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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 2/2012, de 17 de Fevereiro

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Sumário

Uniformiza jurisprudência nos seguintes termos: O Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro, contém normas específicas relativamente ao regime de promoção do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, devendo, em consequência, o regime por ele estabelecido, designadamente no seu artigo 3.º, alínea b), in fine, ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras da Administração Pública previstas no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, concretamente a contida no seu artigo 17.º, n.º 2. (Processo n.º 903/10 - Pleno da 1.ª Secção)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2012

Processo 903/10 - Pleno da 1.ª Secção

Acordam, em conferência, no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

I - O reitor da Universidade do Porto dirigiu a este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de Junho de 2010 (fls.

154 e segs.), já transitado em julgado, que, revogando acórdão do TAF do Porto, julgou procedente a acção administrativa especial contra si intentada por Maria Fernanda Martins Borges, Professora Auxiliar com Agregação da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, identificada a fl. 3, anulando o despacho do ora recorrente, de 12 de Junho de 2006 (que indeferiu requerimento da A. a solicitar o seu posicionamento no 4.º escalão, índice 260, da categoria de Professora Auxiliar com Agregação, ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro), e condenando o ora recorrente a posicionar a Autora no 4.º escalão, índice 260, da categoria de Professor Auxiliar com Agregação, com efeitos reportados a 9 de Novembro de 2004.

Invoca a existência de contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com o decidido no acórdão do TCA de 9 de Outubro de 2003, proferido no processo 11515/02, igualmente já transitado, e do qual juntou cópia a fls. 172 e segs., questão que se reconduz a saber se a disciplina legal contida no artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, abrange a situação funcional remuneratória de um professor universitário em detrimento do regime estabelecido no Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, ou, por outras palavras, saber se o regime legal estabelecido neste último diploma deve ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras da Administração Pública previstas no Decreto-Lei 353-A/89.

Na alegação que acompanhava o requerimento de interposição de recurso, o recorrente formula as seguintes conclusões:

1 - No caso em apreço, entende-se que se verificam os pressupostos a que se refere o artigo 152.º, n.º 1, do CPTA.

2 - Efectivamente, existe contradição entre o acórdão em recurso e o acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal Central Administrativo.

3 - A questão fundamental de direito sub judice radica em saber se o Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, contém normas específicas relativamente ao regime de promoção do pessoal docente do ensino universitário e do ensino superior politécnico e de investigação científica, e assim saber se o regime por ele estabelecido deverá ou não ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras previstas no Decreto-Lei 353-A/89.

4 - Ocorreu o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamentado.

5 - O douto acórdão recorrido decidiu, erradamente, que a única especialidade do Decreto-Lei 408/89 se prende com as escalas salariais, procedendo a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas relativas.

6 - O douto acórdão fundamento, pelo contrário, decidiu que, embora a agregação não seja uma categoria da carreira docente, constitui uma categoria para efeitos remuneratórios, de acordo com o Decreto-Lei 408/89 e respectivo anexo. É inaplicável o disposto nos artigos 16.º e 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, porquanto os mencionados preceitos são aplicáveis às carreiras de regime geral ou outras em cujos estatutos ou diplomas reguladores do regime remuneratório inexistem normas especiais.

7 - Salvo melhor opinião de V. Exas., o douto acórdão recorrido violou aquele supra-referido normativo, considerando igual o desigual, não se podendo invocar o princípio da igualdade para o que não é igual à partida, isto é, não considerando os regimes salariais distintos.

8 - O acórdão impugnado está em desconformidade com a jurisprudência consolidada do STA, 9 - Pelo que se deve anular o acórdão impugnado e substituí-lo.

II - A recorrida não contra-alegou, e o Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, nada disse.

Fundamentação

Os Factos

O acórdão recorrido considerou provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos já fixados na 1.ª instância:

A) A A. é professora auxiliar com agregação da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

B) A A., no dia 9 de Novembro de 2004, tomou posse na referida categoria, tendo sido posicionada no 3.º escalão, índice 250, da categoria de professor auxiliar.

C) A A. encontrava-se anteriormente posicionada no 4.º escalão, índice 245, da referida categoria.

D) A. A. através de requerimento datado de 18 de Maio de 2006, dirigido ao Reitor da Universidade do Porto, solicitou fosse posicionada no 4.º escalão, índice 260, da categoria de professor auxiliar com agregação, com efeitos reportados a Dezembro de 2004. - cfr. P. A. que não se encontra numerado.

E) No dia 6 de Junho de 2006 foi exarada informação na qual foi proposto o indeferimento do requerimento supra aludido. - cf. fl. 10 dos autos.

F) No dia 12 de Junho de 2006 foi elaborada informação pelo Director de Serviços da Universidade do Porto na qual foi proposto o indeferimento do referido requerimento. - cf. doc. de fls. 11 a 13 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas.

G) Sobre a referida informação aludida em E) foi exarado, em 12 de Junho de 2006, pelo reitor da Universidade do Porto, o seguinte despacho: «Concordo» - (acto impugnado) - cf. fl. 10 dos autos.

H) A A. foi notificada do aludido despacho através de ofício datado de 22 de Junho de 2006. - cf. fl. 9 dos autos.

O Direito

O recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, a interpor no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido, tem os seguintes requisitos de admissibilidade:

Existir contradição entre acórdão do TCA e acórdão anterior do mesmo Tribunal ou do STA,... sobre a mesma questão fundamental de direito;

Ser a petição de recurso acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada à decisão recorrida.

Por outro lado, e nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Vejamos então.

O acórdão sob recurso, revogando acórdão do TAF do Porto, julgou procedente a acção administrativa especial intentada por Maria Fernanda Martins Borges, Professora Auxiliar com Agregação da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, anulando o despacho do ora recorrente Reitor da Universidade do Porto, de 12 de Junho de 2006 (que indeferiu requerimento da A. a solicitar o seu posicionamento no 4.º escalão, índice 260, da categoria de Professora Auxiliar com Agregação, ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro), e condenando o ora recorrente a posicionar a Autora no 4.º escalão, índice 260, da categoria de Professor Auxiliar com Agregação, com efeitos reportados a 9 de Novembro de 2004.

O recorrente identifica, na respectiva alegação, a questão de direito sobre a qual entende existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, e sobre a qual pede a emissão de pronúncia uniformizadora:

saber se o Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, contém normas específicas relativamente ao regime de promoção do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, e, em consequência, se o regime por ele estabelecido, designadamente no seu artigo 3.º, deverá ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras da Administração Pública previstas no Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, concretamente as contidas no seu artigo 17.º Cabe, antes do mais, apurar se os acórdãos em confronto emitiram, sobre a questão de direito assim enunciada, pronúncias contraditórias.

E a resposta não pode deixar de ser positiva.

Com efeito, e fundamentando a anulação do despacho reitoral impugnado, afirma-se, a tal propósito, no acórdão recorrido:

«Em suma, sendo aplicável aos professores universitários o artigo 1.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, atendendo a uma regra de interpretação segundo parâmetros de equidade dentro do sistema retributivo de referência, a integração da recorrente na sequência da promoção deve ser feita em escalão de categoria a que corresponda um índice não inferior a 10 pontos relativamente àquele a que teria direito.

[...] Foi pois violado o artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aplicável ao pessoal docente abrangido pelo Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro.» Em situação de todo similar, e sobre a mesma matéria, afirmou o acórdão fundamento:

«A disciplina contida no artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, não abrange nem regula a situação funcional remuneratória de um professor universitário já que para este foi contemplado pelo Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, um regime especial, especialidade que, de resto, já se salvaguardava no n.º 4 do artigo 43.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, e no n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Setembro, instituidores do novo sistema retributivo geral da função pública (NSR).

[...] E não resulta de qualquer interpretação sistemática dos diplomas em causa a vontade inequívoca do legislador de aplicar o artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, ao pessoal docente universitário e restantes abrangidos pelo Decreto-Lei 408/89, de 18 de NovembroAssente a contradição de julgados - pois que à mesma questão de direito, perante situações de facto idênticas, e no âmbito do mesmo quadro normativo, foi dada solução jurídica oposta -, importa então decidir o conflito de jurisprudência, procedendo a um novo julgamento da questão (judicium rescisorium) que substituirá a decisão impugnada - n.º 6 do artigo 152.º do CPTA.

Para melhor enquadramento da questão em causa, justifica-se, antes do mais, um sucinto apontamento dos diplomas legais cuja aplicação aqui se discute, em ordem a detectar a vontade legislativa, que se presume correctamente expressa.

O Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, veio proceder ao desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, definidos no Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, conforme o previsto no artigo 43.º deste último diploma.

No seu artigo 1.º, sob a epígrafe «Objecto», dispõe-se que «O presente diploma estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas», prevendo-se nos artigos 27.º a 29.º que serão fixadas em decreto regulamentar ou em legislação própria a regulamentação das carreiras e cargos não abrangidos por este diploma e as estruturas remuneratórias dos corpos especiais e das carreiras de regime especial nele igualmente não previstas.

E, relativamente às regras de promoção, dispõe o artigo 17.º:

«Escalão de promoção

1 - A promoção a categoria superior da respectiva carreira faz-se da seguinte forma:

a) Para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção;

b) Para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponde o índice superior mais aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1.

2 - Sempre que do disposto no número anterior resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se no escalão seguinte da estrutura da categoria.» Apenas um mês depois, foi publicado o Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, que, com um preâmbulo idêntico ao do anterior diploma (apenas divergente no que toca às carreiras visadas), dispõe no seu artigo 1.º, sob a epígrafe «Objecto», que «O presente diploma estabelece regras sobre o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica e aprova as escalas salariais para o regime de dedicação exclusiva das mesmas carreiras, constantes, respectivamente, dos anexos n.os 1, 2 e 3, que fazem parte integrante do presente diploma.» E, relativamente às regras de promoção, dispõe o artigo 3.º:

«Escalão de promoção

A promoção a categoria superior da respectiva carreira faz-se da seguinte forma:

a) Para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção;

b) Para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponda o índice superior mais aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1, ou para o escalão seguinte, sempre que a remuneração que caberia em caso de progressão na categoria fosse superior.» Ao decidir pela aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, o acórdão recorrido começou por reconhecer que «Tal como nos anteriores diplomas regulamentares do descongelamento dos escalões, o Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, reporta as regras que contém ao disposto no Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, pelo que, excluindo este as carreiras do regime especial, é aquele diploma regulamentar inaplicável às carreiras especiais naqueloutro previstas», e também que, apesar do estatuído no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, «é o próprio artigo 28.º do Decreto-Lei 353-A/89 que prevê que as escalas salariais dos corpos especiais são fixadas em legislação própria, sendo que o artigo 16.º, n.º 2, alínea d), considera integradas nos corpos especiais as carreiras docentes», concluindo que «Ora, considerando o dispositivo legal acabado de referir, interpretando literalmente o preceito, a carreira docente não está abrangida pela regra geral da diferença mínima de 10 pontos. É o que o princípio jurídico da especialidade imporia (uma vez que o grupo de funcionários em questão possui estatuto próprio).

Logo, porém, considerou que, face ao disposto no Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril (diploma que deu execução à última fase do descongelamento de escalões prevista no Decreto-Lei 353-A/89, estabelecendo ainda regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras), o artigo 1.º diz ser aplicável, no que se refere à matéria de descongelamento de escalões, às carreiras de regime geral e especial e aos corpos especiais, com excepções ali especificadas que, porém, não abrangem os docentes do ensino superior universitário ou politécnico, «parece ser efectivamente de aplicar a regra geral da diferença de 10 pontos percentuais», concluindo que, «sendo aplicável aos professores universitários o artigo 1.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, atendendo a uma regra de interpretação segundo parâmetros de equidade dentro do sistema retributivo de referência, a integração da recorrente na sequência da promoção deve ser feita em escalão de categoria a que corresponda um índice não inferior a 10 pontos relativamente àquele a que teriam direito.» Ou seja, o acórdão recorrido entendeu que o conteúdo do artigo 1.º do Decreto-Lei 61/92 era decisivo no sentido de afastar o sentido literal do citado artigo 28.º do Decreto-Lei 353-A/89, considerando que aquele preceito, «ao não incluir nas excepções referidas as carreiras de regime especial reguladas pelo Decreto-Lei 408/89, o referido diploma incorpora motivo adicional para a aplicação ao caso vertente da regra geral prevista no artigo 17º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89».

Não sufragamos tal entendimento.

Atendendo ao disposto no artigo 9.º do C. Civil, o elemento gramatical ou texto da lei é o ponto de partida da interpretação e tem, desde logo, uma função negativa, qual seja a de delimitar e afastar aqueles sentidos que não tenham na letra da lei qualquer apoio ou um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expressa.

Mas a letra da lei tem também uma função positiva: no caso de o texto legal comportar apenas um sentido, é esse o sentido da norma; se acaso as normas comportam mais do que um significado, deve optar-se pelo sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas e, designadamente, ao seu significado técnico-jurídico, com a presunção do n.º 3 do artigo 9.º do C. Civil, de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Só perante uma inegável insuficiência deste elemento de interpretação (elemento literal) para uma correcta interpretação do sentido da norma, haverá então que convocar o elemento racional, através de outros factores hermenêuticos, designadamente o histórico, o sistemático e o teleológico, em ordem a detectar subsídios de conforto de um dos sentidos literais atrás evidenciados.

Trata-se, então, de reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

Ora, relativamente à situação dos autos, cremos que o comando legal é suficientemente claro no sentido da não aplicação aos docentes do ensino universitário do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, justamente porque o Decreto-Lei 408/89, publicado um mês depois daqueloutro, regula de forma diversa o estatuto remuneratório e o regime dos escalões de promoção para as carreiras do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, desse modo se assumindo como lei especial face ao regime geral consignado naquele primeiro diploma para os funcionários e agentes da Administração Pública.

Os dois diplomas - publicados com um intervalo de apenas um mês, e assumindo ambos o objectivo de proceder ao desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais em matéria de emprego público estabelecidos no Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, conforme previsto no seu artigo 43.º - começam por incluir um preâmbulo cuja introdução é quase integralmente igual, apenas divergindo justamente no que toca às carreiras visadas em cada um deles.

Ambos os preâmbulos referem:

«O Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, definiu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, circunscrevendo-se nuclearmente à reforma do sistema retributivo, no sentido de lhe devolver coerência e de o dotar de equidade, quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego em geral.

Nos termos do artigo 43.º daquele diploma, há que proceder ao desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais nele contidos, designadamente em matéria salarial, objectivo que se cumpre através do presente diploma.» O preâmbulo do Decreto-Lei 408/89 acrescenta a este último parágrafo a seguinte expressão: «[...] para as carreiras do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico, bem como para o pessoal da carreira de investigação científica.» Por outro lado, os artigos 27.º e 28.º do Decreto-Lei 353-A/89 são claros ao prever a regulamentação por decreto regulamentar das carreiras e cargos não abrangidos por aquele diploma, e a fixação em legislação própria das escalas salariais dos corpos especiais.

Para além disso, e no que toca ao conteúdo das respectivas estatuições, não é verdade, como considerou o acórdão recorrido, que a única especialidade do Decreto-Lei 408/89 se cinja às escalas salariais, pois que logo no seu artigo 1.º («Objecto») se prescreve que o diploma, para além da aprovação das escalas salariais, «estabelece regras sobre o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica».

E acresce, decisivamente - ainda por cotejo comparativo dos dois diplomas - que o artigo 3.º do Decreto-Lei 408/89 tem uma estrutura e uma redacção similares à do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, sendo aliás igual a respectiva epígrafe («Escalão de promoção»), o que conforta a tese de que, visando objectivos gerais idênticos (fixados no Decreto-Lei 184/89), os dois diplomas têm um âmbito de normação autónoma na parte em que o respectivo conteúdo diverge, justamente o questionado n.º 2 daquele artigo 17.º («Sempre que do disposto no número anterior resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se no escalão seguinte da estrutura da categoria.»), não incluído no artigo 3.º do Decreto-Lei 408/89, nem salvaguardada neste a sua aplicação, antes substituído neste diploma pelo segmento final deste artigo 3.º («[...] ou para o escalão seguinte, sempre que a remuneração que caberia em caso de progressão na categoria fosse superior.»).

Ou seja, estamos perante dois diplomas, publicados no espaço de apenas um mês, prosseguindo objectivos idênticos, mas em que um estabelece o regime geral sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública (Decreto-Lei 353-A/89) e outro define o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica (Decreto-Lei 408/89), ambos contendo regras específicas sobre o regime e os escalões de promoção, e em que os dois preceitos correspondentes, relativos aos escalões de promoção, e com uma estrutura descritiva similar, divergem quanto a um aspecto específico: a salvaguarda, em caso de promoção, de um impulso salarial não inferior a 10 pontos, prevista no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, e não prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei 408/89 que consagra, por seu turno, a salvaguarda da promoção para o escalão seguinte ao consignado na parte inicial da alínea b) «sempre que a remuneração que caberia em caso de progressão na carreira fosse superior».

A adopção desses dois regimes específicos de salvaguarda em preceitos correspondentes outro sentido não pode ter do que a aplicabilidade do regime contido no artigo 3.º, alínea b), in fine do Decreto-Lei 408/89 às carreiras por ele contempladas, com natural exclusão da regra de regime geral prevista no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89.

Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, não vemos que o artigo 1.º do Decreto-Lei 61/92, diploma que rege sobre descongelamento de escalões, pela circunstância de não excepcionar a sua aplicabilidade às carreiras e aos corpos especiais, forneça subsídios, muito menos em termos decisivos, no sentido de afastar o sentido literal do artigo 28.º do Decreto-Lei 353-A/89, considerando que, «ao não incluir nas excepções referidas as carreiras de regime especial reguladas pelo Decreto-Lei 408/89, o referido diploma incorpora motivo adicional para a aplicação ao caso vertente da regra geral prevista no artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89».

O Decreto-Lei 61/92 é um diploma de descongelamento de escalões que não conflitua com o regime de promoção e de escalões anteriormente fixado nos dois aludidos diplomas.

Consideramos, pois, como correcta a posição sufragada pelo acórdão fundamento, e sustentada pelo recorrente, no sentido da não aplicação à A., ora recorrida, da regra contida no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, pois que à mesma se aplica o regime especial consagrado no citado Decreto-Lei 408/89, concretamente a regra do artigo 3.º, alínea b), in fine, considerada lei especial aplicável aos docentes universitários, especialidade que, aliás, e como bem sublinha o acórdão fundamento, já estava salvaguardada no n.º 4 do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, e no n.º 1 do artigo 28.º do próprio Decreto-Lei 353-A/89.

Resta acrescentar que, como se deixou já assinalado, o Decreto-Lei 408/89 não contém qualquer referência ao dito artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, ou em geral ao próprio diploma, estando em causa simplesmente um diferente estatuto remuneratório com regras próprias constantes dos anexos integrantes do diploma.

Posição que, aliás, e ainda que de forma indirecta, foi aflorada pelo acórdão deste STA de 1 de Julho de 1998, proferido no Rec. 40.748, o qual, versando embora a questão de a agregação constituir ou não uma categoria para efeitos remuneratórios, emitiu pronúncia no sentido de à recorrente «ser atribuído o primeiro escalão índice 285, como resulta claramente da alínea b) do artigo 3.º do Decreto-Lei 408/89», sem qualquer referência à regra do artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89.

Diga-se, por fim, que este entendimento em nada afronta o princípio da igualdade, pois que a discriminação proibida pelo texto constitucional, mesmo a reportada à actividade legislativa (proibição do arbítrio legislativo), não contempla situações diferenciadas e desiguais, como é a de diferentes regimes de promoção previstos para carreiras diferentes.

Tal violação só poderia afirmar-se se a discriminação de regime se reportasse a pessoas inseridas na mesma carreira, caso em que essa diversidade de regime implicaria então discriminação injustificada ou arbitrária por via legislativa.

Procedem assim as alegações do recorrente, não podendo manter-se o acórdão recorrido, por errada aplicação das normas citadas.

Decisão

Com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência:

a) Anular a decisão impugnada (artigo 152.º, n.º 6, do CPTA);

b) Uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

O Decreto-Lei 408/89, de 18 de Novembro, contém normas específicas relativamente ao regime de promoção do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, devendo, em consequência, o regime por ele estabelecido, designadamente no seu artigo 3.º, alínea b), in fine, ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras da Administração Pública previstas no Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, concretamente a contida no seu artigo 17.º, n.º 2.

Sem custas neste STA, e custas nas instâncias a cargo da Autora.

Publique-se, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do CPTA.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2011. - Luís Pais Borges (relator) - Rosendo Dias José - José Manuel da Silva Santos Botelho - Américo Joaquim Pires Esteves - Jorge Manuel Lopes de Sousa - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho - António Bernardino Peixoto Madureira - Jorge Artur Madeira dos Santos - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - António Bento São Pedro - António Políbio Ferreira Henriques - Fernanda Martins Xavier e Nunes.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2012/02/17/plain-289389.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/289389.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-06-02 - Decreto-Lei 184/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece principios gerais de salários e gestão de pessoal da Função Pública.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-16 - Decreto-Lei 353-A/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.

  • Tem documento Em vigor 1989-11-18 - Decreto-Lei 408/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Define o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica.

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto-Lei 61/92 - Ministério das Finanças

    Estabelece as regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras e dá execução a última fase do descongelamento de escalões prevista no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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