Decreto 46254
O Decreto-Lei 35395, de 26 de Dezembro de 1945, que reorganizou a Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, cometeu-lhe, pelo artigo 11.º, n.º 20.º, a atribuição de organizar o museu ultramarino português.
Disposições legais subsequentes tornaram aplicáveis a este fim recursos materiais de algum vulto, mas dificuldades de vária ordem, em grande parte extrínsecas ao problema, têm obstado à concretização de um projecto integrado do museu e até a uma clara e completa definição da concepção mais adequada à realização, tema de vasta, complexa e permanente controvérsia entre as várias tendências museológicas e as correntes culturais de que, por vezes, são expressão. Nem se estranhará a dificuldade da decisão, se se tiver presente que tão singular como o ultramar português haverá de ser a solução mais certa para o seu museu, a procurar sem o apoio de uma experiência própria, inexistente na matéria, nem grande auxílio da experiência alheia, produto de condições demasiado diversas para servirem de modelo.
Sempre se entendeu, porém, que estas razões não deviam embaraçar a recolha do material destinado ao museu, à qual de há muito procedem, no exercício da sua actividade de investigação, as missões, institutos e organismos centrais da Junta, no zeloso aproveitamento de oportunidades que nem sempre podem repetir-se. Deste modo, considerável património se tem conseguido já reunir.
No campo da etnologia, o volume e valor do material recolhido tornam indispensáveis instalações para o acomodar, seja para garantir a sua guarda e preservação, seja para o catalogar e estudar devidamente, seja ainda para propiciar afluxo de mais material e proveito público da sua existência. Assim se materializará desde logo, embora preliminarmente, importante sector do futuro Museu do Ultramar e se adquirirá experiência museológica do maior interesse para o planeamento ulterior do conjunto.
Com as instalações, importa que se disponha de serviços dotados da estrutura orgânica e dos recursos humanos necessários à realização das finalidades visadas. Indicado estará que para tanto se utilizem os meios que nos últimos anos foram sendo criados e treinados no âmbito do Centro de Antropologia Cultural, e nomeadamente da Missão Organizadora do Museu do Ultramar, sem esquecer o apoio fundamental, na parte que lhe compete, do Centro de Antropobiologia, nem deixar de ter presente que a importância e novidade da iniciativa recomendam a entrega da sua orientação geral a conselho de adequada composição.
Assim:
Por motivo de urgência, nos termos do § 1.º do artigo 150.º da Constituição Política e da alínea a) do n.º III da base X da Lei Orgânica do Ultramar Português;
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 150.º da Constituição, o Ministro do Ultramar decreta e eu promulgo o seguinte:
Artigo 1.º Na dependência da Junta de Investigações do Ultramar é criado o Museu de Etnologia do Ultramar.
§ 1.º O Museu de Etnologia do Ultramar gozará de autonomia administrativa e financeira, terá orçamento próprio, aprovado anualmente pelo Ministro do Ultramar, e prestará contas na forma da lei.
§ 2.º Constituem receita do Museu as verbas que anualmente lhe forem atribuídas, os donativos e legados, bem como o produto das entradas e da venda de publicações, fotografias, sucatas e materiais inúteis ou desnecessários à sua finalidade ou serviço.
§ 3.º Logo que for estruturado o Museu do Ultramar, previsto no n.º 20.º do artigo 11.º do Decreto-Lei 35395, de 26 de Dezembro de 1945, o Museu de Etnologia do Ultramar será integrado nele sob a forma de sector ou de departamento, definindo-se nessa altura a sua articulação com a direcção superior do museu a criar.
Art. 2.º O Museu de Etnologia do Ultramar tem como finalidades principais a recolha, conservação, restauro e catalogação de todos os materais que, pelo seu interesse etnológico ou antropológico, convenha reunir e preservar como elementos de estudo e de exposição. O Museu tem igualmente por objectivo funcionar como centro de educação e órgão impulsionador da investigação dentro dos ramos da ciência que lhe estão adstritos.
§ 1.º Para cumprimento das suas atribuições, definidas no corpo do artigo, compete ao Museu:
1.º Manter uma exposição permanente dos vários objectos e outros documentos que lhe pertençam ou estejam confiados e que sejam dignos disso, dentro dos modernos critérios e princípios da museologia;
2.º Realizar exposições temporárias e especializadas, fixas ou itinerantes, utilizando para isso materais próprios ou cedidos a título precário por outras instituições ou por particulares.
3.º Organizar conferências e audições musicais;
4.º Promover a organização de expedições para a recolha e estudo de materiais;
5.º Facilitar o estudo, por parte de interessados nacionais e estrangeiros, das suas colecções e arquivos, sempre que for julgado conveniente pelo conselho cultural;
6.º Propor a concessão de bolsas para estágios, com tarefas prèviamente fixadas, a nacionais ou a estrangeiros, dentro do próprio Museu ou no ultramar;
7.º Propor a constituição de missões de estudo, a realizar pelos investigadores em instituições especializadas nacionais ou estrangeiras;
8.º Editar as publicações periódicas ou não periódicas que forem julgadas convenientes;
9.º Desempenhar outras funções culturais que lhe forem cometidas por despacho do Ministro do Ultramar, ouvida a Junta de Investigações do Ultramar.
§ 2.º Para o bom desempenho das funções que lhe são cometidas haverá junto do Museu:
a) Uma biblioteca especializada;
b) Um gabinete de desenho;
c) Um laboratório de fotografia;
d) Uma oficina;
e) Um depósito de aparelhos, ferramentas e outro material necessário à investigação;
f) Um serviço de publicações.
Art. 3.º As actividades do Museu classificar-se-ão em dois grandes sectores: arqueologia e etnologia. Estes dois sectores dividir-se-ão em secções e subsecções, que por sua vez poderão ser reunidas em grupos relativos às áreas culturais a que pertencerem os materiais e documentos na posse do Museu.
§ único. Compete ao Ministro do Ultramar, com parecer favorável da Junta de Investigações do Ultramar, criar as secções, subsecções e grupos a que se refere o corpo do artigo.
Do património cultural do Museu
Art. 4.º Constituem o património cultural do Museu todos os materiais e outros documentos etnológicos, o arquivo fotográfico, a filmoteca e as colecções de gravações sonoras, seja qual for a sua proveniência, que adquira a título gratuito ou oneroso, ou por colheita directa, ou ainda por permuta com entidades congéneres, nacionais ou estrangeiras.
§ 1.º A aceitação de doações ou legados que impliquem quaisquer ónus ou encargos terá de ser aprovada pelo Ministro do Ultramar.
§ 2.º O Ministro do Ultramar poderá determinar a transferência para o património do Museu de materiais e outros documentos etnológicos neste momento existentes ou que venham a existir no Ministério e seus organismos dependentes. A transferência far-se-á ouvidos os serviços ou organismos onde os referidos elementos existam ou venham a existir e a Junta de Investigações do Ultramar.
§ 3.º O Museu poderá aceitar o depósito de materiais e outros documentos etnológicos. Quando para o depósito sejam exigidas quaisquer garantias especiais, a sua aprovação terá de ser feita pelo Ministro do Ultramar, ouvida a Junta de Investigações do Ultramar.
Art. 5.º Todos os materiais e documentos que constituírem o património cultural do Museu e, bem assim, os materiais e documentos em depósito, serão objecto de um inventário, do qual constará descrição pormenorizada de cada peça ou documento, o seu valor provável, a forma como foi adquirido ou a indicação de que se acha em depósito e o local de armazenagem ou de exposição, além de outras indicações que forem julgadas convenientes.
§ 1.º O regulamento interno, que fixará as regras de conservação dos materiais e documentos existentes no Museu, distribuição, venda ou permuta de publicações ou de reprodução de peças e documentos, dias e horas em que o Museu estará patente ao público, preços das entradas e outros pormenores de funcionamento, será aprovado por despacho do Ministro do Ultramar, sob proposta da Junta de Investigações do Ultramar.
§ 2.º Dependerá sempre de despacho do Ministro do Ultramar, ouvida a Junta de Investigações do Ultramar, a permuta, a cedência e a destruição, quando inutilizados, de materiais ou outros documentos afectos ao património do Museu.
Da direcção e dos órgãos colectivos do Museu
Art. 6.º O Museu terá um director, um subdirector e o demais pessoal que for necessário ao seu funcionamento e ao cumprimento das missões que lhe estão ou vierem a estar cometidas.
§ 1.º Desempenha as funções de director do Museu o director do Centro de Antropologia Cultural da Junta de Investigações do Ultramar.
§ 2.º O subdirector, que substituirá o director nas suas faltas e impedimentos e desempenhará as demais funções que por este lhe forem delegadas, será nomeado pelo Ministro do Ultramar, sob parecer da Junta de Investigações do Ultramar, por escolha entre os investigadores do Museu.
§ 3.º O director e o subdirector do Museu receberão as gratificações fixadas por despacho do Ministro do Ultramar.
Art. 7.º O Museu terá um conselho cultural, constituído pelo director, que presidirá, pelo subdirector, pelo director do Centro de Antropobiologia e por três especialistas de comprovado mérito nos domínios das ciências etnológicas, nomeados pelo Ministro do Ultramar, ouvida a Junta de Investigações do Ultramar. Secretariará um funcionário do Museu, para o efeito designado pelo director.
§ 1.º O conselho cultural reunirá sempre que for convocado pelo director do Museu ou quando a maioria dos seus membros o achar conveniente.
§ 2.º Os membros do conselho, excepto o director e o subdirector do Museu, terão direito a senhas de presença relativas a cada reunião a que assistam, cujo montante será o fixado para as sessões plenárias da Junta de Investigações do Ultramar. Cada membro do conselho não poderá receber em cada ano quantia superior à relativa a 24 senhas de presença.
Art. 8.º O Museu terá ainda um conselho administrativo, constituído pelo director, que presidirá, pelo subdirector e por um membro do conselho cultural, designado anualmente pelo Ministro do Ultramar, sob proposta da Junta de Investigações do Ultramar. Servirá de secretário o chefe dos serviços administrativos do Museu.
§ único. O conselho administrativo reunirá sempre que for convocado pelo director do Museu.
Art. 9.º Compete ao director do Museu;
a) Dirigir superiormente todo o Museu, velando pela prossecução dos seus fins, pela manutenção da ordem e da disciplina dentro dele e, bem assim, pelo cumprimento de disposições legais e regulamentares e dos despachos que se refiram aos seus serviços;
b) Propor, quando o julgar conveniente, o alargamento das funções do Museu, nos termos do n.º 9.º do § 1.º do artigo 2.º;
c) Propor a criação das secções, subsecções e grupos a que se refere o artigo 3.º;
d) Aceitar doações ou legados para o património do Museu e propor a aceitação dos que impliquem ónus ou encargos, nos termos do § 1.º do artigo 4.º;
e) Propor a transferência para o património do Museu, nos termos do § 2.º do artigo 4.º, de materiais ou outros documentos que existam ou venham a existir no Ministério e seus organismos dependentes;
f) Aceitar depósitos ou propor a sua aceitação, nos termos do § 3.º do artigo 4.º, quando para tais depósitos sejam exigidas garantias especiais;
g) Propor à aprovação superior o regulamento interno a que se refere o § 1.º do artigo 5.º;
h) Propor a permuta, cedência e destruição, nos termos do § 2.º do artigo 5.º, de materiais ou outros documentos afectos ao património do Museu;
i) Propor os três especialistas de comprovado mérito que, nos termos do artigo 7.º, deverão fazer parte do conselho cultural;
j) Convocar os conselhos cultural e administrativo e apresentar à consideração superior as respectivas sugestões ou deliberações, quando não esteja na sua competência executá-las;
k) Adquirir, com voto favorável do conselho cultural, quaisquer espécies destinadas às colecções do Museu, cujo preço não exceda 10000$00, e propor ao Ministro, com voto favorável dos conselhos cultural e administrativo, as aquisições de custo superior àquele. Em casos de aquisição urgente e oportuna poderá o director do Museu dispensar o voto favorável do conselho cultural relativamente a pequenas colecções ou peças soltas cujo custo não exceda 5000$00;
l) Enviar à Junta de Investigações do Ultramar, até ao dia 30 de Setembro de cada ano e com o voto favorável do conselho administrativo, o projecto de orçamento do Museu para o ano imediato;
m) Enviar à Junta de Investigações do Ultramar, até ao dia 31 de Março de cada ano, o relatório das actividades do Museu relativas ao ano anterior, bem como as contas respeitantes ao mesmo ano, depois de aprovadas pelo conselho administrativo;
n) Executar as demais tarefas relacionadas com as actividades do Museu de que seja incumbido pelo Ministro do Ultramar.
Art. 10.º Compete ao conselho cultural dar parecer:
a) Sobre as propostas do director para a aquisição de quaisquer espécies para as colecções do Museu, aceitação de doações ou legados, recebimentos em depósito, permutas ou destruição de materiais ou outros documentos;
b) Sobre o merecimento das várias espécies ou outros documentos para efeitos de exposição permanente ou temporária, fixa ou itinerante;
c) Sobre a definição de planos de trabalhos do Museu e sobre quaisquer sugestões de algum ou alguns dos seus membros destinadas ao enriquecimento do Museu ou melhoria do seu funcionamento;
d) Sobre a concessão de bolsas e estágios, sobre facilidades para o estudo, por parte de particulares, das suas colecções e sobre a constituição de missões;
e) Sobre o curriculum dos investigadores;
f) Sobre o merecimento de artigos, estudos ou ensaios para efeitos de publicação por conta do Museu.
§ único. Das sessões do conselho cultural será lavrada acta, de que se enviará cópia à Junta de Investigações do Ultramar.
Art. 11.º Compete ao conselho administrativo:
a) Autorizar as despesas cuja autorização, nos termos da lei, não esteja na competência do director;
b) Pronunciar-se sobre as despesas cuja autorização dependa de despacho do Ministro, através da Junta de Investigações do Ultramar;
c) Pronunciar-se, até ao dia 15 de Setembro de cada ano, sobre o projecto de orçamento para o ano seguinte;
d) Aprovar, até ao dia 15 de Março de cada ano, as contas do Museu relativas ao ano anterior;
e) Velar pelo património do Museu e providenciar pela permanente actualização do respectivo inventário.
§ único. Das sessões do conselho administrativo lavrar-se-á acta, de que se enviará cópia à Junta de Investigações do Ultramar.
Dos quadros do pessoal do Museu e do seu provimento
Art. 12.º O Museu terá o pessoal técnico, científico, laboratorial e oficinal indispensável ao desempenho das suas funções.
Art. 13.º O Museu terá uma secretaria, dirigida por um chefe de serviços de expediente e contabilidade, com o pessoal maior e menor necessário ao exercício das suas funções.
Art. 14.º As normas do recrutamento, provimento e promoção e as remunerações do pessoal do Museu serão as que vigorarem para o pessoal correspondente ou equiparável da Junta de Investigações do Ultramar.
Disposições finais
Art. 15.º O Museu de Etnologia do Ultramar disporá de edifício apropriado, adquirido ou a qualquer título cedido para o efeito, onde funcionará o Centro de Estudos de Antropologia Cultural.
§ único. Enquanto se não dispuser do edifício referido no presente artigo, a armagenazem de todo o material e documentos e o seu estudo far-se-ão em instalações provisórias adequadas, junto do Centro de Estudos de Antropologia Cultural.
Art. 16.º É permitida a utilização pelo Museu dos serviços dos actuais investigadores e demais servidores do Centro de Antropologia Cultural.
Art. 17.º Fica extinta a Missão Organizadora do Museu do Ultramar, criada pela Portaria 19480, de 5 de Novembro de 1962, passando as respectivas atribuições, pessoal e dotações para o Museu de Etnologia.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 19 de Março de 1965. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Augusto Peixoto Correia.