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Acórdão 271/2009, de 3 de Julho

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Sumário

Decide não conhecer, em parte, do objecto do recurso, quanto às normas dos artigos 67º, nº 2 , da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006 de 29 de Agosto), 48º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e 15.º, alínea b), do Código Penal, e 78.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro (na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio); e não julga inconstitucional a norma do artigo 79.º do referido Estatuto da Aposentação, na interpretação segundo a qual aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas apenas pode ser abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções e é o Primeiro-Ministro que detém competência para fixar remuneração superior a essa.

Texto do documento

Acórdão 271/2009

Processo 698/08

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - Na presente acção de responsabilidade financeira intentada pelo Ministério Público perante o Tribunal de Contas, Mário Hermenegildo Moreira de Almeida e outros, respectivamente Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Vila do Conde, interpuseram recurso para o Plenário da 3.ª Secção desse Tribunal da sentença proferida em 1.ª instância pela mesma Secção, pela qual foram condenados pela prática de infracções financeiras sancionatórias, bem como na reintegração nos cofres públicos de certas importâncias, a título de responsabilidade reintegratória.

Na parte que se refere à responsabilidade financeira adveniente do pagamento integral de remunerações a aposentados que se encontravam em exercício de funções ao serviço da autarquia, que agora mais interessa considerar, formularam, no recurso, as

seguintes conclusões:

«[...]

10.ª Diversamente do que se assevera na douta sentença sub judicio, 'à data dos factos' (2002, não vigorava já, por força do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, a redacção originária das normas dos artigo 78 e 79 do Estatuto da Aposentação, tendo passado a ser do Primeiro Ministro a competência para autorizar o pagamento, a aposentados, de montante superior a 1/3 da remuneração que competir a essas funções, até ao limite da mesma remuneração.

11 - Cometeu, destarte, o Tribunal a quo erro de direito.

12 - Sendo certo que a aludida competência do Primeiro Ministro não pode abranger os funcionários das autarquias (onde à figura do Primeiro Ministro corresponde a do Presidente da Câmara), padecem de inconstitucionalidade os preceitos dos artigo 78/c e 79 do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 215/87), na interpretação efectuada pela sentença sub censura, por ofensa do princípio

da autonomia do poder local;

13 - Tal como padecem de inconstitucionalidade, sempre segundo a interpretação efectuada naquela sentença, por violarem o princípio 'para trabalho igual, salário igual', consagrado sob o artigo 59-l/a da CRP. [...]».

Por acórdão de 9 de Julho de 2008, o Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas negou provimento ao recurso, aduzindo em relação à aplicação do disposto no artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, a seguinte fundamentação:

«[...]

B) Contratação de Assessores Aposentados

8 - Nesta matéria, que respeita aos demandados Mário Hermenegildo Moreira de Almeida e Abel Manuel Barbosa Maia, agora 1.º e 2.º Recorrentes, levantam os

mesmos questões relativas a:

Erro de direito;

Princípio da Autonomia do Poder Local;

Princípio 'para trabalho igual, salário igual';

Interpretação do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação;

Culpa, e

Responsabilidade solidária.

8.1 - Começam os Recorrentes por afirmar que o Tribunal a quo cometeu erro de direito, porquanto, diversamente do que se assevera na douta sentença, à data dos factos, não vigorava já, por força do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, a redacção originária das normas dos artigo 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, tendo passado a ser do Primeiro-Ministro a competência para autorizar o pagamento, a aposentados, de montante superior a 1/3 da remuneração que competir essas funções, até ao limite da mesma remuneração, e que, por ofensa do princípio da autonomia do poder local, por a aludida competência do Primeiro-Ministro não poder abranger os funcionários das autarquias, padecem de inconstitucionalidade os preceitos dos artigo 78.º/c e 79.º do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 215/87), na interpretação efectuada pela sentença.

8.2 - É verdade que, por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, deixou de ser o Conselho de Ministros o competente para as a autorizações referidas em tais preceitos legais, passando tal competência para o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tenha poder hierárquico ou tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho, mas tal circunstância não afecta minimamente a solução de direito definida na sentença, sendo, aliás, de salientar que, no que concerne à autorização a que alude o artigo 78.º, não se coloca na decisão a sua aplicabilidade, mas tão-somente a que se refere à norma do artigo 79.º, e, logo, fica prejudicado o conhecimento do recurso no

que tange ao preceito do artigo 78.º

8.3 - A sentença incorreu no lapso de considerar que, à data dos factos, a competência para a autorização a que refere o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação era do Conselho de Ministros, o que não altera, contudo, a decisão de direito.

8.4 - Estamos no plano de uma competência administrativa do Governo (autorização de exercício de funções públicas a aposentados e concessão de abono) conferida, por via legislativa emanada do próprio Governo, primeiramente ao Conselho de Ministros

e, posteriormente, ao Primeiro-Ministro.

8.5 - É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento (artigo 198.º, n.º 2, da Constituição).

8.6 - Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (artigo 199.º, alínea e), da Constituição).

8.7 - As competências do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro encontram-se definidas nos artigos 200.º e 201.º da Constituição, respectivamente, sendo de salientar, quanto ao último, a alínea d) do n.º 1 do artigo 201.º, no sentido de competir ao Primeiro-Ministro exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela

Constituição e pela lei.

8.8 - Assim, nada impede que a autorização realizada ao abrigo do disposto nos artigos 79.º do Estatuto da Aposentação seja atribuída ao Primeiro-Ministro, nem se vislumbra que a situação mude de natureza, em termos de eventual inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio de autonomia do poder local, por, a respectiva competência, já não

caber ao Conselho de Ministros.

8.9 - O princípio da autonomia do poder local está consagrado nos artigos 6.º, n.º 1, 237.º e 242.º da Constituição, e implica que a Administração Central não possa actuar directamente ou por substituição na prática de actos administrativos dos órgãos das autarquias locais que prossigam a realização dos interesses próprios das populações

respectivas.

8.10 - Na sua actuação as autarquias locais regem-se pela Constituição e a lei, sendo da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais (artigo 165.º, n.º 1, alínea q), da Constituição), sendo certo que a matéria agora em apreciação não se mostra atribuída às autarquias locais, nem envolve qualquer interferência nos interesses próprios das respectivas comunidades, tanto mais que trata de um regime excepcional de autorização de um abono, e, como bem refere a sentença recorrida, 'sendo matéria de interesse e âmbito nacional nunca seria justificável que os pagamentos a aposentados da função pública pudessem ser diferenciados por decisões casuísticas dos presidentes dos cerca de 300 municípios portugueses'.

8.11 - Surge, portanto, evidente que a norma do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação (na redacção dada pelo Decreto-Lei 215/87) não padece do vício de inconstitucionalidade, nem existe esse vício na interpretação feita na sentença (que se reportou à redacção originária do preceito), desatendendo-se, nesta parte, a pretensão

dos 1.º e 2.º Recorrentes.

8.12 - Consideram ainda os mesmos Recorrentes que padecem também de inconstitucionalidade, sempre segundo a interpretação efectuada naquela sentença, por violarem o princípio 'trabalho igual, salário igual, consagrado sob o artigo 59-1/a da

CRP'.

8.13 - Não têm razão, pois, conforme é indicado na sentença, esta matéria já foi apreciada no Acórdão 386/91 do Tribunal Constitucional, de 22 de Outubro (publicado no D.R. 2.ª série, de 02-04.92, pág. 3112 e segs.), concordando-se inteiramente com o seu teor, e, em consequência, só haverá inconstitucionalidade nos casos, diferente do agora em apreciação, em que a norma permite que o montante da pensão somado ao abono de uma terça parte da remuneração pelo desempenho de outras funções públicas por parte do aposentado seja inferior ao quantitativo da remuneração correspondente às funções desempenhadas.

8.14 - No mesmo sentido, refira-se o Acórdão do mesmo Tribunal n.º 285/02, de 18

de Junho de 2002, em que se diz:

"Contrariamente ao sustentado pelo tribunal recorrido, não é inconstitucional, por violação do princípio de que 'para trabalho igual salário igual', consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a norma do artigo 79.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, sempre que o aposentado não receba integralmente a remuneração correspondente ao desempenho das funções públicas que lhe seja permitido desempenhar. Só existirá violação desse princípio se, como se sublinha no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, o aposentado receber, a final, menos do que um trabalhador no activo que exerça em quantidade e qualidade iguais".

8.15 - Sendo de uma total clareza ambos os acórdãos citados, tornam-se desnecessários outros desenvolvimentos, constatando-se que a sentença proferida, nesta parte, não merece qualquer censura, sendo, consequentemente de improceder a

pretensão dos recorrentes.

[...]».

Os recorrentes interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

«[...]

As normas cuja fiscalização concreta de constitucionalidade se pretende são as

contidas:

As do artigo 67-2 da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, do artigo 48-2/d do Decreto-Lei 59/99 e do artigo 15/b do Código Penal;

Dos preceitos dos artigos 78/c e 79 do Estatuto da Aposentação (na redacção

introduzida pelo Decreto-Lei 215/87);

Tais normas, interpretadas nos termos constantes do douto aresto recorrido, padecem de inconstitucionalidade - como os Recorrentes sustentaram na sua alegação para o Tribunal recorrido -, por violação, respectivamente:

Do conceito de Estado de Direito Democrático, consagrado sob o artigo 2.º da nossa

lei Fundamental;

Por ofensa do princípio da autonomia do poder local (artigo 235, 242-1-2 e 243-1-2, CRP) e do princípio 'para trabalho igual, salário igual' (artigo 59-1/a, CRP).

[...]».

Na sequência de despacho de aperfeiçoamento do relator, através do qual foram convidados a identificar as interpretações normativas que pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, vieram os recorrentes dizer o seguinte:

«A) As normas em apreço.

1 - O preceito do artigo 67-2 da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006, de 29 de Agosto) reza:

'O Tribunal de Contas gradua as multas tendo em consideração a gravidade dos factos e as suas consequências, o grau de culpa, o montante material dos valores públicos lesados ou em risco, o nível hierárquico dos responsáveis, a sua situação económica, a existência de antecedentes e o grau de acatamento de eventuais recomendações do

Tribunal.'

2 - Estatui-se sob o artigo 48-2 do Decreto-Lei 59/99:

'São os seguintes os procedimentos aplicáveis, em função do valor estimado do

contrato:

[...]

d) Ajuste directo, quando o valor estimado do contrato for inferior a 5000 contos, sendo obrigatória a consulta a três entidades.'

3 - Dispõe o artigo 15.º do Código Penal:

'Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

[...]

b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.' 4 - Consta do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º

215/87):

'Artigo 78.º

Incompatibilidades

1 - Os aposentados ou reservistas das Forças Armadas não podem exercer funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas, excepto se se verificar alguma das seguintes circunstâncias:

[...]

c) Quando, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, o Primeiro-Ministro, por despacho, o autorize, constando do despacho o regime jurídico a que ficará sujeito e a remuneração atribuída.

Artigo 79.º

Exercício de funções públicas por aposentados Nos casos em que aos aposentados ou reservistas seja permitido, nos termos do artigo anterior, desempenhar funções públicas ou prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas ou entidades equiparadas, é-lhes mantida a pensão de aposentação ou de reforma, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, autorizar montante superior, até ao limite da

mesma remuneração.'

B) A aplicação, pelo tribunal recorrido, das normas transcritas.

5 - O Tribunal a quo entendeu que age com culpa um autarca experiente e com conhecimentos [in casu, o 1.º Recorrente], quando segue a orientação proposta pelo competente Director do Departamento Administrativo e Financeiro, no sentido de que mantém a natureza de empréstimo de curto prazo aquele que é amortizado no ano civil subsequente ao da sua contracção, mas sem que o período de vigência exceda um ano e que, por conseguinte, não há que suscitar a intervenção do executivo e da Assembleia Municipal, com vista à sua transformação em empréstimo de médio ou longo prazo.

6 - Pretende-se que este Alto Tribunal verifique se o conceito de culpa assim perfilhado, em interpretação e aplicação das normas do artigo 67-2 da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006, de 29 de Agosto) e do artigo 15/b do Código Penal, se coaduna com o princípio do estado de direito democrático (art. 2º, CRP).

7 - Julgou o Tribunal recorrido que os preceitos dos artigos 78/c e 79 do Estatuto da Aposentação, na redacção (em vigor à data dos factos em causa) acima transcrita, confere ao Primeiro-Ministro a competência para autorizar o exercício de funções, por aposentados, nas autarquias locais e para fixar remuneração superior a um terço da que

corresponde a esse exercício.

8 - A questão que se submete a este Tribunal Constitucional é a de apurar se essa interpretação se conforma com o princípio da autonomia do poder local (artigo 235, 242-1-2 e 243-1-2, CR2) e com o princípio 'para trabalho igual, salário igual' (artigo

59-1/a, CRP).

9 - Finalmente, o Tribunal a quo decidiu que age com culpa o autarca que, seguindo a orientação proposta pelos serviços competentes, adjudica, por ajuste directo, no mesmo dia - mas em procedimentos que tiveram origem e se desenrolaram autonomamente e que respeitavam a obras absolutamente independentes e distantes entre si muitos quilómetros -, trabalhos que, no seu conjunto, excedem o limite imposto

sob o artigo 48-2 do Decreto-Lei 59/99.

10 - Também aqui se pretende que este Alto Tribunal verifique se o conceito de culpa assim perfilhado, em interpretação e aplicação das normas do artigo 67-2 da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006, de 29 de Agosto) e do artigo 15/b do Código Penal, se coaduna com o princípio do estado de direito democrático (artigo 2.º, CRP).».

Por despacho de fls. 172 e seguintes, o relator notificou os recorrentes para produzirem alegações, com a advertência de que apenas seria de conhecer do objecto do recurso no tocante à questão da conformidade constitucional da interpretação que se reporta aos artigos 78.º, n.º 1, alínea c), e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redacção dada

pelo Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio.

Em alegações, os recorrentes nada disseram em relação à possível restrição do objecto do recurso, e, quanto ao mais, concluíram do seguinte modo:

«1.ªÀ luz do estatuído nos artigos 235, 242-1-2 e 243-1-2 da CRP, a interpretação das normas do artigo 78-1/c e 79 tem de ser no sentido de que a referência, nelas, ao Primeiro-Ministro deve considerar-se feita, quando esteja em causa o exercício de funções em determinado município, ao presidente da respectiva câmara municipal.

2.ªA limitação do abono a receber pelos aposentados a uma terça parte (ou a qualquer outra percentagem) da remuneração correspondente às funções por eles desempenhadas constitui violação do princípio 'para trabalho igual, salário igual' (art.

59-1/a, CRP).

3.ª A interpretação normativa perfilhada pelo aresto sub censura viola, por conseguinte, os princípios e preceitos constitucionais invocados.».

Nas contra-alegações, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio sustentar que, face ao decidido no acórdão recorrido, não poderá considerar-se efectivamente aplicado o regime normativo constante do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, encontrando-se o objecto do recurso limitado, desse modo, à questão da constitucionalidade da norma constante do artigo 79.º do mesmo Estatuto.

Formulou ainda as seguintes conclusões:

1.ª A regra constante do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, ao outorgar ao Primeiro Ministro a competência par outorgar o recebimento, em acumulação com a pensão de reforma de verba superior a 1/3 da remuneração correspondente às funções exercidas - independentemente da natureza da entidade pública em que as funções são desempenhadas - não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.

2.ª Termos em que deverá improceder o presente recurso.

Os recorrentes não responderam à questão prévia colocada pelo Ministério Público, respeitante à não aplicação, na decisão recorrida, do regime constante do artigo 78.º

do Estatuto da Aposentação.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - Delimitação do objecto do recurso - 2 - O recurso de constitucionalidade interposto pelos recorrentes incide sobre as normas dos artigos 67.º, n.º 2, da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006, de 29 de Agosto), 48.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, e 15.º, alínea b), do Código Penal, e ainda sobre as normas dos artigos 78.º, alínea c), e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redacção do Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio.

Convidado a especificar as interpretações normativas que, em cada caso, estão em causa, os recorrentes, relativamente àquele primeiro grupo de disposições, vieram esclarecer que pretendem que o Tribunal Constitucional verifique se o conceito de culpa perfilhado pelo tribunal recorrido em aplicação desses referidos preceitos se coaduna com o estado de direito democrático.

Assim sendo, nesse ponto, os recorrentes não questionam a conformidade constitucional de qualquer interpretação normativa que tenha sido formulada pelo tribunal recorrido, e limitam-se antes a censurar a própria decisão recorrida face aos termos que efectuou a qualificação jurídica dos factos tidos como assentes.

Ora, o Tribunal Constitucional não possui competência para analisar a constitucionalidade de decisões judiciais, mas apenas de normas ou interpretações normativas de que essa decisão tenha feito aplicação, na apreciação do caso concreto (como, com evidência, decorre do artigo 280.º da CRP e das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional), pelo que não pode conhecer-se do objecto do recurso no que se refere a qualquer desses aspectos.

Entretanto, o Ministério Público, nas contra-alegações, suscitou ainda a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso em relação à norma do artigo 78.º, alínea c), do Estatuto da Aposentação, por entender que esta não foi aplicada na decisão recorrida, matéria sobre a qual, os recorrentes, notificados para se pronunciarem, não

deduziram oposição.

E, na verdade, o Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Constas, tomando por assente que o recurso perante ele interposto incidia sobre a interpretação dos artigos 78.º, alínea c), e 79.º do Estatuto da Aposentação, expressamente afastou a aplicabilidade ao caso concreto da primeira dessas disposições, que se reportava ao regime de incompatibilidades dos aposentados para o exercício de funções remuneradas em serviços públicos, e, em necessária decorrência, apenas se pronunciou sobre a norma do artigo 79.º, deixando prejudicado o conhecimento do recurso quanto à questão

suscitada por aquela outra disposição.

Ora, tendo em conta que a aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja conformidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, constitui um dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, é de considerar procedente a questão prévia colocada pelo Ministério Público, pelo que também não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, quanto à norma do artigo 78.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto da Aposentação.

Nestes termos, o recurso circunscreve-se à norma do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção emergente do Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, na interpretação segundo a qual aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas apenas pode ser abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções e é o primeiro-ministro que detém competência para fixar remuneração superior a essa.

Mérito do recurso - 3 - Estão em causa, no presente recurso, dois diferentes segmentos normativos do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação: de um lado, a limitação a um terço da remuneração a auferir por aposentados, que, nessa situação, se encontrem a exercer outras funções públicas, o que, segundo os recorrentes, ofende o princípio 'para trabalho igual, salário igual', consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição; de outro, a atribuição de competência ao primeiro-ministro para autorizar um abono superior a esse, que se entende infringir o princípio da autonomia do poder local consignado nos artigos 235.º, 242.º, n.º s 1 e 2, e 243.º, n.º s 1 e 2, da

Constituição.

Na sua redacção originária, a referida norma do artigo 79.º do Estatuto da

Aposentação tinha a seguinte redacção:

«Artigo 79.º

Exercício de funções públicas por aposentados Nos casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções públicas é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração.» Entretanto por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, aqui aplicável por ser a vigente à data dos factos, passou a dispor do seguinte

modo:

«Artigo 79.º

Exercício de funções públicas por aposentados Nos casos em que aos aposentados ou reservistas seja permitido, nos termos do artigo anterior, desempenhar funções públicas ou prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas ou entidades equiparadas, é-lhes mantida a pensão de aposentação ou de reforma, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, autorizar montante superior, até ao limite da

mesma remuneração.»

Reportando-se à primitiva versão do preceito, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar, no acórdão 386/91, de 22 de Outubro, a conformidade constitucional do princípio da limitação da remuneração, aí prevista, tendo julgado inconstitucional por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, a norma do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, «mas somente na medida em que permite que o montante da pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração que competir ao permitido desempenho de outras funções públicas por parte do mesmo aposentado, seja inferior ao

quantitativo de tal remuneração».

Afirmou-se então o seguinte:

«[...]

5 - Na versão originária da Constituição consagrava-se na alínea a) do artigo 53.º que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, religião ou ideologia tinham direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma

a garantir uma existência condigna.

Tais direito e proibição discriminatória continuaram a perdurar, em moldes em tudo idênticos, no texto constitucional resultante da revisão operada pela lei Constitucional 1/82 [artigo 60.º, n.º 1, alínea a)] e da revisão operada pela lei Constitucional n.º

1/89 [artigo 59.º, n.º 1, alínea a)].

Nas citadas disposições constitucionais reafirma-se o princípio fundamental da igualdade, consagrado no artigo 13.º da lei Básica, vertido na óptica dos direitos dos trabalhadores, efectuando-se uma determinação negativa [a proibição da discriminação], referindo-se um parâmetro positivo [a igualdade de retribuição], sujeito a avaliação, mediante critérios objectivos e materiais - logo não meramente formais - da quantidade, qualidade e natureza do trabalho, aos quais não poderá ser alheia a realidade social e, por fim, definindo-se como objectivo a garantia de uma retribuição do trabalho permissora de um trem de vida, individual e do agregado familiar, adequado ao grau económico generalizado do Pais (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 1.º vol., págs. 321 e segs., Jorge Leite, Direito do Trabalho e da Segurança Social, págs. 305 e segs., e Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, 1975, págs. 62 e segs.).

6 - Face a estes contornos, será que ofende o preceito constitucional vasado na alínea a) do artigo 53.º da versão originária da Constituição, na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da versão de 1982 e na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da actual versão, uma norma que estabeleça limites à cumulação de remuneração devida pelo desempenho de outras funções públicas por um ex-servidor do Estado, com a pensão de aposentação

(ou reserva) por ele já percebida?

Entende-se que a resposta a esta questão genérica terá de ser negativa.

6.1 - É que, por um lado, a pensão auferida (que até, numa certa visão das coisas, poderia ser entendida como o posterior pagamento daquela parte da retribuição do trabalho desempenhado pelo servidor do Estado enquanto se manteve no activo, pagamento esse que lhe não foi feito, porque, ao menos em parte, descontado no vencimento líquido então auferido a título de subscrição para a C.G.A., e que, ajuntado à parte já paga, justificava a remuneração ilíquida global como ajustada à quantidade, qualidade e natureza do trabalho efectuado) pode, ou deve, ser entendida como a atribuição de um quantitativo ajustado à prossecução da existência condigna de vida do servidor, atentas as condições sociais e familiares que deterá aquando da sua

aposentação.

A ser assim, estaria efectivada a garantia ínsita na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição (versão actual).

E, por isso, a remuneração pelo desempenho de outras funções públicas - ainda que limitada - representaria um plus retributivo a acrescer ao percebido a título de pensão

pelo aposentado.

Na verdade, os proventos auferidos pelo funcionário no activo e decorrentes do exercício de funções ou cargos públicos em qualidade e quantidade iguais às desempenhadas pelo aposentado autorizado a exercê-las constituem, quanto ao primeiro, o núcleo essencial da respectiva retribuição, que há-de obedecer ao comando garantístico da parte final do mencionado preceito da Constituição, derivando, ainda, de algum modo, do próprio direito ao trabalho concedido aos cidadãos.

Ora, se aos aposentados da função pública a garantia de existência condigna está assegurada pela atribuição da pensão de reforma, é claro que o quantitativo que percebem além da pensão e advindo do permitido desempenho de outro emprego ou cargo públicos, colocá-los-á, relativamente a essa garantia, em situação não igual à dos funcionários do activo que exercem funções iguais, em quantidade e qualidade, às que o

aposentado está autorizado a desempenhar.

A remuneração auferida pelo trabalhador da função pública aposentado e em consequência do trabalho 'cumulado', constitui, pois, um plus retributivo que não tem origem, directamente, no seu direito ao trabalho, conquanto, obviamente, derive do

trabalho desempenhado.

6.2 - Por outro lado, e primordialmente, é necessário não olvidar que no próprio texto constitucional (n.º 4 do artigo 269.º, correspondente, na primeira versão, ao n.º 4 do artigo 270.º) se descortina credencial bastante para legitimar o legislador ordinário a definir os casos e as condições em que a regra da proibição da acumulação de empregos ou cargos públicos aí contida pode ser excepcionada.

6.3 - Concluir-se-á, desta arte, que, em termos genéricos, não será feridente da lei Fundamental e, designadamente, do que se consagra na já referida alínea a) do n.º 1 do seu artigo 59.º, norma infraconstitucional que venha estabelecer um limite à cumulação de remunerações advindas da pensão de reforma de um aposentado da função pública e da retribuição pelo exercício de funções ou cargos públicos que ele se encontre legalmente autorizado a desempenhar, independentemente da concretização, numa ou

noutra, desse limite.

7 - Mas, se a tal conclusão se chegou, a indagação do problema não pode quedar-se

por aqui.

De facto, tendo em conta o direito fundamental garantido na mencionada alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, concretizador daqueloutro da igualdade, e o princípio de justiça que lhe está subjacente, mister é que o total recebido pelo aposentado se não mostre inferior ao vencimento percebido pelo trabalho desempenhado pelo funcionário no activo, sob pena de, havendo exercício de trabalho em qualidade e quantidade iguais por parte de dois trabalhadores, um deles receber, a final, menos do que o outro.

Pois bem:

Se mercê de limitação à globalidade remuneratória imposta por normação ordinária, o total auferido pelo aposentado - resultado da pensão e do 'vencimento' proveniente do desempenho autorizado de função ou cargo públicos - se mostrar de quantitativo inferior ao 'salário' atribuído ao trabalhador do activo que exerce função ou cargo iguais aos que o aposentado está permitido exercer, então o citado princípio de justiça subjacente à referida norma constitucional ver-se-á inequivocamente abalado.

8 - A ser assim, como é, perante o dispositivo constante da norma em apreciação, poderão surgir hipóteses em que a soma da pensão de reforma do aposentado e do montante da retribuição do autorizado desempenho de outra função ou cargo públicos - montante esse derivado do limite imposto pela mesma norma - seja de quantitativo inferior ao do auferido pelo funcionário no activo que exerce igual função ou cargo.

Ora, em tais casos, originados pela estatuição da norma em causa, criar-se-ão situações conflituantes com os assinalados princípio de justiça e garantia respectivamente ínsito e consagrada na lei Básica.

[...]».

Este entendimento veio a ser retomado no acórdão 258/02, de 18 de Junho, em que

se aditaram as seguintes considerações:

«[...] não é inconstitucional, por violação do princípio de que 'para trabalho igual salário igual', consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a norma do artigo 79.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, sempre que o aposentado não receba integralmente a remuneração correspondente ao desempenho das funções públicas que lhe seja permitido desempenhar. Só existirá violação desse princípio se, como se sublinha no mencionado acórdão do Tribunal Constitucional, o aposentado receber, a final, menos do que um trabalhador no activo que exerça trabalho em

quantidade e qualidade iguais.

Na verdade, e como salienta o Ministério Público nas alegações que produziu junto deste Tribunal, 'não são manifestamente situações idênticas aquelas em que certo cidadão exerce, em exclusivo, certa função e em que tal função é exercida cumulativamente com outra, podendo legitimamente tal situação de acumulação ditar uma redução - proporcional e adequada - da remuneração global auferida.'.

Não sendo idênticas as situações do aposentado que exerce certa função pública e a do trabalhador no activo que só exerce essa função, desde logo porque aquele acumula a qualidade de aposentado, auferindo a correspondente pensão de aposentação, é evidente que a questão de constitucionalidade apreciada pelo tribunal recorrido não pode ser equacionada nos termos simples em que assumidamente o foi. O princípio da igualdade não postula o tratamento igual de situações substancialmente diversas, não sendo necessário incorrer na censurada 'excessiva teorização' para assim concluir.

Por outro lado, mantendo o aposentado a pensão de aposentação e recebendo uma parte da remuneração que, acrescida àquela, não é inferior ao quantitativo da remuneração que compete às funções que desempenha, não se verifica qualquer enriquecimento indevido do Estado à custa do trabalhador, contrariamente ao defendido no acórdão recorrido. E isto porque o trabalhador, como sucede no caso dos autos, acaba por auferir uma quantia que, globalmente considerada, não é inferior àquela que compete às funções que desempenha, não sofrendo portanto um correlativo

empobrecimento.

Conclui-se assim que não é inconstitucional o segmento normativo do artigo 79.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, que - consentindo embora a redução da remuneração global devida a um aposentado que for autorizado a exercer outra função pública -, garanta ao aposentado a percepção do quantitativo que competir a essa

função pública.»

A argumentação dos recorrentes em nada põe em causa esta orientação

jurisprudencial.

Por um lado, afirmam que para a aplicação do princípio «para trabalho igual, salário igual» releva apenas a circunstância de o trabalho ser ou não igual, e não a circunstância de o trabalhador ser ou não aposentado; por outro lado, consideram que o princípio da redução da remuneração dos aposentados que exercem outras funções públicas, a ser constitucionalmente conforme, seria também aplicável aos trabalhadores no activo que se encontrem em acumulação de funções, solução não consentida pelos artigos 27.º e 28.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Relativamente ao primeiro ponto, importa precisar que a norma do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição visa essencialmente assegurar o direito a uma justa retribuição do trabalho e é em vista à realização desse direito que se devem entender os princípios fundamentais que aí se estabelecem para efeito da fixação da remuneração: (a) ela deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se as discriminações entre trabalhadores; (c) a retribuição deve garantir uma existência

condigna.

O princípio da igualdade salarial, como componente do direito a uma justa retribuição, não pode, por conseguinte, ser interpretado num sentido estritamente formal, mas antes à luz do objectivo constitucional que é traçado pela referida disposição do artigo 59.º,

n.º 1, alínea a).

Como refracção do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, o que a referida norma constitucional proíbe é o estabelecimento de diferenciações arbitrárias em matéria de retribuição e, por isso, a distinção de tratamento entre trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho sem que para isso subsista um fundamento material bastante (neste sentido, o acórdão 424/2003).

No caso concreto, a limitação da remuneração é determinada pela circunstância de os cargos públicos se encontrarem a ser desempenhados por pessoas em situação de aposentação, relativamente às quais, desde logo, se encontra garantido o pagamento de uma pensão mensal que assegura a manutenção de um nível de vida correspondente àquele que já detinham quando se encontravam no activo. O critério legal assenta, por outro lado, em considerações de política legislativa que visam a proibição do exercício de funções remuneradas na Administração Pública por parte de quem, tendo mantido já uma relação jurídica de emprego público, se encontre a beneficiar do correspondente regime de previdência social, e que apenas conhece as excepções especialmente previstas no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação.

A redução do montante remuneratório a um terço nos casos em que seja legalmente permitido a renovação de um vínculo de emprego público, como prevê o artigo 79.º do Estatuto de Aposentação, não impede que o interessado continue a auferir a totalidade da pensão, e representa, em si, um regime mais vantajoso que o anteriormente existente, que impunha que os aposentados nessas condições optassem pela remuneração correspondente ao cargo exercido ou pelo pagamento da pensão de aposentação (cf. ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei 498/72, de 9 de

Dezembro).

Em qualquer caso, como decorre do segmento final do mesmo artigo 79.º, não fica afastada a possibilidade, em situações que se mostrem justificadas, que venha a ser autorizada, caso a caso, o pagamento de um montante superior àquele até ao limite da remuneração que for legalmente devida pelo exercício do cargo.

Como se vê, o regime legal assenta num critério correctivo de natureza objectiva e mostra-se justificado por razões de moralização do sistema previdencial público, e não põe em causa, de nenhum modo, o direito a uma existência condigna, que é desde logo assegurada pelo pagamento da pensão de aposentação - questão que sempre poderia ser avaliada em concreto através do procedimento de autorização previsto no artigo

79.º, in fine.

Nada permite, por isso, concluir pela invocada inconstitucionalidade.

A invocação do regime jurídico vigente para a acumulação de funções no activo não

possui também qualquer valor argumentativo.

Antes de mais, as soluções normativas adoptadas, no plano do direito ordinário, em relação a quaisquer outros aspectos do ordenamento jurídico, ainda que possam constituir lugares paralelos, não podem servir de parâmetro de constitucionalidade relativamente à questão que vem colocada no presente recurso, justamente porque se trata de direito infra-constitucional. Nem cabe agora averiguar se essa outra legislação é ou não, ela própria, conforme com a Constituição para efeito de se poder estabelecer

um qualquer padrão comparativo.

Acresce que o novo regime de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, a que os recorrentes pretendem referir-se, não deixa de instituir um regime de exclusividade do exercício de funções públicas (artigo 26.º), e só permite a acumulação com outras funções públicas quando estas não sejam remuneradas ou nos casos taxativamente indicados na lei, desde que haja manifesto interesse público nessa acumulação e prévia autorização da entidade competente (artigos 27.º e 29.º). O que conduz a concluir que há, também, neste âmbito, um regime fortemente restritivo, que é consentâneo com o estabelecido para o exercício de funções públicas por parte de pessoas em situação de aposentação.

Seja como for, nunca o referido regime legal poderia servir de elemento de aferição de um julgamento de constitucionalidade, visto que estamos perante soluções normativas, que sendo em si mesmas distintas, visam também diferentes propósitos legislativos (garantia de imparcialidade, num caso; regulação do sistema previdencial, no outro), relativamente aos quais seria lícito ao legislador instituir distintos critérios legais.

4 - Pretendem ainda os recorrentes que a disposição do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação envolve a violação do princípio da autonomia do poder local, consagrado nos artigos 235.º, 242.º, n.º s 1 e 2, e 243.º, n.º s 1 e 2, da Constituição.

Esse princípio, também consagrado no artigo 6.º da Constituição, significa que «as autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, de descentralização territorial do Estado, dotadas de órgãos próprios, de atribuições específicas correspondentes a interesses próprios e não meras formas de administração indirecta ou mediata do Estado» (Gomes Canotilho /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 234).

Daí decorre que o legislador fica constitucionalmente vinculado a uma concepção de descentralização administrativa, que implica a devolução de atribuições e poderes aos entes públicos autárquicos infraestaduais. Essa devolução de poderes tem como consequência a atribuição de uma autonomia administrativa, que envolve a competência para a prática de actos administrativos e o exercício de poder regulamentar, sem sujeição a qualquer vínculo de dependência hierárquica em relação ao Estado, embora sem prejuízo da tutela administrativa de estrita legalidade - artigos 241.º e 242.º da Constituição (Gomes Canotilho /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1993, pág. 886).

Essas competências não podem, no entanto, deixar de ser confinadas aos respectivos limites territoriais e às tarefas de incidência local que não sejam atribuídas, por lei, a outros titulares da Administração (cf. artigo 199.º e 267.º da Constituição). E, evidentemente, abrange apenas funções administrativas e não funções legislativas, que estão necessariamente confiadas à Assembleia da República e ao Governo e, no âmbito regional, aos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (artigos 161.º e segs.

e 227.º da Constituição).

É à Assembleia da República que compete legislar, salvo autorização ao Governo, sob as bases do sistema de segurança social, bem como sobre as bases e âmbito da função pública, competindo ao Governo fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis (artigos 165.º, n.º 1, alínea f), e t), e 198.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Constituição).

Estando em causa, no caso vertente, o exercício cumulativo de funções públicas por parte de aposentados, e sendo essa matéria atinente ao estatuto da aposentação do funcionalismo público, a competência para legislar pertencia, nos termos antes expostos, aos órgãos de soberania, incluindo-se no âmbito da discricionariedade legislativa a indicação da entidade a quem deveria competir a autorização prevista na lei para o abono de remuneração superior à que está legalmente fixada.

Sendo essa competência atribuída ao primeiro-ministro, e tratando-se de matéria que diz respeito a interesses colectivos de índole geral e que manifestamente excedem a mera incidência local (independentemente de os destinatários do procedimento autorizativo poderem ser funcionários autárquicos), torna-se claro que não há, na referida atribuição de competência administrativa, qualquer violação do princípio da

autonomia local.

Assim é de não julgar inconstitucional a norma do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção emergente do Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio, na interpretação segundo a qual aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas apenas pode ser abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções e é o primeiro-ministro que detém competência para fixar remuneração superior a essa.

III - Decisão. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não conhecer do objecto do recurso, quanto às normas dos artigos 67.º, n.º 2, da lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 48/2006, de 29 de Agosto), 48.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, e 15.º, alínea b), do Código Penal, e 78.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro (na redacção emergente do

Decreto-Lei 215/87, de 29 de Maio);

b) Negar provimento ao recurso na parte que dele se conhece.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 27 de Maio de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.

201944732

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/03/plain-256067.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/256067.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1987-05-29 - Decreto-Lei 215/87 - Presidência do Conselho de Ministros

    Adopta diversas medidas no campo da desgraduação normativa e de desconcentração de competências. Os membros das comissões de gestão a que alude o nº 1 do artigo 3 do Decreto Lei nº 572/76, de 20 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei nº 240/77, de 8 de Junho, são nomeados por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e da Agricultura, Pescas e Alimentação. As concessões de prospecção, pesquisas, desenvolvimento e exploração de petróleo bem como a transmissão e prorrogação nomeadamente as previ (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-03-02 - Decreto-Lei 59/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas

  • Tem documento Em vigor 2006-08-29 - Lei 48/2006 - Assembleia da República

    Altera (quarta alteração) a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto. Republicada em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2008-02-27 - Lei 12-A/2008 - Assembleia da República

    Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

Aviso

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