de 24 de Março
Em nome da Nação, a Assembleia Nacional decreta e eu promulgo a lei seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
BASE I
Cabe ao Estado, institutos públicos, autarquias locais e organismos corporativos assegurar as condições de uma justa efectiva concorrência, com vista ao desenvolvimento económico e social do País, tendo em consideração a estrutura do mercado, a situação conjuntural, a concorrência externa e as demais circunstâncias de cada sector da economia.
BASE II
O Governo estimulará a racionalização das estruturas produtivas, mediante a concessão de benefícios fiscais ou por qualquer outra forma adequada, quando em determinado sector da economia se verifique uma situação concorrencial excessiva ou insuficiente.
BASE III
As obrigações impostas às empresas quanto aos processos que visem a maior segurança, higiene e salubridade das condições de trabalho e a protecção do ambiente, dos consumidores e do público em geral serão extensivas a todas as empresas do mesmo sector, nos termos a fixar em regulamento.
BASE IV
1. Sempre que em um ou mais sectores da actividade a evolução da produção e das trocas, as flutuações anormais ou a rigidez dos preços e a situação de preponderância das empresas levem a presumir que a concorrência se encontra sèriamente afectada, cumpre ao Governo ordenar inquéritos sectoriais, podendo para tanto exigir às empresas do sector em causa os elementos indispensáveis à apreciação da estrutura e comportamento do mercado, nomeadamente os acordos, decisões ou práticas concertados.2. A recusa de informações, ou a sua inexactidão, a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação de documentos serão punidas pelos tribunais ordinários com multa de 50000$00 a 1000000$00, salvo se, pela lei penal comum, lhes corresponder pena mais grave, que será a aplicável. No caso de mera negligência, a pena será a de multa de 5000$00 a 50000$00.
3. As sociedades respondem solidàriamente pelas multas, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957.
CAPÍTULO II
Das práticas restritivas da concorrência
BASE V
1. São consideradas práticas restritivas, para efeito da presente lei, as condutas isoladas ou concertadas, qualquer que seja a forma que revistam, de uma ou mais empresas, individuais ou colectivas, que impeçam, falseiem ou restrinjam, directa ou indirectamente, a concorrência efectiva no território do continente e ilhas adjacentes e consistam em:a) Fixar, directa ou indirectamente, um limite mínimo aos preços de venda, às margens de lucro do comprador ou a outras condições das transacções efectuadas no mesmo ou em diferentes estádios do processo de produção e comercialização;
b) Fixar, directa ou indirectamente, um limite máximo aos preços de compra, às margens de lucro do vendedor ou a outras condições das transacções efectuadas no mesmo ou em diferentes estádios do processo de produção e comercialização;
c) Restringir, por qualquer forma, a liberdade de outrem estabelecer os preços ou as condições comerciais nos contratos que celebre com terceiros, desde que essa restrição não tenha por fim a protecção de uma marca legalmente registada;
d) Recusar a venda ou a compra de bens e serviços, desde que a recusa tenha carácter discriminatório, por depender exclusivamente da pessoa do comprador ou do vendedor;
e) Aplicar, sistemática ou ocasionalmente, nas vendas ou nas compras, preços ou condições subsidiárias que, em igualdade de outras circunstâncias e independentemente das despesas de transporte, seguro e comercialização, variem conforme as pessoas com quem se realizam as transacções;
f) Subordinar a venda ou a compra de bens e serviços a uma dada quantidade ou à compra ou venda de outro ou outros bens e serviços, desde que essa subordinação, pela sua natureza ou pelos usos comerciais, não tenha ligação directa com a referida operação;
g) Limitar ou controlar a produção, o desenvolvimento técnico e os investimentos em prejuízo dos consumidores;
h) Repartir os mercados, produtos, clientes ou fontes de abastecimento;
i) Aproveitar posição de domínio total ou parcial do mercado para actuações lesivas da economia nacional, dos legítimos interesses dos concorrentes, quando os houver, ou dos consumidores.
2. Consideram-se igualmente práticas restritivas da concorrência as que como tal forem qualificadas pelas convenções ou acordos internacionais de que Portugal seja parte.
BASE VI
Sem prejuízo do disposto na base V, e apenas nos casos em que o justifiquem a promoção do progresso técnico ou económico ou as melhores condições de produção de bens e serviços, não são consideradas em si mesmas práticas restritivas para efeito da presente lei:a) Os casos em que uma empresa assegure ela própria o seu fornecimento e o escoamento da sua produção, quer directamente, por depósitos, filiais, sucursais, agências, delegações ou qualquer outra forma de representação permanente, quer indirectamente, por intermédio de sociedades dominadas que lhe reservam ou a que ela reserva a totalidade ou parte substancial da sua produção;
b) Os contratos ou acordos de exclusivo, de duração conforme aos usos comerciais, em que o concedente se obriga a não aceitar outro distribuidor na zona atribuída ao seu concessionário e este assume, em contrapartida, a obrigação da venda exclusiva dos produtos do seu fornecedor ou, pelo menos, se vincula a não vender produtos concorrentes;
c) Os acordos que tenham por objecto a aplicação uniforme de normas ou tipos;
d) Os acordos que tenham exclusivamente como objecto a investigação em comum de melhoramentos técnicos, cujo resultado seja proporcionalmente acessível a todas as partes;
e) Os acordos de compra ou venda em comum, quando contribuam para um melhoramento apreciável da produção ou distribuição do produto;
f) Os acordos de especialização, com vista a racionalizar a produção de certos produtos;
g) Os acordos entre exportadores, as decisões ou práticas de associações de exportadores visando a expansão do sector para os mercados externos, a defesa da qualidade ou do preço dos respectivos produtos;
h) Os casos em que as condutas referidas na base V sejam impostas ou autorizadas por lei ou regulamento do Governo.
BASE VII
Sem prejuízo do disposto na presente lei, se os factos mencionados na base V tiverem a natureza de delitos antieconómicos, nos termos do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957, deverá seguir-se o procedimento aí estabelecido.
CAPÍTULO III
Dos órgãos e do processo
BASE VIII
1. A investigação dos factos referidos na base V será efectuada secretamente pelo Conselho Superior de Economia, com a colaboração dos serviços de fiscalização da Inspecção-Geral das Actividades Económicas.2. O Conselho Superior de Economia será reorganizado de modo a poder desempenhar as funções que por esta lei lhe são cometidas.
3. As reuniões do Conselho serão presididas por entidade designada pelo Ministro da Economia e nelas participarão os presidentes das corporações e os delegados dos serviços dos Ministérios ou institutos públicos que superintendam nos sectores a que respeitarem os processos em causa.
4. O Conselho não reunirá com número inferior a cinco membros, cabendo ao presidente determinar a sua composição para cada caso e designar o relator.
5. As reuniões serão assistidas por um assessor jurídico, sem voto, designado pelo Ministro de entre doutores ou licenciados em Direito.
BASE IX
1. O Conselho promoverá a instrução oficiosamente ou a requerimento:a) Do Ministro da Economia ou Ministro que superintenda no sector a que respeitem as práticas restritivas;
b) Do presidente da corporação à qual estejam confiados os interesses do sector a que o processo respeite;
c) De quem seja titular de interesse directo, pessoal e legítimo.
2. O início da instrução será ordenado pelo presidente, não sendo para tanto necessária a reunião do Conselho.
3. São aplicáveis os artigos 11.º, 12.º, 17.º, 18.º e 19.º do Decreto-Lei 452/71, de 27 de Outubro, ao exercício das funções de investigação nos processos de que trata esta lei.
4. Sempre que, em virtude do exercício das suas funções, o Conselho tenha conhecimento de um facto constitutivo de crime ou infracção disciplinar, deverá dele dar notícia às autoridades competentes.
BASE X
1. O Conselho Superior de Economia não deliberará sem que àqueles a quem sejam imputadas as práticas restritivas seja dada a oportunidade de se defenderem, por escrito, salvo se o presidente entender necessária a sua audiência oral.2. Para o efeito previsto no número anterior, poderão as pessoas nele indicadas fazer-se representar por advogado e assistir por perito da sua escolha.
BASE XI
Se pela instrução se verificar a existência de qualquer das práticas restritivas a que se refere a base V, o Conselho fará notificar aquele ou aqueles a quem sejam imputáveis para adoptarem as providências indispensáveis à sua cessação ou à cessação dos seus efeitos, fixando um prazo não inferior a trinta dias para cumprimento da notificação.
BASE XII
1. Das deliberações do Conselho Superior de Economia, quando arguidas de ilegalidade, haverá recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo.2. As deliberações do Conselho deverão ser sempre fundamentadas, constar de acta, ser notificadas aos interessados e oficiosamente comunicadas ao Ministro da Economia.
BASE XIII
1. A falta de cumprimento das providências determinadas pelo Conselho Superior de Economia é punida com multa de 100000$00 a 10000000$00.2. No caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da multa são elevados ao dobro.
3. Ao pagamento das multas cominadas nesta base é aplicável o disposto no n.º 3 da base IV.
BASE XIV
1. A aplicação das penas previstas na base anterior compete aos tribunais criminais de Lisboa e do Porto.2. O tribunal não poderá apreciar a legalidade da deliberação do Conselho Superior de Economia que fixe as providências a adoptar pelos infractores, mas sòmente o incumprimento dessas providências.
3. O processo previsto nesta base seguirá, com as necessárias adaptações, os termos do processo de querela, sendo obrigatória a intervenção de um perito especializado.
4. Conjuntamente com a aplicação das penas que ao caso couberem, o tribunal declarará a ineficácia dos actos, contratos ou acordos que integrem as práticas restritivas imputadas aos arguidos.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
BASE XV
1. A presente lei não se aplica ao Estado e demais pessoas colectivas de direito público, salvo quando exerçam actividades de natureza comercial ou industrial reguladas pelo direito privado.2. O Conselho de Ministros, sob parecer do Conselho Superior de Economia, pode, por decreto fundamentado, declarar as disposições da presente lei temporàriamente inaplicáveis, no todo ou em parte:
a) A determinado sector da economia, caso nele se verifiquem graves perturbações estruturais;
b) À generalidade da economia, em caso de grave e prolongada recessão.
BASE XVI
1. É revogada a Lei 1936, de 18 de Março de 1936.2. Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar.
Marcello Caetano.
Promulgada em 16 de Março de 1972.
Publique-se.O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.