Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 208/2009, de 18 de Maio

Partilhar:

Sumário

Decide não tomar conhecimento do recurso de deliberação da Comissão Nacional de Eleições por não se tratar de acto administrativo contenciosamente recorrível para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102.º-B da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Processo n.º 318/09)

Texto do documento

Acórdão 208/2009

Processo 318/09

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Por carta n.º 0055/GVSF/2009, datada de 17 de Abril de 2009 e enviada, por telefax, às 19h19 do referido dia (fls. 11 a 32), e, entregue em mão, na sede da Comissão Nacional de Eleições, em 20 de Abril de 2009 (fls. 33 a 54), o Vereador José Sá Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, apresentou um requerimento à recorrida Comissão Nacional de Eleições, sob a epígrafe "Estruturas de Outdoors de Propaganda Política colocadas na Praça Marquês de Pombal - Exposição e pedido de parecer", nos termos do qual formulou o seguinte

pedido:

"Requer-se a Exa. se digne emitir, com a maior brevidade, Parecer sobre as seguintes

questões:

1) Se a CML, enquanto gestora do espaço público da cidade, pode proceder à remoção das estruturas de outdoor já colocadas, em violação dos critérios consagrados na lei para o efeito, após notificação específica e fundamentada (Parecer da DRCLVT e IGESPAR), dos Partidos e Movimentos Políticos no sentido da obtenção de acordo para o efeito e caso este não seja alcançado;

2) Em caso negativo, qual o procedimento urgente e as entidades ou tribunais competentes que a CML deve accionar no sentido de obter o cumprimento da lei." (fls.

6)

2 - Após deliberação sobre o pedido de parecer, tomada na sua reunião de 21 de Abril de 2009, a Comissão Nacional de Eleições enviou o ofício identificado pela referência n.º 1.15 (fls. 138), nos termos do qual anexava o parecer elaborado pelo respectivo Gabinete Jurídico, que havia sido alvo de aprovação (fls. 139 a 144). Do referido parecer podem extrair-se as seguintes conclusões:

"1) O exercício da propaganda é livre, encontrando-se apenas restringida pelas normas legais que indicam quais os locais em que a mesma é proibida (n.º 3 do artigo 4.º da Lei

97/88 e n.º 4 do artigo 66.º da LEAR).

2) As várias alíneas do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88 correspondem aos objectivos que devem nortear os sujeitos privados na sua actividade de propaganda,

isto é, os promotores da mesma.

3) Não podem os órgãos autárquicos impor qualquer proibição invocando razões que correspondem a alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88.

4) No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam

naqueles prazos e condições.

Pelo exposto e respondendo às questões concretamente colocadas:

No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em causa, não pode aquela entidade removê-los.

A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender." (fls. 143 e 144) Notificado de tal parecer elaborado pelo Gabinete Jurídico, o Vereador José Sá Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, perante a omissão de junção de comprovativo da deliberação, solicitou à Comissão Nacional de Eleições, por telefax enviado em 23 de Abril de 2009, o envio de cópia da acta da reunião ocorrida em 21 de Abril de 2009 (fls. 169 e 170). Mediante o ofício identificado pela referência n.º CNE/SAÍDA/01894, enviado por telefax em 24 de Fevereiro de 2009 (fls. 172 a 174) a Comissão Nacional de Eleições notificou o Vereador José Sá Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa do conteúdo da deliberação tomada sobre o pedido formulado, mediante certidão de excerto da acta relativo ao ponto 2.4. da ordem de trabalhos da reunião ocorrida em 21 de Abril de 2009. O referido excerto da acta comprova que foi deliberado o seguinte:

"2 - Período da ordem do dia.

...

2.4 - Estruturas de outdoor de Propaganda política colocadas na Praça Marquês de Pombal - Exposição e pedido de parecer da Câmara Municipal de Lisboa.

O plenário aprovou, com o voto de abstenção do Senhor Dr. Jorge Miguéis, o parecer que constitui anexo à presente acta, nos termos do qual se conclui que:

- O exercício da propaganda é livre, encontrando-se apenas restringida pelas normas legais que indicam quais os locais em que a mesma é proibida (n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88 e n.º 4 do artigo 66.º da LEAR).

- As várias alíneas do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88 correspondem aos objectivos que devem nortear os sujeitos privados na sua actividade de propaganda, isto é, os

promotores da mesma.

- Não podem os órgãos autárquicos impor qualquer proibição invocando razões que correspondem a alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88.

- No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam

naqueles prazos e condições.

- No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em causa, não pode aquela entidade removê-los.

- A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender."

3 - Devidamente notificado desta deliberação, na pessoa do Vereador José Sá Fernandes, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102.º-B, da LTC, por meio de requerimento entregue em mão, via protocolo, na sede da Comissão Nacional de Eleições, em 27 de Abril de 2009 (2.ª feira), nos termos do qual se invoca o seguinte:

"I - Introdução. - 1 - A Câmara Municipal de Lisboa (CML), ao detectar a colocação de painéis de grandes dimensões (estruturas de outdoor) por parte do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE), na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, verificou não só que os mesmos se situavam numa Zona Classificada de Imóveis em Vias de Classificação como de Protecção a Imóveis em Vias de Classificação, como os mesmos afectavam a estética do local e o

enquadramento do sítio em causa.

2 - Posteriormente, a mesma análise foi feita em relação aos painéis colocados pelo Movimento Esperança Portugal (MEP) e o Partido Social Democrata (PSD), posteriormente e, mais tarde o Movimento Mérito e Sociedade (MMS) e Partido Socialista (PS), verificando-se, em relação aos do PSD e MMS que os mesmos se localizavam ainda numa Zona Especial de Protecção ao Parque Eduardo VII.

3 - Não obstante, face aos critérios estabelecidos na Lei 97/88 de 17 de Agosto - "Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda" - nomeadamente no artigo 4.º, n.º 1, al. a) e b), e especificamente para cada um dos cartazes atrás referidos, a CML solicitou à Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo (DRCLVT)/IGESPAR informação sobre se cada um daqueles cartazes afectava a estética do lugar e ou prejudicava o enquadramento das Zonas de Protecção em

apreço.

4 - O IGESPAR/DRCLVT referiu especificamente e para cada um deles:

"No presente caso, trata-se de um conjunto de interesse arquitectónico, em vias de classificação, cuja imagem importa preservar. A colocação neste tipo de painéis interfere com as características da envolvente patrimonial em que este se insere, comprometendo a envolvente arquitectónica e a imagem do conjunto."

5 - Resulta ainda de cada um dos pareceres que os suportes utilizados pelos partidos e movimentos políticos não são adequados à área protegida em causa, dado o forte impacto e a obstrução visual que originam e que a proliferação de várias cartazes na zona contribuirá para uma forte poluição visual e descaracterização da área protegida.

6 - Face ao exposto, e para os devidos efeitos a CML notificou cada um dos partidos/movimentos políticos atrás referidas do entendimento, corroborado pela DRCLVT/IGESPAR, de que estavam a ser violados as als. a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de Agosto, e notificou todos os partidos/movimentos políticos no sentido de que com os mesmos fosse fixado um prazo para a remoção de cada um

dos cartazes.

7 - Seguidamente, o PSD e PS retiraram os cartazes do local e o MEP informou que iria proceder do mesmo modo num curto espaço de tempo.

8 - O PCP, por escrito, o MMS, oralmente numa reunião havida para o efeito, e o BE, pelo silêncio, recusam a fixação de qualquer prazo para a retirada dos cartazes.

9 - Face ao exposto, a CML solicitou à Comissão Nacional de Eleições (CNE) que se pronunciasse sobre a matéria controvertida com estes três últimos partidos/movimentos

políticos, nomeadamente:

"1) Se a CML, enquanto gestora do espaço público da cidade, pode proceder à remoção das estruturas de outdoor já colocadas, em violação dos critérios consagrados na lei para o efeito, após notificação específica e fundamentada (Parecer da DRCLVT e IGESPAR), dos Partidos e Movimentos Políticos no sentido da obtenção de acordo para o efeito e caso este não seja alcançado;

2) Em caso negativo, qual o procedimento urgente e as entidades ou tribunais competentes que a CML deve accionar no sentido de obter o cumprimento da lei."

10 - Em resposta, a deliberação recorrida, estabeleceu o seguinte:

"No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam

naqueles prazos e condições."

"No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em causa, não pode aquela entidade removê-los.

A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos Tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender."

II - A questão de fundo. - 11 - A tese da CNE é a de que as Câmaras Municipais apenas podem remover meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88 quando isso seja determinado por um tribunal ou os interessados não o façam nos prazos e condições em que eles próprios acordaram.

12 - A CNE estriba-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 636/95, bem como

na sua própria jurisprudência.

13 - Porém, nem o referido acórdão do Tribunal Constitucional perfilha tal entendimento, nem a sua pretérita jurisprudência seguiu esse caminho.

14 - Quanto ao acórdão 636/95, o que o aresto em apreço estabelece é que a Lei 97/88 já regulou ela própria e definitivamente o exercício cívico da liberdade de propaganda, articulando-a com os valores do direito a um ambiente de vida sadio e equilibrado, do direito de propriedade, do ordenamento do território, da segurança do tráfego, do património cultural, histórico e artístico.

Tal proposição merece o acordo da CML.

O problema em apreço é que os cartazes em causa - pela sua dimensão e configuração - atingem o valor da protecção de um conjunto arquitectónico em vias de classificação, como reconhecido pelo IGESPAR/DRCLVT, o que é exactamente aquilo que a Lei n.º

97/88 visa acautelar.

15 - Por outro lado, não tem sido essa a jurisprudência da própria CNE.

Dois exemplos.

No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2008, pode ler-se que está em causa a apreciação de uma deliberação da CNE de 20/05/2008 do seguinte teor:

"Sendo a propaganda uma forma de liberdade de expressão, só a Assembleia da República pode proceder à sua regulação considerando-se que qualquer introdução normativa nesta matéria aprovada por outro órgão viola o disposto nos artigos 18.º e

37.º da Constituição.

Uma vez que a afixação dos cartazes de propaganda pelo PCP contra o que dispõe o regulamento municipal, não fere os princípios estabelecidos no n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de Agosto, nem se enquadra em nenhuma das proibições previstas nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo, deve a Câmara Municipal do Porto repor os referidos

cartazes".

No mesmo sentido, cita-se ainda uma outra deliberação da CNE, que vem transcrita na obra de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, sob o título "Lei Eleitoral da Assembleia da República" (2.ª reedição, 1999, pág. 89), do seguinte teor:

"Os executivos autárquicos podem não consentir e, por isso, limitar a afixação de propaganda apenas, mediante fundamentação concreta, nos casos expressamente previstos na lei e porventura esmiuçados em regulamentos ou posturas municipais, mas nunca fora desses casos, impedir, proibir, rasgar, destruir, inutilizar ou remover propaganda político-eleitoral afixada ou colocada em locais públicos ou particulares. É necessário justificar e indicar concretamente as razões pelas quais o exercício da actividade de propaganda não obedece, em determinado local ou edifício, aos requisitos previstos na lei. E mesmo neste caso não podem os órgãos executivos autárquicos mandar remover material de propaganda gráfica colocado em locais classificados ou proibidos por lei sem primeiro notificar e ouvir as forças partidárias envolvidas (artigos 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 2, da referida Lei 97/88)."

Isto é, a própria CNE já entendeu que aquilo que estava vedado as Câmaras era retirar a propaganda noutras situações que não aquelas situações de ilegalidade previstas na Lei 97/88 e sem que previamente ouvisse as forças partidárias visadas.

16 - A CN interpreta de forma errónea os artigos 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 2, da Lei n.º

97/88.

O que a Lei estabelece para que as Câmaras Municipais possam remover a

propaganda são dois requisitos:

Um de natureza substantiva, que tem a ver com a violação dos comandos constantes nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 4.º da Lei 97/88;

Outro de natureza adjectiva, que a tem a ver com a obrigatoriedade de audição dos interessados para definir prazos e condições de remoção desses meios de propaganda.

17 - Tais requisitos estão preenchidos no caso em apreço.

Os cartazes em causa estão implantados em conjunto arquitectónico em vias de classificação, afectando a sua imagem, como já foi apreciado peia entidade com competência para verificar da necessidade de protecção do valor arquitectónico em

presença.

Por outro lado, as forças partidárias em causa foram notificadas para os efeitos de definir prazos e condições de remoção, o que por uma foi acatado e por outras não.

18 - A tese da CNE conduziria a resultados absurdos.

A CML estaria impedida de remover um cartaz de grandes dimensões que afectasse a imagem da Torre de Belém. Ou, noutro âmbito, estaria igualmente impedida de remover um cartaz que afectasse a percepção de sinais de trânsito identificadores de

perigo!...

19 - Compreende-se o embaraço da CNE.

Todas as forças eleitorais - incluindo aquelas a que estão associados os elementos da vereação da Câmara Municipal de Lisboa que patrocinam esta iniciativa - já contribuíram para a poluição visual da Praça do Marquês de Pombal.

Mas isso não é motivo para que se continue a trilhar um caminho que estava errado.

Lisboa tem que se defender da poluição visual que degrada a sua imagem.

Isso tem que se articular com a liberdade de expressão e a liberdade de propaganda

política.

Defender a imagem dos imóveis em vias de classificação deve ser uma prioridade quando se esteja perante acções que violem os critérios de protecção estabelecidos pelo artigo 4º n.º 1 da Lei 97/88, como é o caso.

20 - A deliberação da CNE interpreta de forma errónea a Lei 97/88, nos termos acima expostos, uma vez que não admite, violando o disposto no artigo 4.º, n.º 1, no artigo 5.º, n.º 2, e no artigo 6.º, n.os 1 e 2, da Lei 97/88, a remoção de propaganda ilegal, quando preenchidos os critérios da lei." (fls. 203 a 209).

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II - Fundamentação.

A) Questão prévia: a natureza da deliberação.

4 - O presente recurso foi interposto ao abrigo do artigo 102.º-B da LTC ("Recurso de actos de administração eleitoral"), pelo que importa averiguar se a deliberação da Comissão Nacional de Eleições sub judicio pode ser qualificada como "acto de administração eleitoral", susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (assim deve lida hoje em dia a expressão "definitivos e executórios" do

artigo 8.º, alínea f), da LTC).

Tal questão prévia implica a necessidade de fixação da própria natureza jurídico-administrativa da deliberação em causa.

Resulta evidente dos autos que o recorrente não pretendeu que a deliberação da recorrida viesse a "produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta" (artigo 120.º do CPA), tendo-se limitado a indagar qual a posição / opinião da Comissão Nacional de Eleições acerca da questão de saber se a Câmara Municipal de Lisboa dispunha de competência legal para proceder à remoção de estruturas de propaganda política afixada na Praça Marquês de Pombal.

Vejamos então se a deliberação da Comissão Nacional de Eleições se deve qualificar como um verdadeiro "parecer administrativo" (artigo 98.º do Código do Procedimento Administrativo; de ora em diante, designado por CPA), adoptado a pedido do próprio recorrente - ou, em melhor rigor, a pedido do respectivo Vereador com competência

delegada.

Antes de mais, deve notar-se que a Comissão Nacional de Eleições dispõe de competência para formular pareceres relativamente a Direito Eleitoral, a qual se retira do conjunto de poderes que a lei lhe atribui na Lei 71/78, de 27 de Dezembro. Por outro lado, sendo uma entidade administrativa independente (neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Estrutura Constitucional da Democracia, Tomo VII, Coimbra, 2007, p. 289), a Comissão Nacional de Eleições encontra-se subordinada aos princípios da legalidade (artigo 3.º, n.º 1, do CPA), da prossecução do interesse público (artigo 4.º do CPA) e da eficiência administrativa (artigo 10.º do CPA) (neste sentido, Jorge Miranda, Direito Constitucional III - Direito Eleitoral/Direito Parlamentar, Lisboa, 2003, p. 152), pelo que sobre si recai o dever de colaboração com as demais entidades administrativas ("cooperação interadministrativa") - incluindo a Câmara Municipal de Lisboa -, no sentido de habilitar aquela das informações jurídicas tendentes à eventual adopção de acto administrativo.

Ora, os "pareceres" encontram-se inseridos sistematicamente na Subsecção III da Secção III do Capítulo V do CPA, respeitante à fase da instrução administrativa (Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral - Actividade Administrativa, Tomo III, 2007, Lisboa, p. 126), constituindo actos preparatórios do "acto administrativo" a adoptar. Dito de outro modo, os "pareceres"

não corporizam (ainda) um "acto administrativo", na medida em que não são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos na esfera de um destinatário individualizado e concreto, limitando-se antes a preparar a decisão administrativa e a habilitar o titular do órgão com competência decisória para uma tomada de decisão que respeite a

Constituição e a lei.

A deliberação alvo de recurso nos presentes autos, não sendo susceptível de alterar a realidade jurídica sobre a qual incide a sua pronúncia, deve ser qualificada como mero "acto opinativo", através do qual foi expressa "a opinião de um órgão da administração acerca de questões de facto, nomeadamente de índole técnica, ou de direito", sendo que o "parecer consiste numa opinião de um órgão consultivo, emitida com o objectivo de habilitar o órgão competente a decidir (artigos 98.º-99.º CPA)" (neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral - Actividade Administrativa, Tomo III, p. 376).

No caso em apreço, pretendia o recorrente questionar a recorrida sobre se, de acordo com o entendimento desta, a Câmara Municipal de Lisboa detinha poderes para remover propaganda política afixada sem respeito pelos requisitos fixados no n.º 1 do artigo 4.º do Regime de Afixação e Inscrição de Mensagens de Publicidade e Propaganda (aprovada pela Lei 97/88, de 17 de Agosto, e alterada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto). Ora, nem o supra referido diploma legal, nem tão pouco a Lei 71/78, de 27 de Dezembro, determinam a necessidade de prévio "parecer" da Comissão Nacional de Eleições para o exercício da competência prevista no artigo 6.º, n.º 2 da Lei 97/88, de 17 de Agosto. Impõe-se assim concluir que o "parecer"

solicitado é qualificável como meramente facultativo (cf. n.º 2 do artigo 98.º do CPA) e

como não vinculativo.

B) Não recorribilidade para o Tribunal Constitucional das deliberações da Comissão Nacional de Eleições que aprovem pareceres.

5 - Caracterizada a deliberação objecto do presente recurso, importa agora verificar se a mesma é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 102.º-B, da LTC, tendo em conta que este apenas detém poderes para "julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos e executórios [leia-se: acto susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos] praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral" [alínea f) do artigo 8.º da LTC].

Na medida em que não constitui uma decisão que vise produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica de um sujeito individualizado e concreto que, como tal, seja susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, a deliberação alvo do presente recurso não pode ser considerada como "acto de administração eleitoral", para os efeitos previstos no artigo 8.º, alínea f) e no artigo 102.º-B, ambos da LTC.

Tratando-se de "parecer" - meramente facultativo e não vinculativo - , destinado a instruir um procedimento administrativo que poderá vir a correr seus termos junto da Câmara Municipal de Lisboa, não cabe ao Tribunal Constitucional julgar da sua

legalidade nem da sua oportunidade.

Neste mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no Acórdão 667/97 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), em que se apreciou, precisamente, uma deliberação da Comissão Nacional de Eleições que se revestia da

natureza de "acto opinativo":

"4 - No caso sub iudicio, é manifesto que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso, desde logo, por uma dupla ordem de razões:

- Em primeiro lugar, a deliberação em causa não tem a natureza de acto administrativo contenciosamente recorrível, ou acto susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (cf. Acórdão n.os 200/85, in Acórdãos, 6.º vol., pp.

743 e segs.) Trata-se antes de um acto opinativo que contém o ponto de vista da CNE sobre certo comportamento de promoção de uma candidatura, a qual recomenda a cessação de tal comportamento, anunciando a eventual apresentação de queixa-crime, no caso da não cessação do comportamento. Acresce que a eventual apresentação de queixa-crime ao Ministério Público não se poderia configurar como deliberação contenciosamente recorrível, dada a própria natureza desse acto; [...]"

Em conclusão, a deliberação da Comissão Nacional de Eleições em apreciação nos presentes autos não constitui um acto de administração eleitoral recorrível para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102.º-B da LTC.

III - Decisão. - Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea f) do artigo 8.º e do n.º 1 do artigo 102.º-B, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos supra-expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.

Lisboa, 30 de Abril de 2009. - Ana Maria Guerra Martins - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Carlos Pamplona de Oliveira [com a declaração de que não acompanho a exigência de lesividade quanto aos actos recorríveis nos termos previstos na alínea f) do artigo 8.º da Lei do Tribunal Constitucional] - Rui Manuel Moura Ramos.

201776041

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/05/18/plain-252305.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/252305.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-12-27 - Lei 71/78 - Assembleia da República

    Cria a Comissão Nacional de Eleições e estabelece a sua natureza, composição e competências.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1988-08-17 - Lei 97/88 - Assembleia da República

    Regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda