor, querendo, teria como consequência inelutável que o eventual decretamento da providência só pudesse ocorrer após a dissipação ou ocultação definitiva de património que precisamente se pretendia evitar.

XVII. Diga-se, aliás, que não obsta sequer ao decretamento do Arresto o facto de o Denunciado ainda não ter sido constituído Arguido, pelo que não pode relevar o facto de o Arguido apenas se encontrar sujeito a Termo de Identidade e Residência no momento em que foi decretado o arresto.

XVIII. O regime do arresto preventivo é definido por remissão, pura e simples para a lei civil (ex. vi 228, n.º 1 do CPP), pelo que não assiste ao Arguido qualquer direito a acrescer àqueles que são conferidos ao Requerido em Processo Civil.

XIX. A não audição prévia do arguido não significa, de forma alguma, a supressão do contraditório, uma vez que o Arresto é decretado sem audiência prévia do Arguido, mas após a notificação da notificação do despacho que o decreta o Arguido vê abrirem-se várias formas de controlo da decisão proferida, nomeadamente a oposição e o recurso do despacho que o decretou - cf. artigo 228.º, n.º 3, do CPP.

XX. O contraditório deve funcionalmente, por regra, anteceder a decisão. Mas há situações em que o contraditório pode não anteceder a decisão e se deve admiti-lo apenas diferidamente nos casos em que a tutela efetiva e eficaz que o processo deve propiciar tem sério risco de ficar inviabilizada no caso de ser ouvida a parte contra quem essa pretensão é formulada.

XXI. A solução para mediar o suposto conflito terá de passar pela aplicação do princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Nestes casos, dentro dos quais figura sem reserva de dúvida o preceito de cuja constitucionalidade se cogita, há que dar preferência à possibilidade de realização material do direito que o requerente visiona com o seu recurso ao tribunal.

XXII. O contraditório não é abolido, sendo apenas diferido para depois da decisão, dando-se então ao requerido a oportunidade de contraditar não só a alegação dos fundamentos feita pelo requerente, mas igualmente a prova feita sobre eles.

XXIII. A circunstância de ser diferido o contraditório para a fase posterior à notificação do despacho que decreta o arresto está dependente da demonstração probatória da existência dos requisitos legais a que está subordinado o procedimento cautelar em causa (artº.s 388.º e 389.º do CPC,) o que não deixa de constituir uma garantia de que a restrição à regra geral do princípio do contraditório, traduzida no contraditório diferido, se contém dentro dos limites da adequação e da necessidade que são postulados pelo n.º 2 do citado artigo 18.º da CRP.

XXIV. A restrição ao principio geral de contraditório prévio não se verifica sem um controlo jurisdicional, o qual assegura a verificação de certos pressupostos que o justifiquem, os quais, no caso em apreço, foram apreciados e duplamente validados pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

XXV. Os bens arrestados encontram-se sujeitos a eventual restituição se o Arguido deduzir oposição, procedente, aos fatos que determinaram o Arresto, ou se a final não se demonstrar a autoria de qualquer crime por parte do Arguido, pelo que a decisão de arresto não constituiu caráter definitivo, nem tão pouco assume o caráter de aplicação de uma sanção penal.

XXVI. O princípio da presunção de inocência conforma, acima de tudo, a necessidade de composição final justa do julgamento criminal, não servindo de arma de arremesso na decisão de aplicação de uma medida de garantia patrimonial, a qual não tem como propósito, nem poderá ser tratada como se aplicação de uma pena se tratasse.

XXVII. Ao considerar-se que a aplicação de uma medida de garantia patrimonial é uma violação da presunção de inocência do Arguido, também o seria a aplicação de qualquer medida de coação, criando uma situação de insustentável intangibilidade do Arguido em que por mais evidentes, concretos e documentados que fossem os indícios, quer da prática do crime, quer para fundamentar a aplicação de uma medida de garantia patrimonial, jamais o Arguido poderia ser incomodado até ao trânsito em julgado do acórdão que o condene.

XXVIII. A presunção de inocência do Arguido não constitui uma presunção judicial, dado que a presunção de inocência, enquanto regra a considerar em sede de processo, se encontra estabelecida pelo legislador constitucional.

XXIX. Entender a presunção de inocência de modo absoluto, conduz à "inconstitucionalização" da instrução em si mesma, pois esta encerra já, ainda que por vezes de forma mitigada um choque com a liberdade individual do Arguido.

XXX. A concretização de um arresto, enquanto medida cautelar e de garantia patrimonial, não consubstancia uma condenação antecipada do Arguido.

XXXI. O decretamento do Arresto Preventivo nos termos em que o foi, não constitui uma violação do princípio da presunção de inocência, na medida em que a aplicação desta medida de garantia patrimonial além de ser reversível se encontra legalmente prevista e deverá prevalecer sobre o direito de audição prévia do Arguido.

XXXII. Em face de tudo quanto vem exposto, é perfeitamente claro que o douto acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal ou constitucional, pelo que a norma constante do artigo 228, n.º 1, do CPP, não deverá ser considerada inconstitucional, quando interpretada no sentido de que é possível decretar o arresto preventivo sem audição prévia do Arguido, devendo o recurso ser julgado improcedente e mantendo-se necessariamente a douta decisão recorrida.

[...]».

8 - Considerando a intervenção do Ministério Público no âmbito do processo que deu lugar à decisão recorrida, foi notificado o Ministério Público representado neste Tribunal (fls. 2788 e 2789) para, querendo, apresentar alegações, tendo formulado contra-alegações (fls. 2790-2805), em que conclui:

[...]

3 - Conclusões:

1 - O artigo 228.º, n.º 1, do CPP, estabelece que a requerimento do lesado "o juiz pode decretar o arresto, nos termos da lei de processo civil".

2 - Segundo a "lei processual civil", o artigo 408.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (atual artigo 393.º, n.º 1), "examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais".

3 - Numa jurisprudência unânime, o Tribunal Constitucional tem entendido que a não obrigatoriedade de audição prévia do requerido justifica-se porque, de outra forma, existiria o risco de a providência se tornar inútil ou não cumprir a sua finalidade de garantia patrimonial do crédito do requerente (artigo 406.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

4 - Assim, diferindo o exercício do contraditório para depois da decisão - que tem de ser fundamentada - consegue-se um equilíbrio constitucional aceitável (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) entre os interesses em conflito: de um lado o direito à audição prévia, do outro, o direito a uma efetiva e eficaz tutela da pretensão, que o processo deve proporcionar.

5 - Esta jurisprudência aplica-se integralmente ao arresto preventivo previsto no artigo 228.º do CPP, porque os fins visados com o pedido e os direitos em conflito, são os mesmos.

6 - De qualquer forma, a matéria de natureza não penal, no caso civil, que circule no âmbito de um processo penal, não tem que estar sujeita aos mesmos princípios do processo penal, nem os mesmos atuam, nesse âmbito, com o mesmo grau de intensidade.

7 - Mesmo em processo penal é constitucionalmente aceitável - fora casos de decisões importantes e decisivas que afetem o núcleo essencial dos direitos do arguido - que, com vista a assegurar o cumprimento de outros princípios como o da celeridade e da eficácia, a audição prévia possa ser dispensada, diferindo-se o exercício do contraditório para momento posterior.

8 - A norma do artigo 228.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil, o arresto preventivo pode ser decretado sem prévia audição do arguido, não viola o artigo 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.

9 - Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.»

9 - Convidados o recorrente e a recorrida a pronunciarem-se, querendo, sobre o alegado pelo Ministério Público (cf. despacho de fls. 2807), apenas o recorrente respondeu, alegando o seguinte (cf. fls. 2810-2816):

Ricardo Manuel dos Santos Oliveira, Recorrente nos autos à margem melhor identificados, notificado do douto despacho de fls. 2807 e do teor das contra-alegações do Ministério Público, vem, mui respeitosamente,

Pronunciar-se,

O que faz nos termos e com os fundamentos que seguem:

1 - Analisadas as doutas contra-alegações produzidas pelo M.D. representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional arriscaria o Recorrente remeter para as suas alegações, o que não faz porquanto se afigura que tal seria uma desconsideração imerecida e porque se deve salientar que tais contra-alegações revelam (salvo o devido respeito) não ter sido totalmente compreendido o objeto do recurso. Vejamos:

2 - O objeto do recurso é aquele identificado no 1.3. das contra-alegações e não qualquer outro mais ou menos simplificado ou (melhor e mais aplicável) simplista fornecido pela Recorrida (e a que o Ministério Público adere no ponto 2.1.);

3 - Ainda que assim não fosse, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto procura, nas suas contra-alegações fazer a defesa da não inconstitucionalidade do regime processual civil no que à não audição prévia do Requerido (não Arguido ou Demandado) respeita, brindando os intervenientes processuais com uma breve resenha da douta jurisprudência do Tribunal Constitucional que sobre tal matéria existe, o que podemos agradecer para futuros casos em que a mesma seja aplicável mas que, bem ou mal, não resolvem a questão que foi colocada pelo Recorrente;

4 - Mais uma vez se afirma que, não só a questão colocada nos presentes autos não foi objeto de decisão anterior, como o regime processual penal e os Direitos do Arguido/Demandado não se compadecem com aplicações "cegas" de regimes processuais de diversa natureza (por muita jurisprudência constitucional e até aparentes remissões que sobre os mesmos exista);

5 - Apetece dizer, face à ausência de argumentos que não sejam os discutidos no âmbito processual civil, que o "porque sim" não é argumento bastante para defender a não inconstitucionalidade das normas;

6 - Apetece também afirmar que se a questão foi objeto de tanta análise por parte do Tribunal Constitucional (no que ao regime do Arresto no C.P.C. respeita), atestando as maiores dúvidas (ou, pelos menos, a existência de razão de ser para as mesmas) nessa sede do Sistema Normativo, por maioria de razão a matéria apresentada à análise neste recurso deve merecer a maior e mais aprofundada discussão em benefício do Sistema Jurídico no seu todo.

7 - Ao afirmar, a páginas 7 das contra-alegações (ponto 2.4.), que a aplicação - em processo penal - do excerto aí reproduzido do Acórdão 303/2003 (e que respeita ao regime processual civil do arresto) apenas pode ter resposta positiva é, pura e simplesmente, desconsiderar todos os argumentos em sentido contrário constantes das alegações (e do próprio Acórdão citado, o que se pode recuperar em nova leitura das alegações).

8 - Mais, convocar (cf. páginas 7 e 8) como argumento a favor da tese perfilhada as considerações (de resto, completamente desprovidas de qualquer sustentáculo factual dado como provado e consistindo em juízos de prognose e de valor(1)) do Tribunal da Relação de Lisboa é algo que não se compreende e se aceita com muita dificuldade uma vez que fiscalizadas são as normas, não cabendo ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre os méritos ou deméritos das decisões judiciais não será o juízo dos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o que faria ou não faria o Arguido, caso tivesse conhecimento prévio do Arresto, que pode sustentar a não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 228.º do C.P.P;

[(1) É curioso notar que o raciocínio seguido pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa é a prova cabal da necessidade do exercício prévio do contraditório nestes casos, de tal forma dão como adquiridas putativas intenções de dissipação patrimonial ao Recorrente. O que fazem, entre outros motivos (pasme-se!), porque outros arguidos o teriam tentado (o que foi bem citado pelo Ministério Público)! Se não estamos perante um argumento ad terrorem então não sabemos o que tal possa ser!]

9 - Arriscamos afirmar que tal argumentação [do Tribunal da Relação de Lisboa] justificaria a aplicação da prisão preventiva a todo e qualquer Arguido porque ele poderia fugir antes que lhe fosse aplicada a pena (porque isto do julgamento, produção e apreciação da prova, do fumus bonus iuris e do periculum in mora também são detalhes inconvenientes que, não sendo dispensados, podem e devem ser ultrapassados paulatinamente até à condenação final)... e, não tão de repente, vemos em aplicação prática e vivemos a obra Relatório Minoritário porque tudo é uma questão de tempo e do que se faz com ele!

10 - Diga-se, em abono da verdade, que caso fosse possível o recurso de constitucional idade que incidisse sobre decisões judiciais e essa do Tribunal da Relação de Lisboa seria, certamente, objeto de tal recurso mas, infelizmente, tal não é admitido!

11 - Mas, percebendo que se trata de argumento circular este de remeter para decisões de V. Exas., Colendos Conselheiros, sobre o regime processual civil, o Ministério Público afirma que não existe nenhuma violação do princípio do contraditório. E porque não existe?

12 - Simples... porque se o Recorrente até podia recorrer (e recorreu) o contraditório existe, embora diferido para a fase de recurso!

13 - Valha-nos a existência de regras gerais no Código de Processo Penal que dizem exatamente o contrário pois, caso contrário, "só" podíamos contar com Constitucionalistas para defender a tese de que tal entendimento é, ele próprio, inconstitucional(2) (novamente a argumentação e citações relevantes constam nas alegações, para as quais remetemos por economia processual).

[(2) É, no fundo, a aplicação ao processo-crime do regime jurídico fiscal que tem como principal regra não escrita: primeiro paga-se, depois impugna-se.]

14 - Refere ainda o Ministério Público que até existe o artigo 400.º n.º 3 do C.P.P. e a autonomização da matéria civil da matéria penal em sede de recurso, "civilizando-a".

15 - Confessa-se alguma dificuldade em perceber a utilidade do argumento/constatação de facto, pois:

i) Se alguma coisa resulta da referida norma é que a mesma tem aplicação em sede de pedido de indemnização civil e não em sede de aplicação de medidas de coação e ou de garantia patrimonial;

ii) Se o que o Ministério Público defende é a bondade da aproximação do regime processual penal ao regime processual civil (i.e., a "civilização" do primeiro) deva referir-se que a expressão é contraditória nos seus próprios termos... é que a aproximação dos regimes, em prejuízo das regras e garantias gerais do processo penal, contraria tudo o que se tem escrito desde BECCARIA e apenas conduz à sua "barbarização".

16 - Como se não bastasse, reforça o Ministério Público a tese de que nenhuma violação do princípio do contraditório existe, referindo que existem limitações ao direito de recurso (por aplicação, ainda que nesta matéria autónoma, do regime da "dupla conforme"), no que nos parece apenas poder ser um argumento favorável à tese da inconstitucionalidade...

17 - Quanto à conclusão que, depois do acima mencionado se fez constar do ponto 2.8. das contra-alegações, apenas se pode dizer que a mesma é falsa e assenta em falácia óbvia porquanto o que não pode ser admitido é que:

18 - Primeiro, o arresto do artigo 228.º do C.P.P. é um arresto civil (pois é confundir a sua natureza com os supostos termos do seu decretamento);

19 - Segundo, que em matéria (ainda que fosse puramente civil) enxertada em processo penal e destinada a garantir os fins do processo penal e das penas, os princípios destes últimos (pura e simplesmente) desaparecem!

20 - Prova disso é que a audição prévia, na tese defendida pelo Ministério Público, não só é comparável ao recurso como, existindo este, não serve para nada... é algo que o legislador se esqueceu de retirar do Código de Processo Penal por existirem (?) tantos outros (e tão redundantes) meios e momentos de defesa do Arguido/Demandado.

21 - Bem vistas as coisas o Código de Processo Penal não serve para nada (uma vez que do C.P.C. constam, com toda a certeza, normas que podem regular com maior eficiência a composição dos vários interesses em causa no processo-crime) exceto na parte em que do mesmo resultem limitações ao direito de recurso e em que se confira poderes de investigação ao Ministério Público e seus coadjuvantes.

22 - Aqui chegados pensarão V. Exas. (perdoe-se-nos o abuso e intromissão) "Que exagero..., não é nada disto que o Sr. Procurador afirma"... Mas é! Vejamos,

23 - A prova de que o C.P.C. resolve tudo e tem de ser aplicável é o argumento de que não é necessária qualquer fundamentação para não se concretizar a audição prévia do arguido no montante do arresto do artigo 228.º do C.P.P., não se aplicando o artigo 194.º n.º 4 do C.P.P., é que o artigo 408.º do C.P.C. exige que tal audição não se verifique! (cf. último parágrafo da página 11 das contra-alegações)

24 - E pronto, estamos esclarecidos, a norma que de forma expressa recai sobre a aplicação das medidas de coação e garantia patrimonial em processo-crime e que prevê tal audição prévia (a tal que está no Código de Processo Penal) não tem aplicação porque o Código de Processo Civil exige que tal audição não ocorra (mesmo tratando-se da sua aplicação em processo-crime, claro está)!

25 - O mesmo se diga quanto à suposta não obrigatoriedade de fundamentação da decisão judicial que dispense a audição prévia!

26 - Ora, é a necessidade de não aplicação de tal interpretação, porque inconstitucional, o objeto destes autos!

27 - Já no que respeita à interpretação do artigo 193.º n.º l do C.P.P. (e que consta do ponto 2.10 das contra-alegações) salienta-se que a mesma não pode sustentar a posição do Ministério Público porquanto a referida norma se refere à aplicação das medidas de coação e garantia patrimonial e não ao procedimento que a ela [aplicação] conduz.

28 - Afirmar que no caso do arresto preventivo as exigências cautelares impõem que o Arguido(3) não seja previamente ouvido, sob pena de absoluta inutilidade é (salvo o devido respeito) uma "frase feita" e consubstancia um atestado de menoridade ao Legislador que se lembrou de criar e manter a norma do artigo 194.º n.º 4 do C.P.P.

[(3) No caso dos autos está em causa um Arguido (também Demandado) mas, ainda que assim não fosse, e estivesse "apenas em causa um Demandado que não fosse também Arguido, a questão colocar-se-ia em termos similares porquanto a "mancha" que é ser objeto de qualquer medida em e do processo penal a todos afeta.]

29 - É que não estamos perante uma "certa [diríamos total] maleabilização"(4) do princípio do contraditório pelo Legislador (que, no caso das medidas de garantia patrimonial, previu expressamente a existência audição prévia) estamos, antes, perante a sua erradicação arbitrária pelo Julgador caso prevaleça o entendimento até agora seguido nos autos.

30 - Por tudo isto e por tudo quanto alegado em devido tempo entende o Recorrente que: não consta das contra-alegações [rectius, dos seus fundamentos e conclusões] do Ministério Público qualquer argumento suscetível de, afastando os argumentos e fundamentos constantes das alegações de Recurso, conduzir a um julgamento de não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. na interpretação e aplicação que lhe foi dada e que foi, em devido tempo, identificada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, mui doutamente suprirão, se requer seja o presente requerimento admitido e, consequentemente, considerado aquando da prolação do decisão final.

Com todas as legais consequências.»

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A) Questão prévia: da recorribilidade no âmbito de processos cautelares

10 - Desde logo, cumpre recordar que o recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/01/2014 que negou provimento ao recurso da decisão proferida no Tribunal Central de Instrução Criminal que, nos termos dos artigos 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 391.º do Código de Processo Civil, determinou o arresto preventivo de diversos bens, tal como havia sido requerido por "PARVALOREM, S. A.", assistente nos autos.

Tratando-se de recurso interposto de uma decisão judicial proferida no âmbito de um processo cautelar, caracterizado pela sumariedade, provisoriedade e instrumentalidade em face da ação principal, é de todo pertinente que se questione da sua compatibilidade com o proferimento de juízos de constitucionalidade. Com efeito, as providências cautelares não se revestem de força de caso julgado material, não (pré)determinando o sentido da decisão a proferir em sede da ação principal da qual dependem. Como se escreveu na Decisão Sumária n.º 612/2013:

«[...] A tutela cautelar administrativa é caracterizada pela sua instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade (vide sobre estes conceitos ISABEL FONSECA, em "Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo", pág. 82 e seg., da ed. de 2002, da Almedina).

Em primeiro lugar, é a sua função meramente instrumental que as distingue das providências definitivas, tomadas como resultado final do processo de contencioso administrativo. Não a instrumentalidade que qualquer processo reveste perante o direito substantivo cuja tutela procura realizar, mas uma instrumentalidade relativa a essa tutela de cariz definitivo. Na verdade, as providências cautelares não se destinam a solucionar, com autonomia, uma situação de conflito, mas apenas a assegurar que as soluções definitivas possam ser adotadas pelas instâncias jurisdicionais, sem que o decurso do tempo as inviabilize ou prejudique. São simples instrumentos dessas decisões definitivas, concebidos para intervirem em casos de urgência, de forma a assegurar que aquelas consigam conceder às partes idêntica satisfação de interesses à que elas obteriam através da realização "pacífica" dos seus direitos. São, nas palavras de Calamandrei, "a garantia da garantia judiciária".

Destinando-se elas a servir a tutela de um direito a determinar num determinado processo, necessariamente encontram-se dependentes desse processo, podendo dizer-se que, nesse aspeto, não gozam de autonomia. O seu nascimento, a sua vida e a sua morte estão dependentes do processo do qual são dependentes, porque é nele que encontram a sua razão de existência, refletindo-se nelas as vicissitudes da tutela a encontrar no processo-mãe.

Também como consequência da sua função instrumental, as providências cautelares são meramente provisórias, tendo uma duração, apesar de incerta, limitada no tempo (dies certus an, incertus quando). São providências a termo incerto.

Tendo elas como única finalidade obviar ao perigo da demora de um determinado processo, o não nascimento deste ou a sua extinção provocam o seu fim.

E sendo a sua existência justificada pela urgência não é possível seguir uma tramitação que permita apurar com certeza da existência do direito cuja tutela se pretende assegurar, a qual apenas é possível apurar no processo principal. É suficiente para alcançar uma decisão cautelar provisória, uma prova informatória, um fumus boni iuris.

Este juízo de probabilidade séria deve recair não só sobre a existência dos fatos constitutivos do direito ameaçado, mas também sobre a verificação dos pressupostos jurídicos da existência do direito. O juízo de probabilidade é aplicável quer às questões de facto, quer às questões de direito, colocadas ao juiz nos procedimentos cautelares. O juiz não tem que se convencer da veracidade dos fatos que integram a causa de pedir, nem de que o direito invocado existe perante a prova desses fatos, bastando que a existência dos fatos seja provável, tal como a existência do direito.

São estas características específicas das providências cautelares que tem obstaculizado a que a jurisprudência constitucional admita a recorribilidade para o Tribunal Constitucional de muitas das questões de constitucionalidade suscitadas em procedimentos cautelares.[...]».

No entanto, é de distinguir as situações em que a questão de constitucionalidade respeita a normas específicas da própria providência cautelar (requisitos, tramitação) ou a normas aplicáveis à relação material litigiosa que irão ser relevantes no processo principal a que a providência cautelar respeita, na medida em que a questão da inadmissibilidade de recurso de constitucionalidade nos procedimentos cautelares só quanto a estas situações se coloca. Ainda a Decisão Sumária n.º 612/2013:

«[...] o julgamento pelo Tribunal Constitucional, em sede de recurso, sobre uma questão de inconstitucionalidade suscitada em autos de providência cautelar administrativa coloca em causa a natureza instrumental das providências cautelares, dado que implica uma antecipação do juízo sobre a inconstitucionalidade de normas a aplicar na ação administrativa principal. Juízo esse a formular quer pelos tribunais administrativos que julgam em primeira instância e, eventualmente, em recurso (artigo 204.º da CRP), quer pelo próprio Tribunal Constitucional, caso venha, nesses autos, a ser interposto o competente recurso (artigo 280.º da CRP). Só assim não será, conforme tem sido unanimemente reconhecido por este Tribunal (cf. Acórdãos n.º 235/2001, n.º 442/2000, n.º 400/97 e n.º 151/85, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt), se se tratar do conhecimento de questões de inconstitucionalidade de normas que sejam exclusivamente aplicáveis em sede de processo cautelar - v.g., normas processuais que regulem a sua tramitação -, visto que a decisão sobre a inconstitucionalidade se restringe aos autos de processo cautelar.[...].»

11 - Considera-se ser o entendimento professado transponível para o caso em análise, na medida em que a norma (ou interpretação normativa) cuja constitucionalidade é posta em crise se reporta à própria providência cautelar, concretamente quanto à sua tramitação, pelo que não subsistem questões prévias que impeçam o prosseguimento deste recurso de constitucionalidade.

B) Do mérito

12 - Cabendo ao recorrente a delimitação do objeto do recurso de constitucionalidade, decorre do respetivo requerimento de interposição de recurso, reportar-se a questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos à interpretação conferida pelo Tribunal recorrido (sufragando a interpretação feita pelo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal Central) ao artigo 228.º, n.º 1, do CPP, no sentido que «remetendo a referida disposição para o regime processual civil (artigo 404.º do C.P.C.), se permite o decretamento do Arresto Preventivo sem prévia audição prévia do Arguido sem que tal implique a violação das garantias de defesa, nomeadamente do princípio do contraditório e do direito de audição prévia constitucionalmente consagrados nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da C.R.P, em especial no que respeita à imperiosa contraditoriedade prévia quanto ao decretamento de medidas de coação e garantia patrimonial (artigo 75.º-A n.os 1 e 2 da LOFPTC)».

Não obstante a referência expressa, na interpretação normativa sindicada, ao artigo 404.º do CPC, na versão aplicável aos autos, deve entender-se que tal referência se reporta antes ao artigo 408.º do CPC, o qual prevê, no seu n.º 1, que o arresto é decretado sem audiência da parte contrária - e que foi aplicado pelo Tribunal a quo na decisão objeto de recurso para este Tribunal.

13 - Suscitada a questão junto do Tribunal recorrido, pronunciaram-se os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo pela não inconstitucionalidade da dimensão normativa impugnada em face do princípio do contraditório e do direito de audição prévia (cf. Acórdão do TRL, fls. 2606-2686, III-3.11. a fls. 2678-2681). Com a seguinte fundamentação:

«[...]

III - 3.11.) Questiona-se então no seu seguimento, se esta solução não será inconstitucional por violação do princípio do contraditório e do direito de audição prévia?

Entendemos igualmente que não.

Segundo o Professor acima citado, como vimos, o decretamento daquela providência "não é antecedida da audição do arguido ou do responsável civil",

E estamos a falar de um Comentário, que segundo o que se ostenta na capa da respetiva obra, é feita "à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Seria também o entendimento manifestado pelo Prof. Germano Marques da Silva no seu Curso de Processo Penal, Vol. II, pág.as 223 e 224, mas quanto alcançamos, foi expresso apenas na sua primeira edição.

As razões para assim se concluir, radicam antes de tudo no mesmo tipo de considerandos que justificam igual solução em processo civil.

Sendo que a conformidade constitucional de tal solução está expressamente reconhecida pelo Tribunal respetivo. Por todos, confira-se a este respeito o acórdão 303/03 de 18/06/2003, no processo 1124/98:

"Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar sobre a existência do princípio do contraditório, no domínio do processo civil. Trata-se, como tem sido dito, de um princípio fundamental do processo civil, hoje claramente afirmado, em termos gerais, no artigo 3.º do CPC. Mas além de princípio fundamental do processo civil, sempre se lhe reconheceu, igualmente, uma matriz constitucional, como um princípio constitucionalmente tutelado enquanto integrante do princípio do Estado de Direito democrático e do acesso à justiça e aos tribunais, incluído assim na previsão dos artigos 2.º e 20.º da CRP.

O sentido do princípio é o de reconhecer àquele contra quem é feita uma pretensão o direito de se defender antes de o tribunal a apreciar - audiatur et altera pars. A decisão há de resultar da ponderação pelo tribunal dos elementos trazidos ao debate por cada uma das partes: nisto se afirma a estrutura dialética e polémica do processo (Relativamente à matriz do princípio e sua funcionalidade, cf. o Acórdão deste Tribunal n.º 259/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 07 de Novembro de 2000).

Sendo assim, o contraditório deve funcionalmente, por regra, anteceder a decisão. Mas há casos em que o contraditório pode não anteceder a decisão e se deve admiti-lo apenas diferidamente.

Referimo-nos aos casos em que a tutela efetiva e eficaz que o processo deve propiciar tem sério risco de ficar inviabilizada no caso de ser ouvida a parte contra quem essa pretensão é formulada.

Desenha-se aqui um conflito de interesses materiais e constitucionais: de um lado, o direito à audição antecipada do requerido; do outro, o direito a uma efetiva e eficaz tutela da pretensão do demandante só assegurável, em termos de razoabilidade, se o requerido não for antes ouvido.

A solução tem de ser conseguida mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da CRP. Nestes casos, dentro dos quais figura sem reserva de dúvida o preceito de cuja constitucionalidade se cogita, há que dar preferência à possibilidade de realização material do direito que o requerente visiona com o seu recurso ao tribunal.

Ora a opção por esse objetivo implica que, no caso do arresto, se atue com celeridade e eficácia, de modo a que, a ser concedida a providência, o requerido não disponha de tempo para alienar ou dissipar os bens.

O contraditório não é, porém, abolido, sendo apenas diferido para depois da decisão, dando-se então ao requerido a oportunidade de contraditar não só a alegação dos fundamentos feita pelo requerente, mas igualmente a prova feita sobre eles.

A circunstância de esse diferimento para depois da decisão estar dependente da demonstração probatória da existência dos requisitos legais a que está subordinado o procedimento cautelar em causa (artigos 403.º e 404.º do CPC, na redação vigente ao tempo do ato) não deixa de constituir uma garantia de que a restrição à regra geral do princípio do contraditório, traduzida no contraditório diferido, se contém dentro dos limites da adequação e da necessidade que são postulados pelo n.º 2 do citado artigo 18.º da CRP.

E o mesmo se diga quanto à natureza simplesmente cautelar, acessória e sujeita a caducidade da providência que é concedida no processo (artigos 382.º, 383.º, 384.º do CPC, na versão vigente ao tempo).

E o mesmo se afirme, ainda, com a possibilidade prevista na lei então vigente de o requerido, uma vez notificado, poder não só agravar do despacho, mas também, e até simultaneamente, opor embargos, contraditando os fundamentos alegados e a prova produzida (artigo 405.º do CPC) (cf. os Acórdãos deste Tribunal n.os 337/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Julho de 1999, em que se decidiu não haver violação do direito de acesso aos tribunais, em virtude da «defesa contra o despacho judicial que decreta o arresto estar sempre assegurada, seja por recurso, seja por oposição de embargos», 739/99 e 598/99, publicados no mesmo Diário, de 08 de Março de 1999 e de 20 de Março de 2000, respetivamente, e ainda 163/2001 - inédito - e 76/2003, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Março de 2003).

Não tem aqui o mínimo sentido a invocação, como parâmetro de constitucionalidade de disposições do processo civil, do disposto no artigo 32.º, n.º 5 da CRP relativo ao processo criminal, como fazem os recorrentes. Como resulta do preceito, estamos perante garantias que a Constituição instituiu para o processo criminal que é dirigido contra o arguido e cujo fim tende à aplicação ou não aplicação de uma pena.

Também nesta matéria o acórdão recorrido decidiu bem ao não considerar inconstitucional o referido artigo 404.º, n.º 1 do CPC.»

Ou seja, as razões de eficácia subjacentes ao decretamento da providência impõem que o visado, ainda que tenha no processo penal a posição de arguido, só deva ser notificado após a decisão do arresto".

"Só o sigilo da providência cautelar protege o interesse do requente no arresto preventivo".

"Logo, o direito de o arguido ser ouvido, ou de estar presente, artigo 61.º n.º 1, al. a), tem de ceder perante os interesses patrimoniais que se visam proteger com a providência.

Se assim não fosse, os direitos de crédito decorrentes de atos tipificados como crimes, ficavam desprotegidos face aos direitos decorrentes de outras fontes das obrigações meramente civis."

É que, repita-se, não é por isso que não deixa de haver contraditório e se afasta a possibilidade do arguido poder em juízo afastar os fundamentos que justificaram a determinação da medida.

Após o seu decretamento, abrem-se diversas vias de oposição e controlo da decisão.[...]»

14 - É desta decisão judicial que se recorre nos presentes autos. As razões de discordância do recorrente são expendidas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e, bem assim, desenvolvidas nas alegações de recurso e conclusões acima transcritas (cf. I,6).

Resulta assim dos autos que, para o recorrente, «o decretamento do Arresto Preventivo sem prévia audição prévia do Arguido» implica «a violação das garantias de defesa, nomeadamente do princípio do contraditório e do direito de audição prévia constitucionalmente consagrados nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da C.R.P, em especial no que respeita à imperiosa contraditoriedade prévia quanto ao decretamento de medidas de coação e garantia patrimonial» (cf. requerimento de interposição de recurso, 4., fls. 2695). Para sustentar o juízo formulado, aduz as seguintes razões contra o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido: «[...] erige um suposto benefício decorrente de um "efeito surpresa" de tal medida como valor superior ao do exercício do contraditório em processo cuja natureza (penal) é especialmente grave para quem a ele se encontra sujeito (desconsiderando jurisprudência constitucional que considera ser um vexame e um incómodo ser sujeito a julgamento, o que resulta agravado se alguém o é apesar da existência de uma nulidade tão grave no processo).

[...] Olvidando, igualmente, que a apreciação da prova - ainda que indiciária - a realizar no processo penal não é realizada nos mesmos moldes daquela realizada em processo civil, facto que não pode deixar de relevar para a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 228.º n.º l do C.P.P., na interpretação e aplicação que lhe foram dadas, porquanto a faculdade de intervir e ser ouvido em processo penal, antes de promovidos atos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, constitui uma tradução da expressão do direito de defesa, não comparável ao exercício do contraditório em processo civil (artigo 75.º-A n.º 2 da LOFPTC).[...]» (cf. fls. 2695-2696).

Mais invoca o recorrente consubstanciar «essa interpretação do artigo 228.º n.º 1 do C.P.P. uma violação da norma constante do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil ["Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."], tida por materialmente constitucional, uma vez que implica considerar que o legislador, ao prever nos artigos 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a) a necessidade de audição prévia do arguido, não soube expressar de forma adequada o seu pensamento».

A dimensão normativa em causa consubstanciaria também o desrespeito dos princípios da igualdade e da presunção de inocência dos arguidos, conforme veio a ser defendido pelo recorrente em sede de alegações de recurso (cf. fls. 2730 e 2733). Com efeito, o recorrente invoca o desrespeito pelo princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição, por alegada «desconsideração das posições de Arguido e Réu» e ainda acrescenta que «[...]o princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º n.º 2 da CRP, é igualmente colocado em causa na interpretação do artigo 228.º n.º 1 do CPP realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto eliminando a possibilidade de exposição de versão contrária dos fatos elimina da análise da situação concreta a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo, inquinando potencialmente toda e qualquer decisão que venha a ser tomada nos autos principais após o decretamento da referida medida de garantia patrimonial.» (cf. fls. 2742).

15 - São, assim, em síntese, cinco os parâmetros constitucionais em que recorrente alicerça a alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa sindicada: o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil - que o recorrente entende ser norma materialmente constitucional - e os artigos 32.º, n.os 1, 5 e 2 e 13.º da Constituição - que consagram respetivamente, para o que releva no caso em apreço, as garantias de defesa em processo criminal, o princípio do contraditório, o princípio da presunção de inocência e o princípio da igualdade.

16 - Quanto aos fundamentos utilizados pelo recorrente para sustentar a alegada violação de normas e princípios constitucionais, atente-se primeiramente no facto de fazer apelo à «norma materialmente constitucional plasmada no artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil» para sustentar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal recorrido, já que, segundo o recorrente, da mesma resulta «[...] considerar que o legislador, ao prever nos artigos 191.º n.º 1, 194.º n.os 1 e 4 e 61.º n.º 1, alínea a) a necessidade de audição prévia do arguido, não soube expressar de forma adequada o seu pensamento (cf. fls. 2742).

Verifica-se que, a partir das regras gerais de interpretação contidas no artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, defendeu o recorrente uma tese interpretativa quanto ao artigo 228.º, n.º 1 do Código de Processo Penal - segundo a qual da sua interpretação não poderia ser excluída a aplicação «das disposições gerais e expressas quanto à obrigatoriedade da audiência prévia constantes dos artigos 191.º, n.º 1 e 194.º, n.º 4, ambos do C.P.P. e que regulam a aplicação, em processo penal, das medidas de garantia patrimonial» (cf. requerimento de interposição de recurso, 5., fls. 2695) - tese não acolhida no Acórdão recorrido com o sentido pretendido pelo recorrente.

As disposições que o recorrente invoca terem sido desconsideradas - assim violando o artigo 9, n.º 3 do CC - integram-se no Título I - «Disposições gerais» do Livro IV do CPP, que regula as medidas de coação e de garantia patrimonial. Assim:

«Artigo 191.º

Princípio da legalidade

1 - A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia previstas na lei.

2 - ...

Artigo 194.º

Audição do arguido e despacho de aplicação

1 - À execução do termo de identidade e residência, as medidas de coação e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério público, sob pena de nulidade.

2 - ...

3 - ...

4 - A aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no ato de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141.º

5 - ...

6 - ...

7 - ...

8 - ...

9 - ...

10 - ...»

Verifica-se que o recorrente contesta a não aplicação, in casu, das disposições gerais do CPP por si invocadas, em especial o disposto no artigo 194.º, n.º 4, do CPP, que determinaria - como defendido perante o Tribunal a quo - a obrigatoriedade de prévia audição do arguido em face do decretamento de medidas de garantia patrimonial (caução económica e arresto preventivo). Diferentemente, a decisão recorrida, a partir da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 228.º do CPP para a lei processual civil, entendeu não ser devida a prévia audição do arguido para o decretamento da providência cautelar de arresto, tendo em conta o regime previsto na lei civil (em especial, o disposto no artigo 408.º, n.º 1 do CPC então vigente, norma hoje reproduzida no artigo 393.º do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho), como decorre da seguinte passagem do Acórdão ora recorrido:

«III - 3.10.) Não se põe em causa que a aplicação da generalidade das medidas de coação (termo de identidade e residência excluído) e das medidas de garantia patrimonial, de harmonia com o preceituado no artigo 194.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, pressupõem a prévia audição do arguido.

E em termos abstratos, traduzindo o arresto preventivo uma modalidade daquelas últimas, assim se poderia entender.

No caso presente, já sabemos que o Recorrente não foi ouvido.

Traduz essa circunstância uma nulidade insanável a albergar no artigo 119.º, alínea c) do mesmo Diploma?

Julgamos que não, posto que em glosa ao comentário ao artigo 228.º desenvolvido pelo Prof. Pinto de Albuquerque na obra já acima citada (cf. pág.ª 628), se dê nota da posição contrária defendida pelo Dr. Rodrigues Santiago, em nome de um princípio irrestrito do contraditório.

A questão foi recentemente equacionada pelo acórdão da Rel. de Coimbra de 25/09/2013, no processo 559/12.0JACBR-A.C2 (também ele consultável no endereço eletrónico www.dgsi.jtrc.pt). que sobre ela expendeu:

"[...], sendo o arresto preventivo decretado nos termos da lei civil, não se vê por que razão há-de, neste particular, divergir do artigo 408.º, n.º 1 do CPC.

Aliás, o arresto não [...] envolve ou contende diretamente com a liberdade pessoal e com direitos fundamentais pessoais, mas tão só direitos patrimoniais ou económicos, não se descortinando razões para afastar o regime da lei processual civil que a própria lei processual penal manda observar.

Citando Paulo Pinto Albuquerque in Obra e local citados, "[...] só o sigilo da providência protege os interesses do requerente do arresto preventivo. É esse o sentido tradicional e histórico do arresto preventivo no direito Português. É, por isso, que o artigo 228.º in fine, distingue como uma das hipóteses do arresto preventivo o caso em que a caução foi previamente fixada e não prestada. A especificação da lei ("se tiver sido'') não faria sentido se esse fosse o único caso admissível.»

Na base da divergência está o entendimento que, no caso, o tribunal a quo adotou sobre a remissão operada pelo artigo 228.º, n.º 1, do CPP para o regime normativo do arresto preventivo contido no Código de Processo Civil.

Assim dispõe o artigo 228.º do Código de Processo Penal:

«Artigo 228.º

«Arresto preventivo»

1 - A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.

2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.

3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.

4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.

5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.

Como se vê, é por entender, na esteira da jurisprudência de que se socorre, que «sendo o arresto preventivo decretado nos termos da lei civil, não se vê por que razão há-de, neste particular, divergir do artigo 408.º, n.º 1, do CPC» (fls. 2677), que o Tribunal conclui pela aplicabilidade do regime do arresto preventivo do Código de Processo Civil, não considerando assim verificada a invocada nulidade insanável (artigo 119.º, alínea c) do CPP) da sentença de primeira instância que decretou o arresto sem prévia audição do arguido.

Ora, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a interpretação perfilhada à luz do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, de modo a censurar a alegada desconsideração da presunção que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» relativamente à aplicabilidade (ou não) ao caso das invocadas normas dos artigos 191.º e 194.º do CPP. Essa é matéria de direito comum, para a qual são competentes os tribunais comuns. À jurisdição constitucional cabe antes o controlo da conformidade constitucional de normas.

Constituindo o objeto do recurso de constitucionalidade a interpretação normativa, que se impõe como um dado a este Tribunal, enunciada no requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente e efetivamente aplicada pelo tribunal a quo - e não o resultado que o recorrente entende dela decorrer - a desconsideração e não aplicação dos artigos 191.º e 194.º do CPP (na falta de norma expressa no artigo 228.º do CPP que afaste ou derrogue aquelas disposições gerais em matéria de medidas de coação e de garantia patrimonial) - não pode relevar como parâmetro, independentemente da sua qualificação como norma materialmente constitucional, o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Deste modo, não cumpre apreciar a bondade da interpretação perfilhada na decisão recorrida, mas sim aferir da constitucionalidade dessa interpretação normativa - ora impugnada - que constitui o objeto do presente recurso por referência aos demais parâmetros constitucionais invocados - os n.os 1, 5 e 2 do artigo 32.º e o artigo 13.º da Constituição.

Vejamos, pois.

17 - Deve começar-se por salientar que o regime contido na lei processual civil quanto ao decretamento da providência cautelar de arresto sem prévia audição do arrestado foi já objeto de escrutínio constitucional. Aliás, o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido socorre-se, em grande medida, da jurisprudência expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 303/2003 (disponível, como os demais citados, em www.tribconstitucional.pt), que apreciou a constitucionalidade da norma constante do 404.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (na redação então vigente), onde se dispunha que examinadas as provas produzidas, o arresto será decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais[...].

Diga-se, desde já, que se acompanha o entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional citado - em consonância aliás com a orientação jurisprudencial já seguida no Acórdão 163/2001 -, não merecendo censura constitucional o regime normativo do arresto preventivo, ao não prever a audição prévia do requerido para o decretamento da providência cautelar em causa (regime hoje reproduzido no artigo 393.º do novo Código de Processo Civil, que prevê, no seu n.º 1, o decretamento do arresto «sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais»).

Afigura-se que a solução normativa contida na lei processual civil encontra justificação na natureza dessa mesma medida cautelar, cujas finalidades específicas se mostrariam desvirtuadas com a prévia audição do arrestado.

Com efeito, e tal como suficientemente desenvolvido na jurisprudência constitucional citada, o diferimento do exercício do contraditório do momento prévio à decisão para fase ulterior mostra-se justificado pelo sério risco de inviabilização da medida cautelar a adotar (por via da alienação ou dissipação dos bens a arrestar), sendo «o direito a uma efetiva e eficaz tutela da pretensão do demandante só assegurável, em termos de razoabilidade, se o requerido não for antes ouvido».

Ora, nos termos da lei processual civil, o arresto (preventivo) constitui uma providência cautelar ex parte, de finalidade tipicamente conservatória, que procura salvaguardar a situação (patrimonial) existente, evitando alterações prejudiciais aos direitos dos demandantes (in casu, a ora recorrida), determinada por razões de urgência e celeridade e cujo efeito útil seria frustrado com a prévia participação do demandado. Deste modo, provada a existência provável de um crédito e o receio justificado da perda da garantia patrimonial (ou seja, verificados os pressupostos de aplicação da medida cautelar em causa), pode ser decretada a apreensão judicial de bens sem prévia audição do requerido, sob pena de a medida cautelar ser esvaziada do seu efeito útil.

Depois, e como também assinalado no aresto acima transcrito, o contraditório é ainda assegurado, «sendo apenas diferido para depois da decisão», podendo acompanhar-se a jurisprudência constitucional citada quando conclui que os meios de impugnação facultados pelo legislador - como a dedução de embargos (ao arresto) ou o recurso judicial - e, bem assim, as demais garantias associadas à decisão (como as exigências de fundamentação) amplamente contribuem para afastar um juízo de inconstitucionalidade a este propósito.

18 - No presente recurso de constitucionalidade, a questão colocada a este Tribunal prende-se, todavia, com a específica invocação de a aplicação (ex vi, artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) do regime normativo do arresto constante do Código de Processo Civil nos moldes enunciados (isto, é, sem prévia audição do requerido) afrontar os direitos de defesa do arguido em processo penal, «nomeadamente do princípio do contraditório e do direito de audição prévia constitucionalmente consagrados nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da C.R.P, em especial no que respeita à imperiosa contraditoriedade prévia quanto ao decretamento de medidas de coação e garantia patrimonial», a que acresceria a violação dos princípios da igualdade e da presunção de inocência dos arguidos.

A questão que cumpre apreciar é, assim, a de saber se consubstancia a norma (interpretação normativa) impugnada uma afronta aos direitos do arguido, se e na medida em que - como defende - a sua qualidade de arguido e a circunstância de o arresto de bens ter sido determinado no âmbito de um processo criminal exigem diferentes garantias no respectivo decretamento para efeitos de acautelar os direitos e princípios próprios do processo penal e que lhe assistem enquanto arguido. Especificamente: é inconstitucional a norma contida no artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que pode ser decretado o arresto preventivo sem audição prévia do arguido?

Ora, a resposta é negativa. Vejamos porquê:

18.1 - Desde logo, verifica-se que, no domínio dos direitos constitucionais com incidência processual, o Recorrente alega a violação do princípio da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e das garantias de defesa dos arguidos, em especial o direito ao contraditório e à audição prévia (artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição).

Começando a análise por estes últimos, considera-se, a partir do disposto nos números 1 e 5 do artigo 32.º, que ambos os direitos têm um conteúdo muito amplo, exigindo a Constituição que o processo penal assegure todas as garantias de defesa do arguido.

Não se nega pois que a ampla proteção constitucional ao arguido em processo criminal inclui, como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 516), «o direito do arguido "a ser ouvido", enquanto direito a dispor de oportunidade processual efetiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões que o afetem.

Na verdade, a enunciação maximizante do direito de defesa tem que ser compreendida como uma manifestação qualificada, em processo criminal, do direito a tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), englobante do direito a um processo equitativo, pelo que dele decorre necessariamente um direito de audição, materialmente imposto pela conformação processual ao princípio do contraditório (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição).».

Como também já se escreveu no Acórdão 555/2008, «[...]o sentido tutelador do princípio do contraditório e as garantias de defesa que dele emanam só encontram realização correspondente ao que a Constituição impõe quando ao arguido é dada oportunidade de influenciar, em seu benefício, a tomada de decisões que lhe respeitam, também através da possibilidade de esgrimir, em tempo oportuno, argumentos juridicamente sustentados, dirigidos a convencer a instância decisória do fundamento de medidas favoráveis ou da falha de razão de medidas desfavoráveis.»

Contudo, não se descortina em que medida o regime normativo impugnado - habilitando a decisão recorrida de decretamento de um arresto preventivo de bens sem a prévia audição do arguido - desrespeita os direitos de defesa que assistem aos arguidos em processo criminal.

Deve ter-se em conta que os direitos de defesa acima enunciados - tal como decorrem do artigo 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição - consubstanciam importantes garantias a observar em tudo quanto respeite às finalidades próprias do processo penal que foi instaurado. Como se escreveu no Acórdão 303/2003, em face da invocação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, «[...] como resulta do preceito, estamos perante garantias que a Constituição instituiu para o processo criminal que é dirigido contra o arguido e cujo fim tende à aplicação ou não aplicação de uma pena.».

Não obstante tratar-se de um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal - e não um arresto 'civil' no quadro de um processo civil com fins distintos - este instituto cautelar não tem em vista as finalidades próprias do processo penal mas antes visa assegurar preventivamente a garantia de um direito de crédito do lesado (in casu, assistente que deduziu nos autos um pedido de indemnização civil pelo valor dos créditos alegados - cf. fls. 2 e 15).

A conexão que possa existir entre o processo criminal, por um lado, e o direito de crédito e a responsabilidade civil fundada na prática de crime (artigo 71.º do CPP) que convocam o uso do meio cautelar em causa, por outro lado, não é de molde a influir diretamente sobre os elementos que possam integrar o tipo legal de crime, não se projetando o decretamento da providência cautelar de arresto sobre a responsabilidade criminal (pessoal) do arguido.

Sendo de sublinhar que os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artigo 228.º, n.º 1, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo de dissipação do património (cf. artigos 391.º e 392.º, CPC), verifica-se que os mesmos não se relacionam sequer com as condutas ou circunstâncias relevantes para a aplicação da generalidade das medidas de coação (sobretudo tendo em conta os requisitos estabelecidos no artigo 204.º do CPP, visando estas medidas, designadamente, assegurar a eficácia e a eficiência do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à execução das decisões condenatórias, ou obviar à continuação da atividade criminosa ou perturbadora da ordem pública), em especial, as decretadas em face de «fortes indícios da prática do crime» (vg. artigos 200.º e 202.º do CPP).

Acresce que esta medida de garantia patrimonial, requerida pelo lesado, no que toca aos seus fins, não se destina a garantir o pagamento de valores especificamente relacionados com o processo criminal - como sucede em relação à caução económica prevista no artigo 227.º do CPP que é dirigida ao pagamento de penas de multa, custos do processo e outras dívidas ao Estado - para mais quando o arresto preventivo não assume sequer um carácter supletivo em face (da não prestação) da caução económica.

Mais se entende que a especificidade contestada - não audição prévia do arguido - não se mostra desvirtuada na sua razoabilidade pelo facto de outras disposições do Código de Processo Penal exigirem essa audição para as medidas de coação e de garantia patrimonial. São as exigências cautelares próprias do arresto preventivo que determinam a não audição (prévia) do requerido.

Resulta de quanto fica exposto que o meio cautelar aplicado não tem em vista as finalidades próprias do processo criminal - cujas garantias associadas não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma condenação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena (máxime privativa da liberdade) - mas antes, por força das suas específicas finalidades, a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores - in casu, a lesada ora recorrida - em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.

Deste modo, não procede a argumentação do recorrente ao pretender que o arresto preventivo em causa, por se inserir no quadro de um processo penal, convocaria garantias de defesa dos arguidos em tudo idênticas às impostas pelo legislador constitucional em razão da particular natureza deste processo.

Mas ainda que assim não se entendesse - e considerando necessariamente convocadas as garantias de defesa concretizadas no princípio do contraditório e do direito de audição prévia do arguido plasmadas no artigo 32.º, n.º 5, por se tratar de medida decretada num processo apenso a um processo penal - sempre haveria que considerar que os direitos de defesa convocados - contraditório, audição prévia - alegadamente violados não são configurados pelo legislador constitucional como direitos absolutos, até pela remissão operada pelo artigo 32.º, n.º 5 da CRP para a lei, nem poderiam assim ser entendidos.

No próprio quadro constitucional que nos rege, os direitos fundamentais - e como tal protegidos - não se revelam absolutos ou irrestringíveis, sendo constitucionalmente autorizado que o legislador ordinário comprima (ou restrinja) o âmbito máximo de proteção de cada direito, liberdade e garantia, desde que encontre fundamento na tutela de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos e se confine ao estritamente necessário para o efeito, ressalvado o respetivo "núcleo essencial" (assim, os limites decorrentes dos números 2 e 3 do artigo 18.º, da Constituição).

Ora, na situação que nos ocupa, a restrição do exercício ao contraditório (em fase prévia à decisão cautelar em causa) visa acautelar outros valores fundamentais em presença, que a lei Fundamental também consagra, tais como a celeridade e a eficácia da Justiça e, bem assim, o direito de tutela jurisdicional efetiva dos direitos de crédito invocados tal como consagrado no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição.

É que, tendo em conta as finalidades da providência cautelar em causa - o arresto preventivo -, considera-se justificado e razoável o desvio ao princípio do contraditório (prévio) em face do perigo de desvirtuamento e de inutilidade da própria medida, pondo assim em risco a tutela efetiva (eficaz) dos direitos que se tentam proteger, em termos que não merecem uma censura constitucional.

18.2 - Ainda no quadro dos direitos processuais com assento constitucional consagrados no artigo 32.º, por quanto se expôs relativamente às finalidades da medida cautelar em causa, será ainda de concluir que não poderá o arresto - mesmo decretado sem prévia audição do arguido - inviabilizar os direitos de defesa ou pôr em crise a presunção de inocência de que deve o arguido constitucionalmente beneficiar.

O princípio da presunção de inocência dos arguidos - constante do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição - invocado neste processo na sua formulação mais conhecida - o princípio in dubio pro reo (o qual, recorde-se, determina, existindo dúvidas sobre a culpabilidade do arguido, a sua absolvição) - não se mostra afetado pela solução normativa impugnada.

Desde logo, o arresto é uma providência cautelar de finalidades essencialmente conservatórias e não antecipatórias, pelo que, em qualquer caso, também não poderia corresponder a uma antecipação de um juízo de culpa ou de uma decisão condenatória, desfavorável ao arguido no âmbito do processo criminal. As medidas cautelares consubstanciam uma tutela provisória e indiciária, não sendo de molde, pela sua estrutura, finalidades e natureza, a (pré)determinar a decisão do fundo da causa - nem quanto à condenação penal, nem mesmo quanto à condenação cível.

Depois, e tendo em conta o que já se considerou quanto às finalidades específicas da medida de arresto de bens - decretada a título cautelar - em face das finalidades do processo penal em curso, destinado este a ter ou não por verificado o tipo legal penal de que os arguidos são acusados, resulta evidente não poder o decretamento da medida cautelar em análise desvirtuar o fundamental princípio da presunção de inocência dos mesmos e a sua concretização no referido princípio in dubio pro reo.

Aliás, o contraditório reportado ao decretamento da medida de garantia patrimonial em causa - quer se verifique previamente (como pretendido pelo recorrente), quer seja exercido em momento posterior (como previsto na lei e sucedeu in casu) - apenas respeitará, dado o objeto confinado do processo cautelar, à contestação dos elementos carreados pelo requerente da mesma medida no tocante à verificação dos requisitos legalmente previstos - e que o recorrente não põe em causa - de que depende a sua adoção - diversos, como se viu, dos elementos de cuja prova depende a verificação do tipo legal de crime e a consequente condenação pela sua prática.

Assim, será de concluir pela não violação do princípio da presunção de inocência do arguido, contemplado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, não sendo posto em causa o seu tratamento como inocente até ao trânsito em julgado de decisão condenatória - caso seja esta a decisão a adotar no caso sub judice.

18.3 - Por último, vem ainda o recorrente impugnar a solução normativa de fazer aplicar as regras de processo civil ao arresto, quando decretado no âmbito de um processo penal, por, alegadamente, assim se desconsiderar a diferente posição dos arguidos (processo penal) e dos réus (processo civil), fazendo apelo ao artigo 13.º da Constituição.

O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional consagrado no artigo 13.º da lei Fundamental afere-se na sua tripla dimensão: a da proibição do arbítrio legislativo, a da proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre as pessoas e a eventual imposição de discriminações positivas. Não estando em causa, no caso concreto, nem a segunda nem a terceira dimensões do princípio da igualdade, resta apreciar a questão de constitucionalidade colocada na vertente da possível arbitrariedade do regime instituído - sem fundamento ou critério válido para a similitude com a tramitação do arresto preventivo decretado em processo cível.

Com efeito «A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige, positivamente, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.» (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., Vol. I, p. 339).

Ora, resulta de tudo quanto atrás se disse existir uma razão material justificadora da remissão operada pelo CPP para o regime do CPC, na interpretação normativa sindicada, atenta a prossecução dos fins da medida tutelar em causa. Os objetivos do recurso ao meio cautelar de arresto, em sede de processo penal ou de processo civil, orientam-se para a obtenção de uma tutela jurisdicional efetiva por via cautelar dos mesmos direitos - de crédito do lesado -, compreendendo-se a solução normativa impugnada - não audição prévia do requerido - em face da eficácia da medida requerida. De tal decorre a similitude dos respetivos regimes.

Ora, afastado o pressuposto de que o estatuto de arguido convocaria, também em sede da providência cautelar de arresto, a aplicação das específicas garantias do processo penal, não caberia formular um juízo de censura ao legislador quanto à opção normativa sindicada. Sendo os fins visados com o arresto os mesmos, seja no âmbito de um processo de natureza civil ou penal, e podendo aqueles fins serem desvirtuados pela pretendida audição prévia do requerido, não procede pois o argumento da necessidade de diferenciação de regimes em função do estatuto no processo do visado pelo arresto.

Conclui-se assim, face ao parâmetro contido no artigo 13.º da CRP, que não merece a norma (interpretação normativa) sob juízo qualquer censura por parte do Tribunal.

19 - Assim, não se mostrando desrespeitados os princípios e direitos fundamentais constitucionalmente garantidos em processo penal - incluindo o direito de o arguido ser ouvido previamente à tomada de decisões que o afetem naquilo que decorre do seu estatuto especialmente merecedor de tutela constitucional (artigo 32.º, n.os 1, 2 e 5, da Constituição) -, nem verificada a violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), improcedem os argumentos de inconstitucionalidade da norma (interpretação normativa) do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que, por remissão para o regime processual civil do arresto - artigo 408.º do CPC, a que corresponde hoje o artigo 393.º do CPC (2013) -, o decretamento desta medida cautelar no âmbito de um processo penal tem lugar sem prévia audição do arguido.

III - Decisão

20 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 228.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil, se permite o decretamento do arresto preventivo sem audição prévia do arguido; e, em consequência,

b) negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro.

Lisboa, 28 de outubro de 2014 - Maria José Rangel de Mesquita - Carlos Fernandes Cadilha (com declaração de voto quanto à admissibilidade do recurso de constitucionalidade em matéria cautelar, por seguir o entendimento expresso nos Acórdãos n.os 624/09 e 459/13) - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro [com declaração no sentido de que me afasto da fundamentação quanto às razões que levam ao conhecimento já que, a meu ver, ainda que as normas possam ser aplicadas, quer no processo principal, quer na providência cautelar (o que não se passa nesta situação), também aí defendo que se mantém o interesse do seu conhecimento, - aqui seguindo anterior jurisprudência do TC Acórdãos n.os 92/87, 466/95, 89/2011, 459/2013 e 624/2008. Remeto, por isso, para declaração de voto aposta ao Acórdão 43/2014] - Maria Lúcia Amaral.

208261071

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/362177.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

Aviso

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