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Acórdão 41/2016, de 1 de Março

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Sumário

Julga inconstitucional a norma dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redação introduzida pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, interpretados no sentido de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa»

Texto do documento

Acórdão 41/2016

Processo 973/14

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - João António Álvaro Dias interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, "LTC"), o presente recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de setembro de 2014 (fls. 197 a 210).

2 - Para melhor compreensão da questão de constitucionalidade colocada, convém ter presente a seguinte sequência de atos processuais:

O inquérito no processo 857/05.9 TACBR correu os seus termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (doravante, "DCIAP), tendo o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (doravante, "TCIC") praticado todos os atos jurisdicionais neste processo, nos termos do disposto no artigo 80.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante, "LOFTJ");

A dado passo, o processo de inquérito n.º 31/09.5 TELSB, originalmente apensado àquele processo 857/05.9TACBR, foi deste separado, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (doravante, "CPP");

Não obstante a separação do processo original, o processo 31/09.5 TELSB continuou a ser tramitado, quanto à prática de atos de natureza judicial, pelo TCIC;

Findo o inquérito n.º 31/09.5 TELSB, além de ter sido proferido despacho de arquivamento relativamente a alguns dos factos objeto da investigação - designadamente os que eram suscetíveis de integrarem os crimes de insolvência dolosa, frustração de créditos e de usurpação de funções -, foi deduzida acusação, no âmbito da qual foram imputados ao arguido João António Álvaro Dias cinco crimes de falsificação e um crime de burla qualificada, na forma tentada;

O arguido requereu abertura de instrução, dirigindo o seu pedido ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (doravante, "TICL"); considerou o arguido que, não tendo sido acusado por qualquer dos crimes previstos no artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público (doravante, "LOMP"), o TCIC não tinha competência para a instrução;

Recebido o requerimento de abertura de instrução, o Ministério Público, por entender ser o TCIC o competente para tramitar o processo, ordenou a sua remessa a este tribunal, com vista a que fosse declarada aberta e realizada a instrução;

O juiz de instrução do TCIC declarou-se competente para tramitar a instrução, considerando que, fixada a competência do TCIC no início do inquérito, se mantinha neste tribunal, já que as modificações posteriores não poderiam alterar essa competência;

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 9 de setembro de 2014, negando provimento ao recurso, confirmou o entendimento de que era o juiz do TCIC o competente para a instrução do processo, assim subscrevendo o entendimento do juiz deste tribunal.

3 - É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:

«João António Álvaro Dias, recorrente identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 9 de setembro de 2014, que negou provimento ao recurso do Despacho de 20 de novembro de 2013 do Tribunal Central de Investigação Criminal que se considerou competente para proceder à abertura da instrução não obstante reconhecer expressamente que "em resultado da redefinição do objeto do processo, decorrente da dedução da acusação, deixou de estar em causa qualquer dos crimes previstos no artigo 47.º n.º 1 da LOMP", única norma atributiva de competência a tal tribunal,

vem apresentar desse acórdão

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

destinado à fiscalização da constitucionalidade material das normas abaixo indicadas, o que faz ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.os 1 e 2, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pela seguinte forma:

I. NORMAS IMPUGNADAS

a do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode abranger crimes diversos dos enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98, de 27 de agosto;

a do mesmo artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode existir mesmo quando a alegada atividade criminosa não ocorre em comarcas de diferentes distritos judiciais;

a do artigo 22.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (por lapso identificada na decisão recorrida como "Artigo 24.º da LOFTJ") no sentido de que a sua previsão normativa ("A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe") possa ser feita equivaler à "notícia do crime", como defendido no Despacho recorrido e aceite na decisão do tribunal a quo;

a do artigo 23.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (por lapso identificada na decisão recorrida como "Artigo 25.º da LOFTJ") no sentido de que a proibição de desaforamento aí prevista pode fazer prevalecer a competência determinada pela "notícia do crime" sobre a resultante da previsão legal expressa do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;

essas mesmas normas, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos (cumulativos, aliás) ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa;

a do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, entendida no sentido de que a supra referida questão da incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal constitui mera irregularidade, a arguir "nos três dias que se seguiram ao seu conhecimento".

II. FUNDAMENTOS DA RECORRIBILIDADE

decisão insuscetível de recurso ordinário;

suscitação da questão de inconstitucionalidade das normas da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (nas alegações e na conclusão 7.ª);

imprevisibilidade do enquadramento de uma violação da regra atributiva de competência ao tribunal de instrução criminal de Lisboa - fixada no artigo 79.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - como mera "irregularidade"; na verdade, face à norma do n.º 1 do artigo 119.º do Código de Processo Penal, que classifica a "violação das regras de competência do tribunal" (al. e) como "nulidades insanáveis", era de todo impossível antecipar um tal enquadramento;

consideração da questão de constitucionalidade na decisão ora recorrida (p. 11).

III. NORMAS CONSTITUCIONAIS VIOLADAS

n.º 9 do artigo 32.º da Constituição;

n.º 2 do artigo 202.º da Constituição;

o princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrado no artigo 203.º da Constituição.»

4 - Tendo o recurso sido admitido e prosseguido para alegações, o recorrente concluiu da forma seguinte:

«1 - A questão normativa colocada no presente recurso sob o enfoque da conformidade constitucional com o princípio do juiz natural é a da manutenção ou alteração da competência do juiz do inquérito para a instrução, quando esta vai incidir só (na sequência da acusação ou do requerimento para a abertura de instrução) sobre factos alheios à competência legalmente fixada desse juiz.

2 - O entendimento que foi aplicado na 1.ª instância e confirmado na decisão ora recorrida, foi o de que o princípio do juiz natural impedia a mudança do titular do inquérito.

3 - À exceção da decisão recorrida, o entendimento recente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao invés, tem sido o de que "A competência do JIC para intervir no inquérito só está definida em termos de reserva de jurisdição - artigos 17.º, 268.º e 269.º do CPP -, não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do artigo 288.º n.º 2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução." e que "a competência territorial do MP pode-se ir modificando em face dos resultados da investigação(art.º264.º/2 do CPP)."[...]

4 - Esse é o único entendimento constitucionalmente conforme, na medida em que a alternativa consente a manipulação ad libitum da competência dos tribunais, por mero recurso à inclusão de crimes totalmente ficcionados no inquérito, ou à sua imputação inicial à circunscrição territorial previamente escolhida.

5 - Nessa conformidade, é inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ("A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98, de 27 de agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais."), entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode abranger crimes diversos dos enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98, de 27 de agosto;

6 - É igualmente inconstitucional a norma do mesmo artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ("A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98, de 27 de agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais."), entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode existir mesmo quando a alegada atividade criminosa não ocorre em comarcas de diferentes distritos judiciais;

7 - Como também é inconstitucional a norma do artigo 22.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (identificada na decisão recorrida como Artigo 24.º da LOFTJ) no sentido de que o momento pressuposto na sua previsão normativa ("A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe") possa ser feita equivaler à "notícia do crime";

8 - Inconstitucional é também a norma do artigo 23.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (identificada na decisão recorrida como "Artigo 25.º da LOFTJ") no sentido de que a proibição de desaforamento aí prevista ("Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.") pode fazer prevalecer a competência determinada pela "notícia do crime" sobre a resultante da previsão legal expressa do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;

9 - Sendo igualmente inconstitucionais essas mesmas normas, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificado qualquer dos pressupostos (cumulativos, aliás) previstos nesse artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (de que no processo não esteja em causa qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa);

10 - Finalmente, é inconstitucional a norma do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, entendida no sentido de que a suprarreferida questão da incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal constitui mera irregularidade, a arguir "nos três dias que se seguiram ao seu conhecimento".»

5 - O Ministério Público contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«34.º

Ora, não parece que a jurisprudência citada ponha em causa a justeza da posição defendida pelo digno magistrado judicial do TCIC, ou o sentido do Acórdão recorrido, de 9 de setembro de 2014, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Aliás, trata-se, a bem dizer, de uma questão essencialmente de natureza infraconstitucional, relativa à competência do Tribunal que deverá, a partir de determinado momento, considerar-se competente para proceder à instrução nos presentes autos.

De qualquer modo, o signatário reconhece maiores virtualidades à tese do tribunal superior recorrido, até pelo facto de se evitar o recomeço da instrução, agora sob a eventual égide de um novo juiz de instrução.

Sendo, ainda, certo, qualquer que seja o resultado de apreciação do presente recurso, o que verdadeiramente importará é o rápido apuramento da verdade material relativamente aos factos imputados ao arguido e, no caso de se provar a sua culpabilidade, assegurar a sua devida punição.

35.º

Como referido pelo Acórdão 614/13 (cf. supra n.º 29 das presentes alegações), relativamente ao princípio do juiz natural ou do juiz legal, citando o Prof. Figueiredo Dias:

«[...] constitui [...] uma necessária garantia dos direitos das pessoas, ligada à ordenação da administração da justiça penal, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração.

É um princípio que [...] esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária expost facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal.

Do que se trata sobretudo é de impedir que motivações de ordem política ou análoga - aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar por raison d'État - conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito.

[...]

O princípio do juiz natural tem, assim, a ver com a independência dos tribunais perante o poder político. O que ele proíbe é a criação (ou a determinação) de uma competência «ad hoc» (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa. O princípio proíbe, em suma, os tribunais ad hoc.

Dizendo com Figueiredo Dias (revista citada):

«O princípio do juiz legal não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial»".

36.º

Ora, nos presentes autos, não estamos perante nenhuma situação de «criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária expost facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal».

E, muito menos, perante «motivações de ordem política ou análoga - aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar por raison d'État - [que] conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito.»

Na realidade, não está em causa, nos presentes autos, «a independência dos tribunais perante o poder político», ou «a criação (ou a determinação) de uma competência «ad hoc» (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa».

Mantendo-se inteiramente válida a ideia do Prof. Figueiredo Dias, segundo a qual:

«O princípio do juiz legal não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial»".

37.º

Não há, ainda, lugar a nenhuma violação das dimensões concretizadoras do princípio do juiz natural, a que aludem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. supra n.º 30 das presentes alegações): «a 'exigência de determinabilidade' (prévia individualização por lei geral do juiz competente), o 'princípio da fixação da competência' (observância das competências decisórias legalmente atribuídas a esse juiz) e o respeito 'das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna'».

Nem, muito menos, «intervenções a posteriori sobre as regras de competência e divisão funcional que, de alguma forma, ponham em causa os critérios pré-fixados na lei, ou seja, a 'prévia fixação por lei de critérios objetivos gerais de repartição da competência'».

38.º

Mantém-se, em suma, a tese do Prof. Figueiredo Dias, segundo a qual (cf. supra n.º 31 das presentes alegações):

"Assim, ainda antes da Constituição de 1976 - e deplorando, aliás, a falta de consagração expressa do princípio no texto constitucional anterior - Jorge de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, cit., págs. 322 e seg.) salientava que pelo princípio do "juiz natural" ou do "juiz legal" "se procura sancionar, de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente", com um tríplice significado: no plano da fonte, só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência; no plano temporal, afirmando um princípio de irretroatividade; no plano da previsão legal, a vinculação a uma "ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente", e, designadamente, com proibição de jurisdições de exceção.

Voltando ao tema posteriormente à Constituição de 1976 (Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do "juiz natural", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, págs. 83 e segs.), Figueiredo Dias salientou que o sentido material do princípio é a

"proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária expost facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal. Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade na fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do «nullumcrimen, nullapoena sine lege») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroatividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga - aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar pela raison d'État - conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito."

Assim, pese embora o teor literal do preceito - que, como resulta do elemento histórico, afirma ir mais longe do que a sua razão de ser -, defende que ele não pretende proscrever "toda e qualquer atribuição de competência feita por lei que não seja anterior à prática do facto que constitui objeto do processo" - mas apenas "quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial". O princípio do juiz natural não poderia, assim, opor-se à modificação legal, com efeitos imediatos, da organização judiciária (o que seria patente, designadamente, quando tal modificação representasse um aperfeiçoamento ou avanço na forma de garantir os direitos dos cidadãos).

39.º

Ou a conceção dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. supra n.º 31 das presentes alegações):

"O princípio do juiz legal [...] consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime.

Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em 1.ª instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais coletivos.

A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação da competência, observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial)."

40.º

Ou, finalmente, a posição do Prof. Germano Marques da Silva (cf. supra n.º 31 das presentes alegações):

"Por sua vez, Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa 2000, pág. 54) salienta que o princípio do juiz natural ou legal

"tem por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um caso determinado. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de intervir em cada caso em atenção a critérios objetivos; não é, pois, admissível que a norma autorize a determinação discricionária do tribunal ou tribunais que hão de intervir no processo."

A exigência de anterioridade da lei não poderia, porém, razoavelmente, colocar entraves a qualquer reforma da organização judiciária, pelo que, "em ordem a assegurar a imparcialidade dos juízes e tribunais, excluindo ad hoc, ad casum e suspectus", o que importa não seria a competência individualizada de determinado tribunal, mas

"apenas que em razão daquela causa ou de categorias de causas a que ela pertence sejam criados postfactum tribunais de exceção, ou a definição individual da competência, ou do desaforamento discricionário de uma certa causa, ou por qualquer outra forma discricionária que ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial".

(ob. cit., pág. 58)"

41.º

Em suma, a solução interpretativa encontrada, quer pelo digno magistrado judicial do TCIC, quer pelo Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de setembro de 2014, adequa-se, inteiramente, com a tese defendida no Acórdão 614/13, deste Tribunal Constitucional, relativamente ao princípio do juiz natural, segundo a qual (cf. supra n.º 32 das presentes alegações):

"11. O princípio do "juiz natural", ou do "juiz legal", para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição).

Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicherRichter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo - em nome da raison d'État - quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, "em nome do povo" (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.

A garantia do "juiz natural" tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou conformado normativamente - isto é, pelas regras de determinação do juiz "natural", ou "legal" (assim G. Britz, ob. cit, pág. 574, Bodo Pieroth/BernhardSchlink, Grundrechte II, 14.ª ed., Heidelberg, 1998, pág. 269).

E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.

Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar-se à determinação do órgão judiciário competente, mas estendem-se igualmente à definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1.ª instância, quer nos tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, v., além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido..., cit., pág. 83, nota 3).

Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do "juiz natural", terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa definição da concreta formação judiciária que julgará um processo - por exemplo, as relativas ao preenchimento de turnos de férias -, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas). Trata-se, aqui, das referidas "determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos)", apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, "para a fixação de um plano de distribuição de processos", pois, "embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial".

É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstratas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do "juiz natural", pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes.

Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual - o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatiojurisdictionis, com "proibição do desaforamento" depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou expost facto, especiais ou excecionais - a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de "existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes", salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição).

42.º

Assim, por todas as razões anteriormente invocadas, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá, agora:

a) concluir não haver violação, no caso dos presentes autos, do princípio do Juiz Natural, contemplado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição;

b) negar, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade interposto, em 24 de setembro de 2014, pelo arguido;

c) manter, em consequência, o Acórdão recorrido, de 9 de setembro de 2014, do Tribunal da Relação de Lisboa.»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A - Do objeto do recurso

6 - O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (doravante, "CRP"); artigo 72.º, n.º 2, da LTC)].

Vejamos, então, se os aludidos requisitos - de necessária verificação cumulativa - se encontram preenchidos, relativamente às seis questões colocadas pelo recorrente neste processo.

7 - A sexta e última questão - pela qual começamos por facilidade de exposição - foi enunciada pelo recorrente da seguinte forma: «a (norma) do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, entendida no sentido de que a suprarreferida questão da incompetência do TCIC constitui mera irregularidade, a arguir "nos três dias que se seguiram ao seu conhecimento"».

Ora, sendo a decisão recorrida o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de setembro de 2014, era até ao momento em que esta decisão foi proferida que o recorrente deveria ter suscitado a questão da constitucionalidade.

Contudo, a questão não foi invocada em qualquer das peças processuais que o recorrente apresentou perante aquele tribunal, verificando-se que foi suscitada tão-só (portanto, pela primeira vez) no recurso de constitucionalidade.

O próprio recorrente admite que não suscitou a questão, argumentando, com vista à dispensa do ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, que era de todo impossível antecipar o "enquadramento" que veio a ser feito pelo Tribunal a quo, referindo-se à qualificação como mera "irregularidade" (e não como nulidade insanável) da violação da regra atributiva de competência.

Porém, basta atentar na última peça processual apresentada pelo recorrente perante o Tribunal da Relação - o articulado de resposta previsto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP - para comprovar que nesta peça o recorrente contesta expressamente a tese defendida pelo Ministério Público em contra-alegações, que consistia precisamente no enquadramento da alegada incompetência como uma irregularidade já sanada e não como nulidade insanável. O seguinte trecho da resposta apresentada pelo recorrente, que abaixo reproduzimos, demonstra bem que este não podia deixar de estar ciente da possibilidade de, na decisão que se pronunciou sobre esta questão, vir a ser feita a interpretação que agora sindica:

«11 - Não se verificando qualquer dos pressupostos - cumulativos - de que a lei faz depender a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal,

12 - Insistir-se em tal competência configura, isso sim, uma violação ao disposto no artigo 23.º (que não 26.º) e 80.º da LOFTJ e a arguida nulidade - insanável, aliás, do artigo 119.º, alínea e), do CPP.

13 - Sendo peregrina (e totalmente infundada) a tese - defendida por aquela Sr.ª Procuradora a fls. 32 da sua resposta - de que "a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP só se verifica (quando) da violação das regras de competência resultem prejudicados os direitos e garantias do arguido ou se comprometa a realização da justiça"» (p. 186).

Em face do exposto, não é possível concluir pela verificação de qualquer circunstância que legitime a dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade.

A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade é bastante para obstar ao conhecimento desta questão.

8 - De igual forma, nenhuma das primeiras quatro questões enunciadas no requerimento de recurso foi previamente suscitada, de modo processualmente adequado, quer nas alegações de recurso, quer na resposta apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, que as complementa. Com efeito, percorrendo as peças processuais apresentadas pelo recorrente perante o Tribunal da Relação, verifica-se que tais questões não foram especificamente enunciadas e individualizadas em qualquer daquelas peças processuais.

Nestes termos, também nesta parte não deverá ser conhecido o recurso.

9 - Não significa isto que a questão de constitucionalidade subjacente às quatro primeiras questões não seja de todo conhecida. Com efeito, e ainda que a única questão previamente enunciada seja a formulada em quinto lugar, não se descortina que se esteja, relativamente àquelas, perante questões diferentes. Com efeito, a argumentação expendida nas alegações de recurso, assim como o enunciado da quinta questão, permitem concluir que esta última acaba por conter a súmula das outras quatro, unificando-as.

Em face do que ficou dito, o objeto do presente recurso é integrado pela norma constante dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da LOFTJ, na redação introduzida pela Lei 46/2011, de 24 de junho (entretanto revogada pela Lei de Organização do Sistema Judiciário, doravante, "LOSJ"), na interpretação de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao TCIC a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos (cumulativos, aliás) ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa».

Por fim, quanto às normas ou princípios constitucionais violados, no requerimento de recurso o recorrente menciona «o n.º 9 do artigo 32.º da CRP, o n.º 2 do artigo 202.º da CRP e o princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrado no artigo 203.º da CRP». No entanto, orienta toda a sua argumentação no sentido da violação do princípio do juiz natural.

B - Do mérito do recurso

10 - A discussão no âmbito do presente processo coloca-se, assim, essencialmente, no confronto entre a norma ora enunciada e o princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da CRP.

O princípio do juiz natural ou do juiz legal determina que «nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior». Implica este princípio essencialmente a predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 525). Conforme escreveu Figueiredo Dias:

«É sabido - e é, ao que julgo, indiscutível na doutrina e na jurisprudência, constitucional e ordinária, dos países democráticos (2) - que o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária expost facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal (3).

Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade da fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado (4), não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do «nullumcrimen, nullapoena sine lege») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroatividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga - aquilo, em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d'Etat - conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito.» Figueiredo Dias, "Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do «juiz natural»", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, pp. 83-84;»

O Tribunal Constitucional também já se pronunciou, por mais de uma vez, sobre o sentido e alcance do princípio do juiz natural. Lê-se no Acórdão 614/2003:

«O princípio do "juiz natural", ou do "juiz legal", para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição).

Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicherRichter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo - em nome da raison d'État - quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, "em nome do povo" (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.

A garantia do "juiz natural" tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou conformado normativamente - isto é, pelas regras de determinação do juiz "natural", ou "legal" (assim G. Britz, ob. cit, pág. 574, Bodo Pieroth/BernhardSchlink, Grundrechte II, 14.ª ed., Heidelberg, 1998, pág. 269).

E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.»

E, mais recentemente, pode ler-se no Acórdão 482/2014:

«Ao nível processual, o princípio do juiz natural constitui emanação do princípio da legalidade em matéria penal e do princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça, refletindo uma garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal. Ao exigir-se a determinabilidade do tribunal a partir de regras legais, assegura-se também a independência e a imparcialidade do julgador (artigo 203.º da CRP).

Trata-se, portanto, não só de garantir a ausência de arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado(s) juízes(s) (dimensão objetiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais), como ainda de assegurar a proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual - o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal (dimensão negativa).»

11 - Igualmente pacífico na doutrina e jurisprudência constitucional é o entendimento de que a garantia do juiz natural vale também para a fase de instrução - e não apenas para a audiência de julgamento (cf. Acórdão 482/2014; na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., p. 525; referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, cf., ainda Figueiredo Dias, Sobre o..., cit., nota 3, p. 83).

Tenham-se ainda em conta, a este propósito, as palavras de Miguel Nogueira de Brito (O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária, «in» JULGAR, n.º 20, Maio-Agosto de 2013, p. 34).

«[A]s ablações ao princípio do juiz natural podem porvir do poder judicial, como sucede quando os tribunais aplicam incorretamente as disposições normativas relativas à determinação do tribunal competente, à sua composição e modo de decisão. A este propósito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, com o propósito de impedir a transformação de toda a violação de disposições sobre estas matérias em violações do princípio do juiz natural, tem distinguido entre uma aplicação viciada de um error in procedendo e uma aplicação arbitrariamente injusta das disposições processuais sobre a determinação da competência dos tribunais. De acordo com este critério, viola a Constituição a participação num processo de um juiz impedido ou em relação ao qual exista um fundamento de suspeição, bem como, em geral, uma decisão que subverta o significado e alcance do princípio do juiz natural.» (sublinhado acrescentado).»

Trata-se de uma fronteira que o Tribunal deve traçar com rigor e que não é muito diferente daquela que observa a respeito do princípio da legalidade criminal. Na verdade, o controlo da constitucionalidade em matéria de violação daquele princípio implica um equilíbrio algo delicado, designadamente em sede de fiscalização concreta, que passa por, não interferindo com a tarefa de interpretação e aplicação do direito levada a cabo pelo tribunal recorrido - que não pode ser substituído pelo Tribunal Constitucional -, verificar se o resultado que assim se alcançou ultrapassou os limites impostos pela Lei Fundamental. Como se assinala no Acórdão 587/2014:

«Daqui não resulta que o Tribunal Constitucional haja de escrutinar qualquer processo hermenêutico que, em matéria penal ou processual penal, venha a ser adotado a nível infraconstitucional. O iter metodológico seguido pelo tribunal recorrido no apuramento do sentido normativo da norma permanece insindicável, não cabendo ao Tribunal Constitucional repassá-lo, mas apenas verificar se foram ultrapassados os limites constitucionais a que esse iter está sujeito em matéria penal, concretamente, a proibição da analogia in malam partem.»

Ou, como se equacionou há muito no Acórdão 205/99, a respeito da questão de saber se considerar a declaração de contumácia uma causa de interrupção da prescrição violava ou não o princípio da legalidade (para efeitos do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal):

«[...] independentemente de estar em causa uma interpretação extensiva ou aplicação analógica desta norma legal, o que se pergunta é se a norma, dimensão, sentido ou interpretação obtidos contrariam ou não, na sua génese, o princípio da legalidade e, em concreto, a exigência de lex certa que lhe é ínsita».

Um pouco à semelhança do critério apontado, pode afirmar-se que, no que respeita à violação do princípio do juiz natural, não cabe ao Tribunal apreciar a maior ou menor bondade de determinada interpretação da norma infraconstitucional, mas já lhe caberá julgar se a interpretação em causa se afasta do critério legal de fixação da competência, ao ponto de subverter as garantias inerentes à consagração daquele princípio.

12 - Importa, pois, verificar se a interpretação normativa que foi dada aos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da LOFTJ, e que fundamentou a atribuição de competência para a instrução ao juiz do TCIC, respeita ou não os limites apontados ao princípio do juiz natural.

Os preceitos legais relativos à competência do tribunal de instrução, entre os quais se encontram aqueles a que se reporta a dimensão normativa impugnada, são os seguintes:

«Artigo 22.º

Lei reguladora da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.

Artigo 23.º

Proibição de desaforamento

Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

Artigo 79.º

Competência

1 - Compete aos tribunais de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito.

2 - [...].

Artigo 80.º

Casos especiais de competência

1 - A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98, de 27 de agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais.»

13 - Na base da interpretação deste regime legal acolhida pelo tribunal a quo, extraída dos artigos 22.º, 23.º e 80.º da LOFTJ, encontra-se o seguinte raciocínio: se a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, então a competência fixada no início do inquérito - juiz do TCIC -, mantém-se na fase de instrução. Na base deste entendimento está a pré-compreensão de que o «momento em que a ação se propõe», referido no citado artigo 22.º da LOFTJ, equivale, no processo-crime (onde não existem "ações"), ao momento em que foi instaurado o inquérito.

Já para o recorrente, a competência para a instrução deve ser determinada no momento em que é deduzida acusação, pois é esta que fixa o objeto do processo, não fazendo qualquer sentido (em processo crime) atender ao (inexistente) «momento em que a ação se propõe». Resultado lógico deste entendimento é que, vindo a não se verificar qualquer dos pressupostos, previstos no artigo 80.º, n.º 1, da LOFTJ, para atribuição da competência ao juiz do TCIC, então a competência para a instrução cabe ao juiz do TIC - a quem é, por assim dizer, devolvida - nos termos estabelecidos no artigo 79.º, n.º 1, da LOFTJ.

Para o recorrente, a violação do princípio do juiz natural funda-se precisamente na circunstância da norma aplicada pelo Tribunal da Relação permitir subtrair «de forma artificial e ilegal» o processo ao juiz do TIC, tribunal cuja competência se encontra predeterminada na lei em razão do território.

14 - Note-se que em causa não está - ou não está exclusivamente - o mero confronto entre duas interpretações possíveis das normas legais que regulam a competência dos tribunais de instrução criminal. Se fosse apenas isso, não poderia o Tribunal Constitucional intervir, impedido como está de dirimir conflitos interpretativos relativos ao direito infraconstitucional.

Mas o que verdadeiramente está em causa é a garantia do juiz natural.

Atente-se nesta sequência lógica:

1.º Primeiro, a lei fixa a competência dos diversos tribunais de instrução criminal em razão do território;

2.º Depois, a lei estabelece uma exceção àquele quadro competencial, relativa ao Tribunal Central de Instrução Criminal, combinando dois outros critérios: o tipo de crime e a dispersão geográfica dos factos nele enquadráveis;

3.º Com base nesta regra, o juiz do TCIC recebe competência para a prática de atos jurisdicionais na fase de inquérito;

4.º Chegado o processo à fase de instrução, pode ocorrer uma de duas coisas:

a) Ou é deduzida acusação por crime preenchendo os critérios competenciais do TCIC - e o processo aqui prossegue;

b) Ou tal não sucede, vindo algum dos investigados a ser acusado por um crime sem enquadramento nos critérios legais atributivos de competência ao TCIC - mas o processo não passa para o TIC normalmente competente em função do local da prática do crime.

Significa isto que a "viagem" do processo para o TCIC é de sentido único. A competência deste alarga-se, mas carece de elasticidade, não se comprimindo e nunca regressando à "normalidade competencial". Uma vez posta entre parêntesis a competência do TIC territorialmente competente, nunca mais voltará a recuperá-la, tornando-se este, qualquer que seja a evolução do processo, definitivamente incompetente.

15 - O problema essencial - e constitucional - deste modelo é dele não resultar a determinação do juiz competente para a instrução com base em critério objetivamente definido pelo legislador.

Pondere-se que a razão de a lei definir um critério geral e objetivo de atribuição de competência do TCIC, no artigo 80.º da LOFTJ - hoje correspondente ao artigo 120.º da nova Lei Orgânica do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de agosto, doravante, "LOSJ") - reside na intenção de evitar a eventual manipulação da competência, de que poderia resultar a escolha do juiz.

Ora, decorrendo da norma sindicada que, ainda que se não preencham no caso os requisitos objetivamente exigidos pelo legislador na norma atributiva de competência ao TCIC, este continua a ter competência para a instrução, somente por a ter tido para a prática de atos jurisdicionais durante a fase de inquérito, tal manipulação é realmente possível.

Mas permitirá esta possibilidade fundar um juízo de inconstitucionalidade assente na violação do princípio do juiz natural? Não estaremos assim a assentar tal juízo num "processo de intenção", insuficiente para legitimar e justificar a intervenção do Tribunal?

16 - Entende o Tribunal que a resposta a estas dúvidas é negativa.

É que o cerne do problema não está na manipulação possibilitada pela norma - melhor, pela interpretação normativa - de que resulta a atribuição da competência ao TCIC. O que releva não é o resultado, esse incerto; é a causa, essa certa. O problema está na própria interpretação normativa, não nas suas eventuais consequências.

Na verdade, emerge dela uma norma jurisprudencialmente reconstruída, que apresenta densidade insuficiente, quando comparada com o que se deve reclamar de uma norma integradora de um quadro legal particularmente exigente em matéria de determinação normativa, como é o dos direitos fundamentais (tendo, por isso, como se sabe, o maior relevo constitucional).

Ora, a exigência de determinabilidade constitui uma dimensão fundamental do princípio do juiz natural, «o que implica que o juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., anotação ao artigo 32.ºda CRP, p.525). A predeterminação legal implica a fixação antecipada do tribunal competente relativamente a hipóteses fácticas, necessariamente abstratas, suscetíveis de ocorrer no futuro - e não em função de factos concretos e passados (daí que por vezes se use também a designação de "juiz preconstituído" para referir o juiz natural ou legal). Trata-se de garantir uma competência fixada exclusivamente por lei, com base em critérios gerais e objetivos, previamente definidos, que não deixe margem para alternativas construídas em função das circunstâncias do caso, sejam elas de índole substantiva ou adjetiva.

É a interpretação normativa em causa que produz uma norma de densidade insuficiente para assegurar a predeterminação do juiz competente. E, na medida em que em causa está a garantia do juiz natural, justifica-se a intervenção do Tribunal Constitucional.

17 - É sabido que uma importante decorrência do princípio do juiz natural consiste em fazer recair sobre o legislador o encargo de produzir normas orgânicas e processuais que contenham regras objetivas de estipulação do tribunal chamado a intervir em cada caso. A exigência da determinabilidade impõe, pois, a aptidão das leis para estabelecer, com clareza, precisão e rigor, o juiz competente para cada caso.

Ora, a verdade é que a norma se limita, como se disse, a "estender" a um determinado tribunal (o TCIC) a competência para realizar a fase de instrução, apenas porque era esse o tribunal competente para a prática dos atos jurisdicionais na fase de inquérito. Sobre as regras que definem a competência do tribunal para a realização desses atos, a norma é silente.

As dúvidas sobre a norma resultam de ela não estabelecer qualquer regra objetiva de atribuição de competência para a realização dos atos jurisdicionais do inquérito, da instrução ou da pronúncia - que são fases distintas do processo penal. O seu único conteúdo normativo consiste, repete-se, na extensão de uma competência já anteriormente assumida em fase distinta do processo (o inquérito), independentemente do apuramento das regras objetivas de competência legalmente definidas e efetivamente aplicadas, bem como do acerto ou desacerto desta aplicação.

18 - A circunstância, já mencionada, de não caber ao Tribunal Constitucional apontar a melhor interpretação do direito infraconstitucional não o proíbe de lembrar que na interpretação de regras de atribuição de competência - fortemente vinculadas ao princípio da legalidade - não podem ser ignorados comandos expressos do legislador.

Recentemente, o Tribunal Constitucional teve ocasião de esclarecer que a questão de saber se a interpretação normativa em causa se contém, ainda, no sentido possível das palavras da lei ou se, ao invés, lança o intérprete no campo da analogia constitucionalmente proibida, não extravasa o âmbito dos seus poderes de cognição, uma vez que o princípio da legalidade em matéria criminal, constitucionalmente consagrado, é extensível ao processo penal (Acórdão do Plenário n.º 324/2013).

Neste aresto o Tribunal viria a julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação da Lei 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP).

Também no Acórdão 183/2008, o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia, considerando que não fora respeitado «o princípio da legalidade criminal constitucionalmente consagrado enquanto princípio-garantia "direta e imediatamente aplicável aos cidadãos"».

Nas situações apreciadas nestes arestos, tal como no caso que aqui nos ocupa, estava em causa a eventual ultrapassagem do sentido semântico de uma norma, contra as garantias constitucionais do arguido.

19 - É importante ter presente que a norma sindicada neste processo contende com uma das garantias do processo penal e de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º da Constituição, preenchendo o seu n.º 9 (garantia igualmente consignada em diversos tratados internacionais - cf. artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). O princípio do juiz natural não é uma mera regra organizativa: é uma das garantias constitucionalmente consagradas do arguido.

Salientou-se no Acórdão 614/2003, que ocupa lugar de destaque na jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria:

«11 - O princípio do 'juiz natural', ou do 'juiz legal', para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição).

Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicherRichter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo - em nome da raison d'État - quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, "em nome do povo" (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.

[...]

E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.»

A questão é tanto mais digna de tutela quanto está aqui em causa a definição da competência de um tribunal criminal de primeira instância; tribunal que, por ser "central", abrange todo o território nacional, com exclusão dos outros tribunais da mesma instância - o que enfrenta especiais limitações, desde logo relativas à liberdade deixada ao próprio legislador, tendo em vista não defraudar as garantias processuais e de defesa dos arguidos.

20 - Neste plano, não deve ignorar-se, que a Constituição fornece algumas regras sobre a organização dos tribunais judiciais (artigos 209.º e ss.). É certo que a CRP não proíbe, nomeadamente, a existência de tribunais com jurisdição penal de competência especializada ou específica (artigo 211.º, n.º 2), tal como não exige que estes tribunais tenham por base territorial a comarca.

Importa, todavia, ter presente o limite imposto pelo n.º 4 do artigo 209.º da CRP à organização dos tribunais com jurisdição penal, ao proibir jurisdições criminais extraordinárias, isto é, a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes. Sem deixar de estar originariamente relacionada com a garantia do juiz natural, a proibição dos tribunais penais extraordinários anda tradicionalmente associada à proibição de tribunais especiais - caracterizados por oferecerem menores garantias de independência e defesa - para julgar certas categorias de crimes, designadamente crimes políticos. De todo o modo, como alertam Gomes Canotilho e Vital Moreira:

«Não é líquido que, face ao disposto neste n.º 4, se possam criar "tribunais centrais criminais" com competência relativamente a crimes de especial gravidade. A "gravidade" reside muitas vezes mais na "investigação" do que no julgamento, devendo, por isso, a interpretação em conformidade com a Constituição conduzir à limitação da discricionariedade do legislador quanto à instituição deste tipo de tribunais» (cit, pp. 553-4).»

Se a Constituição limita a discricionariedade do legislador na instituição de tribunais com competência exclusiva, é legítimo considerar, à luz dos princípios nela inscritos, que a discricionariedade judicial na interpretação e aplicação de normas de atribuição de competência aos tribunais assim instituídos também deve ser tida por limitada.

Ora, como igualmente se disse já, a norma sob juízo apenas admite a alteração de competência num sentido - o do alargamento da competência do TCIC. É um "caminho sem retorno". Esta conceção parece apelar a um sentido de excecionalidade da competência deste tribunal relativamente aos demais tribunais de instrução criminal, invocando uma dimensão "extraordinária" de jurisdição penal, não consentida pela Constituição.

21 - Afastado, por imperativo constitucional, o reconhecimento de qualquer jurisdição criminal extraordinária, vejamos então de que modo a garantia do juiz legal é afetada pela norma sindicada. Esta, por interpretação dos artigos 22.º, 23.º, 79.º e 80.º da LOFTJ, define, como se disse, como critério de atribuição de competência ao TCIC para realização de instrução, a competência deste para a realização do inquérito.

A norma assim construída prescinde dos dois pressupostos de competência do TCIC, enunciados claramente pelo legislador no artigo 80.º da LOFTJ, para determinação "dos casos especiais de competência" - o elenco e a dispersão geográfica -, fazendo apelo a preceitos da LOFTJ, cujo objeto são ações. Desta forma, a norma ignora, desde logo, as especificidades próprias da jurisdição criminal, reconhecidas pelo legislador na definição das regras de competência da LOFTJ (artigo 19.º, n.º 3 - «em matéria criminal, a competência é definida na respetiva lei do processo»).

22 - Ao atribuir ao TCIC competência para realizar a fase de instrução apenas porque este era competente para a prática dos atos jurisdicionais no inquérito, a norma desconsidera ainda a ratio da distribuição de competências legalmente estabelecida.

No quadro das garantias constitucionais do processo criminal decorrentes do artigo 32.º da Constituição (cf. n.º 5), o legislador processual penal definiu a dinâmica do processo penal, envolvendo várias fases, que convocam competências diferenciadas. No que diz respeito especificamente aos TICs, a lei (artigo 79.º da LOFTJ) distingue as respetivas competências funcionais para: (i) praticar os atos jurisdicionais do inquérito, (ii) proceder à instrução e (iii) decidir a pronúncia.

Para dirigir a fase do inquérito é competente o Ministério Público, encontrando-se a intervenção do juiz limitada aos atos materialmente jurisdicionais, o que explica que só nesta medida a lei se preocupe com a definição da competência do TIC. Note-se que o CPP não prevê expressamente nenhuma regra determinadora do TIC competente para intervir na fase de inquérito. Todavia, estabelece regras para definir a competência do representante do Ministério Público que há de proceder ao inquérito (artigo 264.º do CPP). Estas regras de competência são dotadas da flexibilidade necessária para acompanhar a evolução da investigação - cf. o artigo 264.º, n.os 1 e 2, do CPP. Na verdade, como se estabelece no artigo 266.º do CPP, «Se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos são transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente».

Por oposição ao inquérito, a fase de instrução é da competência do juiz de instrução (tribunal de instrução criminal), assumindo a sua definição uma centralidade que não tem paralelo na fase do inquérito. Recorde-se que a fixação do objeto do processo só se dá no termo deste, com a dedução da acusação, ou, no caso de arquivamento, com o requerimento de abertura da instrução (neste sentido, cf. Germano Marques da Silva, Processo Penal, 2009, volume III, p. 130). É, de resto, por referência a esses factos que o legislador define as regras de alteração do objeto do processo na fase de instrução (artigo 303.º do CPP).

23 - Ao neutralizar o vínculo de dependência entre a verificação dos pressupostos exigidos no artigo 80.º, n.º 1, da LOFTJ, e a atribuição da competência ao TCIC para proceder à instrução e decidir a pronúncia, bastando-se com a prévia atribuição ao TCIC da competência para praticar os atos jurisdicionais no inquérito para lhe somar a competência para realizar a instrução, a norma em análise subestima a distinção legalmente assumida, na definição das competências do juiz de instrução criminal, entre as competências funcionais relativas à realização da instrução e a competência para praticar os atos jurisdicionais do inquérito.

Todavia, sendo inegável (e normal) a dinâmica de qualquer processo, ela é particularmente impressiva (e natural) na fase de inquérito do processo penal. A circunstância de os factos se encontrarem em investigação torna-os fluidos, o que faz com que o objeto do processo só adquira contornos precisos a partir da acusação ou, sendo caso disso, da pronúncia. Os artigos 358.º e 359.º do CPP constituem manifestações dessa progressiva consolidação da configuração processual. A circunstância de o juiz de instrução, na fase de instrução, pretender fundar a sua competência por referência à fase inicial do inquérito traduz uma dissonância evidente, na medida em que nesta fase aquela configuração já se encontra, ao contrário do que sucedia na anterior, tematicamente delimitada.

Inevitável será concluir que estamos perante uma verdadeira norma atributiva de competência criada jurisprudencialmente, com base numa interpretação normativa que, não só é inovatória face aos critérios legais, como neutraliza e contraria esses mesmos critérios, assim atentando contra o princípio da legalidade da competência e, por esta via, também contra o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecido por lei, expressamente acolhida no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição.

24 - Aqui chegados, parece impor-se a conclusão de que a norma de competência em causa mais não é do que a negação da regra de competência legal. Existindo, como existe, regra objetivamente delimitada na LOFTJ (em função do tipo de crime e da dispersão geográfica), a remissão para o momento processual anterior - em que o objeto do processo não se encontra suficientemente definido, estando sujeito a mutações que constituem momentos normais na dinâmica do processo - acaba por fazer depender a competência do juiz de um momento processual em que os critérios competenciais não se podem dar por suficientemente consolidados ou, até, por adquiridos. É, na prática, como se a regra de competência para um processo futuro se houvesse de buscar nas características de um outro processo, passado.

E, sublinhe-se, com isto não estamos no plano da melhor ou pior hermenêutica, mas numa situação em que se ilude a norma de competência, esvaziando-a da sua aplicação normal e esperada e conferindo-lhe um cunho de arbitrariedade que subverte a garantia do juiz natural.

O caso concreto espelha, precisamente, este resultado: a separação do processo - ainda na fase de inquérito -, a que sucedeu o arquivamento por alguns dos factos investigados, acabou por confirmar que os crimes em causa no processo autonomizado já não tinham relação com os pressupostos da regra de competência. Um tal desfecho só pode conduzir à conclusão de que, como se disse noutro ponto, o resultado da insuficiente densidade da norma jurisprudencialmente construída e aplicada foi, como poderá sempre ser, uma intolerável indeterminação da regra atributiva da competência.

25 - A este propósito, recorde-se que este Tribunal, no Acórdão 21/2012, ponderou as consequências da separação de processos na determinação do juiz competente:

«Na hipótese da interpretação normativa sindicada, a possibilidade de o Ministério Público, na fase de inquérito, determinar a separação de processos, não implica um 'desaforamento' arbitrário do juiz de instrução que já tenha sido chamado a proferir alguma decisão no inquérito originário que contenda com o princípio consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição.

É que, ainda que seja o Ministério Público a decidir da separação de processos, é a própria lei que fixa os critérios objetivos que poderão fundamentar tal separação, bem como o tribunal com competência para conhecer dos processos separados (critérios esses que são precisamente os mesmos no caso de a decisão ser proferida pelo juiz de instrução criminal).» (sublinhado acrescentado).

O Tribunal entendeu, pois, que a separação de processos, só por si, não implica a violação das regras do juiz natural, precisamente porque, a partir desse momento, continuariam a ser aplicáveis as regras de competência próprias para a determinação do juiz competente em cada um dos processos separados.

Diferentemente, a norma aplicada pelo tribunal a quo assenta em preceitos normativos que não permitem a predefinição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas, antes atribuindo competência ao TCIC, através de uma definição individual (e, portanto, arbitrária), que põe em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e compromete a sua confiança nos tribunais - o que se considera bastante para que o princípio do juiz natural se tenha por ofendido.

Em conclusão, a norma sindicada, emergente da interpretação dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da LOFTJ, na redação introduzida pela Lei 46/2011, de 24 de junho, no sentido de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao TCIC a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos (cumulativos, aliás) ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa», viola o n.º 9 do artigo 32.º da CRP.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso.

III. Decisão

Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional a norma dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redação introduzida pela Lei 46/2011, de 24 de junho, interpretados no sentido de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos, cumulativos, aliás, ali mencionados - isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa»;

e, em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 26 de janeiro de 2016. - João Pedro Caupers - Teles Pereira - Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria Lúcia Amaral (vencida nos termos da declaração que junto) - Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, nos termos da declaração que junto).

Declaração de voto

Vencida.

Em meu entender, não ocorreu, no caso, nenhuma «criação jurisprudencial de norma» de que resultasse uma alteração, sem qualquer respaldo na letra da lei, das regras que pré-determinam a competência do Tribunal (com a consequente lesão do princípio do juiz natural). A decisão recorrida limitou-se a interpretar, de um certo modo, o regime legal existente; e não vejo por que motivo se poderá considerar que tal interpretação implica por si só lesão de quaisquer garantias constitucionais do arguido, incluindo aquelas que são conaturais ao princípio do «juiz legal». Assim, é minha convicção que em causa estará, neste caso, apenas uma divergência quanto ao melhor ou mais correto sentido que se deva atribuir ao direito vigente, divergência essa que não cabe, naturalmente, ao Tribunal Constitucional dirimir. - Maria Lúcia Amaral.

Declaração de voto

São centrais na fundamentação deste Acórdão as afirmações de que «o problema essencial - e constitucional - deste modelo é dele não resultar a determinação do juiz competente para a instrução com base em critério objetivamente definido pelo legislador» (ponto 15), e ainda a de que o único conteúdo normativo do critério aplicado consiste «na extensão de uma competência já anteriormente assumida em fase distinta do processo (o inquérito), independentemente do apuramento de regras objetivas de competência legalmente definidas e efetivamente aplicadas [...]» (itálico nosso; ponto 17, in fine).

A minha discordância de ambas as afirmações assinala simultaneamente as razões por que divirjo do sentido da decisão.

Não é excessiva toda a ênfase que o Acórdão dá à dimensão garantística do princípio do juiz natural e ao seu papel nuclear como elemento constitutivo do Estado de direito. Acompanho inteiramente essa reflexão, bem como a inclusão de uma exigência de determinabilidade no conteúdo normativo do princípio. Simplesmente entendo que não há na interpretação sindicada uma afetação desse conteúdo em termos que justifique um juízo de inconstitucionalidade.

Na sua dimensão positiva, o princípio do juiz natural consiste, para utilizar palavras do Acórdão 614/2003, «no dever de criação de regras suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas». Quanto a estas últimas características, parece claro que o critério aplicado as respeita, pois não houve uma definição individual, ad hoc, de competência. Já quanto à suficiente determinação (impeditiva de manipulações arbitrárias) levantam-se, na verdade, alguns problemas.

Esses problemas nascem pelo facto de o artigo 22.º, n.º 1, da LOFTJ, contendo uma norma de aplicação genérica a todos os processos, não levar em conta a especificidade do processo penal, ao determinar que "a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe". No processo penal não há propriamente uma propositura de ação, pelo que o preceito, nesse âmbito, não pode ser levado à letra. Mas não é descabido interpretar a referência como denotando o momento inicial do processo (até tendo em conta a estatuição da irrelevância de modificações posteriores, formulada no segundo segmento), bem como considerar que esse momento se verifica com a notícia do crime, que dá abertura ao processo.

Não pode dizer-se assim, contrariamente ao que se lê no Acórdão, que estejamos perante «competência criada jurisprudencialmente, com base numa interpretação normativa que, não só é inovatória face aos critérios legais, como neutraliza e contraria esses mesmos critérios, assim atentando contra o princípio da legalidade da competência e, por essa via, também contra o princípio do juiz natural [...]». A interpretação seguida na decisão recorrida não é uma pura criação jurisprudencial, pois tem um mínimo de correspondência no texto normativo, diferentemente do que se passava na questão decidida pelo Acórdão 324/2013. Este aresto estabeleceu dois pressupostos para que se possa considerar violado o princípio da legalidade, em matéria de processo penal: a total falta de correspondência entre o sentido retirado da norma e o seu texto e o enfraquecimento da posição processual do arguido. Não se me afigura que qualquer destes pressupostos se possa ter por concretizado aqui, pelo que a orientação fixada naquele Acórdão não só não se presta a fundar a decisão de que divirjo, como depõe em sentido contrário.

Resumida ao essencial, a questão aqui presente pode ser formulada do seguinte modo: verificando-se estarem preenchidos os pressupostos legais de competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para a fase de inquérito, deve ou não essa competência prorrogar-se para a fase de instrução, no caso de, em face do teor da acusação, se terem deixado de verificar esses pressupostos? A resposta afirmativa, que tem boas razões por si (e, por isso, foi expressamente dada pelo legislador de processo penal, para a hipótese de separação de processos em conexão - artigo 31.º do CPP) não contende com o princípio do juiz natural. Não estamos perante uma "razão caprichosa" e arbitrária, que acolha o puro facto do exercício anterior de competência (na fase de inquérito), contrariamente ao que algumas formulações do Acórdão (incluindo a fórmula decisória) sugerem. Atende-se a critérios legais, gerais e abstratos, reportando-os ao momento inicial do processo, por eles se determinando, também para a subsequente fase de instrução, a instância competente. Independentemente de saber qual a melhor solução no plano infra- constitucional, não se vê que esta determinação fixa, insensível à dinâmica de um processo que se desenvolve por fases distintas, esteja ferida de inconstitucionalidade, por afetação do princípio do juiz natural. Dito de outra forma: não se vê que este princípio contenha em si a exigência de que a competência, em processo penal, se amolde ao objeto do processo, tal como ele se define em cada uma das duas fases: a do inquérito e a da instrução. - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209374085

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2520251.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-08-27 - Lei 60/98 - Assembleia da República

    Altera a orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86 de 15 de Outubro passando a denominar-se Estatuto, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2011-06-24 - Lei 46/2011 - Assembleia da República

    Cria o tribunal de competência especializada para propriedade intelectual e o tribunal de competência especializada para a concorrência, regulação e supervisão e procede à 15.ª alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, à 4.ª alteração à Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, que aprova o Regime Jurídico da Concorrência, à 5.ª alteração à Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que aprova a Lei das Comunicações Electrónicas, à 2.ª alteração à L (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-08-26 - Lei 62/2013 - Assembleia da República

    Estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário - Lei da Organização do Sistema Judiciário.

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