Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Maria Cristina Galhardo Vilão e Manuel Anselmo Correia Torres, casados entre si, vieram impugnar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa o acto de indeferimento de reclamação graciosa do acto tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2003, no valor de (euro) 575,57, praticado pela Administração
Fiscal, pedindo a sua anulação.
Ao fazê-lo, e na parte que releva para o presente recurso de constitucionalidade, os impugnantes suscitaram a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho e republicado pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Novembro, interpretada no sentido de o benefício fiscal aí previsto bem como o respectivo limite de dedução à colecta respeitarem ao montante total depositado em cada ano por agregado familiar, aplicando-se tal limite à situação de duas pessoas, casadas entre si, que, ao longo do ano, foram efectuando depósitos em duas contas poupança-habitação diferentes de quecada um é titular.
Alegaram os impugnantes que a norma, assim interpretada, viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto dela decorre que o mesmo limite de dedução à colecta se aplica a um sujeito passivo que declare os seus rendimentos individualmente e a dois sujeitos passivos quedeclarem o seu rendimento conjuntamente.
Da interpretação efectuada pela Administração Fiscal decorreria igualmente que, enquanto a dois contribuintes não casados, titulares, cada um deles, de uma conta poupança-habitação, é dada a possibilidade de, individualmente, deduzir à colecta o limite legalmente estabelecido, aos mesmos dois contribuintes, uma vez casados entre si, seria vedado parte desse benefício, ficando a dedução limitada a apenas uma dessas contas ou a metade do valor máximo legalmente estabelecido para cada uma delas.Com isso, estar-se-ia a privilegiar os sujeitos passivos solteiros relativamente aos
sujeitos passivos casados.
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial improcedente, mantendo o acto tributário de liquidação do IRS, relativo ao ano de 2003.Ao apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pelos impugnantes, o tribunal
afirma o seguinte:
Acresce, ainda, que a questão controvertida se prende com benefícios fiscais, cujo conceito nos é dado pelo art. 2º, n.º 1 do EBF. Segundo esta regra, "consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação". Cabe, então, perguntar, no caso do benefício em análise, que interesses extrafiscais relevantessão esses?
A resposta é-nos dada pelo preâmbulo do Decreto-Lei 382/89, já supramencionado, onde se refere que:
"A aquisição de habitação própria constitui um importante motivo de poupança dasfamílias. [...]
Assumindo, no presente enquadramento macroeconómico, especial relevância o reforço da poupança, entendeu o Governo associar esse reforço à satisfação de um objectivo fundamental das famílias: o acesso à habitação. As contas poupança-habitação constituem um instrumento particularmente adequado à conciliaçãodaqueles fins. [...]
[...] Na nova configuração, as CPH oferecem as seguintes vantagens aos seus titulares:
Dois benefícios fiscais em IRS:
Isenção de IRS quanto aos juros activos:Dedução, até a importância de 240 000$, à matéria colectável, para efeitos de IRS,
das entregas feitas em cada ano: [...]"
Ora, a habitação dos cônjuges, pelo facto de haverem contraído matrimónio, deveráser una.
É o que dispõe o art. 1672.º do Código Civil, que estatui que "os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de [...] coabitação [...]" e 1673.º, n.º 2, que dispõe no seu n.º 2 que "salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família", os quais, agora nos lermos do n.º 1 do mesmo artigo, "[...] devem escolher de comum acordo a residência da família, [...]".Ora, como os saldos das contas poupança-habitação só podem ser mobilizados nos termos previstos no art. 5º, do Decreto-Lei 27/2001. de 3-2, o qual se refere à habitação própria e permanente. Habitação própria e permanente, quando reportada a sujeitos passivos casados entre si, só pode respeitar, obviamente, a uma única habitação, a um local de residência. Também por este argumento parece não restarem dúvidas que cada agregado familiar (máxime, o dos impugnantes) apenas poderá movimentar os saldos daquelas contas quando em causa estiver a sua (deles) habitação própria e permanente. Será aqui que se descortinará o interesse jurídico extrafiscal
relevante que justifica o beneficio fiscal.
Conclui-se, desta forma, que os limites às deduções à colecta do IRS consagrados no art. 18º, n.º 1 do EBF operam por agregado familiar e operam, assim, em qualquer caso. De resto, a necessidade de adquirir habitação é transversal a todos os agregados familiares que constituem a sociedade. Logo, os incentivos à aquisição da mesma (que assim se configurará como "habitação própria") serão dirigidos, eles também, a todos esses agregados. Assim, também por agregado há-de ser o modo de operar dessesbenefícios fiscais.
A necessidade de habitação não reveste, de resto, maior intensidade pelo facto de um "núcleo familiar" ser composto por uma só pessoa ou por mais, reporta-se a todos eles.Por tudo isto se conclui que o beneficio fiscal consagrado no art. 18.º n.º 1 do EBF se destina a incentivar a aquisição de habitação própria e permanente do agregado
familiar.
Pelo que, ao operar o mesmo sobre as deduções a admitir a cada um desses agregados, independentemente do número de pessoas que o constituam, o mesmo não viola, ao contrário do defendido pelos impugnantes, o princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP. Limita-se, isso sim, a dar igual tratamento a uma também igual ideia de apoio à aquisição de casa própria que é destinada a todos, sejam agregados familiares, sejam a um sujeito passivo sem agregado.Assim, não poderão deixar de falecer os argumentos aqui invocados pelos
impugnantes.
2 - Dessa decisão vieram Maria Cristina Galhardo Vilão e Manuel Anselmo Correia Torres interpor o presente recurso de constitucionalidade.Através dele pretendem os recorrentes "[...] ver apreciada a inconstitucionalidade, suscitada nos autos da sua petição inicial, da interpretação dada ao artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais nessa decisão, por violar o artigo 13.º da Constituição
da República Portuguesa".
Notificados para o efeito, os recorrentes vieram apresentar as suas alegações,concluindo do seguinte modo:
1.ª O artigo 18.º do EBF, na redacção dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Novembro, não estabelece limites diferentes consoante se trate de contribuintescasados ou solteiros.
2.ª Não resulta dessa disposição que o limite legalmente dedutível de (euro) 575,57, para as entregas feitas em cada ano em contas poupança-habitação, se refira ao agregado familiar dos contribuintes casados.3.ª Uma interpretação do artigo 18.º do EBF no sentido vertido na decisão recorrida discrimina entre contribuintes casados que sejam titulares, separadamente, de duas contas poupança-habitação, e contribuintes não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens que sejam igualmente titulares, separadamente, de duas contas
poupança-habitação.
4.ª Uma tal posição, ao entender que o limite legalmente dedutível estabelecido no art.º 18.º do EBF é único para dois contribuintes, titulares de duas contas poupança-habitação diferentes, pelo simples facto de serem casados e integrarem o mesmo agregado familiar, é claramente inconstitucional, violando o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.5.ª Não distinguindo a letra da lei entre sujeitos passivos casados e sujeitos passivos solteiros, dela resulta necessariamente que confere igual benefício a uns e a outros.
6.ª A igualdade de tratamento para sujeitos passivos casados e não casados expressamente estipulada num dado benefício fiscal, como é o n.º 2 do art.º 21.º do EBF, não permite inferir a contrario sensu um tratamento desigual no caso de contas
poupança-habitação.
7.ª A interpretação mais conforme ao texto constitucional, só pode ser a que concede aos contribuintes casados um benefício idêntico ao concedido aos contribuintes não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens.Notificada para o efeito, a Fazenda Pública, na qualidade de recorrida, não apresentou
contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
Delimitação do objecto do recurso
3 - Impugnam os recorrentes, tanto no requerimento de interposição do recurso quanto nas alegações produzidas no Tribunal, a constitucionalidade do disposto no artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, considerado no seu conjunto. No entanto, aplicada pela decisão recorrida foi apenas a norma contida no n.º 1 do mesmo artigo, interpretada no sentido segundo o qual o benefício fiscal aí previsto - o decorrente das chamadas "contas poupança-habitação" - respeitar ao montante total depositado em cada ano por agregado familiar, independentemente do facto de, individualmente tomado, cada membro do agregado ser ele próprio titular da respectiva "conta".Assim, é com esta extensão e limite que o Tribunal julgará a questão de
constitucionalidade que lhe foi colocada.
Questão de constitucionalidade
4 - Importa, desde logo, assinalar que não compete ao Tribunal Constitucional tomar posição sobre a correcção ou incorrecção da interpretação normativa efectuada na decisão recorrida, designadamente sobre se, no plano do direito infra-constitucional, a correcta interpretação a fazer do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, EBF) é a que é defendida pela Administração Fiscal, e acolhida pelo tribunal a quo, ou antes a que é sustentada pelos recorrentes.Ao Tribunal compete apenas decidir sobre a conformidade da interpretação normativa,
assim efectuada, com a Constituição.
Na versão aplicada na decisão recorrida, o n.º 1 do artigo 18.º do EBF dispunha que:1 - Para efeitos de IRS, são dedutíveis à colecta, nos termos e condições previstos no artigo 78.º do respectivo Código, 25 % das entregas feitas em cada ano para depósito em contas poupança-habitação, com o limite de (euro) 575, 57, desde que o saldo seja mobilizado para os fins previstos no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei 27/2001, de 3 de Fevereiro, e se mostrem decorridos os prazos ali estabelecidos.
Tal preceito vem estabelecer como benefício fiscal, na modalidade de dedução à colecta, a poupança efectuada para um dos fins previstos no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei 27/2001, de 3 de Fevereiro, fins esses que têm em comum o facto de a poupança dever ser aplicada no acesso a habitação própria e permanente. Este último corresponde ao interesse público extrafiscal relevante que justifica o benefício fiscal.
É perante tal enquadramento que deve ser colocada a questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso, designadamente a de saber se é conforme à Constituição, face ao princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, a dimensão interpretativa do n.º 1 do artigo 18.º do EBF aplicada na sentença recorrida, nos termos da qual o limite aí previsto se aplica ao montante total depositado em cada ano
por agregado familiar.
No entender dos recorrentes existe violação do princípio da igualdade por se verificar uma diferenciação de tratamento entre a situação a que se encontram sujeitos dois contribuintes, casados entre si, e a dos demais contribuintes, diferenciação da qual resulta uma redução significativa do benefício fiscal por sujeito passivo na primeirasituação.
Já o Tribunal a quo é do entendimento segundo o qual a aplicação do mesmo limite às duas situações, ou seja considerar-se indiferenciadamente o agregado familiar no seu conjunto (qualquer que seja a sua composição) para efeitos de atribuição do benefício fiscal, não viola o princípio da igualdade. A argumentação expendida baseia-se, fundamentalmente, no facto de o benefício fiscal em causa consistir em um instrumento de incentivo à poupança para efeitos de acesso a habitação própria e permanente. Ora, partilhando dois cônjuges uma única habitação - e consistindo, de resto, tal partilha, em um dever dos cônjuges, nos termos do artigo 1672.º do Código Civil - não será seguramente desrazoável ou arbitrário que os incentivos fiscais para efeitos de acesso a habitação própria e permanente sejam justamente os mesmos, quer seja o "agregado familiar" composto por uma só pessoa, quer seja ele composto por duas pessoas, entre si casadas e cada uma delas titular da respectiva "conta-habitação".É de acompanhar a fundamentação da decisão recorrida.
Conforme o Tribunal tem dito, em jurisprudência de tal modo constante que se dispensa agora a enunciação exaustiva dos lugares em que foi enunciada - vejam-se apenas, e a título de exemplo, os Acórdãos n.os 232/2003, 442/2007 e 620/2007 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) - só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da
diferença, se prosseguem.
Entendem os recorrentes que tal ocorre no caso concreto, pois que se torna incompreensível, à luz do sistema constitucional, que seja diferente o regime do benefício fiscal em causa, quer seja aplicado a "agregados familiares" compostos por uma só pessoa, quer seja aplicada a "agregados familiares" compostos por duas pessoas, casadas entre si, e cada uma delas titulares da respectiva "contapoupança-habitação".
Não lhes assiste, contudo, razão.
A correlação existente entre o benefício fiscal em causa e o interesse público de acesso a habitação própria e permanente que o motiva consubstancia um fundamento material bastante para tratar diferentemente a situação de dois sujeitos passivos que, ainda que sejam titulares, cada um deles, de contas poupança-habitação, estejam casados entre si, e a situação dos demais contribuintes, não se revelando materialmente infundado, irrazoável ou arbitrário um regime de que resulte uma redução desse benefício fiscal por sujeito passivo na primeira situação. O fundamento está tanto na própria finalidade que o benefício fiscal prossegue, quanto no facto de os sujeitos passivos do imposto, que, casados entre si, dele [do benefício] sejam titulares, deverem, nos termos da lei civil,partilhar a mesma habitação.
Assim, aplicar o limite ao agregado familiar, independentemente do número de pessoas que o constituam e não, individualmente, a cada sujeito passivo, corresponde a uma opção livre do legislador, inexistindo, portanto, relativamente à norma sub judicio, qualquer violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.III - Decisão. - 5 - Pelo exposto, e com estes fundamentos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho e republicado pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Novembro, interpretada no sentido de o benefício fiscal aí previsto, bem como o respectivo limite de dedução à colecta, respeitarem ao montante total depositado em cada ano por agregado familiar;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar os recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010. - Maria Lúcia Amaral - Carlos Fernandes Cadilha - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Gil Galvão.
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