A - Relatório
1 - Maria Luísa Dias Gomes, com os demais sinais dos autos, na qualidade mandatária eleitoral das listas do Partido Socialista às eleições para os titulares dos órgãos das autarquias locais do Município de Melgaço, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 31.º e 32.º da Lei Orgânica 1/2001 (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL), da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Melgaço que julgou improcedente a reclamação apresentada contra a decisão aí proferida de rejeição da lista de candidatura do Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Remoães.2 - O recurso apresenta-se motivado nos seguintes termos:
"[...] 1 - Os resultados publicados no Diário da República 2.ª série, Parte C, de 14 de Julho de 2009, de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral registavam para a Freguesia de Remoães, concelho de Melgaço, distrito de Viana do Castelo, 150 eleitores.
2 - De acordo com o artigo 21.º da Lei 169/99 com a redacção da Lei 5-A/2002 nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a Assembleia de Freguesia é substituída pelo plenário de cidadãos eleitores.
3 - Acontece porém que o resultado apurado de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral padeceu de um erro, tendo a Direcção-Geral de Administração Interna comunicado por ofício de 11 de Agosto de 2009 ao Presidente da Junta de Freguesia/Comissão Recenseadora da Freguesia de Remoães a alteração daqueles resultados, passando a Freguesia em causa a ter 151 inscritos e não 150 como constava do Mapa acima referido.
4 - Por tal facto foi apresentada lista do Partido Socialista às eleições autárquicas para a Assembleia de Freguesia de Remoães.
5 - A referida lista de candidatura foi impugnada pelo mandatário das listas do Partido Social-Democrata, alegando a inadmissibilidade da mesma com base no número de eleitores inscritos na respectiva freguesia (150).
6 - Pelo facto, decidiu o Meritíssimo Juiz a quo rejeitar a lista de candidatura apresentada pelo Partido Socialista à Assembleia de Freguesia.
7 - Notificada da rejeição, a mandatária do Partido Socialista reclamou da decisão de rejeição, juntando ao processo o oficio da Direcção-Geral de Administração Interna a admitir a alteração das listas bem como o processo de reclamação apresentado pelo freguês Manuel Gonçalves que esteve na sua origem.
8 - Por despacho do Meritíssimo Juiz de 01 de Setembro de 2009 veio o Tribunal Judicial de 1.ª instância indeferir a reclamação apresentada e manter a decisão anterior de rejeição da lista de candidatura apresentada à Assembleia de Freguesia de Remoães.
9 - A manter-se aquela decisão a Autarquia Local visada ver-se-ia privada da constituição de um órgão deliberativo e um órgão executivo, por erro ocorrido no recenseamento eleitoral, passando a ser representada por um Plenário de Cidadãos Eleitores quando por força da lei deveria ser eleita uma Assembleia de Freguesia.
Face o exposto, se requer a Vossas Excelências que seja admitida a lista de candidatura apresentada e concedido novo prazo aos demais interessados para apresentar as suas candidaturas ou, subsidiariamente, considerar a inexistência de candidaturas e nos termos do artigo 37.º da Lei Orgânica 1/2001 ordenar a realização de um novo acto eleitoral para a Assembleia de Freguesia de Remoães".
1 - Os resultados publicados no Diário da República.
3 - Por seu turno, o Partido Social Democrata alegou que:
"[...]
Dos factos alegados pelo Partido Socialista
1.º
Os resultados publicados em Diário da Republica 2.ª série, Parte C, de 14 de Julho de 2009, de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral registavam para a freguesia de Remoães, concelho de Melgaço, distrito de Viana do Castelo, 150 eleitores.
2.º
De acordo com o artigo 21.º da Lei 169/99 com a redacção a redacção da Lei 5-A/2002, nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a Assembleia de Freguesia é substituída pelo plenário de cidadãos eleitores.
3.º
Acontece porém que o resultado apurado de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral padeceu de um erro, tendo a Direcção-Geral da Administração Interna comunicado por ofício de 11 de Agosto de 2009 ao Presidente da Junta de Freguesia/Comissão Recenseadora da freguesia de Remoães a alteração daqueles resultados, passado a freguesia em causa a ter 151 inscritos e não os 150 como constava do mapa referido.
4.º
Por tal facto foi apresentada lista do Partido Socialista à eleições autárquicas para a assembleia de freguesia de Remoães.
5.º
A referida lista foi impugnada pelo mandatário das listas do Partido Social Democrata, alegando a inadmissibilidade da mesma com base no número de eleitores inscritos na respectiva freguesia (150).
6.º
Pelo facto, decidiu o Meritíssimo Juiz a quo rejeitar a lista de candidatos apresentada pelo Partido Socialista à Assembleia de Freguesia.
7.º
Notificada da rejeição, a mandatária do Partido Socialista reclamou da decisão de rejeição, juntando ao processo o ofício da Direcção-Geral da Administração Interna a admitir a alteração das listas bem como o processo de reclamação apresentado pelo freguês Manuela Gonçalves que esteve na sua origem.
8.º
Por despacho do Meritíssimo Juiz de 01 de Setembro de 2009, veio o Tribunal Judicial de 1.ª instância indeferir a reclamação apresentada e manter a decisão anterior de rejeição da lista de candidatura apresentada à Assembleia de Freguesia de Remoães.
9.º
A manter-se aquela decisão a Autarquia Local visada ver-se-ia privada da constituição de um órgão deliberativo e um órgão executivo, por erro ocorrido no recenseamento eleitoral, passando a ser representada por um Plenário de Cidadãos Eleitores quando por força de lei deveria ser eleita uma Assembleia de Freguesia.
Do direito aplicável
10.º
O Recenseamento Eleitoral encontra-se definido e regulado pela Lei 13/99, de 22 de Março, alterada pela última vez e republicada pela Lei 47/2008, de 27 de Agosto.
11.º
Ao abrigo desta lei o Recenseamento Eleitoral é hoje permanente e encontra-se informatizado numa Base de Dados denominada SIGRE (vide artigo 32.º da lei do Recenseamento).
12.º
Por essa razão, a lei Eleitoral das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, estabelece a obrigatoriedade da publicação em Diário da República, com a antecedência de 120 dias sobre o termo do mandato, dos resultados do recenseamento eleitoral obtidos a partir da Base de Dados Central do Recenseamento Eleitoral (vide artigo 12.º desta lei).
13.º
Essa publicação é indispensável para o conhecimento público do número eleitores inscritos em cada circulo eleitoral e assim permitir calcular, nos termos dos artigos 5.º (Assembleia de Freguesia), 42.º (Assembleia Municipal) E 57.º (Câmara Municipal) Da Lei-quadro de competências e regime de funcionamento dos órgãos das autarquias locais - Lei 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela Lei 5-A/2002, de 11 de Janeiro, o número de mandatos de cada órgão autárquico.
14.º
A actualização de dados sendo permanente no Recenseamento Eleitoral nos termos do aludido artigo 32.º da lei do Recenseamento, o número de eleitores está constantemente a variar.
15.º
Aliás, desde a marcação das eleições autárquicas através do Decreto 16/2009, de 3 de Julho, os eleitores variaram nas diversas freguesias, pelo que certamente vão variar até às eleições autárquicas de 11 de Outubro.
16.º
Os cadernos de recenseamento apenas não podem ser alterados nos quinze dias anteriores ao acto eleitoral (vide artigo 59.º da lei Eleitoral) Pelo que podemos dizer que é apenas neste período que os cadernos de recenseamento se mantêm constantes.
Da análise dos factos
17.º
Convém referir que a Junta de Freguesia de Remoães é presidida por um eleito nas listas do Partido Socialista que é por inerência do cargo de Presidente de Junta, presidente da Comissão Recenseadora de Remoães.
18.º
Importa também referir que só o Partido Socialista apresentou lista para a assembleia de freguesia de Remoães.
19.º
Nenhum partido para além do próprio Partido Socialista conhecia o ofício da DGAI e a comprová-lo está o facto de mais ninguém ter apresentado candidatura à Assembleia de Freguesias de Remoães.
20.º
É por este motivo que o legislador obriga à publicação em Diário da Republica do recenseamento eleitoral que deve servir de base à apresentação das listas de candidatura.
21.º
E se o legislador obriga à publicação do recenseamento eleitoral em Diário da República, qualquer modificação ou rectificação ao mesmo deve seguir os mesmos trâmites, sob pena de incumprir num requisito formal e essencial previsto na lei e o Partido Socialista não apresentou prova dessa publicação.Por outro lado, o número de eleitores de uma circunscrição eleitoral tem de ser visto em termos relativos como reportado a um dado momento ou data, visto que varia constantemente excepto durante o período de inalterabilidade dos cadernos eleitorais, atrás referido.
23.º
É precisamente por esse facto que o legislador escolheu um momento, com a publicação do recenseamento eleitoral em Diário da República, para que o recenseamento de referência para a construção das listas fosse o publicado nessa data.
24.º
Em suma, a publicação do recenseamento eleitoral possui uma dupla função, a primeira sendo a de estabelecer um indicador de referência para a elaboração da lista de candidatura a cada autarquia, sendo a segunda, a de publicitar universalmente esses indicadores.
25.º
Por fim, o Partido Socialista revela um deficiente conhecimento da lei quando afirma que a freguesia ficará privada do executivo autárquico caso passe a plenário de cidadãos eleitores.
26.º
O executivo da freguesia passará a ser eleito directamente pelo plenário nos termos do artigo 24.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro.
Conclusão
Face ao que antecede, o PSD entende que não deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela Digníssima mandatária do Partido Socialista porque criaria uma situação de desigualdade face aos restantes partidos que não apresentaram candidatura à Assembleia de Freguesia de Remoães, apenas pelo facto de que não possuíam informação privilegiada e não publicada, que pelos vistos a mandatária do Partido Socialista detinha".3 - A decisão recorrida tem o seguinte teor:
"Na sequência da reclamação apresentada por Rui Manuel Mendes, mandatário das listas do PSD no concelho de Melgaço, foi rejeitada a lista de candidatura à assembleia de freguesia de Remoães, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de Setembro e de acordo com o Mapa 13-A/2009, de 14 de Julho de 2009.
A mandatária das listas do PS no dito concelho, notificada do despacho de rejeição da candidatura veio alegar que, por ofício de 18/08/2009 da DGAI foram corrigidos os resultados publicados no supra-referido Mapa (após reclamação de um eleitor), passando a Freguesia de Remoães a contemplar 151 eleitores.
O Mapa 13-A/2009 não foi alvo de qualquer republicação, nem poderia ser, atenta a data fixada como limite para a apresentação das candidaturas.
Se fosse atendido o pretendido pela mandatária do PS estaríamos a violar de modo grosseiro o princípio da igualdade.
O documento de referência para a definição do n.º de mandatos a eleger em cada órgão autárquico é o Mapa em questão.
Indefere-se assim a reclamação apresentada e mantém-se integralmente a decisão anterior que rejeitou a lista de candidatura apresentada pelo PS à assembleia de freguesia de Remoães".
B - Fundamentação
5 - Resulta provado dos autos:5.1 - O número de eleitores recenseados pela freguesia de Remoães, Município de Melgaço, que consta do Mapa 13-A/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 134, de 14 de Julho de 2009, é de 150;
5.2 - A 17 de Agosto de 2009, foi inscrito mais um cidadão eleitor, na sequência de reclamação apresentada por este, conforme ofício da Direcção-Geral de Administração Interna, datado de 18 de Agosto de 2009, passando a referida freguesia a contar com 151 eleitores inscritos.
6 - Para a decisão do presente recurso torna-se necessário considerar a definição do universo de eleitores que deve ser relevado para determinar a composição de cada órgão autárquico.
A esse respeito, dispõe o n.º 2 do artigo 12.º da LEOAL: "2 - Para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do mandato."
A razão de ser e o alcance deste preceito foram já explicitados pela jurisprudência deste Tribunal nos seus Acórdãos n.os 599/01, 7/02 e 436/05 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Sobre essa matéria, escreveu-se no penúltimo dos arestos citados:
"[...] Com este preceito - sem correspondência no diploma anteriormente vigente sobre esta matéria, o Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro - pretendeu-se pôr termo às dúvidas então suscitadas a respeito do universo de eleitores a ser considerado para determinar a composição de cada órgão autárquico (cf., neste sentido, Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis - in lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais anotada e comentada, Lisboa, 2001, pág. 27).
Como se ponderou em recente acórdão deste Tribunal sobre uma situa-ção similar - n.º 599/01, de 28 de Dezembro último -, a variabilidade do número de eleitores recenseados impunha a fixação de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que, independentemente das actualizações verificadas, permitisse a definição daquele universo e, consequentemente, o número de mandatos a eleger.
Obviamente, essas data e quadro - ou mapa - devem anteceder a data que assinala o início do prazo para a apresentação das candidaturas, desde logo para permitir que as forças políticas concorrentes possam cumprir a obrigação de indicar candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de suplentes.
Assim, como se escreve no citado acórdão 599/01, o n.º 2 do artigo 12.º prevalece, para efeito da composição dos órgãos autárquicos, "sobre o número eventualmente diferente, que conste dos cadernos eleitorais de que dispõem as assembleias de apuramento; e nada em contrário resulta do disposto do artigo 146.º, n.º 1, alínea a), da mesma lei que limita a estabelecer, como uma das operações do apuramento geral, a verificação do número total de eleitores inscritos, não havendo aqui que atender ao referido mapa", não sendo, na verdade, da competência da Assembleia de Apuramento Geral decidir sobre a composição (número de mandatos) do órgão autárquico em causa" [...]".
Comunga-se aqui desse entendimento. Salienta-se, apenas, que a teleologia da norma, e não apenas a sua "letra", radica precisamente na intenção de definir o universo de eleitores relevante para a composição dos órgãos autárquicos segundo um critério de segurança jurídica, devendo as forças políticas conformar a suas opções de acordo com o universo aí estabelecido, não sendo, pois, de relevar para o efeito legalmente estabelecido as alterações supervenientes do número de eleitores.
Seguindo este critério, o número de eleitores a relevar in casu é o constante do Mapa 13-A/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 134, de 14 de Julho de 2009, ou seja, o de 150 eleitores.
Aqui se acolhe, pois, o critério ponderado por este Tribunal no seu Acórdão 434/2009 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), relativamente a questão idêntica.
Assim sendo, considerando que, de acordo com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de Setembro, "nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a assembleia de freguesia é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores", a admissão de uma lista concorrente a esse órgão autárquico é ilegal, conforme foi decidido pelo tribunal a quo.
C - Decisão
7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e não admitir a lista de candidatura apresentada pelo Partido Socialista-PS para a Assembleia de Freguesia de Remoães, Município de Melgaço.Lisboa, 14 de Setembro de 2009. - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Carlos Pamplona de Oliveira - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Gil Galvão.
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