Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Relatório. - Por sentença de 18 de Maio de 1972 do Tribunal do Trabalho do Porto foi homologado o acordo celebrado entre o sinistrado Albertino Queirós de Castro, nascido em 16 de Maio de 1952, e a Companhia de Seguros Tranquilidade, e esta condenada a pagar àquele, além do mais, a pensão anual e vitalícia de 3672$53, em consequência de acidente de trabalho ocorrido em 21 de Maio de 1971, de que lhe resultou 32 % de incapacidade parcial permanente. O acidente resultou de, quando o sinistrado, que exercia as funções de pré-oficial chapeiro da empresa Transmotor, SARL, batia com um martelo numa chapa, lhe ter saltado uma porção de aço para o olho esquerdo, provocando-lhe as lesões descritas no auto de fls. 14.
Em 30 de Março de 1995, o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, referindo ter obtido informação, por parte de um médico especialista em oftalmologia, da possibilidade de, mediante intervenção cirúrgica, com colocação de lente intra-ocular, recuperar a visão do olho esquerdo, veio requerer que pela seguradora fosse custeada tal intervenção, já que, apesar de já ter decorrido o prazo estabelecido no n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, para poder ser requerida a revisão da incapacidade, a pretensão deduzida se fundava na Base IX da mesma Lei, que prevê, como uma das formas de reparação dos acidentes de trabalho, prestações em espécie tendo por finalidade restabelecer o estado de saúde e a capacidade de trabalho e de ganho dos sinistrados e que se mostrem necessárias à sua recuperação para a vida activa, não estando legalmente prevista qualquer fixação de prazo preclusivo no que concerne a estas prestações.
Tendo a seguradora, na sua resposta, invocado o decurso do prazo de 10 anos fixado na aludida Base XXII, n.º 2, o que determinaria a falta de fundamento da pretensão, por despacho judicial de 8 de Maio de 1995, entendendo-se não se tratar de situação de revisão da incapacidade ou pensão do sinistrado, prevista nessa Base, mas antes de situação enquadrável na previsão da Base IX da aludida Lei e no artigo 25.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, foi determinada a audição do perito médico do Tribunal para se apurar, com segurança e isenção, da possibilidade de recuperação da
visão do olho esquerdo.
No relatório do perito médico, datado de 21 de Junho de 1995, refere-se que a situação de incapacidade do sinistrado "é susceptível de ser modificada", dado que, "graças aos avanços das técnicas cirúrgicas, é hoje possível a introdução de uma lente na câmara anterior do globo ocular, com a dupla vantagem de lhe melhorar a visão e de lhe possibilitar a recuperação da visão binocular", acrescentando-se que "esta técnica era impraticável à data do acidente e hoje é prática corrente nos sinistrados com traumatismos oculares, conseguindo-se obter um grande número de totais recuperaçõespara o trabalho".
Tendo a seguradora acabado por aceitar dar satisfação à pretensão do sinistrado, através dos seus serviços, "com a reserva de, subsequentemente e em função dos resultados da intervenção cirúrgica, requerer a revisão da pensão" (comunicação de 9 de Novembro de 1995), uma primeira intervenção cirúrgica teve lugar em 31 de Janeiro de 1996, mas, por indicação médica, o sinistrado teve de ser reoperado, em 8 de Maio de 1996; no entanto, após a alta, em 3 de Setembro de 1996, o mesmo manteve a anterior desvalorização de 32 % (comunicações da seguradora de 27 de Março de 1996, 13 de Junho de 1996 e 30 de Outubro de 1996).Mediante promoção do Ministério Público, foi, por despacho judicial de 9 de Julho de 2003, determinada a remição obrigatória da pensão, tendo a entrega do capital de remição ao sinistrado ocorrido em 29 de Outubro de 2003.
Em 14 de Dezembro de 2007, o sinistrado endereçou ao representante do Ministério Público no Tribunal do Trabalho do Porto exposição em que dava conta de novo agravamento do seu estado de saúde a partir do início desse ano, devido a diversas infecções provocadas pela rejeição do enxerto efectuado em 1996, e que lhe fora referido por um dos médicos que o assistiu que só uma nova cirurgia de enxerto poderia evitar a perda completa da visão, tendo aquele magistrado promovido a audição da seguradora face a tal pretensão.
Na sequência de diversas diligências, a seguradora, em 11 de Setembro de 2008, informou que o sinistrado iria ser submetido a transplante da córnea logo que lhe fosse
fornecida córnea de dador compatível.
Entretanto, em 12 de Março de 2008, o sinistrado requerera exame de revisão, "uma vez que se sente pior no que às lesões sofridas diz respeito".Relativamente a este requerimento, foi proferido, em 13 de Outubro de 2008, o
seguinte despacho judicial:
"O sinistrado veio requerer exame de revisão.A seguradora opôs-se a tal requerimento, por já terem passado mais de dez anos sobre a fixação da pensão, como consta a fls. 153.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento do requerido, conforme
douta promoção de fls. 159 a 160.
Importa decidir.
Como resulta da Base XXII da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, aplicável nos autos, o exame de revisão só poderá ser requerido dentro dos dez anos posteriores àdata da fixação da pensão.
Porém, o Tribunal Constitucional julgou já inconstitucional tal normativo, por violação do direito à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (v. Diário da República, 2.ª série, de 3 de Maio de 2006).Na verdade, considerar a impossibilidade de rever a pensão obsta a que o sinistrado seja, em concreto, reparado de forma justa, caso se venha a demonstrar o agravamento
da situação clínica por ele invocado.
Acresce que, não obstante tenham decorrido mais de vinte anos desde a fixação da pensão, apesar de notificada, a seguradora não veio invocar a prescrição.Em conformidade, entendemos que, não obstante não sejam coincidentes a situação dos autos e aquela avaliada no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, os fundamentos neste aduzidos têm de igual modo aplicação na situação dos autos, sob pena de resultar violado o aludido preceito constitucional (v. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto, de 19 de Novembro de 2007, in www.dgsi.pt/jtrp).
Nestes termos, decide-se recusar, por inconstitucional, a aplicação daquele normativo da Lei 2127 e, em consequência, deferir o requerido exame de revisão."
É contra este despacho que, pelo representante do Ministério Público no Tribunal do Trabalho do Porto, vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do direito à justa reparação consagrado no artigo 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma contida na Base XXII, n.º 2, da Lei 2127, de 3 de Agosto de
1965.
Neste Tribunal, o representante do Ministério Público apresentou alegações,concluindo:
"1.º - Face ao decidido nos Acórdãos n.º s 155/2003, 147/2006 e 612/2008, a norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, ao consagrar um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com fundamento em invocado agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que não ocorreu qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade e já se mostram decorridos mais de 20 anos sobre a data da fixação originária da pensão, não afronta o princípio da igualdade ou o direito do sinistrado à justa reparação, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituiçãoda República Portuguesa.
2.º - Termos em que deverá proceder o presente recurso."
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Fundamentação. - 2.1. A possibilidade de revisão das prestações devidas por acidentes de trabalho quando o estado de saúde do sinistrado conheça evolução, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, com consequente alteração da sua capacidade de ganho, foi prevista, pela primeira vez, no artigo 33.º do Decreto 4288, de 22 de Maio de 1918, que não continha expressa estatuição de qualquer prazo para o exercício do correspondente direito.O artigo 24.º da Lei 1942, de 27 de Julho de 1936, introduziu a exigência de o requerimento da revisão das pensões por incapacidade permanente, com fundamento em modificação na capacidade geral de ganho da vítima do acidente, ser formulado "durante o prazo de cinco anos, a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença" e "desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ivessem] decorrido seis meses, pelo menos".
Por seu turno, a Lei 2127, na sua Base XXII, veio dispor:
"1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração
verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos,e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano."Constata-se, assim, que, comparativamente ao regime legal precedente, a Lei 2127 veio permitir a revisão das várias "prestações" (incluindo, assim, as reparações em espécie) e não apenas das "pensões por incapacidade permanente", alargou de cinco para dez anos o prazo durante o qual a revisão podia ser requerida e possibilitou a sua formulação "uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano,
nos anos imediatos".
O regime dessa Lei, com adaptações de pormenor, foi reproduzido no novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, constante da Lei 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 25.º dispõe:"1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano,
nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano."Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei 2127 e mantidos na Lei 100/97 surgiram da "verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)"(cf.
Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2.ª edição, Coimbra, 2000, pág. 128).
Consigne-se, por último, que a Proposta de Lei 88/X (Diário da Assembleia da República, X Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, 2.ª série-A, n.º 1, de 16 de Setembro de 2006, pp. 15-51), que tinha por objecto a regulamentação dos artigos 281.º a 312.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, relativos aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, apresentava como uma das suas novidades o abandono da "regra de que a pensão por acidente de trabalho só pode ser revista nos 10 anos posteriores à sua fixação, uniformizando-se o regime já presentemente aplicável às doenças profissionais, permitindo-se a sua revisão a todo o tempo, salvo nos dois primeiros anos subsequentes à fixação da pensão, em que só pode ser requerida uma vez no fim de cada ano" (da "Exposição de motivos"). Do proposto artigo 58.º constava: "1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 - A revisão pode ser efectuada oficiosamente, a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3 - A revisão pode ser requerida a qualquer momento, salvo nos dois primeiros anos subsequentes à fixação da pensão, em que só pode ser requerida uma vez no fim de cada ano." Essa Proposta de Lei foi aprovada na generalidade em 1 de Fevereiro de 2007, tendo baixado de imediato, para apreciação na especialidade, à Comissão de Trabalho e Segurança Social, mas não se encontra registo, no site da Assembleia da República, de qualquer evolução posterior.
2.2. Na primeira pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, o Acórdão 155/2003 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55.º vol., p. 701) julgou improcedentes as arguições de inconstitucionalidade sustentadas pelo respectivo recorrente com base em violação do princípio da igualdade, numa dupla perspectiva: (i) em comparação com os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento jurisprudencial, a requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão; e (ii) ao não conferir tratamento diferenciado aos casos em que a pensão é fixada na menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível aferir, com exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade.
Quanto à primeira perspectiva, considerou-se nesse Acórdão que: "não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada", acrescentando-se que "diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada", para se concluir pela não violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada, já que se verificava, nas situações em que ocorrera revisão da incapacidade dentro dos primeiros dez anos posteriores à data da fixação da pensão, um factor de instabilidade que não ocorria nas situações em que decorrera por completo esse prazo sem que tivesse sido requerida qualquer revisão, "o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a
apontada diferenciação de regimes".
Reconhecendo que "mereceria melhor ponderação a questionada violação do princípio da igualdade na segunda perspectiva apontada", uma vez que "se o prazo de dez anos sem formulação de pedidos de revisão pode ser considerado como suficiente para reputar como consolidado o juízo sobre o grau de incapacidade permanente, quando este juízo respeita a um sinistrado adulto, já seria questionável se esse prazo continuaria a ser suficiente nos casos em que o acidente e a fixação da incapacidade respeitam a um menor, ainda na adolescência (...), em plena fase de crescimento físico, isto é, com formação corporal longe de estar completa e em que, por isso, são mais plausíveis alterações no grau de incapacidade", entendeu-se, porém, que, no caso em apreço, em que o recorrente não apenas não apresentara o pedido de revisão da pensão no prazo de dez anos posterior à data da fixação da pensão, como nem sequer o fizera nos dez anos posteriores à data em que atingira a maioridade, só o formulando quando já tinha 39 anos de idade, "nunca um hipotético juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, que este Tribunal Constitucional pudesse emitir relativamente ao prazo do pedido de revisão de pensões fixadas na menoridade do sinistrado poderia ter o alcance de fazer dilatar aquele prazo até à idade em que o recorrente a formulou, pelo que, atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não há interesse em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação desse juízo".2.3. Foi no Acórdão 147/2006 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º vol., p.
669) que o Tribunal Constitucional se confrontou directamente com a compatibilidade da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127 com o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, tendo julgado inconstitucional, por violação deste direito, aquela norma quando "interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões
sofridas pelo sinistrado".
A delimitação do juízo de inconstitucionalidade emitido resultou da concreta dimensão da norma questionada no recurso então em apreço, tendo o Tribunal Constitucional salientado que "na averiguação da conformidade constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na interpretação normativa em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição constitucional de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões devidas por acidente de trabalho", ou seja, não estava "em causa a apreciação de uma eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente detrabalho seria inconstitucional".
Após salientar que "o instituto da revisão das pensões justifica-se, quer nos casos de pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por doenças profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho", desenvolveu o aludido Acórdão a seguinte argumentação:"Assegura-se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação - direito previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição - , pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
Justificando-se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões, em atenção à referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do seu titular, o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente - como, aliás, realça o Ministério Público nas alegações - que nada impede a progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção que considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não assentar, tal como aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer fundamento racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima de doença profissional, no que se refere à
reparação.
Poderia porventura aventar-se a hipótese de à norma ora em análise estar subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta - ou, pelo menos, assentava durante a vigência dessa norma - «numa óptica de responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras» (sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças profissionais, veja-se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, pp. 157-160).Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer fundamento racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo ora em análise chegou a sustentar que «seria de todo justo e vantajoso que, em futura alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a possibilidade de revisão» (Carlos Alegre, ob.
cit., p. 105). Também a propósito de preceito similar da Lei 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor, se defendeu não existirem «razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes de trabalho» (Paulo Morgado de Carvalho, «Um olhar sobre o actual regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais:
Benefícios e Desvantagens», in Questões Laborais, ano X, n.º 21, 2003, p. 74 e ss., p.
89).
Impõe-se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço - ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado - não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), daConstituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional», não é constitucionalmente aceitável, como refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha «fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que - causalmente ligados ao sinistro - sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do presente recurso», desde que, naturalmente, não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por acidente detrabalho ou doença profissional."
Juízos de inconstitucionalidade idênticos ao formulado no Acórdão 147/2006, e com adesão à fundamentação neste desenvolvida, foram proferidos no Acórdão 59/2007 e nas Decisões Sumárias n.º s 390/2008, 470/2008 e 36/2009, em casos em que, no decurso do prazo de 10 anos após a fixação da pensão inicial, também tinham ocorrido actualizações da pensão inicialmente fixada, na sequência de revisões que demonstraram o agravamento da incapacidade dos sinistrados seus titulares.2.4. No presente caso, porém, nenhuma actualização da pensão ocorreu, em consequência do reconhecimento judicial do agravamento da incapacidade do sinistrado, no período de 10 anos posterior à fixação inicial da pensão, tendo o pedido de revisão sido formulado (em 12 de Março de 2008) quase 36 anos após a fixação da
pensão (em 18 de Maio de 1972).
Num caso em que não havia ocorrido qualquer revisão da pensão no prazo inicial de 10 anos, o recente Acórdão 612/2008, da 3.ª Secção deste Tribunal, proferido em recurso interposto de acórdão do Tribunal da Relação do Porto - que desaplicara a norma da Base XXII, n.º 2, da Lei 2127, por inconstitucionalidade, no ponto em que fixa um prazo preclusivo de dez anos para a formulação do pedido de revisão, baseando-se para tanto na fundamentação constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006 - , começou justamente por salientar a diferença da situação com que se confrontava e daquela sobre que versara o Acórdão 147/2006, quanto à inexistência de revisão da pensão no período inicial de 10 anos, aproximando-a da tratada no Acórdão 155/2003, cuja fundamentação parcialmentereproduziu.
Empreendeu então o Acórdão 612/2008, para despistar possíveis violações do princípio da igualdade, o cotejo do regime decorrente do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127 para os sinistrados de acidente de trabalho, primeiro, com o estabelecido no subsequente n.º 3, relativamente aos beneficiários de pensão por doença profissional, e, depois, com o previsto no artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por alteração de circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a forma de renda, tendo concluído, em ambos os casos, pelo não desrespeitodaquele princípio.
Quanto à primeira comparação (com os beneficiários de pensão por doença profissional), e sendo dado como incontestável que "o direito à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, pág. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade quer as vítimas de acidente de trabalho quer as de doença profissional", o Acórdão demonstrou que "não se detecta qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no Acórdão 147/2006 quer no Acórdão 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3 da Base XXII para a revisão de pensões por doença profissional", pois "a possibilidade de a revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da capacidade de ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação da pensão inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da capacidade de ganho". Na verdade, "o critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de ulteriores pedidos de revisão", situação que "não é (...) diversa da prevista para as pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência factual - a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões".Concluiu-se, assim, não haver, "no essencial, mesmo do ponto de vista da posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre os regimes do n.º 2 e do n.º 3 da Base XXII que permita considerar verificada a violação do princípio
da igualdade".
À mesma conclusão se chegou tomando como termo comparativo, em relação ao disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei 2127, o que estatui, em geral, o artigo 567.º do Código Civil, no que concerne à indemnização cível sob a forma de renda. Após salientar que a possibilidade de modificação do montante indemnizatório em que se traduz a renda vitalícia, em resultado da alteração sensível das circunstâncias (que pode consistir num agravamento das sequelas da lesão), como prevê esse n.º 2, "está, desde logo, condicionado a um juízo de prognose do julgador, que tem por base a natureza continuada dos danos e a sua futura evolução", pelo que, "neste ponto, não há essencialmente distinção entre o regime do artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil e o da Base XXII, n.º 2, da Lei 2127", o Acórdão reconhece que "o ponto de dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de revisão de pensões por acidente de trabalho (que pode justificar-se por simples razões de segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito civil". Considerou, porém, o Acórdão 612/2008, que, "considerado globalmente, o regime de efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se apresenta objectivamente mais desfavorável que o de responsabilidade civil por facto ilícito", com base nos seguintes argumentos: (i) "o direito de indemnização cível está sujeito a um prazo prescricional curto, nos termos do artigo 498.º do Código Civil, e segue as regras processuais comuns, ao passo que o direito à reparação por acidente de trabalho segue o processo especial regulado nos artigos 99.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, com patrocínio oficioso do Ministério Público e sem sujeição a prazo de caducidade, com diversos outros mecanismos de garantia de efectivação dos direitos, como seja a existência de uma fase conciliatória preliminar"; (ii) "mesmo no domínio da Lei 2127 (...) a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está fortemente orientada para assegurar o efectivo ressarcimento do trabalhador, quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (Bases IX a XIXI), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um sistema de obrigatoriedade de seguro (Base XLIII), bem como uma forma de responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (Base XLV)"; (iii) "o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil objectiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarciblidade de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte do empregador (Base XVII)"; e (iv) "em todo o caso, verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, não está vedado ao trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar-se, em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e, designadamente, o mencionado regime de fixação da indemnização em renda, com possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da alteração de circunstâncias (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II vol., 2.º tomo, 3.ª edição, Lisboa, pág. 190)". O que tudo leva a concluir que, "também neste plano de consideração, não é evidente que o regime definido no n.º 2 da Base XXII da Lei 2127 represente uma violação doprincípio da igualdade".
Confrontado, por último, com o argumento, utilizado nas alegações do Ministério Público, de que "um sistema jurídico de revisão de pensões está sempre dependente da demonstração do nexo causal entre o acidente e o agravamento da lesão, pelo que a possibilidade de invocação de danos futuros adicionais resultantes do acidente, independentemente de qualquer prazo de caducidade, apenas agravaria o ónus processual do lesado, que teria mais dificuldade em estabelecer a correlação do dano superveniente com o acidente" e, assim, poderia "não haver nenhum motivo para o estabelecimento de um prazo limite, quando o lesado tem sempre o ónus de provar que o agravamento posterior do dano está ainda relacionado com o acidente", respondeu o Acórdão 612/2008 que, dispondo o legislador "de alguma margem de livre conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado", "no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados", pelo que, "nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta oprincípio da proporcionalidade".
2.5. Recordadas a evolução legislativa no domínio da revisão de pensões por acidentes de trabalho (supra, 2.1.) e a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria (supra, 2.2., 2.3. e 2.4.), é tempo de enfrentar directamente a específica questão de constitucionalidade que integra o objecto do presente recurso.Anote-se, preliminarmente, que a circunstância de, no caso, ter ocorrido remição da pensão previamente à apresentação do pedido de revisão se mostra irrelevante. É que, embora, no domínio da Lei 1942, a jurisprudência se tenha dividido quanto à admissibilidade de revisão de pensões já remidas (cf. José Augusto Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Lisboa, 1983, pp.
118-119), quer na vigência da Lei 2127, quer na vigência da Lei 100/97, o legislador explicitamente consagrou, nos diplomas regulamentares dessas Leis, a solução de que a remição não prejudica o direito do sinistrado às prestações em espécie, nem o direito a requerer a revisão da sua pensão (artigos 67.º, n.º 1, do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, e 58.º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Abril).
2.5.1. Na alegação do recorrente, salienta-se que o presente caso apresenta a peculiaridade de entre a data da fixação da pensão (18 de Maio de 1972) e a formulação do pedido de revisão (12 de Março de 2008) ter decorrido prazo muito superior a 20 anos (diferentemente do considerado no Acórdão 612/2008, em que, datando o acórdão então recorrido de 19 de Novembro de 2007 e tendo a pensão sido fixada em 7 de Junho de 1996, o pedido de revisão cuja tempestividade estava em causa terá sido formulado não muito tempo após o completamento do período inicial de10 anos).
Se, neste último caso, segundo o recorrente, "poderia suscitar dúvidas, no confronto com o direito fundamental outorgado pelo n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa (...) a sujeição do lesado por acidente laboral a um prazo de efectivação do seu direito ao ressarcimento de danos futuros mais curto do que o vigente em direito civil (sendo óbvio que a norma especial, constante da lei dos acidentes do trabalho, sempre impediria a aplicação, nesta sede, do prazo prescricional curto de 3 anos, previsto em geral na lei civil para a responsabilidade extracontratual)", o certo é que, no presente caso - e "mesmo que se admita que o julgamento de inconstitucionalidade não devesse ser condicionado decisivamente pela circunstância «fáctica» de terem ou não ocorrido actualizações intercalares da pensão (vistas como indiciadoras de um processo patológico evolutivo), tendo em conta o «lugar paralelo» que ocorre em direito civil, no caso de ocorrência de danos futuros" - "sempre funcionaria, como limite absoluto à ressarcibilidade destes danos supervenientes «tardios», a consumação do prazo de prescrição ordinária de 20 anos (como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil)". Por isso, "estando afastado, no caso dos autos, esse regime mais desfavorável para o trabalhador sinistrado, a sujeição deste ao limite absoluto, consubstanciado na decorrência do prazo da prescrição ordinária, não afronta qualquer preceito ou princípio constitucional", pelo que concluiu propugnando que se emitisse juízo de não inconstitucionalidade, face ao princípio da igualdade ou ao direito do sinistrado à justa reparação, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, da "norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, ao consagrar um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com fundamento em invocado agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que não ocorreu qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade e já se mostram decorridos mais de 20 anos sobre a data da fixação originária da pensão"
(sublinhado acrescentado).
Esta posição do Ministério Público, apesar de, no presente caso, conduzir a resultado oposto (juízo de não inconstitucionalidade) ao por ele preconizado nas alegações apresentadas nos processos em que foram proferidos os Acórdãos n.º s 147/2006 e 612/2008, insere-se coerentemente na linha argumentativa aí desenvolvida em termos de demonstrar o tratamento mais desfavorável do sinistrado do trabalho, relativamente ao que ocorre com a possibilidade de ressarcimento dos danos futuros em qualquer situação de comum responsabilidade civil. Na verdade, nessas peças, considerando que, segundo a melhor doutrina, a regra do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil de que o direito de indemnização prescreve em três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso - que "obriga"o lesado a exercer o seu direito mesmo num momento em que não esteja perfeitamente estabilizada e sedimentada a situação danosa - "não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, Coimbra, 2004, p. 627). Daí que, "estabelecendo a Constituição, no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) - como direito fundamental dos trabalhadores - a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, não pode o direito infraconstitucional fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção de ressarcimento justo e adequado por danos futuros que - causalmente ligados ao sinistro - sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do presente recurso - sendo certo que qualquer lesado teria a possibilidade de ainda vir a obter o ressarcimento de danos supervenientes, face ao regime comum da responsabilidade civil, desde que se não mostrasse excedido o prazo «normal» da prescrição da obrigação de indemnizar" (sublinhado acrescentado), entendimento este que veio a ser assumido no Acórdão 147/2006, em caso em que ocorrera revisão da pensão no
decénio inicial.
Em suma: segundo o recorrente, a inconstitucionalidade (por ele defendida nos recursos em que foram proferidos os Acórdãos n.º s 147/2006 e 612/2008) que derivaria da injustificada diferenciação de tratamento dos sinistrados do trabalho em caso de alteração do grau de incapacidade (mesmo em situações em que não ocorrera qualquer revisão da incapacidade no primeiro decénio) em comparação com o regime de prescrição dos "danos futuros" no regime comum da responsabilidade civil, já não ocorreria em situações - como seria a do presente recurso - em que já tivesse decorrido o prazo de 20 anos de prescrição ordinária do direito à indemnização por acidente de trabalho, pois então já não existiria, neste aspecto, diferenciação entre o regime infortunístico laboral e o regime de responsabilidade civil comum.Salvo o devido respeito, não se afigura que o decurso do prazo de 20 anos sobre a data do acidente (ou sobre a data da fixação da pensão) seja, por si só, suficiente para conduzir a sentidos opostos no juízo de constitucionalidade a formular.
Não se ignora que o regime dos prazos de exercício de direitos emergentes de acidentes de trabalho tem sido considerado injustificadamente mais gravoso para o lesado do que aquele que resulta do disposto no Direito Civil (cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Lisboa, 2000, pp. 791-793). Como assinala este autor, enquanto na responsabilidade civil extracontratual comum, tanto subjectiva como objectiva (ex vi artigo 499.º do Código Civil), o artigo 498.º determina que o prazo de prescrição é de três anos a contar da data em que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste, e, depois de determinado o direito à indemnização, começa a correr, a partir do vencimento da correspondente prestação, novo prazo de prescrição, que pode ser de vinte anos (regra geral do artigo 309.º) ou de cinco anos se a prestação for periódica, por exemplo em renda (artigo 310.º, alínea a), todos do Código Civil), já para os acidentes de trabalho o legislador estabeleceu para o exercício judicial dos direitos do trabalhador sinistrado um prazo de caducidade de um ano a contar da cura clínica ou da morte do lesado (Base XXXVIII, n.º 1, da Lei 2127, e artigo 32.º, n.º 1, da Lei 100/97, que fala em "alta clínica", em vez de "cura clínica"), e, uma vez proferida decisão a condenar no pagamento da reparação, a partir do vencimento de cada prestação inicia-se um prazo de prescrição de um ano (Base XXXVIII, n.º 3, da Lei 2127, prazo que foi alargado para cinco anos pelo artigo 32.º, n.º 2, da Lei 100/97, que, se corresponde ao regime de prescrição dos créditos de vencimento periódico, já não é aplicável a outras prestações, em particular
nas indemnizações em capital).
No entanto, o que está em causa no presente recurso não é a constitucionalidade da globalidade do regime de prazos de exercício de direitos emergentes de acidentes de trabalho, mas apenas do estabelecimento de limites temporais ao exercício do direito à revisão da incapacidade, com consequente revisão da pensão arbitrada.A lei não estabelece expressamente qualquer prazo de prescrição específico, a partir do conhecimento da alteração da incapacidade, para ser requerida a sua revisão. O que estatuiu foi condicionalismos temporais ao exercício desse direito, quer fixando um prazo preclusivo de dez anos posteriores à data da fixação da pensão, quer limitando a periodicidade dos pedidos de revisão: uma vez em cada semestre, nos dois primeiros
anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
A circunstância de, desde a data do acidente, terem decorrido mais de vinte anos não faz funcionar, sem mais, o prazo ordinário de prescrição, pois a prescrição, quer em direito civil, quer em direito infortunístico laboral, pressupõe sempre o não exercício do direito pelo seu titular durante o lapso de tempo estabelecido na lei (artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil). Assim, o entendimento doutrinal, invocado pelo recorrente, de que, quanto ao direito de indemnização por responsabilidade extracontratual, a circunstância de o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil impor ao lesado o exercício do direito mesmo com desconhecimento da extensão integral dos danos, implica que se lhe reconheça o direito de reclamar a indemnização por "danos novos", desde que o faça no prazo de três anos a contar do conhecimento destes danos, "sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso", não significa, no que a esta última ressalva concerne, que basta o decurso do prazo de vinte anos a partir da data do facto para precludir a possibilidade de reclamar indemnização por "danos novos", mesmo que conhecidos há menos de três anos. O que significa é que, mesmo relativamente a danos só conhecidos há menos de três anos, não é admissível a formulação de pedido indemnizatório se o direito de indemnização, globalmente considerado, já tiver prescrito pelo decurso do prazo de vinte anos sem ter sido exercitado. Mas se o lesado exerceu tempestivamente o seu direito à indemnização e tem, por exemplo, recebido regularmente as correspondentes prestações, ele pode reclamar a reparação dos "danos novos", desde que a reclame no prazo de três anos desde o seu conhecimento, independentemente do número de anos decorridos desde adata do facto danoso.
Similarmente, no presente caso, não é possível falar-se em prescrição ordinária do direito à reparação do acidente do trabalho pela mera circunstância de o mesmo ter ocorrido há mais de vinte anos (ou de há mais de vinte anos ter sido proferida decisão judicial de fixação das prestações devidas), relativamente à data em que foi formulado o pedido de revisão da pensão, pois o sinistrado exercitou tempestivamente aquele seu direito, o que determinou a interrupção da correspondente prescrição, interrupção que se manteve por força da regular percepção da pensão que lhe foi arbitrada, aliás objecto de sucessivas actualizações, até à sua remição, e, mesmo após esta, à formulação de pedido de prestações traduzidas em intervenções cirúrgicas a cargo daseguradora.
Não se acompanha, assim, o fundamento com base no qual o recorrente alicerçara a emissão de um juízo de não inconstitucionalidade.2.5.2. Aqui chegados, há que reconhecer que a situação dos presentes autos se apresenta com características especiais, que a diferenciam das precedentemente
apreciadas por este Tribunal.
A inexistência de qualquer revisão da incapacidade nos primeiros dez anos subsequentes à fixação da pensão inviabiliza a directa extensão ao presente caso do critério que foi seguido nos Acórdãos n.º s 147/2006 e 59/2007 e nas Decisões Sumárias n.º s 390/2008, 470/2008 e 36/2009, nos quais a existência de revisão nesse período de tempo foi assumida como indício seguro da não estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho, equiparável à situação das doenças profissionais evolutivas, o que tornava desrazoável a aplicação rígida da regra da BaseXXII, n.º 2, da Lei 2127.
Mas o presente caso também se diferencia das situações apreciadas, quer no Acórdão 155/2003, quer no Acórdão 612/2008, na medida em que surgiu, na situação clínica do sinistrado, um elemento singular, que afasta, de modo irrecusável, a presunção de estabilização dessa situação, que esteve na base dessas decisõesanteriores.
Na verdade, no presente caso, o tribunal, com a concordância dos intervenientes processuais, reconheceu que, apesar de já ter decorrido mais de um decénio sobre a data da fixação da pensão, era juridicamente exigível, ao abrigo da Base IX da Lei 2127, como meio de reparação dos danos sofridos pelo sinistrado, uma prestação de natureza cirúrgica, a cargo da seguradora, cuja possibilidade de execução derivou da evolução das técnicas médicas, inexistentes à data do acidente.O surgimento da possibilidade dessa intervenção cirúrgica e a decisão judicial que determinou a sua prestação tornaram, naturalmente, insubsistente a "presunção" de estabilização da situação clínica que as anteriores decisões deste Tribunal associaram à inexistência de qualquer revisão da incapacidade durante o referido período de dez anos. Assim, deixa de ter base de sustentação a tese da não inconstitucionalidade associada à consideração de que, decorrido esse prazo, era normal que se tivesse por estabilizada a situação clínica do sinistrado, justificando-se a solução legal questionada pela protecção da segurança da posição jurídica dos responsáveis pela reparação dos
danos derivados do acidente de trabalho.
Como se assinalou no relatório inicial, a seguradora, na sua comunicação de 9 de Novembro de 1995, quando se disponibilizou a custear a intervenção cirúrgica, logo salientou que se reservava o direito de, "subsequentemente e em função dos resultados da intervenção cirúrgica, requerer a revisão da pensão". Sendo indiscutivelmente atendível esta reserva, para a hipótese, em caso de sucesso da intervenção, de o sinistrado recuperar por inteiro a visão, o que poderia levar, não apenas à redução, mas à própria extinção do direito à pensão, não pode deixar de se considerar igualmente atendível a pretensão de, com base em alegado agravamento da situação determinado pelas complicações derivadas do insucesso de uma segunda intervenção, se proceder à revisão da incapacidade, apesar de há muito decorrido o prazo inicial de dez anos.A situação, a partir da decisão da prestação de intervenção cirúrgica, assumiu um carácter de não estabilidade, que afasta a razão de ser do entendimento, subjacente ao Acórdão 612/2008, da razoabilidade da solução legal questionada, que afastaria a sua inconstitucionalidade, e acaba por a aproximar mais das situações, atrás descritas, em que a não estabilização da situação derivava da ocorrência de revisões da pensão por reconhecidas alterações do grau de incapacidade do sinistrado.
3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma da Base XXII, n.º 2, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, enquanto consagra um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, nos casos em que, tendo sido, ao abrigo da Base IX da mesma Lei, judicialmente determinada à entidade responsável a prestação de uma intervenção cirúrgica para além daquele prazo, o sinistrado invoque agravamento da situação clínica derivado dessa intervenção; e, em consequência, b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Março de 2009. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Silva Rodrigues - Rui Manuel
Moura Ramos.
201699765