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Acórdão 301/2009, de 29 de Julho

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, alínea o), e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (na versão do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro), conjugada com a tabela anexa ao Código da Custas Judiciais, quando os valores das custas a que a sua aplicação conduziu se mostram proporcionais, no caso dos autos, à especial complexidade do processo.

Texto do documento

Acórdão 301/2009

Processo 75/09

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos da 9.ª Vara Cível de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido SOTRANSIL - Sociedade de Transacções Imobiliárias, S. A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 10.09.2008, nos seguintes

termos:

«O Magistrado do Ministério Público neste Tribunal, fazendo uso da faculdade conferida pelo artigo 145.º n.º 5 do C.P.C., vem, em obediência e nos termos do disposto pelos artigos 280.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 69.º, 70.º alínea a) e 72.º n.º 1 alínea a) da lei do Tribunal Constitucional - Lei 28/82 de 15/11 - , interpor recurso para o Tribunal Constitucional da parte da decisão de fls. 3478 a 3490 que recusou a aplicação da norma resultante da conjugação dos artigos 13.º, n.º 1, 15.º n.º 1, alínea o), 18.º, n.º 2 e tabela anexa ao C.C.J. na redacção conferida pelo Decreto-Lei 224-A/96 de 26 de Novembro por considerar aquela norma ferida de inconstitucionalidade material e violadora do direito de acesso aos tribunais consagrado pelo artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso decorrente do artigo 2.º da CRP.» 2 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou

alegações, tendo concluído o seguinte:

«1.º

A norma resultante dos artigos 13.º n.º 1, 15.º, n.º 1, alínea o) e 18.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugada com a tabela anexa, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento numa acção com o valor tributário de (euro) 3.854.261,23 e respectivos apensos, incidentes e recursos (incluindo duas providências cautelares do arresto) - ser calculado em função de tal valor, sem que se preveja a aplicação de qualquer limite máximo, originando um valor global de (euro)253.033,92 de custas, não pode considerar-se, em si mesma, violadora do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade.

2.º

Na verdade, essa tributação uma acção de valor consideravelmente elevado não implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas, representando a ponderação - não apenas do valor de custo do serviço em causa - mas também do valor presumivelmente resultante da utilidade alcançável através do recurso ao tribunal e da complexidade que esteve subjacente à tramitação da causa e respectivos apensos que - no caso dos autos - envolveu processado de particular complexidade e extensão (expresso em 15 volumes e 6 apensos), em que forem esgotados pelos interessados os

meios impugnatórios possíveis.

3.º

Não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não é possível realizar uma comparação entre tal regime, decorrente da versão de 1996 do Código das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido no artigo 27.º, não aplicável ao caso dos autos, representando uma ponderação inovatória e constitutiva do legislador que não pressupõe a inconstitucionalidade da solução que constava da lei anteriormente

vigente.

4.º

Termos em que deverá proceder o presente recurso.» 3 - A recorrida não contra-alegou.

4 - O despacho recorrido tem o seguinte teor, na parte que agora releva:

«[...] Na presente acção, que tinha o valor tributário de (euro)3.854.261,23, foram contadas à Autora custas no montante total de (euro) 253.033,092, respeitando (euro)173.383,53 a taxas, correspondendo (euro) 9.684,44 à taxa do incidente de apoio judiciário, reduzida a um quarto, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, do C.C.J., na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, (euro)19.368,88 de taxa de justiça em cada um de três recursos, (euro)25.105,22 noutra taxa de justiça de recurso, (euro)12.552,61 noutra taxa de justiça de recurso, todas reduzidas a um meio, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do C.C.J., na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, (euro)45.748,60 de procuradoria com natureza de taxa e, finalmente, (euro)45.453,04 a título de custas de parte.

A acção comportou designadamente:

I - Acção principal:

Base Instrutória com 45 quesitos (fls. 367 a 376);

Dezasseis sessões de julgamento: fls. 627 (5.11.98), fls. 635 (11.11.98), fls. 726 (2.12.98), fls. 737 (7.1.99), fls. 931 (26.1.99), fls. 1066 (11.2.99), fls. 1478 (15.4.99), fls. 1507 (20.4.99), fls. 1563 (21.4.99), fls. 1633 (13.5.99), fls. 1651 (17.6.99), fls. 1749 (23.6.99), fls. 1752 (26.9.99), fls. 1764 (6.7.99), fls. 2313

(9.11.2001), fls. 2319 (30.11.2001);

Inspecção ao local (fls. 737-738);

Realização de prova pericial (cf. fls. 1856, 1878 e ss.);

Despacho de revogação do benefício de apoio judiciário concedido à Autora (fls. 2380

a 2383);

Sentença a fls. 2384 a 2397;

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 2532 a 2545;

Junção de pareceres de professores universitários a fls. 2704 e ss.;

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 2816 a 2823;

II - Apenso A (Arresto intentado pela Autora contra a Ré em 26.5.98):

Julgamento em 8.7.98 (fls. 36);

Julgamento na oposição a fls. 316 (2.12.98), fls. 337 (26.1.99), fls. 419 (11.2.99), fls.

652 (14.1.2000);

Sentença final a fls. 653 a 660 (4.2.2000);

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1041 a 1048 (23.1.2002);

III - Apenso B (agravo do despacho que revogou o benefício de apoio judiciário):

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2002 (fls. 150 a 155);

IV - Apenso C (procedimento cautelar de arresto intentado pela Autora contra a Ré

em 25.7.2002):

Indeferimento liminar a fls. 93 (8.8.2002);

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1431-1432 (12.12.2002);

Julgamento e sentença a fls. 203 a 209 (21.5.2003);

Julgamento em oposição a fls. 1333 (19.1.2004);

Sentença de revogação do arresto a fls. 1520 a 1522 (27.2.2004);

Despacho a declarar deserto o agravo a fls. 1720 (31.5.2004);

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1860 a 1862 (4.8.2004);

V - Apenso D (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 3372 a 3375):

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 392 a 405 (19.1.2006);

VI - Apenso E (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 2531 a 2536 que decidiu

reclamação à conta):

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 765 a 779 (13.10.05);

VII - Apenso F (recurso de agravo interposto pela Autora do despacho que indeferiu o pedido de reforma da conta de custas elaborada no arresto):

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 218 a 223 (27.3.2007');

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 295 a 297 (6.11.2007).

Resulta do arrazoado que antecede que a acção e seus apensos teve um processado que, de forma alguma, se pode classificar de breve e singelo. A dificuldade do apuramento dos factos materiais e forte litigiosidade que a acompanhou justificam, em grande parte, a extensão e complexidade do processado.

Apesar do que fica dito, cremos que a complexidade demonstrada não justifica os valores agora apurados, os quais se afiguram desproporcionais e injustificadamente inibidores da utilização dos serviços públicos de justiça.

Para a fixação desses valores contribuiu a ausência de previsão de um limite máximo ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação do valor das taxas

devidas pela tramitação ocorrida.

Pelo que, também aqui, concluímos que essa desproporção flagrante e o exagero daquela quantia viola não só o princípio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º, n.º 1,

da Constituição.

Pelo exposto:

a) Julgo inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artigo 2.º, da CRP, a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, o), 18.º, n.º 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as custas (incluindo taxas de justiça, custas dos incidentes, procuradoria e custas de parte) devidas por um processo, comportando a tramitação descrita em I a VII, ascendem ao montante global de (euro) 253.033,92, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante;

b) Ordeno se proceda à reforma da conta nos termos previstos no artigo 27.º, do C.C.J., na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27-12, aplicando-se a respectiva Tabela de taxa de justiça;

c) No mais, julgo improcedente por não provada a reclamação apresentada.»

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

5 - É sabido que o factor básico de distinção constitucional entre imposto e taxa repousa no carácter unilateral ou bilateral do tributo: enquanto que o imposto tem estrutura unilateral, a taxa apresenta um carácter bilateral ou sinalagamático.

Quer isto dizer que a prestação pecuniária correspondente à taxa está em relação de correspectividade com a obtenção de um benefício individualmente produzido na esfera do particular obrigado ao seu pagamento. É como contrapartida desse benefício, como preço a pagar por uma utilidade especificamente proporcionada por um ente público,

que a taxa é devida.

De entre a tipificação tripartida das situações causalmente determinantes do pagamento de taxas, estabelecida no artigo 4.º, n.º 1, da lei geral tributária (Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro), a saber, «prestação concreta de um serviço público», «utilização de um bem do domínio público» e «remoção de um obstáculo ao comportamento dos particulares», é indubitavelmente no primeiro grupo que se

integram as custas judiciais.

Compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigo 1.º, n.º 1, do CCJ, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro), e consistindo estes no reembolso das despesas e retribuições enumeradas no artigo 32.º do mesmo Código, a taxa de justiça consubstancia a contrapartida pecuniária da utilização do serviço de

administração de justiça.

6 - Mas o vínculo de sinalagmaticidade, que une entre si a utilização individualizada dos serviços dos tribunais e as quantias cobradas, a título de taxa, por essa utilização, nada mais traduz do que uma relação de reciprocidade e de interdependência causal, assinalando, designadamente, que a obrigação em que se constitui o utente encontra a sua génese e razão de ser na prestação que o Estado lhe disponibilizou.

Como o Tribunal tem sistematicamente sublinhado, também a propósito da taxa em causa nos presentes autos - cf., por último, o Acórdão 471/2007 -, esta equivalência jurídica não vem necessariamente acompanhada por uma equivalência estrita, em termos económicos, entre o valor do serviço prestado e o montante da

quantia devida pela sua percepção.

O legislador goza, nesta matéria, de uma muito ampla liberdade de conformação, à luz de critérios diversificados, que vão desde o atendimento dos custos reais de produção, ao grau de utilidade propiciada ao particular, na satisfação da sua necessidade individual, e ao interesse público na generalização ou, inversamente, na retracção do acesso ao bem ou serviço em questão. É da ponderação, em cada tipo de caso, destes e de outros parâmetros, e da valoração do complexo de interesses conjugadamente presentes nas situações de obrigatoriedade de taxa - valoração a que não são alheias razões de conveniência e oportunidade - que resulta a determinação do valor a prestar.

7 - O reconhecimento dessa larga margem de liberdade apreciativa do legislador não importa, todavia, como é bom de ver, que a fixação do montante das taxas seja refractária a um controlo de constitucionalidade.

Na verdade, o Estado encontra-se constitucionalmente vinculado a uma actividade prestativa que satisfaça o direito dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP).

Este direito corresponde a um direito fundamental dotado da força jurídica própria dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o princípio da proporcionalidade, sempre vigente, como princípio básico do Estado de direito, em qualquer campo de actuação estadual que contenda com interesses dos particulares, encontra aqui uma qualificada expressão aplicativa (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

Sendo assim, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, impõe seguramente que o montante das custas judiciais não se transforme num sério factor inibitório do recurso aos tribunais, com esvaziamento da garantia de tutela jurisdicional constitucionalmente consagrada.

A concretização do preceito constitucional que garante o direito à solução dos litígios pela via judicial, de acordo apenas com as normas do ordenamento jurídico, como é timbre de um Estado de direito, claudicaria, sem transposição efectiva para a prática social, se ao legislador fosse dado fixar montantes de custas judiciais de tal forma elevados que perdessem toda a conexão razoável com o custo e o valor do serviço prestado. Pois, desse modo, o «custo da justiça» não poderia ser suportado, sem sacrifícios inexigíveis, pela generalidade dos cidadãos, constituindo um obstáculo insuperável ao exercício de um direito que a Constituição reconhece.

Nesta perspectiva, para satisfação adequada do direito de acesso aos tribunais, na sua dimensão prestacional, impõe-se, não apenas a remoção, através do sistema de apoio judiciário, das incapacitações causadas por insuficiência de meios dos mais carenciados para pagar taxas, ainda que de montante ajustado, mas também a fixação dessas taxas em valores não excessivamente gravosos, para o universo de todos aqueles que não estão isentos do seu pagamento ou não beneficiam das reduções previstas. Ambas as vertentes se encontram cobertas pela proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos (parte final do n.º 1 do artigo 18.º).

Nesta linha de pensamento, escreveu-se no Acórdão 352/91, a propósito da liberdade do legislador na determinação das custas judiciais:

«Esta liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite - limite que é o da justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem de recorrer ao

sistema de apoio judiciário.

É que o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor).

Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o

direito em causa».

Pode, pois, concluir-se que, na medida em que conduz inevitavelmente a perdas de efectividade do direito à justiça, a determinação de montantes de custas judiciais em valores excessiva e desproporcionadamente elevados deve ser tida como uma restrição

ofensiva desse direito.

8 - É à luz destes parâmetros que cumpre agora apreciar se tal se pode ter por verificado no caso dos autos. Há que ajuizar se os critérios constantes das normas impugnadas violam o direito de acesso à justiça, para o que se requer a aferição, pelo princípio da proporcionalidade, do montante das custas judiciais apuradas, em sua

aplicação.

Recorde-se que, tendo a acção o valor de (euro) 3.854.261,23, a autora foi condenada a custas no montante total de (euro) 253.033,092.

O despacho recorrido entendeu que os valores em causa «se afiguram desproporcionais e injustificadamente inibidores da utilização dos serviços de justiça».

Tal terá ficado a dever-se à «ausência de previsão de um limite máximo ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação do valor das taxas devidas

pela tramitação ocorrida».

Como melhor transparece da fórmula decisória, a censura constitucional recaiu sobre o facto de, ao abrigo das normas contestadas, ser exclusivamente por atinência ao valor da acção que o montante das custas é calculado, sem um tecto máximo e sem permissão de uma correcção redutora por iniciativa do tribunal, «tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo».

A decisão recorrida reproduz, na parte referente à imputação do juízo de inconstitucionalidade à ausência destas previsões potencialmente limitativas do montante das custas, a decisão, por maioria, constante do Acórdão 471/2007, prolatado por esta Secção do Tribunal Constitucional. E já anteriormente, no Acórdão 227/07, igualmente da 2.ª Secção, o prescindir a lei da fixação de um limite máximo e a não atendibilidade, em concreto, da natureza e da complexidade do processo foram apontadas como razões justificativas de idêntica decisão de inconstitucionalidade.

Haverá fundamento, no caso dos autos, para uma decisão do mesmo teor? 9 - Cumpre notar, antes de mais, que a questão de constitucionalidade aqui em apreciação tem a ver com o facto de o valor das custas reflectir automática e ilimitadamente o valor da acção, o que pode conduzir a taxas de elevado montante, eventualmente desproporcionado em relação ao custo e à utilidade do serviço. Foi esse o objecto de censura nos dois acórdãos acima mencionados, que se pronunciaram pela inconstitucionalidade. Esta ficou a dever-se, precisamente, à impossibilidade de correcção adaptativa às circunstâncias do caso concreto, do montante assim obtido, por forma a evitar um valor excedente um limite máximo e ou sem correspondência na

natureza e na complexidade do processo.

Ora, sendo assim, estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.

O que queremos dizer é que a potencialidade de um critério gerar valores desproporcionados de custas, por não acolhimento de factores que os teriam evitado, só releva quando essa potencialidade, em face das circunstâncias do caso e do montante concretamente apurado, se tenha concretizado. Ou, dito de outra forma: a ausência de previsão desses factores correctivos só releva quando eles, no caso em apreciação, teriam actuado restritivamente, reconduzindo o valor pecuniário a prestar aos limites da proporcionalidade, que, de outro modo, resulta violada. Mas já não tem cabimento a invocação dessa falha de previsão quando, à partida, o montante das custas possa ser considerado não exorbitante e em correspondência com a natureza e a complexidade do processo. Nessa hipótese, as variáveis que alegadamente deveriam estar normativizadas abonam a proporcionalidade do resultado aplicativo do critério em análise, pelo que a sua não inclusão na previsão legal não pode fundar um juízo em

sentido contrário.

Na verdade, estando em causa a aferição da proporcionalidade de um determinado quantitativo pecuniário, no caso de ele se mostrar como contrapartida adequada da utilização de um serviço, atentas as características da sua natureza e da sua concreta execução, com incidência nos custos, não faz sentido concluir que ele viola a proibição do excesso, com fundamento em que, noutras circunstâncias aplicativas, seria esse o resultado a que conduziria o critério de cálculo. Quando a censura constitucional tem como alvo a rigidez e automaticidade do critério legal, com a consequente falta de flexibilidade adaptativa a circunstâncias específicas que podem justificar uma redução de taxa, essas circunstâncias, na fiscalização concreta, têm que ser tidas em

consideração.

10 - Ora, nesta perspectiva, não pode passar despercebido que a situação sub judicio difere substancialmente, sob o ponto de vista da natureza do processo e da complexidade da tramitação, das duas outras sobre que recaíram aqueles acórdãos, em que foi emitido um juízo de inconstitucionalidade.

Quanto ao Acórdão 227/07, o cálculo de custas nele em apreciação referia-se a procedimentos cautelares e respectivos recursos, tendo sido apurado um valor de (euro) 584.403,82, muito superior ao que está em questão nos presentes autos.

No caso do Acórdão 471/07, foi decisiva da pronúncia de inconstitucionalidade a simplicidade da tramitação, que findou, em 1.ª instância, no saneador. Como se salienta

na respectiva fundamentação:

«Tendo em consideração a linearidade da tramitação da acção acima descrita e a fase em que a mesma terminou na 1.ª instância, a contagem de (euro) 123.903,43 de taxas é manifestamente desproporcionada às características do serviço público concreto prestado, atendendo ao custo de vida em Portugal. Na verdade, este montante exagerado resulta apenas do elevado valor da acção, sem qualquer tradução na complexidade do processo, o qual decorreu com uma tramitação simples, não existindo qualquer correspondência entre os custos dos meios do Estado envolvidos e o valor

total das taxas cobradas».

É patente o contraste com o figurino da acção que motivou o recurso em apreciação.

Esta, iniciada em 1994, comportou uma acção principal e seis apensos. No seu âmbito, e com uma base instrutória de 45 quesitos, realizaram-se 16 sessões de julgamento em 1.ª instância, com produção de prova pericial e inspecção ao local, junção de pareceres de professores universitários e recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça.

Nos apensos, por sua vez, foram processados dois procedimentos cautelares de

arresto e vários agravos.

Mais detalhadamente, e como resulta do teor do despacho recorrido, a acção de onde emerge o presente recurso de constitucionalidade implicou a seguinte tramitação

processual:

I - Acção principal: Base Instrutória com 45 quesitos; dezasseis sessões de julgamento;

inspecção ao local; realização de prova pericial; despacho de revogação do benefício de apoio judiciário concedido à Autora; sentença a fls. 2384 a 2397; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa; junção de pareceres de professores universitários;

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça;

II - Apenso A (Arresto intentado pela Autora contra a Ré em 26.5.98): julgamento em 8.7.98; julgamento na oposição (que decorreu em 2.12.98, 26.1.99, 11.2.99 e 14.1.2000); sentença final (4.2.2000); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

(23.1.2002);

III - Apenso B (agravo do despacho que revogou o benefício de apoio judiciário):

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2002;

IV - Apenso C (procedimento cautelar de arresto intentado pela Autora contra a Ré em 25.7.2002): indeferimento liminar (8.8.2002); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (12.12.2002); julgamento e sentença (21.5.2003); julgamento em oposição (19.1.2004); sentença de revogação do arresto (27.2.2004); despacho a declarar deserto o agravo (31.5.2004); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (4.8.2004);

V - Apenso D (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 3372 a 3375): Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 392 a 405 (19.1.2006);

VI - Apenso E (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 2531 a 2536 que decidiu reclamação à conta): Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (13.10.05);

VII - Apenso F (recurso de agravo interposto pela Autora do despacho que indeferiu o pedido de reforma da conta de custas elaborada no arresto): Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (27.3.2007); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

(6.11.2007).

Todo o processado, que demandou uma muito laboriosa actividade jurisdicional, não linear, de vários órgãos judicantes, documentada em 3.498 folhas que se estendem por 15 volumes e 6 apensos, revela «a dificuldade de apuramento dos factos materiais e forte litigiosidade que a acompanhou», como a própria decisão recorrida reconhece.

Neste contexto, como qualificar o montante tributário fixado? Ele é, sem dúvida, elevado, em valor absoluto. Mas não pode considerar-se que seja uma refracção cega do valor da causa. Para o seu atingimento muito contribuiu a complexidade objectiva das questões suscitadas e a própria conduta processual das partes, que recorreram sistematicamente aos meios impugnatórios admissíveis (foram

contabilizados, ao todo, doze incidentes).

A complexidade da tramitação efectivamente processada teve uma repercussão directa no montante das custas apuradas, pelo que não pode sustentar-se que este se fique a dever exclusivamente ao valor da acção. Dá impressiva conta disso a decomposição daquele montante global pelas parcelas que o constituem: dos (euro) 173.383,53 que respeitam a taxas, (euro) 9.684,44 correspondem à taxa do incidente de apoio judiciário, (euro) 19.368,88 à taxa de justiça em cada um de três recursos, (euro) 25.105,22 a taxa de justiça de outro recurso, (euro) 12.552,61 ainda a outra taxa de recurso, (euro) 45.748,60 a procuradoria com natureza de taxa e, finalmente, (euro)

45.453,04 a título de custas de parte.

Numa valoração contextualizada, atenta aos dados concretos da forma como a conta de custas se gerou, no caso dos autos, não pode dizer-se, pelo menos com o carácter de evidência requerido por um controlo da proibição do excesso, que estejamos perante um montante claramente desproporcionado. Se a prestação exigida, a título de custas, atingiu valores elevados, pouco comuns, também, em contrapartida, o serviço fornecido envolveu meios e acarretou necessariamente custos que ultrapassaram o padrão mais habitual do funcionamento judiciário e do processamento dos autos. A correspectividade material entre as duas prestações não se mostra, assim, manifestamente desvirtuada, pelo que não se evidencia que os limites (flexíveis) de taxação resultantes da estrutura bilateral das taxas tenham sido desrespeitados.

Não custa conceder que outros critérios de cálculo possam satisfazer melhor, de forma mais proporcionada e mais próxima da realização do ideal de Justiça não demasiadamente onerosa, as exigências e os limites postulados pela bilateralidade de

um tributo com a natureza de taxa.

Mas considerações desta índole passam ao lado da valoração ajustada à natureza e ao objecto da questão de constitucionalidade aqui posta. Na verdade, o que está em causa é a contenção ou não dentro de limites ainda toleráveis ou admissíveis, de tal forma que o juízo de não inconstitucionalidade se basta com a não infracção desses limites, sem que esse juízo possa ser invalidado pela representação de regimes alternativos mais favoráveis, quanto aos custos da justiça para os particulares que a ela

recorrem.

Desde que não ultrapassados aqueles limites, é da competência do legislador proceder à ponderação da forma como entende mais adequada a repartição dos pesados custos de funcionamento do aparelho de administração da justiça, a fixação da parcela, maior ou menor, em que eles devem ser suportados pelos sujeitos que dela beneficiam ou levados à conta das despesas do Orçamento do Estado.

Também não custa admitir, por outro lado, que alterações legislativas posteriores, designadamente as introduzidas pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, caminharam no sentido de um regime menos oneroso, ao estabelecerem que nas «causas de valor superior a (euro) 250.00 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente», apenas sendo o remanescente considerado na conta a final (artigo 27.º, n.os 1 e 2 do Código das Custas Judiciais, na redacção daquele diploma), possibilitando-se ao juiz, «de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente» (artigo 27.º, n.º 3).

Mas, de uma alteração legislativa que introduz previsões limitativas do montante de custas não pode inferir-se, sem mais, a inconstitucionalidade das soluções, anteriormente consagradas, que as ignoravam. Ela representa apenas uma opção distinta do legislador, no exercício da liberdade conformativa de que dispõe, sem que tal justifique refracções retroactivas na valoração do regime anteriormente vigente, cuja conformidade constitucional tem que ser apreciada pelo seu conteúdo e alcance

próprios.

11 - Há a concluir, pois, que o critério legal não conduziu a uma taxa que ultrapasse um limite de admissibilidade, por manifestamente excessiva. A taxa devida encontra justificação no princípio da cobertura dos custos, pelo menos, estando em relação de correspondência ainda razoavelmente adequada com a complexidade da actividade jurisdicional desenvolvida e com o figurino da tramitação a que deu azo.

Não pode, assim, invocar-se, no caso dos autos, a não fixação de um limite máximo e o não acolhimento, no critério legal, da natureza e complexidade do processo, pois nem um nem outro factor teriam aqui operado em sentido redutor do montante da taxa.

Este respeita, de forma satisfatória, os três sentidos possíveis do princípio da proporcionalidade, em matéria de custas judiciais, de acordo com a especificação analítica levada a cabo pelo Acórdão 608/99: o do «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional», o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes».

Não se mostrando violado o princípio da proporcionalidade, também não foi nuclearmente afectado o direito de acesso ao tribunal, tendo até em conta a natureza do sujeito onerado: uma organização empresarial, necessariamente regida por regras de economicidade estrita na tomada de decisões e, tipicamente, com maior facilidade de dispor de meios financeiros significativos, quer por aplicação de meios próprios, quer, como operação corrente no fluxo da sua actividade, por recurso ao crédito bancário.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, alínea o), e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (na versão emergente do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro), conjugada com a tabela anexa ao CCJ, quando os valores das custas a que a sua aplicação conduziu se mostram proporcionais, no caso dos autos, à especial complexidade do processo;

b) Julgar procedente o recurso, ordenando a reformulação do despacho recorrido em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Junho de 2009. - Joaquim de Sousa Ribeiro - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - João Cura Mariano (vencido conforme declaração

que junto) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Votei vencido por ter entendido que apesar da tramitação da acção aqui em causa ter esgotado as instâncias admissíveis, com alguns incidentes de diminuta complexidade, e ter sido julgada em 1.ª instância em audiência com 16 sessões, a contagem de (euro) 250.000,00 de taxas, nos termos do sistema do Código das Custas Judiciais, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, é manifestamente desproporcionada às características do serviço público concreto prestado, atendendo

ao custo de vida em Portugal.

Na verdade, este montante exagerado resultou apenas do elevado valor da acção, sem tradução na complexidade do processo, não existindo qualquer correspondência entre os custos dos meios do Estado envolvidos e o valor total das taxas cobradas.

Só a ausência de previsão de um limite máximo ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação do valor das taxas devidas pela tramitação ocorrida permitiu que estas atingissem aquele valor manifestamente desproporcionado e injustificadamente inibidor da utilização dos serviços públicos de justiça.

Essa desproporção flagrante e o exagero daquela quantia violaram não só o princípio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, pelo que entendi que se deveria confirmar o juízo de inconstitucionalidade efectuado pela decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público. - João Cura Mariano.

202093083

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/29/plain-258326.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/258326.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1996-11-26 - Decreto-Lei 224-A/96 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código das Custas Judiciais, publicado em anexo, e que faz parte integrante do presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-17 - Decreto-Lei 398/98 - Ministério das Finanças

    Aprova a lei geral tributária em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante. Enuncia e define os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 2003-12-27 - Decreto-Lei 324/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, (republicado no anexo II), o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (Regulamento das Custas dos Processos Tributários e tabela dos emolumentos da DGCI), o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (Regime dos procedimentos dest (...)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2022-01-03 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/2022 - Supremo Tribunal de Justiça

    A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo

  • Tem documento Em vigor 2024-02-21 - Acórdão do Tribunal Constitucional 69/2024 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro

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