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Acórdão 555/2008, de 29 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente, sem requerimento do Ministério Público; julga inconstitucional a mesma norma, quando interpretada no sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional complexidade, esta não tenha de ser precedida da audição do arguido

Texto do documento

Acórdão 555/2008

Processo 697/08

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, em que são recorrentes Nelson José Torres Aguiar, Tiago Simão Ferreira da Costa, Miguel Ângelo Machado Andrade da Cunha e Telmo Ricardo Gomes Martins, e recorrido, o Ministério Público, foram interpostos dois recursos separados, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.07.2008, para apreciação da constitucionalidade:

a) Da norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente sem requerimento do Ministério Público;

b) Da norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional complexidade, esta não tem que ser precedida da audição do arguido, por se verificar, quanto à primeira, a violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 e, quanto à segunda, a violação do n.º 1, todos do mesmo artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - Com pertinência para a compreensão do quadro processual em que as questões emergiram, importa notar o seguinte:

2.1 - Os arguidos foram detidos em 3 de Outubro de 2007 e, havendo sido apresentados ao Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, foi-lhes aplicada a medida de coacção da prisão preventiva.

2.2 - Interposto, pelos arguidos, recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, foi confirmada a medida de coacção aplicada.

2.3 - Por despacho de 3 de Abril de 2008, o referido Juiz de Instrução Criminal determinou a excepcional complexidade dos autos e a manutenção da prisão preventiva aos arguidos.

2.4 - Invocando o disposto nos artigos 118.º, n.º 2, 123.º, n.º 1, 215.º, n.º 4, in fine, 61.º, b) do Código de Processo Penal, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, os arguidos vieram invocar a irregularidade e consequente invalidade do despacho que determinou a especial complexidade dos autos e, por via disso, a extinção, por decurso do prazo, da medida de prisão preventiva.

2.5 - Por despacho de 7 e 8 de Outubro de 2008, o Juiz de Instrução Criminal indeferiu a requerida irregularidade, com o fundamento de que, em situação de oficiosidade, a decisão que determine a excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do CPP, não impõe a audição do Ministério Público, do arguido ou do assistente.

2.6 - Inconformados, os arguidos interpuseram, perante o Supremo Tribunal de Justiça, providência do Habeas Corpus invocando a ilegalidade da prisão, decorrente da caducidade do prazo da prisão preventiva, e recurso para o Tribunal da Relação, com os mesmos fundamentos.

3 - O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso, abonando-se, essencialmente, nas seguintes considerações:

«Vejamos:

1 - Sobre se durante o inquérito o Juiz de Instrução Criminal pode declarar, oficiosamente, a excepcional complexidade do processo nos termos do artigo 215.º, n.os 3 e 4 do C. P. Penal.

Este preceito tem na sua epígrafe a menção "Prazos de duração máxima da prisão preventiva" e o seu n.º 4 estabelece o seguinte:

"4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.".

Analisado o normativo em apreço constata-se, com linearidade, que o mesmo não distingue em que fase do respectivo processo o juiz pode declarar a excepcional complexidade; se em sede de inquérito, instrução ou julgamento.

Ora, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.

Argumentam, porém, os recorrentes que se durante o inquérito e nos termos do artigo 194.º, n.os 1 e 2 do C. P. Penal o juiz não pode aplicar uma medida de coacção sem ouvir o Ministério Público, não podendo mesmo fazer aplicação de uma medida de coacção mais grave do que a requerida por aquele, não faria sentido que durante o mesmo inquérito pudesse ex officio declarar a excepcional complexidade deste último.

Discordamos de tal ponto de vista.

Com efeito, no sobredito artigo 194.º está em causa a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, as quais implicam uma limitação directa à liberdade pessoal ou patrimonial do arguido.

Ou seja, ali estipulam-se as condições em que o juiz procede à aplicação daquelas medidas, que portanto "são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias "(Prof. Germano Marques da Silva, In curso de Processo Penal, II, pág. 201).

Assim, estando o respectivo processo ainda em fase de inquérito impõe-se que o seu dominus, o M. P., limite nessa fase a intervenção do Juiz de Instrução, quanto à aplicação dos aludidos meios processuais; e até porque se assim não fosse, poderia até comprometer-se todo um plano de investigação (como refere a Dr.ª Odete Maria Oliveira, figure-se a hipótese de o Juiz de Instrução impor ao arguido a prisão preventiva "quando uma correcta execução de um concreto plano de investigação implicasse a continuação do arguido em liberdade", In As Medidas de Coacção no Novo Código de Processo Penal, pág. 179).

Já no assinalado artigo 215.º, n.º 4, visa-se apenas uma medida de coacção em particular, a prisão preventiva - de cuja aplicação o M. P. não discorda - e o prazo da sua duração.

Nesta conformidade e como in casu sucedeu, aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva em inquérito - acto jurisdicional a que o Juiz de Instrução Criminal procede periodicamente naquela fase sem necessário e prévio requerimento do M. P., cf. o artigo 213.º, n. 1 do C. P. Penal (1) - nada impede que o Juiz nesse momento processual declare a excepcional complexidade do processo.

Veja-se que nos termos do n.º 2 daquele preceito compete, então, também ao Juiz de Instrução aquilatar dos fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva.

E para tanto só ouve o M. P. e o arguido, se isso for necessário (n.º 3 do mesmo normativo legal).

Afigura-se-nos, pois, que se em inquérito o M. P. não pretende que ao arguido seja aplicada uma medida de coacção menos gravosa do que a prisão preventiva, nada obsta a que o Juiz ao proceder ao reexame periódico daquela medida, a mantenha, por também a reputar necessária, e em simultâneo declare oficiosamente a excepcional complexidade do processo por entender estarem verificados os fundamentos para tanto.

Neste sentido aponta o Acórdão do S. T. J de 30-04-08, processo 08P1504 (uma das providencias de habeas corpus instauradas nestes autos), relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, no qual se decidiu que "Em qualquer das fases do processo - inquérito, instrução ou julgamento - a excepcional complexidade pode ser declara pelo juiz oficiosamente e, portanto, também pelo Juiz de Instrução, nomeadamente no reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou sempre que necessário."

Improcede destarte o fundamento invocado.

Sobre se a decisão que declarou a excepcional complexidade dos presentes autos tinha de ser precedida da audição do arguido.

Voltemos a interpretar o acima transcrito artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Entendemos que o mesmo distingue entre a declaração de excepcional complexidade declarada ex officio e a decretada através de prévio requerimento do M. P.

No primeiro caso, o juiz, porque age por sua iniciativa não tem de ouvir os restantes sujeitos processuais.

Logo, não tem ab initio de consultar o arguido, embora, naturalmente, o possa fazer.

Na segunda situação, a declaração em apreço é solicitada por um dos sujeitos processuais, o M. P., pelo que, antes de decidir o juiz tem de ouvir o arguido e o assistente.

Desta orientação que, com todo o respeito pela opinião contrária, julgamos ser a mais correcta, resultam as seguintes consequências:

a) Nem o assistente nem o arguido podem requerer que seja declarada a excepcional complexidade do processo.

b) Quando esta for declarada oficiosamente, o juiz não tem, previamente, de consultar qualquer sujeito processual (embora o possa fazer).

c) Apenas o M. P. pode requerer o decretamento de tal declaração e, nesta hipótese, o juiz só pode decidir depois de ouvir o arguido e o assistente.

Reportando-nos ao casu sub judice, verifica-se que o mesmo é subsumível à situação contemplada na sobredita al. b) não padecendo, pois, a decisão recorrida dos vícios assinalados nos recursos.

A interpretação do citado artigo 215.º, n.º 4, por banda dos recorrentes, no sentido de que, em qualquer circunstância, o juiz antes de decidir teria de dar a palavra ao arguido, conduziria, salvo o devido respeito, a esta ilogicidade: a de aquele magistrado ter sempre de ouvir o arguido e o assistente - porque in fine o preceito refere "ouvidos o arguido e o assistente" - e já não ter de consultar o M. P., visto este não ser mencionado na parte final da norma em questão.

Como diz e bem o ilustre PGA junto deste Tribunal da Relação "se no artigo 215.º, n.º 4 do C. P. P. se visasse uma observância irrestrita do contraditório, não faria sentido excluir (itálico nosso) o M. P. da audição a que o JIC previamente à prolação "ex officio" do despacho declarativo da excepcional complexidade do procedimento está obrigado" (fls. 1759); exclusão, acrescentamos nós, que já não incidiria sobre o assistente.

Não vislumbramos, assim, que a douta decisão a quo tenha contrariado o elemento literal ou sistemático da norma em apreciação.

E a este ultimo propósito, nem se diga que houve violação do disposto no artigo 61.º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal, ou incumprimento do preceituado no artigo 32.º, n.º 1 da C. R. P., 14.º, n.º 3 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, ou no artigo 11.º, n.º 1, in fine da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Na verdade, estamos perante uma das excepções ao direito de audição do arguido previstas no corpo do sobredito artigo 61.º, n.º 1, nos termos do qual "O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: [...]" (itálico nosso).

Tal restrição legal em nada belisca a obrigação, decorrente do artigo 32.º, n.º 1, da C. R. P., de o processo penal assegurar ao arguido todas as garantias de defesa.

E porquanto a nossa lei adjectiva penal continua a dotar o arguido com todos os mecanismos processuais necessários à elaboração da sua defesa, e, o citado artigo 61.º, estabelece "os alicerces do direito global de defesa, especificando alguns dos variados direitos concretos que o integram" (Dr.s Simas Santos e Leal Henriques, In ob. cit., pág. 316).

A interpretação sufragada na douta decisão recorrida não padece, portanto, de qualquer vício de inconstitucionalidade.

E ela é enunciada como admissível no supra indicado acórdão do S.T.J., quando ali se exarou que "Se se entender como admissível que a declaração oficiosa de excepcional complexidade pode ser ditada pelo Juiz sem audição prévia do arguido, então tal situação configurará justamente uma das excepções ressalvadas pelo artigo 61.º, n.º 1 do C. P. P. e não ocorrerá qualquer violação da lei".

Não existem, pois, as invocadas irregularidades nos despachos em apreço.

Termos em que improcede, igualmente, este fundamento alegado.

3 - Se tem justificação nos presentes autos a sua declaração como sendo de especial complexidade;

Face aos elementos disponíveis nos autos, investiga-se nos mesmos a prática, pelos recorrentes, em "co-autoria material e com dolo directo, de:

Dois crimes de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º s 1 e 2, b), em conjugação com o disposto nos artigos 204.º, n.º 2, a) e f) e 202.º, b), todos do CP (lei vigente à data dos factos);

Um crime de associação criminosa, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 299.º, n.º 1 do CP (lei vigente à data dos factos);

Dois crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, n.º s 1 e 2, f), g) e j), ambos do CP (lei vigente à data dos factos)." (cf. fls. 1384 e 1385, do 8.º volume).

Antes de mais, é de referir que os factos em causa são de 04 e sobretudo de 06 de Setembro de 2007 (cf. fls. 288 do II vol.).

Tendo em 15-09-2007, entrado em vigor a Lei 48/2007, de 29 de Agosto que veio alterar o C. P. P. (alterações que se revelam, quanto às matérias em apreço, mais favoráveis aos arguidos - para efeitos do disposto no artigo 5.º do C. P. Penal).

No respeitante à declaração de excepcional complexidade, continuando a ser prevista pela lei nova enquanto pressuposto de elevação, embora em moldes mais reduzidos, quando comparativamente com a antecedente, tem como traço distintivo, como vimos supra, só poder ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente - artigo 215.º n.º 4 do CPP.

O legislador não forneceu razão para esse decretamento preclusivo só nessa fase processual - em 1.ª instância -, mas alcança-se que a oportunidade da declaração se faz por razões de maior protecção da liberdade individual, coarctando a possibilidade de, noutra fase processual, aquela declaração ainda ter lugar, estimulando a uma maior celeridade processual, desincentivando esse último recurso de elevação do prazo da prisão preventiva.

Os crimes em causa, reportam-se a "criminalidade especialmente violenta", como configura a alínea l) do artigo 1.º do C. P. Penal.

Conforme estipula o n.º 2 do artigo 215.º do CPP, no caso, os prazos de duração máxima da prisão preventiva, previstos no n.º 1 do artigo 215.º do CPP, são, pois, automaticamente elevados, conforme naquela disposição legal consta.

Todavia, os prazos de duração máxima da prisão preventiva previstos no n.º 1 podem, ainda, ser elevados nos termos do n.º 3 daquele artigo 215.º desde que o procedimento se revele de excepcional complexidade.

A descrição da norma não apresenta, porém, a noção de "excepcional complexidade" com um círculo de referências objectivamente marcadas.

Para a integração do conceito, indica o legislador, a título de exemplo (como é função do advérbio nomeadamente) alguns tópicos. A excepcional complexidade será revelada, «nomeadamente, pelo número de arguidos ou ofendidos ou pelo carácter altamente organizado do crime».

A noção está, pois, em larga medida referenciada a espaços de indeterminação pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do procedimento; a integração da noção exige, assim, uma intensa e exclusiva ponderação sobre os elementos da concreta configuração processual, que se traduz, no essencial, em uma avaliação prudencial sobre factos.

A esse respeito decidiu-se no Acórdão do STJ de 26.1.2005, in Proc. 3114/05, de que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, vide site do STJ, in Sumários de Acórdãos, a excepcional complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.

A decisão sobre a verificação da excepcional complexidade não depende, pois, da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas.

O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção.

As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, n.º 3 do CPP.

Esta declaração deve fundar-se em factores objectivos que coloquem uma dificuldade adicional, acrescida, de natureza excepcional, ao juiz, não sendo por isso suficientes factores de natureza subjectiva.

O despacho de declaração da excepcional complexidade deve, como qualquer despacho, ser fundamentado. Di-lo o n.º 4 do artigo 215.º, mas tal já resultava do n.º 5 do artigo 97.º do CPP, e constitui, aliás, concretização de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).

Está, in casu, o mesmo, no essencial fundamentado da forma seguinte:

"Tais crimes são crimes que se reportam a criminalidade especialmente violenta, tal qual o CPP o define no artigo 1.º l).

Existem constituídos nos autos, para além destes quatro arguidos, pelo menos mais cinco arguidos, para além de diversas pessoas que são, para já, suspeitas.

Estão em curso diversas diligências de prova, algumas das quais periciais e de elevada complexidade.

Tudo gera, consequentemente, dificuldades na tramitação normal do presente inquérito.

Os factos em investigação reportam-se a uma criminalidade complexa, com relacionamentos entre muitas pessoas e com situações que geram dificuldades na investigação.

Tais circunstâncias - que desde logo acarretam uma perda enorme de tempo real entre a prática de cada acto de investigação que compõe o inquérito - são de per si reveladoras e constitutivas da qualificante de excepcional complexidade.

Dispõe o n.º 3 do artigo 215.º do CPP que "Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para doze meses [...], quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade [...]."

É essa, pelos factos supra referidos, a situação do presente inquérito.

Do nosso ponto de vista, no essencial, concorda-se com o mencionado pelo M. P. que na sua resposta refere:

"Como já referimos em intervenções anteriores, está em causa nos presentes autos a investigação de criminalidade especialmente violenta, cujos agentes revelaram uma actividade particularmente organizada.

Na verdade, os arguidos Tiago Costa, Miguel Cunha, Teimo Martins e Nelson Aguiar, juntamente com Bruno Moreira e outros indivíduos, mantinham entre si fortes relações de amizade e interesses mútuos, mantendo entre todos um convívio permanente no dia-a-dia.

No âmbito desse relacionamento tais indivíduos decidiram conciliar-se para, em conjunto, de forma duradoura, e sob o comando do Bruno Moreira e Tiago Costa, além do mais, congregarem esforços para se apoderarem de bens de terceiros, com recurso à força e intimidação através de armas de fogo, cujos lucros seriam divididos por todos.

Com o decurso do tempo foram refinando os métodos de actuação, mantendo uma actividade arrojada, extremamente organizada e cautelosa, passando pela prática de carjacking para a utilização de carros roubados em assaltos, como sucedeu nos presentes autos, com utilização de disfarces, eliminando depois toda e qualquer prova que os possa correlacionar com os crimes, ora destruindo as viaturas e telemóveis de recurso, ora evitando qualquer contacto telefónico entre eles de modo a não serem captados em escutas telefónicas.

Não tem sido fácil a investigação levada a cabo nos autos pela PJ, para investigar os dois assaltos ocorridos: um em Paços de Ferreira (carjacking) e outro em Viana do Castelo (assalto a duas ourivesarias).

Basta uma leitura superficial do processo.

Neste momento os autos são constituídos por 22 volumes, com 6090 páginas, para além de diversos apensos.

Dado o carácter altamente organizado dos crimes só com recurso a um elevado número de agentes policiais e demoradas diligências de prova (escutas, periciais, exames, cruzamento de diversos dados, etc.) foi possível determinar o acervo factual e probatório já disponível, quase sempre a montante dos factos ocorridos em ordem a colher alguns vestígios quanto a estes dada a destruição sistemática de quaisquer indícios por parte dos arguidos.

Sendo certo que ainda importa prosseguir com algumas diligências que se revelam essenciais para o apuramento total dos crimes perpetrados.

Deste modo, conclui-se que a classificação da excepcional complexidade do procedimento não oferece quaisquer dúvidas e satisfaz os critérios legais". (O itálico e destacado a negrito é nosso).

Assim, atento o exposto e compulsados os autos, quanto ao mérito da declaração da excepcional complexidade do procedimento, não há razões para censurar o despacho recorrido.

A excepcional complexidade é um grau superlativo de dificuldade, que não pode ser banalizado. Porém, a análise dos elementos em que se fundou o despacho recorrido, demonstra no caso e fundamenta a declaração da excepcional complexidade do procedimento.

Em nosso entender, o despacho não viola, pois, qualquer norma processual penal, nem de natureza constitucional, nomeadamente as indicadas pelos recorrentes.

O alargamento dos prazos de prisão preventiva em virtude da declaração de excepcional complexidade não viola o artigo 28.º n.º 4 da CRP que concede ao legislador uma margem de liberdade de conformação suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objectiva dos crimes e da complexidade dos processos.

Em face do que é improcedente nesta parte o recurso dos arguidos».

4 - Alegando no Tribunal Constitucional, os arguidos Nelson José Torres Aguiar e Tiago Simão Ferreira da Costa concluíram a sua argumentação do seguinte jeito:

«[...]

Porque à data em que foram as Decisões em apreço proferidas, os autos estavam na fase de inquérito;

Porque o M.º P.º é o único titular do inquérito e é da sua exclusiva competência a promoção processual

Porque na fase de inquérito, a declaração de excepcional complexidade tem, necessariamente, de ser requerida pelo Ministério Público, por ser o titular dessa fase preliminar e obrigatória do processo;

Porque o M.º P.º não requereu a declaração de excepcional complexidade dos autos;

Porque é ilegítima a iniciativa ex ofício do JIC para determinar a excepcional complexidade dos autos durante a fase de inquérito sem prévio requerimento do titular do inquérito;

Porque a declaração de excepcional complexidade só pode ser oficiosamente proferida pelo JIC durante a instrução e pelo Juiz após recebimento da acusação;

Porque a Decisão que determina a especial complexidade nos autos, nos moldes em que foi proferida, consubstancia abuso do poder cometido ao JIC e invade competência reservada ao M.º P.º

Porque tal decisão afecta pessoalmente o Recorrente, aumentando para o dobro o prazo máximo de prisão preventiva a que está sujeito;

Porque não foi previamente conferido ao Recorrente o direito de audição quanto à declaração de excepcional complexidade dos autos;

Porque a decisão de especial complexidade nos moldes em que foi proferida viola os direitos liberdades e garantias do Recorrente;

Porque a Decisão de declaração de excepcional complexidade, nos moldes em que foi proferida, é contra legem;

Porque a interpretação normativa segundo a qual o disposto no artigo 215.º, n.º 4 do CPP permite a declaração oficiosa de excepcional complexidade pelo Juiz de instrução durante o inquérito, sem prévio requerimento do Ministério Público é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º da C.R.P.

Porque a interpretação normativa segundo a qual o disposto no artigo 215.º, n.º 3 do CPP permite a declaração oficiosa de excepcional complexidade pelo Juiz de instrução sem ser precedida de audição do arguido é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º da C.R.P. deve o presente recurso ser provido e, por via dele, declaradas inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32.º da CRP,

1 - a interpretação normativa segundo a qual, durante o inquérito em processo penal, a declaração de excepcional complexidade a que alude o artigo 215.º, n.º 3 do CPP pode ser declarada oficiosamente e sem que seja precedida de requerimento do Ministério Público

2 - a interpretação normativa segundo a qual a declaração de excepcional complexidade a que alude o artigo 215.º, n.º 3 do CPP pode ser declarada oficiosamente sem prévia audição do Arguido».

5 - Por sua vez, os arguidos Miguel Ângelo Machado Andrade da Cunha e Telmo Ricardo Gomes Martins sintetizaram nas seguintes proposições as razões da sua discordância com o decidido:

«1 - Resulta do artigo 263.º n.º 1 do C.P.P. que "A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal", sendo que, durante o Inquérito, apenas estão reservados ao JIC os actos de Natureza Jurisdicional a que melhor aludem os artigos 268.º e 269.º do C.P.P.

2 - O despacho que determina a declaração de Excepcional Complexidade ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 215.º é, quando proferido durante o inquérito, um dos "...actos que a lei expressamente..." reserva ao JIC nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 268.º do C.P.P.

3 - Pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 268.º, tais actos apenas poderão ser praticados "...a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente"

4 - A declaração oficiosa a que alude o artigo 215 n.º 4 do C.P.P. reserva-se exclusivamente para as fases de Instrução e Julgamento, nunca para a fase de Inquérito.

5 - Entendimento contrário viola o princípio do acusatório e é manifestamente inconstitucional, por violar o artigo 32 n.º 5 da C.R.P.

Ainda,

6 - O artigo 32.º n.º 1 da C.R.P. ao impor de forma peremptória que "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", tem, numa das suas concretizações ao nível da Lei Ordinária, a parte final do n.º 4 do artigo 215.º do C.P.P., sendo a audição prévia do Arguido a que alude aquele artigo de carácter obrigatório.

7 - O Arguido não foi ouvido, tido, nem achado, na decisão que declarou a especial ou excepcional complexidade do presente processo.

8 - Ou seja, o Arguido foi apanhado de surpresa e, sem mais, viu os prazos da sua Prisão preventiva alargarem-se para o dobro do normal - na fase de inquérito -, sem lhe ter sido dada a possibilidade de se pronunciar ou contribuir para a respectiva decisão judicial.

9 - Ao aceitar a declaração de Especial ou Excepcional Complexidade dos Autos sem a prévia audição do Arguido, o tribunal "a quo" fez uma interpretação normativa do artigo 215.º n.º 4 do C.P.P. absolutamente inconstitucional, por violação do artigo 32 n.º 1 da C.R.P.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, deve esta alta instância:

I - Julgar Inconstitucional, por violação do artigo 32.º n.º 4 e n.º 5.º da C.R.P., o artigo 215.º n.º 4.º do C.P.P (na redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto), na interpretação normativa, segundo a qual, durante o Inquérito, a declaração de "Excepcional Complexidade" a que alude o n.º 3 do mesmo artigo 215.º do C.P.P. pode ser declarada oficiosamente e sem qualquer requerimento do Ministério Público;

II - Julgar Inconstitucional, por violação do artigo 32.º n.º 1.º da C.R.P., o artigo 215.º n.º 4.º do C.P.P (na redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto), na interpretação normativa, segundo a qual, quando declarada oficiosamente, a "Excepcional Complexidade" a que alude o n.º 3.º do artigo 215.º do C.P.P., não carece de ser precedida de audição do Arguido.

III - Conceder provimento ao recurso e, por consequência, revogar o Acórdão recorrido, determinando-se que o mesmo seja reformado em conformidade com os juízos de não inconstitucionalidade supra peticionados».

6 - Contra-alegando, o Procurador-Geral-Adjunto, no Tribunal Constitucional, concluiu:

«1 - A interpretação do disposto do n.º 4 do artigo 215.º do CPP, na versão da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, ínsita no despacho judicial que, em sede de inquérito, declara, oficiosamente, a excepcional complexidade dos Autos sem audição prévia dos arguidos e sem ter sido requerida pelo Ministério Público, e tendo o mesmo despacho sido objecto de reclamação e de recurso para um tribunal superior, não viola o direito de defesa garantido pelo artigo 32.º da CRP.

2 - Termos em que devem os recurso ser indeferidos».

7 - Tendo o primitivo relator ficado vencido, quanto à segunda questão de constitucionalidade suscitada no pedido, houve lugar à mudança de relator.

Uma vez que o projecto de acórdão apresentado por aquele relator obteve vencimento, quanto à primeira questão de constitucionalidade, foi integralmente mantida a parte do texto que se lhe refere.

II - Fundamentação

8 - De entre as suas várias disposições, apenas se questionam constitucionalmente duas dimensões normativas do artigo 215.º do Código de Processo Penal, ambas relativas ao seu n.º 4: a primeira, traduzida no "sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente sem requerimento do Ministério Público" e a segunda, referente ao "sentido de permitir que, quando declarada oficiosamente a excepcional complexidade, esta não tem que ser precedida da audição do arguido".

E, situando-nos no âmbito da definição do objecto do concreto recurso de constitucionalidade, cabe deixar aqui registado que não cabe na competência do Tribunal Constitucional pronunciar-se no sentido de qual seja o melhor direito que é inferível das disposições legais, mas apenas ajuizar se o direito concretamente determinado e aplicado na solução da causa é ou não constitucionalmente válido.

Nesta óptica, não há que indagar se as melhores interpretações do n.º 4 do artigo 215.º do CPP, quanto à competência oficiosa do juiz para declarar a especial complexidade do processo, para os efeitos do seu n.º 3, e à audição do arguido são as que foram sufragadas pelo acórdão recorrido.

E sendo assim, as alegações apresentadas pelos recorrentes, no Tribunal Constitucional, perdem todo o sentido, na parte em que estes se esforçam por demonstrar qual é a melhor solução, no plano do direito ordinário.

Para melhor compreensão da problemática que está em causa, afigura-se, porém, de utilidade transcrever o artigo 215.º, na parte circunstancialmente adequada.

Diz ele o seguinte:

Artigo 215.º

Prazos de duração máxima da prisão preventiva

1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - [...].

3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.

5 - [...].

6 - [...].

7 - [...].

8 - [...]

E porque os critérios normativos constitucionalmente sindicados foram aplicados no âmbito da actividade jurisdicional a que se refere o artigo 213.º do Código de Processo Penal, reproduz-se, igualmente, este preceito.

Estipula ele:

Artigo 213.º

Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação

1 - O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas:

a) No prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; e

b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.

2 - Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º

3 - Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido.

4 - A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização.

5 - A decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido a medida em causa.

Conforme resulta do relatado, a declaração de especial complexidade do processo foi efectuada pelo juiz de instrução, a quando da realização do reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 213.º do CPP, sobre cuja matéria os recorrentes e o Ministério Público se pronunciaram, ao abrigo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

Nesse reexame, o juiz de instrução concluiu pela manutenção da medida de coacção da prisão preventiva por, em síntese, "não se terem alterado as situações de facto e de direito que presidiram à decisão tomada aquando do 1.º interrogatório judicial".

9 - Como se colhe das suas alegações, os recorrentes não refutam a competência do juiz de instrução para efectuar, oficiosamente, o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, prevista no artigo 213.º do Código de Processo Penal.

Ora, aceitando-se, sem contestação, como fazem os recorrentes, a competência do juiz para proceder, oficiosamente, ao reexame desses pressupostos, não se vê como, sem quebra da congruência da racionalidade jurídica, se possa defender (mesmo no plano infraconstitucional) o afastamento da competência do mesmo juiz para, na sequência, precisamente, do cumprimento desse dever de reexame constatar a existência da situação de especial complexidade do processo e do poder de a aclarar mesmo para o efeito de elevação dos prazos de duração máxima da prisão preventiva previsto no n.º 3 do artigo 215.º do CPP.

Decorre do disposto no artigo 28.º, n.º s 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que constitui reserva constitucional do juiz a decisão judicial de aplicação da medida de coacção da prisão preventiva: só o juiz pode ordenar e manter, ao arguido, a medida de coacção da prisão preventiva.

Tendo, porém, a prisão preventiva uma natureza excepcional, que não pode "ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei" (n.º 2 do artigo 28.º da CRP), ou seja, sendo uma medida de coacção sujeita constitucionalmente aos princípios da necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade, constitui necessário postulado dessa reserva de juiz que o mesmo possa (melhor dito, deva) proceder ao reexame oficioso dos pressupostos de facto e de direito que a determinaram, de modo a que a lesão do direito fundamental da liberdade se quede pelo mínimo possível sempre que seja surpreendida uma alteração, e, por cautela, periodicamente, em virtude de a evolução da investigação poder, adequadamente, pressupor que venha a lume o conhecimento de novos elementos, susceptíveis de fundamentar uma reponderação judicial.

É essa natureza excepcional e a sua sujeição aos princípios consagrados no artigo 18.º da CRP para os direitos, liberdades e garantias que justificam a solução por que optou o legislador ordinário, nos n.os 1 e 2 do artigo 194.º do CPP, ao autorizar a sua aplicação, durante o inquérito, apenas a requerimento do Ministério Público e ao sancionar a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo Ministério Público com a nulidade.

É que, competindo ao Ministério Público, em termos constitucionais, a direcção do inquérito (cf. Acórdão 395/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), será ele quem, nessa fase processual, conhece, inteiramente, os factos investigados que são susceptíveis de revelarem a prática de um crime, o seu possível autor e as provas que tenham potencialidade para induzir à convincência indiciária da sua existência e, decorrentemente, será, também, ele quem, prima facie, estará, então, em melhor posição para poder aferir da necessidade de aplicação das medidas cautelares ou de coacção, necessárias para acautelarem a realização da justiça penal.

Todavia, decidindo-se o Ministério Público pelo pedido, caberá, porém, já ao juiz a avaliação, autónoma e independente, dos seus pressupostos de facto e de direito, passando a impender, constitucionalmente, sobre ele o dever de conter as restrições ao direito fundamental em causa (no caso da prisão preventiva, da liberdade) ao âmbito temporal fixado na lei e, dentro deste, ao mínimo possível.

As razões que justificam que, em processo de inquérito, a medida de prisão preventiva apenas possa ser aplicada em deferimento de requerimento do Ministério Público, esgotam-se totalmente no momento em que este a requeira ao juiz e este a aplique.

A natureza excepcional da prisão preventiva, afirmada no n.º 2 do artigo 28.º da Constituição, tem igualmente como postulado que a mesma seja sujeita a prazos máximos que não frustrem o seu fundamento constitucional.

Isso mesmo consta do n.º 4 do artigo 28.º da Constituição, ao prescrever-se que "a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei".

Daqui decorre que o legislador ordinário, no cumprimento dessa incumbência, está sujeito ao princípio de que o tempo de prisão preventiva se configura como um tempo excepcional de restrição do direito fundamental da liberdade, pelo que o deve limitar ao necessário (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), para salvaguardar os outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, no caso, a prevenção do interesse da realização efectiva e eficaz da justiça penal.

Dito de outro modo, o legislador ordinário está sujeito a um princípio de razoabilidade, ínsito no princípio da proporcionalidade e, como bem se faz notar no Acórdão 404/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, próximo do requisito do "prazo razoável" a que alude o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

A lei densificou o referido preceito constitucional no artigo 215.º do CPP, adoptando um figurino em que o prazo de prisão preventiva se conta sempre desde o seu início, mas não pode exceder certos limites acumulados, reportados a quatro marcos processuais (dedução da acusação, prolação da decisão instrutória quando tenha havido instrução, condenação em 1.ª instância e trânsito em julgado da condenação) (No CPP de 1929, o sistema era o de fixação de prazos máximos de prisão preventiva em correspondência directa com cada fase processual - cf. artigos 273.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro, e 308.º, na versão dada pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro).

Por outro lado, no que importa aos prazos máximos totais e aos reportados aos referidos marcos processuais, o preceito previu quatro situações distintas: a primeira como consubstanciando situação-regra (n.º 1 do artigo 215.º); a segunda, traduzida numa elevação dos prazos-regra para os limites apontados, nos "casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos" ou por um dos crimes constantes do catálogo aí enunciado (n.º 2 do artigo 215.º); a terceira, consubstanciada, igualmente, numa elevação dos prazos-regra, para os limites, também, aí, precisados, mas aqui "quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior (n.º 2 do artigo 215.º) e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime" e, finalmente, a quarta, traduzida num acrescentamento em seis meses dos prazos correspondentes às segunda e terceira situações, no caso de haver recurso para o Tribunal Constitucional.

No que tange à terceira situação, cabe ainda notar que a "especial complexidade [a que se refere] apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente".

Aceite, constitucionalmente, o alargamento dos prazos de prisão preventiva, com base na complexidade do processo e das características dos crimes, por a fixação dos prazos não poder alhear-se das dificuldades da investigação criminal e da operacionalidade prática dos princípios do inquisitório e do contraditório, que, adequadamente, tenderão a ser maiores quando estão em causa certos tipos de crimes e a maior ou menor gravidade desses tipos, e da necessidade de acautelar a realização da justiça penal relativamente a eles (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, p. 490, afirmam ser ele duvidoso, "mas, de qualquer modo impõe-se aqui a observância estrita do princípio da proibição do excesso"), não pode deixar de considerar-se corresponder a uma incumbência constitucional do juiz, decorrente da sua reserva de jurisdição na aplicação e na manutenção da prisão preventiva, o poder de oficiosamente declarar a especial complexidade do processo.

Ao fazê-lo, o juiz mais não faz do que constatar se existe, materialmente, a situação cautelar que corresponde àquela cujo recorte é feito pelo legislador como justificando a concreta elevação dos prazos máximos da prisão preventiva para poder acautelar, de modo proporcionado e razoável, concomitantemente, a satisfação dos interesses da realização efectiva da justiça penal e da menor afectação possível do direito fundamental da liberdade do arguido.

Exigir, como defendem os recorrentes, que a especial complexidade do processo, com o efeito da elevação do prazo previsto na lei, ficasse sujeita a requerimento obrigatório do Ministério Público, corresponderia a cercear a função jurisdicional do juiz, na apreciação dos pressupostos de facto e de direito da prisão preventiva, evidenciados pelos autos, quando para determinar a prisão preventiva, mesmo em apreciação de pedido da mesma entidade na fase do inquérito, ou a sua manutenção não lhe pode ser sonegado o conhecimento de quaisquer elementos necessários à apreciação da situação.

Tal forma de ver encontra-se enfeudada ao entendimento errado de que a prisão preventiva constitui uma medida cautelar que visa acautelar apenas os interesses da investigação penal ou o princípio do inquisitório.

Porém, como já se viu, independentemente da especial tradução que o legislador ordinário dê aos princípios constitucionais do inquisitório, do acusatório e do contraditório, consagrados nos n.os 4 e 5 do artigo 32.º da Constituição, sendo a prisão preventiva uma medida que se prende directamente com o direito fundamental da liberdade, ela pertence necessariamente à reserva constitucional do juiz.

Temos, assim, de concluir que o artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no "sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente sem requerimento do Ministério Público" não ofende o artigo 32.º da Constituição, e nomeadamente, os seus n.os 4 e 5.

10 - Cabe, agora, conhecer da questão de constitucionalidade do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no "sentido de permitir que, quando declarada oficiosamente a excepcional complexidade [do processo], esta não tem que ser precedida da audição do arguido".

Os recorrentes argumentam que a dimensão normativa em causa viola o direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Este preceito proclama que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". Desta forma se consagra, condensadoramente, o "princípio de protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 516). Entre esses direitos está indubitavelmente incluído o direito do arguido "a ser ouvido", enquanto direito a dispor de oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões que o afectem.

Na verdade, a enunciação maximizante do direito de defesa tem que ser compreendida como uma manifestação qualificada, em processo criminal, do direito a tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP), englobante do direito a um processo equitativo, pelo que dele decorre necessariamente um direito de audição, materialmente imposto pela conformação processual ao princípio do contraditório (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição).

Se o direito de audição tem uma extensão geral a todos os actos susceptíveis de afectar a posição do arguido (ob. cit., 523), a sua efectivação é constitucionalmente exigível de forma particularmente intensa quando estão em causa decisões judiciais que, de forma directa (imediata ou não), têm como resultado a privação de liberdade daquele sujeito.

Está nestas condições a prisão preventiva. Por isso mesmo, a Constituição rodeou esta medida de especiais resguardos, em preceito a ela especificamente dedicado (artigo 28.º da CRP).

De forma que, na conformação do conteúdo do princípio do contraditório atinente a decisões nesta matéria, o legislador ordinário, em tudo o que não esteja já fixado pela Lei Fundamental, encontra-se sempre sujeito, em termos estritos, ao postulado constitucional de efectivação de todas as garantias de defesa do arguido.

O alongamento dos prazos máximos de prisão preventiva, com base na declaração de especial complexidade do procedimento, viu o seu regime alterado pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto.

Ao mesmo tempo que procedeu a uma fixação de prazos máximos de prisão preventiva mais curtos do que acontecia até então, com base numa leitura do princípio da necessidade e da proporcionalidade diferentes da anteriormente feita, o legislador, pretendendo "introduzir maior clareza às situações em que, por força da complexidade processual, tal importe um alongamento da prisão preventiva dos arguidos", passou a determinar que a declaração de especial complexidade apenas poderia ser efectuada na 1.ª instância, com base em despacho fundamentado, "oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente".

O acórdão recorrido entendeu não ter o juiz o dever de ouvir o arguido acerca da eventual declaração da especial complexidade do procedimento, quando a sua iniciativa seja oficiosa.

Independentemente da questão de saber se esta é a interpretação que melhor corresponde ao critério enunciado na lei ordinária, a este Tribunal só cabe, tomando-a como um dado, decidir se ela está ou não em conformidade com as exigências constitucionais decorrentes das garantias de defesa.

Em sentido afirmativo, poderá eventualmente chamar-se a atenção para que estamos perante uma qualificação jurídica, incidente sobre factos em relação aos quais o arguido já teve oportunidade de produzir prova e de contrariar os elementos constantes do processo e de se pronunciar acerca deles. Mais não demandaria o princípio do contraditório.

Mas este entendimento reducionista do princípio, cingindo o seu alcance ao domínio dos factos e não também ao de valoração jurídica, é constitucionalmente claudicante. O sentido tutelador do princípio do contraditório e as garantias de defesa que dele emanam só encontram realização correspondente ao que a Constituição impõe quando ao arguido é dada oportunidade de influenciar, em seu benefício, a tomada de decisões que lhe respeitam, também através da possibilidade de esgrimir, em tempo oportuno, argumentos juridicamente sustentados, dirigidos a convencer a instância decisória do fundamento de medidas favoráveis ou da falha de razão de medidas desfavoráveis.

É esta concepção do princípio do contraditório que claramente se assumiu no Acórdão 96/99, ao caracterizá-lo como "o direito que o arguido tem em se fazer ouvir e contraditar todos os elementos (aqui se incluindo os de prova) ou argumentos (incluindo-se os de ordem jurídica) (...)", num caso em que, só a integral manutenção do quadro factual e jurídico anterior foi tida como justificando a não audição do arguido, a quando do reexame da medida de coacção.

Daí que, estando em causa, a subsunção dos factos num novo quadro legal - o da excepcional complexidade do procedimento - susceptível de conduzir directamente ao alargamento da duração da prisão preventiva, ao arguido deveria ter sido dada oportunidade de refutar a verificação dos pressupostos legais dessa qualificação e a adequação e necessidade dessa medida. O promanar esta de iniciativa oficiosa do juiz e não de promoção pelo Ministério Público em nada altera esta valoração, pois o princípio do contraditório não visa apenas assegurar a igualdade de armas (em relação àquela entidade), mas, mais amplamente, garantir (neste caso, ao arguido) "uma influência efectiva no desenvolvimento do processo" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. loc. cit.)

Como eloquentemente se exprimiu o Acórdão 499/97, num caso em que o Supremo Tribunal de Justiça havia, em recurso interposto pela defesa, revogado perdão de penas decretado pelas instâncias, sem prévia audição, sobre essa questão, dos arguidos recorrentes:

«Todavia, a protecção do exercício do contraditório como condição de uma justiça comunicacional, profundamente humana, não abrange apenas a discussão conducente à prova dos factos e da culpa ou à infirmação da presunção de inocência, mas atinge ainda todos os aspectos de qualificação jurídica com repercussão na situação do arguido.

(...) Deste modo, o contraditório surge como regra orientadora da produção pelo tribunal de um juízo que interfira com o arguido, para além de se justificar pela defesa de direitos. Em processo penal, o contraditório visa, antes de mais, assegurar decisões fundamentadas na discussão de argumentos, subordinando todas as decisões (ainda que recorríveis) em que os arguidos sejam pessoalmente afectados [cf. artigo 65.º, n.º l, alínea d), do Código de Processo Penal], como emanação de uma racionalidade dialéctica, comunicacional e democrática.»

A mesma orientação já tinha norteado o precedente Acórdão 279/95, em motivação de uma decisão de inconstitucionalidade de um critério normativo que não preveja, perante a possibilidade de qualificação jurídico-penal dos factos conducente à condenação em pena mais grave, que o arguido seja prevenido da nova qualificação, sem lhe dar, quanto a ela, oportunidade de defesa. Como aí se salientou, no domínio do processo criminal, a liberdade de qualificação jurídica de que goza o tribunal, como expressão da sua sujeição à lei, sempre carece de compatibilização com a plenitude de garantias de defesa exigida pelo artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional.

Mais recentemente, e quanto à obrigatoriedade de audição prévia do arguido, face à possibilidade de lhe ser revogado o perdão concedido e de ter que vir a cumprir pena efectiva de prisão, também o Acórdão 298/2005 perfilhou este entendimento do princípio do contraditório. Depois de transcrever alguns trechos do já citado Acórdão 499/97, ficou consignado naquele aresto o seguinte:

«Como resulta desta transcrição, o respeito do princípio do contraditório, como emanação das garantias de defesa em processo criminal, impunha que, perante a promoção de revogação do perdão de pena, fosse dada ao arguido a possibilidade de se pronunciar, possibilidade que não lhe podia ser negada com base numa pretensa automaticidade ou operatividade ope legis daquela revogação. Acresce que esta revogação dependia da verificação da ocorrência de determinadas circunstâncias e ao arguido assistia o direito de, logo perante o juiz de 1.ª instância, aduzir as suas razões no sentido do não preenchimento dessas condições, quer propugnando uma interpretação normativa diversa da que veio a ser acolhida, quer arguindo a inconstitucionalidade desta última.»

Ainda que versando sobre situações processuais distintas, as questões de constitucionalidade decididas por estes acórdãos têm um sentido de problematicidade análogo ao suscitado pela questão em apreciação. Trata-se, em todos os casos, de apreciar a obrigatoriedade de audição do arguido quanto a uma reapreciação jurídica dos factos apurados, conducente à restrição (ou agravamento da restrição) do seu direito à liberdade.

O respeito pelas garantias de defesa constitucionalmente consagradas impõe que se dê ao arguido a oportunidade de contraditar o fundamento de uma decisão inovatória em relação a outra anteriormente tomada. De outro modo, não sendo colocado perante a eventualidade dessa decisão e convidado a sobre ela se pronunciar, o arguido pode ficar sujeito a uma medida que o apanha de surpresa, sem oportunidade de expor os seus pontos de vista e apresentar as suas razões em sentido contrário ao projectado.

Por isso mesmo, não releva o facto de que a especial complexidade do processo foi declarada pelo juiz, a quando do reexame periódico dos pressupostos da prisão preventiva a que se refere o artigo 213.º do CPP, e que os recorrentes tiveram ocasião - e usaram-na - de se pronunciar sobre a manutenção ou revogação da medida de coacção.

Como se escreveu no Acórdão 279/95, reportando uma orientação já perfilhada no Acórdão 173/92, "(...) um exercício eficaz do direito de defesa não pode deixar de ter por referência um enquadramento jurídico-penal preciso". Ora, a decisão tomada não se traduziu, nem na manutenção, nem na revogação, da medida de coacção; ela deu um novo conteúdo à medida de coacção a que o arguido estava sujeito, alterando substancialmente (em sentido desfavorável) o seu estatuto processual. De acordo com a estrutura dialéctica do processo, moldada pela sua matriz acusatória, era sobre a concreta possibilidade dessa alteração, e em função dela, que devia ter sido "dada voz" ao arguido. Só assim o direito de audição, como componente fundamental do direito de defesa, se efectivaria verdadeiramente e cumpriria o seu papel, de modo a satisfazer as razões que materialmente o justificam.

Também não dá satisfação bastante ao direito de defesa do arguido a possibilidade de recurso, em termos de este poder ser visto como um sucedâneo ou um perfeito equivalente funcional do direito de audição prévia, no mesmo plano e com idêntica eficácia garantística. Ainda que comungando da natureza comum de meios de defesa, cada um dos instrumentos tem uma missão específica a cumprir, insubstituível pela que ao outro cabe. O recurso é um remédio para algo que pode "estar mal", uma via de correcção de eventuais vícios da decisão recorrida - aqui, aliás, admitida em condições apertadas, dado o curto prazo de três dias para a sua interposição (artigo 123.º, n.º 1, do CPP). Mas o que sobremaneira interessa, como modo preferencial de preservação dos direitos dos sujeitos envolvidos, é que a decisão não contenha, logo em primeira instância, erros, in judicando, mas também in procedendo (cf., neste sentido, Cunha Rodrigues, "Recursos", Jornadas de direito processual penal. O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, 381 s., aqui 386-387).

E também não é por a decisão ser tomada numa fase de inquérito, em etapa preliminar do processo penal, que se justifica, neste ponto, uma qualquer "maleabilização" ou relativização do princípio do contraditório, que atenue, ou transfira para outros momentos processuais, a plenitude das exigências que dele estritamente decorrem.

Para remover, de imediato, esta ideia argumentativa, basta valorar, na justa medida, os efeitos da decisão em causa sobre a posição processual do arguido. A "especial complexidade do procedimento" é qualificação que, nos termos do n.º 3 do artigo 213.º do CPP, acarreta a elevação dos prazos de prisão preventiva. Por conseguinte, a decisão afecta-o pessoalmente, incidindo directamente no núcleo do seu direito fundamental à liberdade, pois é susceptível de provocar a extensão temporal de uma medida de coacção que o priva desse bem primário, sendo certo que, por imperativo constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), ele é presumido inocente. É quanto bonda para considerar que aqui se fazem sentir, de forma particularmente intensa, as razões garantísticas que dão suporte axiológico ao direito de audição, arredando qualquer justificação, no plano da legitimidade constitucional, de uma interpretação que a dispense.

Há a concluir que, para se adequar integralmente aos dados constitucionais pertinentes, a qualificação do procedimento como de "excepcional complexidade" deveria ter sido precedida da audição deste sujeito processual, de modo a assegurar a plenitude do seu direito de defesa.

A interpretação do artigo 215.º, n.º 4, do CPP no sentido de que essa audição não é obrigatória está, pois, ferida de inconstitucionalidade.

III - Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente, sem requerimento do Ministério Público;

b) Julgar inconstitucional a mesma norma, quando interpretada no sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional complexidade, esta não tem que ser precedida da audição do arguido, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;

c) Conceder provimento parcial ao recurso, determinando a reformulação do acórdão recorrido, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade constante da alínea b).

Sem custas.

Lisboa, 19 de Novembro de 2008. - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues (vencido quanto à apurada pronúncia, de inconstitucionalidade, nos termos da declaração anexa) - João Cura Mariano (vencido, pelas razões constantes de declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Os recorrentes argumentam que a dimensão normativa, em causa, viola o direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Antes de mais, importa relembrar que não cabe ao Tribunal Constitucional saber se essa interpretação corresponde ao melhor direito, imanente no texto legal, mas, apenas, se é não direito, por constitucionalmente insolvente.

Por outro lado, não poderá esquecer-se que a especial complexidade do procedimento foi declarada pelo juiz, a quando do reexame periódico dos pressupostos da prisão preventiva a que se refere o artigo 213.º do CPP, e que os recorrentes tiveram ocasião - e usaram-na - de se pronunciar sobre a manutenção ou revogação da medida de coacção.

Finalmente, é de notar que a sujeição do arguido à medida de coacção da prisão preventiva não corresponde a qualquer definição judicial de que a sua situação de privação da liberdade, apenas, ocorre durante o prazo mais curto, de entre os prazos máximos previstos nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP.

O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição contempla, como princípio material reclamado pelos princípios da dignidade humana e do Estado de direito democrático, a garantia de que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso".

Constitui entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência constitucional que esta fórmula condensa não só todas as garantias de defesa que estão contempladas nos demais números do mesmo artigo, como "também serve de cláusula geral englobadora de todas as garantias de defesa que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal" (cf. J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, p. 516).

Como notam os mesmos glosadores (op.cit., p. 516), "em todas «as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação", donde o preceito poder constituir "fonte autónoma de garantias de defesa", pelo inafastável comprometimento com o respeito pelos direitos fundamentais do arguido, postulado pelos referidos princípios da dignidade humana e do Estado de direito.

Quando referida ao direito de audição, a garantia de defesa do arguido tem um sentido correspondente ao do princípio do contraditório, que se encontra expressamente reconhecido no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição.

Numa formulação sintética, pode dizer-se que o princípio geral do contraditório implica que se dê a cada um dos sujeitos processuais a possibilidade de apresentarem as suas razões, oferecerem as suas provas, controlarem as provas oferecidas pelos outros sujeitos e pronunciarem-se sobre umas e outras.

No processo penal, e no que respeita ao arguido, o princípio do contraditório demanda que o mesmo seja ouvido sobre todas as situações factuais ou jurídicas em que o seu estatuto de arguido seja afectado e se lhe dê a oportunidade de se defender.

Mas o princípio do contraditório não impõe a adopção de qualquer arquétipo concreto de um instrumento jurídico ou de um direito, como sendo, unicamente, esse que desempenhe, constitucionalmente, a função de garantia de defesa.

É que existem momentos materiais processuais aos quais a Lei Fundamental conferiu uma expressão máxima e intangível do contraditório e outros em que não pode deixar de reconhecer-se "não existir um espartilho constitucional formal que não tolere certa maleabilização do contraditório" (cf. Acórdão 278/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

São exemplo do primeiro caso as situações do primeiro interrogatório judicial de arguido detido (artigo 28.º, n.º 1, da Constituição), em que o contraditório pode, até, limitar-se a uma tomada de posição oral do arguido perante o juiz, bem como o conhecimento ao arguido da acusação e da concessão da possibilidade de dela se defender (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), cujas directas prescrições têm assento constitucional, estando, assim, subtraídas às contingências de alguma indeterminabilidade interpretativa em face do princípio constitucional do contraditório.

Mas, como se refere no referido Acórdão 278/99, «a intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente para plasticizar o contraditório, sem prejuízo de a ele subordinar estritamente a audiência: aqui tem o princípio a sua máxima expressão (como decorre do n.º 5 do artigo 32.º citado), nessa fase podendo (e devendo) o arguido expor o seu ponto de vista quanto às imputações que lhe são feitas pela acusação, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas e pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa (cf. o acórdão deste Tribunal, n.º 352/98 e, ainda, inter alia, os n.º s. 133/92 e 172/92, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Julho de 1998, 24 de Julho e 18 de Setembro de 1992, respectivamente)», ou, dito de outra maneira, «ressalvado esse núcleo intocável - que impede a prolação da decisão sem ter sido dada ao arguido a oportunidade de "discutir, contestar e valorar" (parecer 18/81 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 16.º vol., pág. 154) - não existe um espartilho constitucional formal que não tolere certa maleabilização do exercício do contraditório (como, de resto, e ao menos implicitamente, se retira de certos arestos do Tribunal como, v. g., os n.º s. 1185/96 e 358/98, publicados no citado Diário 2.ª série, de 12 de Fevereiro de 1997 e 17 de Julho de 1998, respectivamente)».

Estamos, aqui, perante uma outra dimensão do princípio do contraditório, cujo conteúdo não é já fixado pela Lei fundamental, mas pelo legislador ordinário, embora, sempre, sujeito ao postulado constitucional de poder tomar conhecimento dos elementos que possam afectar o arguido e de ter possibilidade de se defender.

Foi, de resto, por este prisma que o legislador do actual CPP viu a questão relativa à elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, com base na declaração de especial complexidade do procedimento, até à alteração do artigo 215.º do CPP, levada a cabo pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto.

Na verdade, este preceito não previa, até então, a audição do arguido e, mesmo quando efectuada por ocasião do reexame oficioso periódico dos pressupostos da prisão preventiva, determinado no artigo 213.º, essa audição, apenas, estava prevista se o juiz a tivesse por necessária.

Ao mesmo tempo que procedeu a uma fixação de prazos máximos de prisão preventiva mais curtos do que acontecia até então, com base numa leitura do princípio da necessidade e da proporcionalidade diferentes da feita, anteriormente, o legislador da Lei 48/2007, pretendendo "introduzir maior clareza às situações em que, por força da complexidade processual, tal importe um alongamento da prisão preventiva dos arguidos", passou a determinar que a declaração de especial complexidade apenas poderia ser efectuada na 1.ª instância, com base em despacho fundamentado, "oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente".

Mesmo tendo o acórdão recorrido entendido não ter o juiz o dever de ouvir o arguido, acerca da matéria da eventual declaração da especial complexidade do procedimento quando a sua iniciativa seja oficiosa, não pode concluir-se, sem mais, saírem violados o princípio do contraditório e as garantias de defesa do arguido, contra a extensão temporal da prisão preventiva.

Antes de mais, importa notar que, tendo a decisão de constar de despacho fundamentado, ela dá a conhecer aos arguidos os pressupostos de facto e de direito, bem como a ponderação concretamente levada a cabo, com base na qual se concluiu pela declaração, bem podendo todos esses elementos ser refutados em recurso, que constitui, também, ele próprio, uma das garantias de defesa, com directo assento constitucional (cf. Acórdão 686/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Depois, sendo dada aos arguidos a possibilidade (concretizada) de se pronunciarem sobre a manutenção ou não da sua situação de prisão preventiva, por ocasião do reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, a que se refere o artigo 123.º do CPP - e quando esse momento, como foi o caso, coincida com o da declaração da especial complexidade do procedimento - não pode deixar de relevar-se esse instrumento como realizando, no essencial, o direito de audição, pois que lhes é possível, então, proceder ao exame de todos os pressupostos com base nos quais o juiz se possa vir a decidir pela declaração de especial complexidade.

Na verdade, não pode deixar de considerar-se que a declaração de especial complexidade do procedimento não tem a natureza de aplicação de uma nova medida de coacção ou de uma medida de agravamento da situação de prisão preventiva em que o arguido se encontra, mas se traduz, antes, "num especial reexame dos pressupostos de facto e de direito da prisão preventiva", em função dos prazos máximos previstos na lei para certo tipo de situações, sendo certo que, como já se disse, o decretamento judicial da prisão preventiva não se encontra enfeudado ao cumprimento específico, apenas, de um de qualquer dos grupos de prazos máximos de prisão preventiva, previstos no artigo 215.º do CPP.

Por fim, quer a admitida possibilidade de arguição de nulidade com base no alegado incumprimento do direito de audição, quer o direito de recurso da decisão judicial, onde se podem contraditar os fundamentos da decisão tomada, constituem, ainda, instrumentos de contraditório e momentos de realização de garantias de defesa, constitucionalmente relevantes.

Não estando o direito de audição, aqui em causa, abrangido pelo núcleo essencial das garantias de defesa, constitucionalmente definido, bem pode ele ser configurado pelo legislador ordinário nos termos acabados de apontar, já que o arguido continua a ter, sempre, a possibilidade de contraditar os factos considerados relevantes para a decisão e a debater a questão de direito. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto

Divergi da opinião que fez vencimento por entender que a Constituição não impõe que o arguido seja obrigatoriamente ouvido antes do juiz, oficiosamente, decretar a especial complexidade de um determinado processo penal.

O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., quando dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, utiliza uma cláusula geral que não só abrange todas as exigências garantísticas da posição processual do arguido em processo penal, contidas em alguns dos números deste artigo, como também engloba todas as garantias que, apesar de não se encontrarem aí explicitadas, são imprescindíveis para assegurar uma efectiva defesa da posição do arguido.

Entre estas garantias inominadas costuma ser apontado o chamado direito de audição (ou de audiência) do arguido antes de ser proferida decisão que pessoalmente o possa afectar de forma relevante.

Este direito, enquanto instrumento específico do direito de defesa do arguido, visa assegurar que não seja tomada nenhuma decisão que o afecte directa e pessoalmente de forma relevante (v. g. a aplicação de prisão preventiva), sem que este tenha a possibilidade de trazer ao conhecimento do tribunal todas as circunstâncias fácticas que lhe sejam favoráveis e que devam ser ponderadas nessa decisão.

Não se justifica assegurar este direito do arguido nos casos em que não seja possível ouvi-lo em tempo útil, ou em que o tipo de decisão em causa torne desnecessária a sua audição, uma vez que todos os elementos que devem ser ponderados estão à disposição do juiz, nada podendo o arguido acrescentar de novo.

Já quanto ao direito de audição prévia geral que assiste a todos os intervenientes processuais principais, incluindo o arguido, nos diferentes tipos de processos, incluindo o processo penal, e que lhes permite poder influenciar a decisão do juiz, decorre do modelo do processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P. Neste domínio deve entender-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de conformação, podendo restringir esse direito apenas às decisões mais importantes e decisivas, dispensando-o, relativamente às decisões interlocutórias e de conteúdo meramente processual, de forma a assegurar o cumprimento de outros princípios do processo equitativo, como o da celeridade e o da economia processual.

No presente caso, estamos perante uma decisão de qualificação de um processo penal comum como de especial complexidade.

Esta declaração tem como efeito a alteração de alguns pontos do regime do processo penal comum, contemplando a especial complexidade da causa, traduzindo-se, sobretudo, num alargamento de alguns prazos processuais e de duração de algumas medidas de coacção.

Pode dizer-se que, por decisão do juiz, o processo passa a ter uma forma especial, com regras específicas, que o distinguem do processo penal comum, sobretudo no que toca à duração de alguns prazos.

A declaração de especial complexidade tem as seguintes consequências no processo onde foi proferida:

O alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva, proibição e imposição de condutas e obrigação de permanência na habitação (artigos 215.º, 218.º, 200.º e 201.º, do C.P.P.);

A possibilidade de prorrogação dos prazos previstos nos artigos 78.º (contestação ao pedido civil), 287.º (requerimento para abertura de instrução) e 315.º (contestação da acusação), todos do C.P.P. (artigo 107.º, n.º 6, do C.P.P.);

A possibilidade de alargamento do limite do número de testemunhas (artigos 283.º, n.º 7 e 315.º, n.º 4, do C.P.P.)

A possibilidade de o juiz presidente mandar dar vista aos juízes adjuntos por prazo não superior a oito dias (artigo 314.º, n.º 3, do C.P.P.)

O alargamento do prazo para alegações e réplica na audiência de julgamento (artigo 360.º, n.º 3, do C.P.P.)

Destas consequências, apenas se pode considerar que é susceptível de afectar de forma relevante a posição do arguido, o alargamento dos prazos máximos de duração de medidas de coacção gravemente restritivas da liberdade, como é a prisão preventiva.

Na verdade, na hipótese de ter sido decretada a prisão preventiva, como sucedeu no presente caso, sendo declarada a especial complexidade do processo, o limite máximo do período em que o arguido pode estar preso preventivamente é superior àquele em que poderia estar, caso não tivesse sido emitida essa declaração.

É uma afectação meramente mediata e hipotética, uma vez que não resulta imediata e necessariamente da decisão do juiz o prolongamento da prisão preventiva do arguido, mas apenas a possibilidade desta se vir a prolongar por mais tempo do que era possível no regime comum.

Só este cariz mediato e hipotético da afectação que pode resultar para o arguido da decisão de declaração de especial complexidade de um determinado processo penal, é suficiente para colocar em dúvida sobre se neste caso existe uma obrigatoriedade constitucional do arguido ser ouvido antes do juiz, oficiosamente, proferir tal decisão.

Mas, neste tipo de decisão, acresce outra característica, que desfaz esta dúvida.

É que a declaração de especial complexidade é uma decisão de conteúdo meramente adjectivo, fundada apenas em factores objectivos processuais que coloquem uma dificuldade acrescida à tramitação comum prevista na lei, podendo essa dificuldade resultar do número elevado de arguidos ou de ofendidos, ou do carácter altamente organizado do crime em causa.

Não há, pois, neste caso, a possibilidade do arguido alegar circunstâncias que não sejam do conhecimento do juiz e que este deva ponderar na decisão a emitir.

Tudo está no processo.

A audição do arguido revela-se, pois, desnecessária, para assegurar o seu direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P.), uma vez que este não pode acrescentar nenhum elemento ou circunstância de facto que deva ser ponderada na decisão a proferir.

Quanto ao direito constitucional, decorrente do modelo do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P.), do arguido poder influenciar a decisão do juiz, argumentando quanto ao raciocínio jurídico a efectuar, e que assiste também aos demais intervenientes processuais principais em processo penal (Ministério Público e assistente), é evidente que esta decisão não é das mais importantes e decisivas no figurino do processo penal, uma vez que se limita a determinar a alteração de alguns pontos do regime do processo penal comum, atendendo à especial complexidade da causa, traduzindo-se, sobretudo, no alargamento de alguns prazos, incluindo os prazos gerais e abstractos da prisão preventiva.

Por estas razões entendemos que a interpretação normativa que permite ao juiz declarar, oficiosamente, a especial complexidade de um determinado processo penal, sem audição prévia do arguido, não viola nenhum parâmetro constitucional, nomeadamente o direito de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P.) e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P.) - João Cura Mariano.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1731586.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-09-06 - Decreto-Lei 377/77 - Ministério da Justiça

    Revê diversas disposições relativas à legislação de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 402/82 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Código de Processo Penal e legislação complementar e estabelece o regime de execução das penas e medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2024-09-10 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11/2024 - Supremo Tribunal de Justiça

    «O despacho previsto no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, com fundamento no disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, deve ser precedido, salvo em caso de ausência por facto que lhe seja imputável, de audição presencial do condenado, nos termos dos artigos 495.º, n.º 2, e 61.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código de Processo Penal, constituindo a preterição injustificada de tal audição nulidade insanável cominada no artigo 119.º, n. º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.»

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