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Acórdão 25/2010, de 30 de Março

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 130/94, de 19 de Maio), enquanto exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, mesmo quando o lesado não seja o detentor do veículo ou o tomador do seguro e não lhe tenha sido imputada culpa na produção do acidente (Processo n.º 991/07) .

Texto do documento

Acórdão 25/2010

(a data deste Acórdão é a que decorre da rectificação efectuada pelo Acórdão n.º

43/2010)

Processo 991/07

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - Arlindo da Silva Ribeiro instaurou acção ordinária contra Companhia de Seguros Axa Portugal, SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 12.155.845$00, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação de que foi vítima em Espanha devido ao despiste, em consequência de o piso se encontrar escorregadio, do veículo de matrícula 26-78-FR, por si conduzido, sob as ordens e direcção de Filipetur - Viagens e Turismo Lda., que era proprietária do mesmo e tinha a responsabilidade civil transferida para a

ré.

A acção foi julgada parcialmente procedente por sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de (euro) 10.973,54, sendo (euro) 9.975,95, referente a lucros cessantes, e (euro) 997,95 de despesas de tratamento. Quanto aos danos não patrimoniais entendeu-se que os mesmos não estavam cobertos pela garantia do seguro

contratado com a ré.

2 - Da sentença recorreram autor e ré, tendo a Relação decidido julgar procedente a apelação da ré Axa Portugal, revogando parcialmente a sentença e fixando a indemnização a pagar pela ré ao autor em (euro) 1.995,20, e julgar improcedentes as apelações do autor (do despacho saneador que conheceu da prescrição do direito de indemnização do autor relativamente à interveniente "Filipetur" e da sentença final).

Deste aresto interpôs o autor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de fls. 408 a 415, negou a revista, com os seguintes fundamentos:

"[...]

7.º Na segunda questão, considera o recorrente que é terceiro relativamente ao acidente, por estar abrangido pela prescrição do artigo 504.º, n.º 1.

À face dos autos constata-se que a interveniente "Filipetur", enquanto proprietária do veículo acidentado, havia celebrado com a recorrida "Axa" dois contratos de seguro, sendo um de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 07-40-30660 e outro de acidentes pessoais, abrangendo os ocupantes, incluindo o condutor, do veículo 26-78-FR, titulado pela apólice n.º 07-22-605885.

Esse veículo era, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo apuradas, conduzido pelo recorrente por conta da dita tomadora dos seguros.

Estipula o artigo 504.º, n.º 1 que "a responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas".

"Terceiro", em matéria de acidente de viação é todo aquele que possa imputar a

responsabilidade de evento a outrem.

Na categoria de terceiros deve ser incluído a condutor que não tenha a direcção efectiva do veículo nem o utilize no seu próprio interesse, mas apenas como comissário (Cf. Vaz Serra, R. L. J. 102.º, 28 e ac. S.T.J. de 25/02/75, B. M. J., 244.º, 269).

No entanto, o conceito de "terceiro" sofre das excepções contidas no artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31/12, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 130/94, donde resulta, "ex vi" do n.º 1 que se encontram excluídos da garantia do seguro as lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro.

A Directiva do conselho de 14/05/90 (n.º 90/232/CEE) estabelece no seu artigo 1.º que o seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor, o que implicou a nova redacção ao citado artigo 7.º, pelo dito Decreto-Lei 130/94, de 19/05 que transpôs tal Directiva para a ordem

jurídica portuguesa.

Os danos sofridos pelo recorrente derivaram de lesões corporais, sendo certo que, como se disse, o artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85 (diploma que institui o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) exclui da garantia do seguro os danos dessa natureza derivados para o condutor do veículo.

Entende o recorrente, que a exclusão do âmbito da cobertura do seguro dos danos sofridos pelo mesmo, condutor do FR, prevista no indicado normativo, foi implicitamente revogada pela alteração da redacção do artigo 504.º do Cód. Civ., efectuada pelo Decreto-Lei 14/96, de 06/03.

Contudo, a alteração operada (em ordem a adequar o direito interno à referida Directiva Comunitária n.º 90/232/CEE) limitou-se a incluir no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel as pessoas transportadas quer haja culpa do condutor quer haja responsabilidade pelo risco.

Não consta do artigo 504.º que os danos sofridos pelo próprio condutor estejam abrangidos pela cobertura do seguro, lembrando-se que a Directiva determinou apenas que o seguro devesse cobrir a responsabilidade por danos de todos os passageiros, com excepção dos padecidos pelo condutor do veículo.

Consequentemente, e até porque não é terceiro para efeitos da aplicação do regime estabelecido nos apontados arts 504.º e 7.º, não assiste ao recorrente o direito a ser indemnizado pelos danos corporais decorrentes das lesões ao abrigo do seguro de responsabilidade de titulado pela apólice 07-40-30660, por não se incluírem na sua

cobertura.

8.º Responde o recorrido apenas pelos danos abrangidos pelo seguro facultativo de acidentes pessoais (ocupantes e condutor do veículo FR) celebrado com a chamada "Filipetur", nos termos e pelo montante fixado no acórdão da Relação, o que aqui não é

questionado, concluir-se.

9.º Prende-se a última questão com a alegada inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85 por ofensa do disposto nos arts 9.º, al d), 13.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, 18.º, n.os 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da

CRP.

Expressa-se nestas normas o seguinte:

Artigo 9.º, al. d): É tarefa fundamental do Estado "promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais".

Artigo 13.º, n.º 1: "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais

perante a lei".

Artigo 16.º, n.º 2: "os preceitos constitucionais ilegais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos

Direitos do Homem";

Artigo 18.º, n.º 1: "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas;

N.º 2: "A lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos da constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário parta salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos";

Artigo 20.º, n.º 4: "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo";

Artigo 25.º, n.º 1: "A integridade moral e física das pessoas é inviolável".

10.º Não justifica recorrente a razão pela qual considera que a interpretação dada ao artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 522/85 no acórdão recorrido viola as indicadas

disposições constitucionais.

Como vimos, a Relação no respeito pelo postulado no artigo 9.º do Cód. Civ, atribui à norma do citado artigo 7.º, n.º 1 o sentido que resulta claramente do seu texto e que esteve na mente do legislador, isto é, que nele se prevê a exclusão da garantia do seguro dos danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo

seguro.

Decidiu-se, em consequência, que baseando-se a indemnização reclamada à recorrida, em danos corporais causados ao recorrente, condutor do veículo, estávamos mesmo fora do âmbito do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil contratado.

11.º Não se vê que a interpretação operada pelo tribunal recorrido ao referido artigo traduza, por qualquer forma, infracção das regras e princípios consagrados na lei Fundamental, designadamente, o direito à vida e integridade pessoal, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e os princípios da igualdade e da proporcionalidade

invocados.

12.º Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso, não merecendo reparo o

acórdão recorrido.

III - Decisão. - Atento o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de

revista.

Custas pelo recorrente.»

3 - O autor interpôs recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, com fundamento nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro [cf. requerimento de fls. 425].

Na sequência da resposta do recorrente [cf. fls. 430/431] a convite que lhe foi formulado ao abrigo do artigo 75.º-A da LTC, o relator proferiu o despacho de fls.

435, do seguinte teor:

"Nada tendo o recorrente dito, no requerimento de interposição do recurso ou na resposta ao convite formulado ao abrigo do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, que possa justificar a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º desta lei, o recurso apenas prossegue, sem prejuízo de questões obstativas que venham a ser suscitadas, ao abrigo da aliena b) do n.º 1 do artigo 70.º para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo

Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio).

Com esta delimitação, notifique para alegações."

4 - Apenas alegou o recorrente, sustentando as seguintes conclusões:

"1.º O presente recurso foi admitido no Tribunal Constitucional tendo o seu objecto sido delimitado, pelo que prossegue apenas ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, para apreciação da constitucionalidade da interpretação e aplicação da norma do artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada

pelo Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio.

2.º O ora recorrente invocara a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, nas suas alegações e conclusões no recurso de revista, e que expressamente se invoca de novo, uma vez que o acórdão recorrido partilha a linha de orientação do Acórdão da Relação do Porto de 23 de Janeiro de 2007 relativamente aos preceitos constitucionais dos arts. 9.º, alínea b); 13.º, n.º 1; 16.º, n.º 2; 18.º; 20.º, n.º 4; 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição da

República Portuguesa (CRP).

3.º O ora recorrente propusera acção ordinária de responsabilidade civil por acidente de viação no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, que correu termos na 1.ª Secção, como Processo 141/2002, contra a AXA Portugal Companhia de Seguros,

SA, ora recorrida.

4.º Os factos dados como provados, e que constam dos autos, encontrando-se resumidos nas presentes alegações, excluem a responsabilidade do autor, ora

recorrente, relativamente ao acidente.

5.º O ora recorrente propôs a referida acção contra a AXA por a FILIPETUR ter transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação causado pela utilização de veículo para esta Companhia de Seguros, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 07-40-30660, vigente à data do acidente.

6.º A mesma FILIPETUR também transferira a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação, causados aos ocupantes para a mesma Companhia de Seguros, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 07-22- 605885.

7.º Após a contestação da ora 1.ª recorrida, AXA Portugal - Companhia de Seguros, SA, o ora recorrente requereu a intervenção provocada da ora 2.ª recorrida, a "FILIPETTJR - Viagens e Turismo, Lda.".

8.º A sentença de 31 de Agosto de 2006, notificada a 5 de Setembro de 2006, julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando a ré "AXA Portugal - Companhia de Seguros, SA", ora 1.º recorrida, ao pagamento da quantia global de 10.973,54 euros, correspondentes à soma dos valores do limite da garantia do seguro (9.975,95 euros) e do limite do seguro contratado com esta (997,59 euros),

absolvendo do demais peticionado contra si.

9.º O ora recorrente e a ora 1.ª recorrida interpuseram recurso de apelação, tendo apresentada as respectivas alegações e contra-alegações.

10.º O Tribunal da Relação do Porto por Acórdão de 23 de Janeiro de 2007, veio julgar a matéria de prescrição do direito do A. relativamente à ora 2.ª recorrida, tendo julgado procedente a excepção invocada em recurso do despacho saneador e acordou-se em julgar procedente a apelação da ora 1.ª recorrida, revogar parcialmente a sentença recorrida; fixar em 1.995,20 euros a indemnização a pagar pela R. ao A.; e

julgar improcedente a apelação do A.

11.º Não se conformando com o acórdão, o ora recorrente interpôs recurso de revista sendo as seguintes as questões a saber: se não prescrevera o direito de indemnização relativamente à interveniente, ora 2.ª recorrida; se o recorrente era "terceiro" para efeitos do n.º 1 do artigo 504.º do CC; se acórdão seria nulo por omissão de pronúncia e se seria inconstitucional a interpretação dada pelo acórdão ao n.º 1 do artigo 7.º do

Decreto-Lei 522/85.

12.º O acórdão recorrido, o Acórdão do STJ de 20/09/2007, negou provimento ao

recurso de revista.

13.º O presente recurso versa sobre uma das questões suscitadas no acórdão recorrido, a de saber se seria inconstitucional a interpretação e aplicação do artigo 7.ºº, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, por ofensa dos preceitos constitucionais dos arts. 9.º, alínea d); 13.º, n.º 1; 16.º, n.º 2, 18.º n.º 1 e 2; 20.º, n.º 4;

24, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da CRP.

14.º A aplicação destes preceitos constitucionais não é feita plenamente no caso sub

judice.

15º O artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85 exclui do âmbito do seguro as lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro.

16.º O ora recorrente entende que a interpretação literal dessa norma não é que melhor

respeita a nossa Constituição.

17.º Entende o ora recorrente que a exclusão das lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro da garantia de seguro foi implicitamente revogada pela redacção dada ao artigo 504.º, n.º 1 do CC pelo Decreto-Lei 14/96, de 6 de

Março.

18.º O conceito de terceiro constante do preceito supra enunciado é mais lato pois terceiro, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que pode imputar a responsabilidade do evento a outrem, devendo também incluir-se nesta categoria o condutor que não tenha a direcção efectiva do veículo nem o utilize no seu próprio

interesse, mas apenas como comissário.

19.º O acidente não foi produzido por evento imputável ao condutor, ora recorrente, a terceiros ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, mas às condições do piso escorregadio pela existência de óleo na estrada e queda das

primeiras chuvas.

20.º Está excluída a aplicação da norma do artigo 505.º do CC, sendo aplicáveis os preceitos dos arts. 503.º, n.º 1 e 3, 504.º, n.º 1 do CC.

21.º Sendo de excluir a responsabilidade do condutor, cuja responsabilidade é garantida no artigo 8.º do Decreto-Lei 522/85, deverá este ser indemnizado ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 nesse decreto-lei, sendo afastado o artigo 7.º, n.º 1 do mesmo diploma legal por verificação dos requisitos do artigo 504.º do CC.

22º Se não se interpretasse a norma do artigo 7.ºº, n.º 1 dessa forma, o condutor lesado excluído da categoria de terceiro do artigo 504.ºº do CC, pela exclusão do artº primeiramente citado, não veria qualquer dos seus direitos constitucionalmente protegidos nem veria ressarcidas a suas lesões corporais por não lhe ser aplicável o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.

23.º A limitação do âmbito do seguro automóvel conjugada com a limitação da legitimidade passiva prevista no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 522/85, que originou que a acção fosse inicialmente proposta contra a seguradora, também deixariam o ora recorrente desprotegido, nomeadamente a nível indemnizatório.

24.º A ora 1.ª recorrida invocou os limites do contrato de seguro para delimitar a sua responsabilidade pelo que o ora recorrente, que sabia unicamente o n.º do contrato mas nunca tivera acesso a ele, só então pode requerer a intervenção da ora 2.ª

recorrida.

25.º Tendo esta excepcionado a prescrição do direito do ora recorrente em relação a ela, as suas pretensões foram atendidas no acórdão da Relação, já anteriormente

citado, secundado pelo acórdão recorrido.

26.º A interpretação destes preceitos da forma como foi feita pelo acórdão recorrido conduziria a uma interpretação e aplicação do artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º

522/85 feita contra a Constituição.

27º Essa interpretação e aplicação da norma em análise no caso concreto viola os preceitos dos arts. 9.º, alínea d); 13, n.º 1; 16.º, n.º 2; 18.º, n.º 1 e 2; 20, n.º 4; 24.º,

n.º 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição.

28º Com o acórdão recorrido, o Estado não prossegue as tarefas fundamentais de promover o bem-estar e a qualidade de vida e a igualdade real ente os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais.

29.º Não respeita os princípios da igualdade e da interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

30.º Também não são respeitados o direito à vida e à integridade física.

31.º A força jurídica dos preceitos constitucionais relativos a direitos, liberdades e garantias que são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas seria

letra morta.

32.º As restrições efectuadas dos direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição não se limita ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, indo para além do necessário.

33.º As garantias jurisdicionais do ora recorrente de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo não foram igualmente respeitadas.

34.º Com a interpretação e aplicação feita do artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei 522/85 foram violados os preceitos constitucionais supracitados e pelas razões explanadas nestas alegações e suas conclusões.

Cumpre decidir.

II - Fundamentação. - 5 - O presente recurso, inicialmente admitido no tribunal a quo com fundamento nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, prosseguiu apenas ao abrigo da alínea b), tendo o seu objecto sido restringido à apreciação da (in)constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio), conforme se consignou no despacho de fls.

430/431, que determinou a notificação das partes para alegações, com esta

delimitação.

Sucede que, nas alegações, além de referir a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, o recorrente continua a sustentar, como havia feito nas alegações do recurso de revista e no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que esta norma não seria aplicável ao caso. Considera que a exclusão das lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro da garantia de seguro obrigatório, prevista na norma, foi implicitamente revogada pela redacção dada ao artigo 504.º, n.º 1, do Código Civil, pelo Decreto-Lei 14/96, de 6 de Março, e que o condutor lesado, ao qual não foi imputada responsabilidade na produção do acidente, devia ser indemnizado ao abrigo do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º

522/85.

Importa esclarecer que tais questões, enquanto respeitantes à subsunção da situação fáctica apurada às normas de direito ordinário que se entendeu serem as aplicáveis ao caso submetido a julgamento, não integram o objecto do recurso de

constitucionalidade.

Efectivamente, não compete a este Tribunal interferir, para além do controlo da constitucionalidade do resultado normativo a que se chegar, na determinação do direito aplicável. Como se disse logo no acórdão 44/85 (publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, págs. 403-409), "para o Tribunal Constitucional a norma de direito infra-constitucional que vem questionada no recurso é um dado [...] Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada -, isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional. Em princípio, o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como os restantes tribunais aplicam o direito infra-constitucional; apenas lhes compete controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional." E acrescentou-se: "Em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade - repita-se - o dado normativo a ser submetido ao parâmetro constitucional chega já definido ao Tribunal Constitucional, não lhe cabendo

pô-lo em causa."

A este Tribunal somente compete dizer se a norma, com o sentido adoptado pela decisão recorrida e identificada como objecto de recurso, padece da inconstitucionalidade que lhe foi imputada - ou, eventualmente, de outra (Cf. artigo

79.º-C da LTC).

Deste modo, a questão a apreciar no presente recurso consiste em saber se é ou não inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio), enquanto exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.

6 - Resulta da factualidade assente que o recorrente conduzia o veículo "FR", propriedade de Filipetur - Viagens e Turismo Lda., "a pedido, sob as ordens, orientação, autoridade e direcção da Filipetur", quando, no trajecto em Espanha, o veículo se despistou, em consequência do estado escorregadio do piso, por existência de óleo na estrada e queda das primeiras chuvas.

Na Relação entendeu-se que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor (condutor do veículo sinistrado), decorrentes das lesões corporais sofridas no acidente, além de estarem contratualmente excluídos do seguro facultativo de acidentes pessoais celebrado entre a proprietária do veículo e a ré AXA, que era limitado aos danos da morte, invalidez permanente e despesas de tratamento do segurado, estavam também excluídos da garantia do seguro obrigatório, por não ser aplicável o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, em virtude de o artigo 7.º n.º 1, do Decreto-Lei 522/85, excluir da garantia do seguro os danos decorrentes das lesões corporais sofridas pelo autor, por ser o condutor do veículo acidentado. Concluiu-se, assim, que pelos danos não cobertos pela apólice de seguro de acidentes pessoais responderia a proprietária do veículo, se o direito do autor em relação a ela não estivesse prescrito,

como se decidiu que estava.

O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o entendimento da Relação, concluindo que o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 522/85, na redacção do Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio, exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo, não tendo, consequentemente, o recorrente o direito a ser indemnizado por via desta garantia.

7 - O princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, tem ínsito um princípio jurídico fundamental, historicamente objectivado e claramente enraizado na consciência jurídica geral, segundo o qual todo e qualquer autor de acto ilícito gerador de danos para terceiros se constitui na obrigação de ressarcir o prejuízo que causou (Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, pág. 442). E o lesado tem o direito correspondente, a exercer contra o autor do facto lesivo ou contra aquele a quem a responsabilidade seja juridicamente

imputável.

Porém, em muitos casos, como se frisou no acórdão 270/09, este direito à reparação dos danos depara-se com uma inultrapassável dificuldade de concretização prática: a inexistência de património do obrigado à reparação susceptível de execução.

É, por isso, frequente que o legislador institua o dever de cobrir com um seguro de responsabilidade civil a obrigação de indemnizar que possa estar ligada ao exercício de determinadas actividades potencialmente geradoras de danos para terceiros de modo a que, verificado o evento que obriga à reparação, os lesados possam ter perante si uma entidade cuja solvabilidade esteja, em princípio, garantida (a seguradora) e não (ou não apenas) o lesante, cujos acasos de fortuna podem esvaziar de conteúdo prático o

direito à indemnização.

O seguro automóvel obrigatório é precisamente um destes institutos. As regras gerais da responsabilidade civil tornaram-se inidóneas para dar resposta, prática, equitativa e economicamente equilibrada, ao problema da reparação dos danos emergentes de acidentes de viação. Sendo a circulação rodoviária uma das actividades em cujo desenvolvimento mais frequentemente ocorrem acidentes susceptíveis de causar danos pessoais ou patrimoniais a terceiros, ao estabelecer a obrigação de cobrir a responsabilidade civil emergente da circulação de veículos, não deixando a sua sorte ao acaso da previdência dos responsáveis, o legislador protege de modo genérico as potenciais vítimas e futuros titulares do direito à reparação.

8 - O regime jurídico do seguro obrigatório automóvel encontra-se amplamente penetrado por normas de direito da União Europeia sobre as quais o Tribunal de Justiça se tem debruçado e que se reflectem não apenas no domínio do seguro como também nos direitos nacionais em matéria de responsabilidade civil.

Como nos dá conta Moitinho de Almeida (Seguro Obrigatório Automóvel: O direito português face à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, in Revista do CEJ, 2.º Semestre 2007, n.º 7, p. 55 e segs.), foram publicadas cinco directivas no domínio do seguro obrigatório automóvel que, por um lado, visam assegurar a livre circulação dos veículos com estacionamento habitual no território da União Europeia bem como das pessoas neles transportadas, e, por outro, garantir que as vítimas de acidentes causados por esses veículos beneficiem de tratamento comparável, seja qual for o local em que o acidente ocorra [É assim que o Tribunal de Justiça resume o objectivo das directivas em causa: acórdãos de 28 de Março de 1996, Ruiz Bernáldez, C-129/94, Colectânea p.I-1831, n.º 13; de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C-348/98, Colectânea p.I-6711, n.º 24; e de 30 de Junho de 2005, Katja Candolin, C-537/03, Colectânea p.I- 5745, n.º 17]. Trata-se das directivas 72/166/CEE, de 24 de Abril (1.ª Directiva), 84/5/CEE, de 30 de Dezembro de 1983 (2.ª Directiva), 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990 (3.ª Directiva), 2000/26/CE, de 16 de Maio de 2000 (4.ª Directiva) e 2005/14/CE, de 11 de Maio (5.ª Directiva) [publicadas, respectivamente no Jornal Oficial (1972) L 103, p.1; (1984) L 8, p.17; (1990) L 129 p.33; (2000) L 181, p.65; e (2000) L 149, p.14].

Com particular interesse para o caso em apreço interessa considerar o teor da 3.ª Directiva que - considerando a existência em certos Estados-membros de lacunas na cobertura pelo seguro obrigatório dos passageiros de veículos automóveis e que, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, é conveniente que essas lacunas sejam preenchidas, no seguimento das duas anteriores directivas em matéria de responsabilidade civil automóvel, de modo uniforme (cf. parágrafos 5.º e 12.º do preâmbulo da Directiva) -, estabelece no seu artigo 1.º o seguinte:

"Article 1 - Without prejudice to the second subparagraph of Article 2 of Directive 84/5/EEC, the insurance referred to in Article 3 of Directive 72/166/EEC shall cover liability for personal injuries to all passengers, other than the driver, arising out of the use

of a vehicle."

Porém, na versão portuguesa do artigo 1.º consta o seguinte:

"Artigo 1.º - sem prejuízo do n.º 1, segundo parágrafo, do artigo 2.º da Directiva n.º 84/5/CEE, o seguro referido no n.º 1 do artigo 3.º da Directiva n.º 72/166/CEE cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo."

Como refere Calvão da Silva (em anotação ao acórdão STJ de 4 de Outubro de 2007, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137.º, n.º 3946, p. 45/46):

«Numa primeira leitura, todos os passageiros, além do condutor, incluiria o próprio condutor: a letra conduziria a esse resultado.

Só que, confrontada a versão portuguesa do transcrito artigo 1.º da 3.ª Directiva Automóvel com as versões do mesmo artigo noutros idiomas, o alcance do preceito é precisamente o oposto: responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros,

excepto o condutor.

Vejam-se neste sentido as seguintes versões:

"[...] shall cover liability for personal injuries to all passengers, other than the driver [...];

[...] couvre la responsabilité des dommages corporels de tous les passagers autres que

le conducteur [...];

[...] Personenschäden bei allen Fahrzeuginsassen mit Ausnahme des Fahrers [...];

[...] Danni alla persona di qualsiasi passeggero, diverso dal conducente [...];

[...] Daños corporales de todos los ocupantes, com excepción del conductor."» Logo, conclui o mesmo autor, é clara a dicotomia nos passageiros ou ocupantes do veículo - o condutor e os outros -, com o direito da União Europeia a isolar o condutor (do veículo responsável pelo acidente) para o excepcionar do âmbito do dever de o seguro obrigatório cobrir a responsabilidade pelos danos pessoais de todos os passageiros resultantes da circulação do veículo seguro.

Deste modo, com o segmento normativo em causa, apenas se visa a exclusão do condutor do veículo da garantia do seguro obrigatório, não abrangendo, pois, quer o proprietário, quer o tomador do seguro ou titular da apólice, quando transportados

gratuitamente no veículo seguro.

9 - A chamada 3.ª Directiva Automóvel foi transposta para o ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio, que deu nova redacção aos artigos 5.º e 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro.

Esse artigo 7.º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 130/94, vigente à data do sinistro em causa nestes autos, dispunha [em destaque a norma impugnada]:

"Artigo 7.º

Exclusões

1 - Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais

sofridos pelo condutor do veículo seguro.

2 - Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de danos

materiais causados às seguintes pessoas:

a) Condutor do veículo e titular da apólice;

b) Todos aqueles cuja responsabilidade é, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º, garantida, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro;

[...]."

Já depois do acidente em causa, mediante o Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, o legislador aproveitou o ensejo proporcionado pela necessidade de transposição da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade resultante da circulação de veículos automóveis (a chamada "5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel") para proceder à actualização do regime de protecção dos lesados por acidentes de viação baseado neste seguro, mantendo, no entanto, no seu artigo 14.º regime idêntico ao que constava do artigo 7.º do

Decreto-Lei 522/85, agora revogado.

Deste conjunto de preceitos se retira - ao menos segundo a corrente jurisprudencial em que se filia o acórdão recorrido, que não é unânime a nível interno (vid., por exemplo, declaração de voto junta ao acórdão do STJ de 16/1/2007, Proc. 06A2892, in http://www.dgsi.pt/jstj) - que apenas o condutor do veículo é excluído da garantia do seguro quanto aos danos que sofreu decorrentes de lesões corporais (ou pessoais, como consta da Directiva - personal injuries) ou resultantes de danos materiais, assim se acentuando o primado da protecção das vítimas que sofrem lesões na sua própria pessoa, pois assegura-se o ressarcimento de todos os passageiros transportados no veículo seguro, com excepção do condutor do veículo responsável pelo acidente.

Como impressivamente se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2008, Proc. n.º 742, reflectindo sobre as consequências na ordem jurídica nacional da realidade normativa da União Europeia tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça (mais proximamente, pelos acórdãos de 30/6/2005 - caso Kandolin e de 19/4/2007 - caso Elaine Farrell), "[e]stes arestos, sem porem em causa o edifício da responsabilidade civil, afastam, em alguma medida, a rigidez dos pilares de betão em que assenta a construção emergente das nossas normas internas, incorporando neles materiais mais maleáveis e mais modernos que sustentam um tecto bem mais abrangente. Assim, a culpa, como elemento em torno do qual gira a responsabilidade civil, foi afastada em ambos os casos, não relevando, nomeadamente no primeiro, a contribuição, bem culposa, do próprio passageiro/lesado. O risco de circulação do veículo - pelo menos como é entendido entre nós - não é referido como requisito, sendo certo que, por exemplo, o falado artigo 1.º da Terceira Directiva, de aplicação directa relativamente aos direitos dos particulares, alude apenas a danos pessoais "resultantes da circulação de um veículo". Tudo vai ficando obnubilado pela necessidade de protecção dos lesados face à enormidade da circulação de veículos.

Vem-se passando, afinal, quanto a este tipo de acidentes, de um "as vítimas serão indemnizadas se..." para um "as vítimas serão indemnizadas, salvo se...". Inserindo-se este evoluir - cremos poder constatar - na própria evolução do modo de pensar consistente em, face a um acontecimento negativo, procurar o culpado, para outro, mais moderno e menos repressivo, de procurar antes a solução adequada".

10 - O artigo 7.º n.º 1 do Decreto-Lei 522/85, ao excluir da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, parece estar em consonância com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, que estende a garantia do seguro à responsabilidade, entre outros, do condutor do veículo, e esta tem sido a razão apontada como justificação para tal exclusão.

Argumenta-se que se trata de um seguro de responsabilidade e não de um seguro de danos, pelo que, sendo o condutor beneficiário da garantia do seguro para com terceiros lesados, não pode simultaneamente ser beneficiário de indemnização, isto é, terceiro, para efeitos de receber, ele próprio qualquer indemnização por eventuais danos sofridos em consequência do acidente (No sentido da exclusão do condutor do veículo causador do acidente da garantia do seguro, vide entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de 6 de Abril de 2002, Proc. n.º 02A1760, de 16 de Janeiro de 2007 Proc.º n.º 06A2892, de 8 de Janeiro de 2009, Proc.º n.º 08B3722, e de 8 de Janeiro de 2009 Proc.ª n.º 08B3796, disponíveis em texto integral em: http://www.dgsi.pt/. Relativamente à obrigação de indemnização por lesões corporais dos passageiros transportados gratuitamente, ainda que parentes do tomador do seguro do veículo, pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Julho de 1990 (CJ, 1990, 4.º, 241), e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 1992 (CJ, 1992, 3.º, 100). No sentido da abrangência pelo seguro obrigatório dos danos pessoais do próprio tomador do seguro e ou proprietário do veículo, vejam-se Calvão da Silva, RLJ, ob. cit., p. 54, 61 e 63, e Moitinho de Almeida, Revista do Centro de Estudos Judiciários, ob. cit, p. 69, e o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Janeiro de 2007, Proc.º n.º 06A2892).

Será esta distinção, quanto ao âmbito da cobertura do seguro obrigatório dos danos decorrentes de lesões corporais em consequência de acidentes de circulação automóvel, entre o condutor e os outros passageiros ou ocupantes do veículo violadora dos princípios constitucionais invocados? Designadamente, do princípio da igualdade, especialmente quando se adoptar a interpretação de que dessa mesma cobertura não estão excluídos os danos sofridos pelo proprietário ou tomador do seguro que não seja o condutor do veículo e que os danos sofridos pelo condutor (e só por ele) estão excluídos, mesmo nas situações em que a lesão resulta de acidente para cuja produção

se não provou ter concorrido culpa sua?

11 - A invocação de alguns dos princípios constitucionais referidos pelo recorrente para fundar a pretensão de inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa é manifestamente descabida. Designadamente, não são directamente aplicáveis ao caso os artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, que consagram a inviolabilidade da vida humana e

da integridade moral e física das pessoas.

Independentemente de saber se uma norma excludente da indemnização pela lesão dos respectivos bens jurídicos pode considerar-se, em abstracto, idónea a violar tais princípios - tal norma não autoriza a atentar contra a vida ou a integridade física e moral das pessoas -, o certo é que o acórdão recorrido não entendeu que os danos corporais sofridos pelo condutor em consequência de acidente de viação não eram passíveis de ser indemnizados. O que é legitimo concluir deste aresto é que o condutor do veículo sinistrado tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos nos termos das normas gerais da responsabilidade civil (cf. artigo 483.º e segs. do Código Civil), mas que, no caso, esse direito não está abrangido no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel regulado no Decreto-Lei 522/85. A circunstância de resultar da decisão a não atribuição da indemnização ao condutor do veículo sinistrado pelos danos corporais sofridos no acidente não decorre unicamente desta exclusão, mas também do facto de o recorrente ter deixado prescrever o direito de accionar o responsável civil por tal indemnização - a entidade proprietária do veículo e por conta de quem este era conduzido - não constituindo as normas que fundamentaram a decisão quanto à matéria da prescrição objecto do recurso de

constitucionalidade.

Quanto à norma do artigo 20.º, n.º 4, o que o recorrente poderá querer questionar será o direito a um processo equitativo, o que - tal como se sublinhou no acórdão 1193/96 - exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a

sentença só por acaso será justa.

Porém, não se vislumbra em que medida a interpretação normativa em causa interfere com o direito ao processo equitativo, nem o recorrente o explicita. A eventual "injustiça" do resultado da acção de que emerge o presente recurso foi produto, também, da verificação da prescrição e não apenas da interpretação normativa impugnada em sede de recurso de constitucionalidade, como se sublinhou. E, de todo o modo, a interpretação normativa adoptada, conducente à exclusão do direito de indemnização, não se reconduz a uma situação de indefesa consubstanciadora do vício de violação deste preceito constitucional. É uma norma que dispõe sobre a relação jurídica material, sobre o conteúdo do direito, não sobre as condições e os termos processuais para vê-lo reconhecido pelos tribunais 12 - Invoca também o recorrente que a interpretação dada à norma do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 522/85, no sentido de excluir da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo, viola o princípio da igualdade, pelo que importa averiguar se essa exclusão da obrigação de segurar poderá ser entendida como medida razoável, racional ou objectivamente

fundada.

Como logo se salientou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/95 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, como os demais citados sem referência a local de

publicação):

«O princípio da igualdade reconduz-se [...] a uma proibição de arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais.

A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio

negativo de controle.

Mas existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por ausência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.

Por outro lado, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente imprópria (cf. sobre a matéria, por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 44/84, 425/87, 39/88 e 231/94, Diário da República, 2.ª série, de, respectivamente, 11 de Junho de 1984 e 5 de Janeiro de 1988, e 1.ª série, de, respectivamente, 3 de Março de 1988 e 28 de Abril de 1994, e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pp. 127 e segs; Jorge Miranda, «O regime dos direitos, liberdades e garantias», Estudos sobre a Constituição, vol. iii, pp. 50 e segs., e Manual de Direito Constitucional, tomo iv, Coimbra, 1993, p. 219; Maria da Glória Ferreira Pinto, «Princípio da Igualdade - Fórmula Vazia ou Fórmula Consagrada de Sentido?», Separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987; Lívio Paladin, Il Princípio costituzionale d'equaglianza, Milão, 1965).» E, assim, aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução «razoável», «justa» e «oportuna» (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim «afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente» (acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458, apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, pág. 120, também citado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/95, que vimos

acompanhando).

À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico (nestes precisos termos o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 370/2007).

Tem de reconhecer-se que, em hipóteses como a dos autos, não é inteiramente satisfatório a explicação acima apontada para a exclusão: ser o condutor uma das pessoas cuja responsabilidade está segura. Efectivamente, os tribunais da causa decidiram que o acidente não ocorreu por culpa do condutor lesado e, assim, tendo a situação sido qualificada como de responsabilidade objectiva do dono do veículo, por conta de quem este era conduzido, não pode retirar-se argumento do facto de o condutor ter a sua responsabilidade garantida nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do

Decreto-Lei 522/85.

Mas, tal circunstância não impede que se encontre um mínimo de justificação capaz de suportar o tratamento diferenciado do condutor relativamente aos demais passageiros ou ocupantes do veículo, mesmo em situações deste tipo de responsabilidade pelo risco. Note-se que é aqui muito lata a discricionariedade do legislador. Na verdade, não pode dizer-se que ao instituir o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel o legislador esteja a concretizar uma medida constitucionalmente imposta. O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é um meio de colectivização ou socialização do risco da circulação rodoviária, em último termo suportado pelos prémios pagos pelos tomadores (obrigatórios) desse seguro, cuja extensão não é constitucionalmente determinada. O legislador adopta uma política em que, em contraponto à protecção dos lesados por acidentes de viação, pode ponderar outros interesses ou finalidades concorrentes, como os custos acrescidos do alargamento da cobertura e, até, avaliar as desvantagens, na política de prevenção de segurança rodoviária, de uma sobreprotecção do condutor.

Ora, não está em causa o ressarcimento dos danos sofridos pelo condutor a cargo de quem possa ser responsabilizado a título de culpa ou de responsabilidade pelo risco, mas a extensão ou reforço de protecção do lesado em que consiste o seguro obrigatório. Tenha ou não ficado provado que o acidente se deveu a culpa sua, o condutor do veículo causador do acidente ao desempenhar essa actividade da condução aceita o risco que ela envolve em termos diferenciados das dos demais ocupantes do veículo. Poder-se-á objectar que tal risco, enquanto englobado no risco inerente à circulação do veículo, é do comitente por conta e direcção de quem o lesado conduz o veículo, mas tal situação e o correspondente direito à indemnização está acautelado nas normas que regulam a responsabilidade pelo risco do dono do veículo, como se decidiu nos autos. E não pode ignorar-se que, naquilo que se designa por responsabilidade pelo risco e que nos acidentes rodoviários, nas explicações dogmáticas correntes, se imputa a riscos próprios do veículo, vem a cair, em termos práticos, todas as situações em que se não prova a culpa do condutor. Na imensa generalidade dos casos, na génese dos acidentes com veículos automóveis encontra-se uma multiplicidade de decisões e actuações dos condutores que, mesmo quando não fica provada a culpa, concorrem para potenciar ou não minorar os riscos próprios dos veículos. Os riscos próprios do veículo não são tanto riscos da máquina em si mesma como do modo como é utilizada. Esta circunstância de a actuação do condutor não ser estranha ao processo genético do acidente e de aquele estar, nesse domínio do facto lesivo, numa posição que nenhum dos outros ocupantes do veículo detém, é razão suficiente para que não se considere arbitrário o tratamento diferenciado que a norma em causa lhe dá por comparação com os demais ocupantes do veículo.

E isso sucede mesmo quando o termo de comparação é a situação retratada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2007, proferido no Proc, n.º 06A2892, já citado, que decidiu que o proprietário e tomador do seguro que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, sendo outrem o respectivo condutor, está coberto pela responsabilidade civil automóvel quanto aos danos decorrentes de lesões corporais que lhe advenham em virtude do acidente, por, na situação, ter a qualidade de terceiro. É que, diferentemente do que sucede com o condutor-lesado que, com culpa ou sem ela, é directo interveniente no acidente, os passageiros transportados, mesmo no caso do proprietário e ou tomador do seguro, não têm intervenção na produção do evento lesivo.

A situação em apreço também é diferente da retratada no acórdão 270/2009 do Tribunal Constitucional, em que se decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 522/85, quando interpretada no sentido de a circulação na via pública de motocultivadores com atrelado não estar dependente da celebração do contrato de seguro obrigatório previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal. Aí estava em causa o facto de a dispensa da obrigação de celebrar contrato de seguro para que tais máquinas possam circular na via pública deixar terceiros estranhos à condução ou detenção do veículo sem a protecção jurídica que o legislador entendeu conceder aos restantes lesados por acidentes de viação.

Deste modo, conclui-se que a norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 130/94, de 19 de Maio), enquanto exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, mesmo quando o lesado não seja o detentor do veículo ou o tomador do seguro e não lhe tenha sido imputada culpa na produção do acidente, não é inconstitucional, designadamente por violação dos princípios consignados nos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, 18.º, n.os 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, da Constituição.

III - Decisão. - Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) Ucs, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a fls. 61.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão.

203082044

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/03/30/plain-272064.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/272064.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-12-31 - Decreto-Lei 522/85 - Ministério das Finanças

    Revê o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-19 - Decreto-Lei 130/94 - Ministério das Finanças

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO (PROCEDE A REVISÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMOVEL) COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO LEI NUMERO 122-A/86, DE 30 DE MAIO. TRANSPÕE PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA O DISPOSTO NA DIRECTIVA NUMERO 90/232/CEE (EUR-Lex), DO CONSELHO DE 14 DE MAIO E NA DECISÃO NUMERO 91/323/CEE (EUR-Lex), DA COMISSAO DE 30 DE MAIO. ESTE DIPLOMA ENTRA EM VIGOR NO DIA SEGUINTE AO DA SUA PUBLICAÇÃO, EXCEPTUANDO-SE AS ALTERAÇÕES POR ELE INTRODUZID (...)

  • Tem documento Em vigor 1996-03-06 - Decreto-Lei 14/96 - Ministério da Justiça

    Altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro de 1966, no âmbito da responsabilidade pelo risco em sede de acidente de viação, no sentido de os referidos passageiros poderem beneficiar do direito a indemnização pelo transportador nas hipóteses de responsabilidade pelo risco.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-21 - Decreto-Lei 291/2007 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE (EUR-Lex), 84/5/CEE (EUR-Lex), 88/357/CEE (EUR-Lex) e 90/232/CEE (EUR-Lex), do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE (EUR-Lex), relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel»).

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