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Acórdão 126/2009, de 24 de Abril

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Sumário

Fixa jurisprudência no seguinte sentido : Não julga inconstitucionais as normas do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 51-A/96, de 9 de Dezembro, não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal e poderá ainda acrescer a esse limite, mesmo quando o facto determinante de tal suspensão tenha ocorrido em data anterior à do começo do prazo prescricional. (Proc. n.º 1014/08)

Texto do documento

Acórdão 126/2009

Processo 1014/08

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - Martinho Maurício Ferreira interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença do Tribunal da Comarca de Torres Novas que o condenou pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido nos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal e 7.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), invocando, além do mais, a prescrição do procedimento criminal por terem decorrido cinco anos desde a data em que foi notificado da acusação (30 de Abril de 1999) ou da data em que foi designada a audiência de julgamento (15 de Julho de 1999).

O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 16 de Julho de 2008, negou provimento ao recurso, fundamentando a decisão, na parte respeitante à prescrição do

procedimento criminal, nos seguintes termos:

A questão da prescrição do procedimento criminal foi objecto de apreciação detalhada

no acórdão recorrido.

Ali se pondera, além do mais:

«O prazo da prescrição e por referência ao que dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do RGIT é que o procedimento criminal por crime tributário extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 anos.

E o n.º 2 diz que o disposto no n.º 1 não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no CP quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a

5 anos.

O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º do

RGIT.

O crime previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, do RGIT é punido com a pena de

prisão até 3 anos.

O procedimento criminal prescreve no prazo de 5 anos quando se tratar de crimes puníveis com a pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano mas inferior a 5 anos. - art.º 118.º, n.º 1, alínea c), do CP.

O artigo 120.º do CP enumera as causas de suspensão da prescrição, que uma vez

cessada faz voltar a correr a prescrição.

A prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou não tendo esta sido deduzida a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido [...] - art.º 120.º, n.º 1, alínea b), do CP.

Neste caso a suspensão não pode ultrapassar 3 anos - artigo 120.º, n.º 2, do CP.

O artigo 121.º do CP enumera as causas de interrupção da prescrição sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

Por outro lado, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade - art.º 120.º, n.º 3, do CP.

São causas de suspensão da prescrição a notificação da acusação - art.º 120.º, n.º 1,

alínea b), do CP.

São causas de interrupção da prescrição a constituição de arguido, a notificação da acusação, a notificação do despacho que designa dia para a audiência - art.º 121.º, n.º

1, alíneas a), b) e d), do CP.

O início do prazo da prescrição nos crimes continuados começa a correr desde o dia

da prática do último acto.

O último acto ocorreu em Novembro de 1997.

Em 10/8/98, Martinho Maurício Ferreira por si e como representante do Centro Metalúrgico Torrejano foram constituídos arguidos fls. 224 e 225 do 1.º volume) em 30/4/99 foram os mesmos notificados da acusação, facto que teve a virtualidade de interromper e suspender a prescrição (fls. 390 verso do 2.º volume) e em 15/7/99 foram os mesmos notificados da data da audiência (fls. 400 do 2.º volume), factos que tiveram a virtualidade de interromper a prescrição.

Atento o que se deixa dito, ainda não decorreram 10 anos e meio desde aquela data (5 anos - prazo normal, mais 2 anos e meio de interrupção e 3 anos de suspensão) pelo que o ilícito ainda não prescreveu» (fim de transcrição).

A esta fundamentação o recorrente apenas contrapõe (conclusão 6) que «a notificação efectuada em 10.08.98 não tem natureza interruptiva».

Ora não há dúvida - nem o recorrente questiona - que em 10/8/98 Martinho Maurício Ferreira por si e como representante do Centro Metalúrgico Torrejano foram constituídos arguidos (fls. 224 e 225 do 1.º volume) - que tem efeito interruptivo nos termos do artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CP, com a consequente inutilização do

prazo decorrido até então.

E que em 30/4/99 foram os mesmos notificados da acusação (fls. 390 verso do 2.º volume). Facto que teve a virtualidade de interromper novamente e suspender o prazo da prescrição - art. 121.º, n.º 1, alínea a), e artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CP.

Assim o prazo normal da prescrição contado desde a interrupção, acrescido de metade, ressalvado o tempo máximo da suspensão (art. 121.º do CP) consumar-se-ia

no final do mês de Maio de 2008.

Sucede, porem, que - como resulta do ponto 31.º da matéria provada - os arguidos aderiram ao chamado «Plano Mateus» em 31.01.2007.

Mantendo-se o acordo de pagamento subjacente à referida adesão ao «Plano Mateus» até à declaração de falência da sociedade comercial, em 19.12.2007 - cf. ponto 35.º

da matéria provada.

Resultando ainda do ponto 36.º da matéria provada que foi a declaração de falência que inviabilizou o pagamento ao abrigo do Plano Mateus.

Ora o referido «Plano Mateus» foi instituído pelo DL 124/96, de 10.08, estabelecendo um regime de «pagamento em prestações dos créditos por dívidas de natureza fiscal ou à Segurança Social cujo prazo de cobrança voluntária tenha terminado até

31.07.1996».

Por sua vez a Lei 51-A/96, de 09.12, veio estabelecer as consequências da autorização desse regime de pagamento em prestações relativamente aos crimes de

fraude e abuso de confiança fiscal.

Postulando, no seu artigo 2.º:

1 - Se o agente obtiver da administração fiscal autorização para efectuar o pagamento do imposto e respectivos acréscimos legais em regime prestacional o processo será suspenso enquanto se mantiver o pagamento das prestações.

2 - A autorização a que se refere o número anterior suspende igualmente o processo de averiguação fiscal enquanto se mantiver o pagamento pontual das prestações.

3 - O prazo de encerramento do processo de averiguação... bem como o prazo da prescrição do procedimento criminal por crime fiscal, suspendem-se por efeito da suspensão do processo, nos termos dos números anteriores.

Assim à contagem do prazo da prescrição supra efectuado há que somar o tempo durante o qual o procedimento esteve suspenso por efeito da adesão ao referido

«Plano Mateus».

Suspensão da prescrição que bem se compreende: se existe um acordo de pagamento voluntário susceptível de extinguir o procedimento criminal (artigo 3.º da citada Lei 51-A/96) não faria sentido que durante o cumprimento de tal acordo, com o processo suspenso por essa razão, continuasse a correr o prazo da prescrição como se o

processo corresse os seus termos normais.

Assim, por efeito da referida Lei, durante o período que vai de 31.01.2007 até 19.12;2007, o prazo da prescrição esteve suspenso.

E tal suspensão, prevista em Lei especial, não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do C. Penal - aplicável apenas ao «caso

previsto na alínea b)» do mesmo preceito.

Somando assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, n.º 2.

Pelo que, adicionando aquele período em que não correu o prazo da prescrição, à data limite de 31.05.2008 apenas prescreverá volvidos 11 meses e 19 dias sobre aquela data. O que sucederá num horizonte ainda distante.

Não estando pois completado o prazo da prescrição.

Através do requerimento de 30 de Julho de 2008, o recorrente arguiu a nulidade do acórdão e a sua inconstituicionalidade por falta de fundamentação, que o Tribunal da Relação julgou improcedente por decisão de 11 de Novembro seguinte.

O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal por crime fiscal, constante do n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96, de 9 de Dezembro, não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior ao começo do prazo da prescrição.

Tendo o recurso sido admitido, o recorrente apresentou alegações em que formula as

seguintes conclusões:

1 - Pretende-se ver apreciada e julgada inconstitucional a norma extraída do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal, na dimensão e interpretação que lhe foi dada e aplicada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida;

2 - Segundo a qual, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, por crime fiscal constante do n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96, de 9.12, com referência aos n.os 1 e 2 do mesmo artigo da Lei, não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal, somando-se assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120, n.º 2, do Código Penal, mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de inicio ou começo do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal;

3 - Que determina que, nos crimes continuados a prescrição só começa a correr desde

o dia da prática do último acto;

4 - Tal interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 20.º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa;

5 - Porquanto se entende não poder ser ampliada inovatoriamente a tipologia de causas

de suspensão aí previstas;

6 - No Acórdão recorrido, proferido em 16.07.2008, foi apreciada e decidida a questão da prescrição do procedimento criminal, no caso dos autos, levantada pelo

recorrente;

7 - O início do prazo de prescrição, nos crimes continuados, só começa a correr desde o dia da prática do último acto, que no caso dos autos, ocorreu em Novembro de

1997;

8 - No caso em análise, o prazo normal da prescrição, contado desde a interrupção acrescido de metade, ressalvado o tempo máximo da suspensão (art.º 120.º do C. P.), consumar-se-ia no final do mês de Maio de 2008;

9 - O arguido aderiu ao denominado Plano Mateus (Decreto-Lei 124/96), em 31.01.1997, mantendo-se o acordo de pagamento em prestações até 19.12.1997.

10 - Estabelecendo o artigo 2.º do Decreto-Lei 51-A/96 que o processo será suspenso enquanto se mantiver o pagamento das prestações.

11 - Entendeu assim o douto acórdão que à contagem do prazo de prescrição efectuado e que terminava segundo ele, em 31 de Maio de 2008, há que somar o tempo durante o qual o procedimento esteve suspenso por efeito da adesão ao Plano

Mateus;

12 - Porque tal suspensão não se engloba no limite máximo previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do n.º 1 do

mesmo preceito legal;

13 - Somando-se assim ao prazo máximo previsto no artigo 120.º, n.º 2, do Código

Penal,

14 - Pelo que, adicionado tal período de suspensão à data limite de 31.05.2008, a prescrição apenas operaria passados mais 11 meses e 19 dias daquela data.

15 - Mesmo que tal período de tempo em que ocorreu a adesão ao Plano Mateus seja anterior à data de início da prática do último acto criminoso, que ocorreu em

Novembro de 1997;

16 - Data esta que, no caso dos autos, delimita e legalmente marca o início do prazo da prescrição, relativamente aos crimes continuados (art.º 119.º, n.º 2, alínea b), do

Código Penal);

17 - O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão recorrido, ao interpretar a norma que regula as causas de suspensão de prescrição (art.º 120.º do Código Penal), ampliou inovatoriamente a tipologia das causas aí previstas;

18 - Nelas incluindo a possibilidade da suspensão do prazo da prescrição, quando este prazo ainda não se podia legalmente iniciar.

19 - Não sendo constitucionalmente admissível ocorrer a suspensão de um prazo de prescrição, quando este ainda não começou a correr;

20 - Nem se pode iniciar ou adicionar posteriormente, um prazo ou período de tempo, respeitante a facto ocorrido em data anterior à data do início ou começo da contagem

do prazo da prescrição;

21 - Por conflituante e em violação das normas e princípios constitucionais da proporcionalidade e dos direitos e garantias de defesa (artigos 32.º e 204.º da

Constituição da República Portuguesa).

22 - O artigo 2.º do Decreto-Lei 51-A/96 refere expressamente que «o processo será suspenso enquanto se mantiver o pagamento a prestações;

23 - Portanto apenas durante aquele período de Janeiro a Novembro de 1997;

24- E se tal for legalmente possível.

25 - É materialmente inconstitucional, por ofensa dos princípios da proporcionalidade e dos direitos e garantias de defesa (art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa), a interpretação normativa que amplia, sem qualquer limite temporal, os prazos de prescrição do procedimento criminal, como consequência de uma suspensão, iniciada ou resultante de facto ocorrido em data anterior à data do legal do início ou começo

daquele prazo de prescrição.

26 - Tal interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto se entendem feridos os princípios de certeza e paz jurídica, de defesa do Estado de Direito Democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal, com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve.

27 - Tais valores, reclamam por si só, que o instituto da prescrição tenha de ser visto e considerado como um valor constitucional em si mesmo, para o comum dos ilícitos:

28 - Sendo razoável que a sociedade civil possa entender, mantendo-se em vigor, na sua essência, os preceitos que instituem a prescrição que, uma vez decorrido o tempo previsto nesses preceitos, não se reclame perseguição criminal aos agentes de crimes,

cuja prática há muito ocorreu;

29 - E que aquela perseguição não opere, mediante normas ou processos interpretativos, de onde resulta, na prática, a ineficácia do instituto de prescrição, ou injustas incertezas quanto ao seu termo ou prazo.

30 - A dimensão normativa e interpretativa das normas do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal deve ser dada no sentido de não permitir a soma ou ampliação ao prazo máximo nele previsto, de qualquer outro prazo de suspensão do procedimento criminal por factos ocorridos em data anterior à data de inicio do prazo de prescrição estabelecido do artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal.

Termos em que, devem as normas constantes do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e no n.º 2 do Código Penal, quando interpretadas e aplicadas como o foram na decisão recorrida, em termos de admitir e permitir que a suspensão da prescrição do procedimento criminal, por crime fiscal constante do n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96, com referência aos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, não se englobe no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal, somando-se assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, n.º 2, do Código Penal, mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de início ou começo do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, serem julgadas inconstitucionais por limitarem as garantias de defesa do arguido e violarem os princípios constitucionais consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º da

Constituição da República Portuguesa.

O magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

1 - Não é inconstitucional a norma resultante do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal, «quando interpretada e aplicada como o foi na decisão recorrida, em termos de admitir e permitir que a suspensão da prescrição do procedimento criminal, por crime fiscal constante do n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96, com referência aos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, não se englobe no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal, somando-se assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, n.º 2, do Código Penal, mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de início ou começo do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal».

2 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso.

Cabe apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 2 - Os factos que relevam para a apreciação do recurso de

constitucionalidade são os seguintes:

Num período que mediou entre Fevereiro de 1995 e Outubro de 1997, Martinho Maurício Ferreira, na qualidade de representante do Centro Metalúrgico Torrejano, Lda., remeteu ao serviço de finanças declarações periódicas relativas ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), no total de 39 862 554$00, sem que as fizesse acompanhar dos respectivos meios de pagamento (n.º 5 da matéria de facto);

Nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 1997, o Centro Metalúrgico Torrejano, Lda., através de Martinho Maurício Ferreira, liquidou aos clientes o IVA relativo às transacções realizadas e recebeu as respectivas importâncias (n.º 6 da

matéria de facto);

E enviou ao serviço de finanças, em Novembro e Dezembro de 1997 e em Janeiro de 1998 as competentes declarações periódicas, sem as fazer acompanhar dos respectivos meios de pagamento, nos montantes de 1 499 162$00, 593 695$00 e 1 949 331$00, respectivamente (n.º s 7 e 8 da matéria de facto).

Martinho Maurício Ferreira e o Centro Metalúrgico Torrejano, Lda., em cujo nome e interesse actuou, nos períodos anteriormente referidos, receberam, por diversas vezes, montantes de IVA não inferiores a 43 904 742$00, que fizeram seus, destinando-os, entre outros fins, ao pagamento de salários e de fornecedores, apesar de saberem que a eles não tinham direito, sendo aqueles montantes resultantes do imposto liquidado a terceiros e efectivamente recebido (n.º 9 da matéria de facto).

Em 31 de Janeiro de 1997, Martinho Maurício Ferreira aderiu ao chamado «Plano Mateus» com o propósito de regularizar as dívidas da empresa ao Estado (n.º 31 da

matéria de facto).

Por sentença de 19 de Dezembro de 1997, foi decretada a falência da sociedade Centro Metalúrgico Torrejano, Lda. (n.º 35 da matéria de facto);

Esta situação inviabilizou o pagamento gradual das dívidas ao abrigo do Plano Mateus

(n.º 36 da matéria de facto).

Resulta ainda dos elementos do processo que Martinho Maurício Ferreira, por si e como representante do Centro Metalúrgico Torrejano, foi constituído arguido, no âmbito do presente processo penal, em 10 de Agosto de 1998 (fls. 224-225), foi notificado da acusação em 30 de Abril de 1999 (fls. 390 verso) e da designação de data para a audiência em 15 de Julho seguinte (fls. 400).

Com base nos factos muito sucintamente relatados, o arguido, ora recorrente, foi condenado, por decisão de primeira instância, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido nos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal e 7.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT.

Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou o julgado e, contrariando a tese sufragada pelo recorrente, deu como não verificada a prescrição do procedimento criminal, essencialmente com base na seguinte ordem de considerações:

O prazo prescricional, iniciado em Novembro de 1997, data em que ocorreu o último acto ilícito, interrompeu-se por efeito da notificação da acusação ao arguido, mantendo-se suspenso desde esse momento até ao limite máximo de três anos, nos termos previstos no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código Penal;

Nestes termos, a prescrição nunca poderia operar, ressalvado o tempo de suspensão, antes de transcorrido o prazo de prescrição aplicável (cinco anos) acrescido de metade (dois anos e meio), como prevê o artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal;

Havendo ainda que acrescer ao prazo normal de suspensão resultante do artigo 120.º, n.º 2, do Código Penal, o prazo de suspensão especialmente previsto no artigo 2.º, n.º 3, da Lei 51-A/96, de 9 de Dezembro, por virtude da adesão do arguido ao regime de pagamento de dívidas fiscais em prestações a que se refere o Decreto-Lei n.º

124/96, de 10 de Agosto;

Implicando o prolongamento do prazo prescricional pelo período de 11 meses e 19 dias correspondente ao intervalo entre 31 de Janeiro a 19 de Dezembro de 1997, durante o qual vigorou o regime prestacional do Decreto-Lei 124/96.

Não se conformando com o assim decidido, o recorrente considera serem inconstitucionais as normas do artigo 120.º n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal, por violação do disposto nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º da Constituição, quando interpretadas - tal como o foram pela decisão recorrida - no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96 não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal, e poderá ainda acrescer a esse limite, mesmo quando o facto determinante de tal suspensão tenha ocorrido em data anterior à do começo do

prazo prescricional.

Para explicitar o invocado vício de inconstitucionalidade, o recorrente refere que a interpretação normativa efectuada pelo acórdão recorrido amplia inovatoriamente a tipologia de causas de suspensão previstas no artigo 120.º do Código Penal (conclusões 5.ª e 17.ª), alarga, sem qualquer limite temporal, os prazos de prescrição do procedimento criminal (conclusão 25.ª), e põe em causa o progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal por efeito do decurso do tempo (conclusão 26.ª).

De tudo devendo concluir-se - como alega - que a referida interpretação normativa viola o princípio da proporcionalidade e as garantias de defesa do arguido, bem como

o princípio da certeza e paz jurídica.

A tese da inconstitucionalidade radica, por conseguinte, na existência de uma diminuição das garantias de defesa do arguido por via da configuração de uma suspensão do prazo de prescrição não prevista na lei penal e sem limite temporal, de onde também decorre a violação do princípio da proporcionalidade; e, por outro lado, na violação do princípio da segurança jurídica, na medida em que o alargamento do período de suspensão do prazo prescricional põe em causa o esbatimento pelo decurso da necessidade de perseguição criminal e, desse modo, a paz social.

3 - O que o tribunal recorrido fez - deve começar por dizer-se - foi aditar, para efeito da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, os períodos de suspensão do prazo que resultavam de diferentes regimes jurídicos: a suspensão por efeito da notificação da acusação ao arguido, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e que não podia ultrapassar o limite de 3 anos como prevê o n.º 2 desse artigo; e a suspensão resultante de um diverso facto jurídico, que consistiu na adesão do arguido ao regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais, a que se refere o artigo 2.º, n.º 3, da Lei 51-A/96.

De facto, o Código Penal prevê que a prescrição do procedimento criminal se suspenda, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que decorreram as situações descritas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 120.º, incluindo o caso de o procedimento criminal se encontrar pendente «a partir da notificação da acusação», hipótese versada na primeira parte da alínea b) desse n.º 1; e o período de suspensão precisamente previsto nessa alínea b) não pode ultrapassar, como explicita o n.º 2 do mesmo artigo 120.º, o prazo de 3 anos.

A Lei 51-A/96, por sua vez, instituiu um regime especial de suspensão do processo penal fiscal e do prazo de prescrição do procedimento criminal, que é apenas aplicável aos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal e frustração de créditos fiscais que resultem de condutas ilícitas que tenham dado origem às dívidas abrangidas pelo disposto no Decreto-Lei 225/94, de 5 de Setembro, e no Decreto-Lei 124/96, dde 10 de Agosto (artigo 1.º), e que engloba as situações em que o agente do crime tenha sido autorizado a efectuar o pagamento das dívidas fiscais em regime de prestações (artigo 2.º); sendo ainda certo que o pagamento integral dos impostos e acréscimos legais, de acordo como esse regime legal, extingue a responsabilidade

criminal (artigo 3.º).

Nada permite concluir, neste contexto, que a aplicação conjugada de ambos os regimes de suspensão do prazo prescricional viole qualquer dos princípios constitucionais

invocados pelo recorrente.

O Código Penal ressalva a possibilidade de a legislação avulsa instituir regimes especiais de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal (proémio do artigo 120.º), e essas outras disposições especiais têm igual valor legislativo desde que cumpram os critérios de repartição de competência legiferante e, em especial, observem o regime de reserva parlamentar que for aplicável (cf. artigos 112.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição).

Nenhuma norma ou princípio constitucional impõe que todo o direito penal e processual penal, e designadamente as matérias a que se referem os artigos 27.º a 32.º da Constituição, deva constar de um único diploma legal, colocando-se aí apenas um problema de técnica legislativa que o legislador deverá ponderar, dentro da sua margem de livre conformação, em função da conveniência de regular de forma unitária e sistemática a disciplina fundamental de um certo ramo de direito ou sector da vida

social.

Não é, por isso, constitucionalmente ilegítimo que um novo regime de suspensão do prazo prescricional tenha sido introduzido por um diploma avulso, quando é, aliás, certo que essa alteração normativa surge como medida legislativa de natureza conjuntural, no quadro global de regularização das dívidas ao Estado (que havia sido implementada pelos citados Decretos-Leis n.os 225/94 e 124/96), e que se justifica plenamente que tenha sido objecto de tratamento autónomo e diferenciado (cf. preâmbulo deste último

diploma legal).

Por outro lado, como o Tribunal Constitucional tem também reconhecido, não existe norma constitucional que explicitamente consagre a regra da imprescritibilidade do procedimento criminal (acórdão 629/2005), sendo apenas exigível, como emanação do princípio da legalidade da perseguição criminal, que o Estado proceda à regulamentação da prescrição - incluindo o regime de interrupção e suspensão dos prazos prescricionais - de uma forma precisa e concreta, obviando a situações em que se opere, na prática, a ineficácia do instituto da prescrição (Faria e Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia: alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra, 2005, págs. 179 e 187; neste sentido aponta também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 483/2002).

Ora, no caso concreto, não pode deixar de considerar-se cumprido este desiderato.

Segundo dispõe a Lei 51-A/96, nos casos em que o agente tiver obtido da administração fiscal, nos termos legais, a autorização para efectuar o pagamento dos impostos e respectivos acréscimos legais em regime prestacional, há lugar à suspensão do processo de averiguações, bem como do processo penal fiscal, enquanto se mantiver o pagamento pontual das prestações, e, por efeito da suspensão do processo, ocorre também a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal pelo

mesmo período de tempo (artigo 2.º).

O comando legal não pode deixar qualquer dúvida de interpretação e, enquanto medida de política legislativa, é também perfeitamente inteligível.

Visando o legislador criar incentivos à regularização de dívidas fiscais, e tendo previsto a extinção da responsabilidade criminal em relação às condutas ilícitas que tenham originado essas dívidas, desde que tenha sido efectuado o pagamento integral dos impostos e acréscimos legais em regime prestacional, não faria qualquer sentido que, simultaneamente com o procedimento de pagamento a prestações, continuasse a decorrer o processo penal em vista a obter a condenação do agente pela sua actividade

ilícita.

Neste condicionalismo, a única solução juridicamente defensável, do ponto de vista da protecção da confiança dos cidadãos, era a de assegurar a suspensão do processo administrativo ou criminal que estivesse já em curso, tendo em linha de conta que a adesão das entidades devedoras ao plano de pagamento das dívidas conduziria normalmente à inutilidade da lide por extinção da responsabilidade criminal.

Por outro lado, em face dos curtos prazos de prescrição que estão definidos na lei penal geral (artigo 118.º do Código Penal), a suspensão do processo deveria ter como lógica consequência a própria suspensão do prazo de procedimento criminal, sob pena de o mecanismo de regularização de dívidas poder ser utilizado fraudulentamente como forma de o agente se eximir, pelo decurso do tempo, à perseguição criminal.

Além de que, neste caso, a causa suspensiva do prazo de prescrição do procedimento criminal foi criada por lei em benefício do agente, e não pode ser imputada ao funcionamento da administração da justiça ou a um outro qualquer factor externo à

posição processual do arguido.

Há por isso fundamento material bastante para o estabelecimento de uma nova causa de suspensão da prescrição, sendo que esta é tão ou mais justificável que qualquer das outras elencadas no artigo 120.º do Código Penal. E tratando-se de uma causa suspensiva fundada em facto jurídico diverso daquele que está previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo, nenhuma razão subsistia para que o lapso de tempo durante o qual o processo estivesse suspenso com aquele fundamento devesse encontrar-se abrangido pelo limite estipulado no n.º 2 desse preceito, que apenas se reporta às situações em que o processo está pendente após a notificação da acusação ou da decisão instrutória.

4 - Acresce que, contrariamente ao que vem alegado, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal a que se refere o artigo 2.º, n.º 3, da Lei n.º

51-A/96 não opera de forma ilimitada.

Embora esse dispositivo não fixe expressamente qualquer limite temporal para a suspensão, esta está necessariamente indexada ao próprio sistema legal de diferimento do pagamento dos créditos, conforme o previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei 124/96, o qual não poderá exceder o período correspondente a 150 prestações mensais. Além de que as dívidas tornam-se exigíveis quando deixe de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações previstas, ou seja revogada a autorização para a regularização de dívidas através desse procedimento ou o devedor incorra em incumprimento de qualquer obrigação tributária principal (artigo 3.º, n.º 2, do

Decreto-Lei 124/96).

E havendo razão - como se pôde constatar - para instituir esta nova causa suspensiva da prescrição, bem se compreende que ela não deva cessar enquanto se mantiver a situação jurídica que lhe deu origem, e, portanto, enquanto se não extinguir, por qualquer motivo legalmente relevante, o procedimento de pagamento das dívidas em

regime prestacional.

Como facilmente se pode concluir, não há, nestas circunstâncias, qualquer preterição das garantias de defesa do arguido, ou sequer violação do princípio da proporcionalidade ou do princípio da legalidade da perseguição criminal.

O regime da citada Lei 51-A/96 foi instituído em benefício do agente do crime, que poderá eximir-se, por via da adesão ao plano de regularização de dívidas e a consequente suspensão do processo criminal, à responsabilidade decorrente da sua anterior actividade ilícita que era legalmente punível. O prazo pelo qual o processo se encontra suspenso (com a correspondente suspensão da prescrição) é aquele que permite dar concretização prática ao procedimento pelo qual se obtém a isenção da responsabilidade criminal, e é, por conseguinte, uma medida necessária, adequada e proporcional ao objectivo que se pretende atingir. Não pode dizer-se, por outro lado, que o regime legal assim gizado põe em causa a paz social (na medida em que prolonga o período de tempo durante o qual é ainda possível ao Estado exercer a pretensão punitiva), quando a verdade é que a causa suspensiva da prescrição é determinada pela oportunidade que é dada ao agente, através do pagamento diferido das dívidas fiscais, de obter o arquivamento do processo crime e se colocar a coberto da perseguição

penal.

5 - O recorrente sustenta, no entanto, que a interpretação normativa efectuada pelo tribunal recorrido é constitucionalmente ilegítima, também na medida em que permite operar a suspensão antes ainda da data em que se iniciou o prazo de prescrição.

Esta arguição assenta na circunstância de o acórdão recorrido ter relevado, para efeitos do artigo 2.º, n.º 3, da Lei 51-A/96, o prazo decorrido entre a adesão do arguido ao plano de regularização de dívidas, em 31 de Janeiro de 1997, e o momento em que essa situação cessou por efeito da declaração de falência, em 19 de Dezembro seguinte, quando é certo que o último facto ilícito, que determinou o início da contagem do prazo prescricional, ocorreu em Novembro de 1997.

Não compete ao Tribunal Constitucional, como se sabe, tomar posição sobre a correcção da solução jurídica adoptada pelo tribunal recorrido, na perspectiva da interpretação e aplicação do direito ordinário, mas tão-só controlar a conformidade constitucional da interpretação normativa que foi acolhida.

E, neste plano, o único princípio constitucional que pode estar em causa, e a que deverá reconduzir-se a alegação do recorrente, tendo em conta o circunstancialismo do

caso, é o da segurança jurídica.

Uma das exigências que decorre do princípio da segurança jurídica, como elemento essencial de um Estado de Direito, que poderá extrair-se do artigo 2.º da Constituição, é a previsibilidade e calculabilidade da actuação estadual (Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 261).

E neste sentido também o Tribunal Constitucional tem afirmado que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o Acórdão 303/90, in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», 17.º vol. V, pág. 65).

E ainda no recente acórdão 50/2009 se ponderou a necessidade de proceder, em cada caso, a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis. Um tal equilíbrio, como se afirma no mesmo aresto, será postergado nos casos em que «a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito, impondo-se, então, a intervenção do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica que está implícito no princípio do Estado de direito democrático, por forma que a obstar a que nova lei vá desrespeitar os mínimos de certeza e segurança dos destinatários na ordenação da sua vida de acordo com a

ordem jurídica vigente».

No caso vertente, importa notar que os factos ilícitos a que se reporta o processo penal, e pelos quais o arguido, ora recorrente, foi condenado, remontam ao período que mediou entre 1994 e 1997, sendo o último facto ilícito cometido em Novembro

deste ano.

O arguido aderiu ao plano de pagamento diferido das dívidas fiscais em Janeiro de 1997, num momento em que estava já incurso na prática continuada de crime de abuso de confiança fiscal, por falta de entrega à administração fiscal das prestações tributárias que estava obrigado a liquidar. A própria possibilidade de acesso aos procedimentos de regularização de dívidas previsto no Decreto-Lei 124/96 - de que depende o funcionamento do regime de suspensão de processo fiscal penal mencionado na Lei 51-A/96 e a consequente suspensão da prescrição - pressupunha que as dívidas em causa tivessem origem em actuações ilícitas puníveis por qualquer dos tipos legais definidos nessa Lei e, entre eles, o crime de abuso de confiança fiscal.

Estando em causa uma continuação criminosa nada impedia, por outro lado, que o correspondente procedimento criminal pudesse ser instaurado a partir da notícia de qualquer dos actos ilícitos praticados, e por isso também a partir do primeiro desses actos ou de qualquer dos actos intermédios até ao termo da actividade ilícita.

A circunstância de a lei determinar que o prazo de prescrição só corre, nos crimes continuados, desde o dia da prática do último acto, deve-se apenas ao facto de existir aí uma unidade de propósito criminoso, com conexão temporal e uniformidade de processo de actuação, que justifica a unificação dos diversos actos de execução do mesmo tipo legal de crime, e que permite reportar ao último acto praticado o momento a partir do qual se torna exigível, em ordem ao valor social da paz jurídica, a imposição de um limite temporal para a perseguição penal.

Não significa isso que a acção penal não possa ser exercida em relação a qualquer uma das plúrimas condutas do agente que preencham o tipo de ilícito penal.

Em todo este contexto, o arguido não podia ignorar que se encontrava sujeito à eventualidade de lhe ser aplicado o regime de suspensão do processo penal fiscal logo que este lhe fosse instaurado, com implicações também na contagem do prazo de prescrição por efeito da suspensão prevista no n.º 3 do artigo 2.º da Lei 51-A/96.

A adesão ao esquema de pagamento diferido das dívidas fiscais implicava à sujeição ao regime legal globalmente considerado e, portanto, também, às suas diversas incidências, incluindo no tocante à repercussão que poderia ter na sustação do processo crime e

consequente suspensão da prescrição.

Não poderá considerar-se, neste condicionalismo, que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido represente uma violação do princípio da segurança jurídica, em termos de poder ser tida como constitucionalmente desconforme.

Não ocorre, pois, a violação do disposto nos artigos 2.º, 18.º, 20.º e 32.º da Constituição. A norma do artigo 204.º - também invocada pelo recorrente -, na medida em que se limita a permitir aos tribunais a recusa de aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição, tem um carácter meramente adjectivo e não assume relevo autónomo como parâmetro de constitucionalidade, pelo que não tem de ser

considerada.

III - Decisão. - Termos em que se decide negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 12 de Março de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.

201699513

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/04/24/plain-250810.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/250810.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1990-12-26 - Acórdão 303/90 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.(Processo n.º 129/89)

  • Tem documento Em vigor 1994-09-05 - Decreto-Lei 225/94 - Ministério das Finanças

    CRIA INCENTIVOS A REGULARIZAÇÃO DA COBRANCA DE CONTRIBUICOES IMPOSTOS, TAXAS OU OUTRAS RECEITAS ADMINISTRADAS PELA DIRECCAO-GERAL DAS CONTRIBUICOES E IMPOSTOS, CUJO PRAZO DE COBRANCA VOLUNTÁRIA TENHA TERMINADO ATE 31 DE DEZEMBRO DE 1993, MAS CUJAS LIQUIDAÇÕES APENAS VENHAM A SER NOTIFICADAS ATE 31 DE OUTUBRO DE 1994. O DISPOSTO NESTE DIPLOMA E APLICÁVEL AO INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PARA AS INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA OU DE SEGURANÇA SOCIAL, E DAS QUOTIZAÇÕES PARA O FUNDO DE DESEMPREGO, COM AS ESPECIFICIDA (...)

  • Tem documento Em vigor 1996-08-10 - Decreto-Lei 124/96 - Ministério das Finanças

    Define condições em que se podem utilizar operações de recuperação de créditos por dívidas de natureza fiscal ou a segurança social cujo prazo de cobrança voluntária tenha terminado a 31 de Julho de 1996. Abrange igualmente a cobrança de créditos por dívidas relativas a quotizações devidas ao extinto fundo de desemprego e as dívidas à segurança social em que tenha havido transferência de créditos para a titularidade do tesouro.

  • Tem documento Em vigor 1996-12-09 - Lei 51-A/96 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras. O presente diploma aplica-se aos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, frustração de créditos fiscais que resultem das condutas ilícitas que tenham dado origem às dívidas abrangidas pelo disposto no Decreto-Lei 225/94, de 5 de Setembro, e no Decreto-Lei 124/96, de 10 de Agosto, bem como, com as devidas adaptações, aos crimes que tenham dado origem às dívidas à Segurança Social. D (...)

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