Decreto Legislativo Regional 28/2008/M
Estabelece o regime jurídico de protecção e de extracção e dragagem de
materiais inertes da orla costeira na Região Autónoma da Madeira
A Lei 49/2006, de 29 de Agosto, estabelece medidas de protecção da orla costeira, determinando a obrigatoriedade de aplicação das areias extraídas e dragadas quando efectuadas a uma distância até 1 km para o interior a contar da linha da costa e até 1 milha náutica no sentido do mar, na alimentação artificial do litoral.
No âmbito do exercício do seu direito de audição, a Região Autónoma da Madeira expressou reservas à aplicação da lei no seu espaço territorial, porquanto a actividade de extracção e dragagem de areias que neste se desenvolve tem por base estudos levados a efeito pelo Instituto Hidrográfico, que sustenta existirem condições, tanto em termos ambientais como de quantidade e qualidade, para a utilização comercial dos materiais inertes para além da recarga de areia nas praias.
Nesta decorrência, a Lei 49/2006, de 29 de Agosto, no seu artigo 5.º, confere às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira competência para definirem elas próprias o regime jurídico da matéria.
A este propósito realce-se, ainda, o artigo 101.º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, que, reconhecendo a particular configuração que a gestão sustentável das águas assume nas Regiões Autónomas, permite a criação de um regime compatível com as suas especificidades.
Na verdade, a Região Autónoma da Madeira criou um conjunto de regras, ainda que de natureza regulamentar, que transpostas para os alvarás que consubstanciam as licenças de extracção de materiais inertes, entretanto outorgadas, vêm permitindo que sejam cumpridos os parâmetros adequados em termos ambientais, assente na utilização racional e equilibrada dos recursos hídricos existentes, bem como uma fiscalização e monitorização eficazes.
Neste domínio, importa destacar a instituição de um programa de monitorização contínuo da actividade de extracção de materiais inertes, via satélite, através do qual se exerce uma permanente vigilância sobre a localização das embarcações e consequente cumprimento das orientações traçadas sobre o local onde a actividade é permitida.
O presente diploma visa regular o aproveitamento económico do mar territorial da Região Autónoma da Madeira, o qual reveste relevante interesse económico no mercado regional, ao mesmo tempo que se cria uma disciplina indispensável a garantir a gestão sustentável dos seus recursos.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decreta, nos termos do disposto, conjugadamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa, conjugados, por força do artigo 46.º da Lei Constitucional 1/2004, de 24 de Julho, com as alíneas c) do n.º 1 do artigo 37.º e j), mm) e vv) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, revisto e alterado pelas Leis n.os 130/99, de 21 de Agosto, e 12/2000, de 21 de Julho, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições preliminares
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma define o regime jurídico de protecção e de extracção e dragagem de materiais inertes da orla costeira na Região Autónoma da Madeira.
Artigo 2.º
Condições de extracção e dragagem de materiais inertes
1 - Na ilha da Madeira a dragagem de materiais inertes, quando efectuada a uma distância de até 200 m para o interior a contar da linha da costa e até os 200 m no sentido do mar a contar da mesma linha, tem de destinar-se a alimentação artificial do litoral, para efeitos da sua protecção.
2 - Na ilha da Madeira a extracção de materiais inertes pode ser realizada fora das zonas definidas no número anterior desde que sustentada em estudos da plataforma marítima que quantifiquem e caracterizem os sedimentos e respectiva dinâmica sedimentar.
3 - Na ilha do Porto Santo a dragagem de materiais inertes na praia e leito do mar apenas será destinada à alimentação artificial da praia.
4 - Na ilha do Porto Santo a extracção de materiais é interdita no leito do mar e quando efectuada a uma distância de até 200 m para o interior a contar da linha da costa.
5 - Nas ilhas Desertas e Selvagens e restantes ilhéus é interdita a dragagem e extracção de materiais inertes no leito do mar e em todo o espaço terrestre.
6 - Excepcionam-se do n.º 1 do presente artigo as áreas sob jurisdição portuária, a foz do leito das ribeiras e a recolha manual de calhau rolado destinado à pavimentação de espaços exteriores de moradias e recuperação de património.
7 - Excepcionam-se do n.º 3 do presente artigo as áreas sob jurisdição portuária.
8 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por «linha da costa» e por «alimentação artificial de praias», respectivamente, a linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais ou, não sendo possível determinar esta a crista da arriba, e a colocação por meios artificiais de materiais arenosos em locais imersos ou emersos com vista à obtenção de um determinado perfil de praias ou de fundo favorável à dissipação de energia das ondas e a uso balnear, simulando situações naturais.
Artigo 3.º
Medidas de conservação e reabilitação da zona costeira
1 - A dragagem de materiais inertes no leito do mar deve ser executada como medida necessária ou conveniente à gestão das águas, nomeadamente como medida de conservação e reabilitação da zona costeira, e como medida de manutenção das condições de funcionalidade de navegação.
2 - A extracção de materiais inertes no leito do mar só pode ser executada como medida necessária à sustentabilidade económica da Região, destinar-se apenas a necessidades de consumo regional e sustentada em estudos de quantificação, qualificação e dinâmica sedimentares do leito do mar.
3 - Nos termos referidos no Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Maio, as actividades de dragagem e extracção de materiais inertes estão sujeitas a estudo de impacte ambiental.
4 - Os titulares das licenças referidas no número anterior devem adoptar um programa de monitorização a definir pela entidade licenciadora.
5 - Os encargos decorrentes da instalação e exploração do programa de monitorização são da responsabilidade do titular da licença.
CAPÍTULO II
Licenças
Artigo 4.º
Autoridade competente
1 - As actividades referidas no presente diploma estão sujeitas à obtenção de licença de uso privativo.2 - Compete à Secretaria Regional do Equipamento Social a emissão das licenças referidas no número anterior.
Artigo 5.º
Emissão de licenças
As licenças serão emitidas mediante procedimento concursal, com excepção das licenças de recolha manual de calhau rolado, que serão atribuídas, casuisticamente, mediante requerimento dos interessados.
Artigo 6.º
Conteúdo das licenças
Das licenças constarão, além de outros julgados necessários, os seguintes elementos:a) A identificação do titular;
b) A indicação da finalidade da utilização;
c) A localização exacta da utilização;
d) O prazo da licença;
e) Metodologia, equipamento e meios de acção a utilizar;
f) Os componentes de incidência da taxa de recursos hídricos devida;
g) Localização para depósito temporário (quando se aplique);
h) Caracterização do material a extrair;
i) Área a dragar, volume de sedimentos e cotas a atingir (quando se aplique);
j) Quota atribuída;
l) Obrigatoriedade de cumprimento das normas ambientais;
m) Obrigatoriedade de instalação de um aparelho do tipo GPS e respectivo software e hardware, de modelo a indicar pela entidade licenciadora (quando se aplique);
n) Montante da caução (quando se aplique);
o) Destino final dos inertes.
Artigo 7.º
Regime das licenças
1 - A licença confere ao seu titular o direito a exercer o seu direito nas condições definidas no título de utilização.2 - As licenças de dragagem e extracção de materiais inertes são concedidas pelo prazo de três anos, prorrogáveis por igual período, podendo as mesmas serem revistas em termos temporários ou definitivos pelas razões invocadas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 67.º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro.
3 - A alteração prevista no número anterior confere aos respectivos titulares uma indemnização, a qual terá em conta o valor dos activos custeados pela empresa licenciada e afectos à exploração de inertes, deduzidos das respectivas amortizações e ónus ou encargos que sobre eles incidam, e a média do lucro obtido nos últimos três anos.
Artigo 8.º
Caução
1 - Por força da obtenção do licenciamento e respectivo exercício previsto no presente diploma, é devido o pagamento de uma caução destinada a assegurar o integral e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da sua utilização.2 - Excepciona-se do número anterior a actividade manual de recolha de calhau rolado.
Artigo 9.º
Taxas
1 - Pela emissão das licenças, previstas no presente diploma, é devido o pagamento de uma taxa de recursos hídricos.2 - A taxa devida será revista anualmente por portaria conjunta dos Secretários Regionais do Plano e Finanças e do Equipamento Social.
3 - O pagamento da taxa referida no número anterior não dispensa os interessados do pagamento das demais taxas exigidas por lei ou regulamentos, nomeadamente taxa de utilização de infra-estruturas portuárias públicas.
Artigo 10.º
Quota de extracção
1 - A quota global de extracção de materiais inertes na orla costeira será fixada anualmente por portaria conjunta dos Secretários Regionais do Plano e Finanças e do Equipamento Social.2 - A quota global de extracção de calhau rolado nas praias será fixado anualmente por despacho do Secretario Regional do Equipamento Social.
3 - Os titulares das licenças poderão associar-se ou estabelecer acordos com vista à extracção de materiais inertes desde que o valor correspondente à soma de todas as quotas atribuídas a cada um não exceda o estabelecido no n.º 1.
Artigo 11.º
Localização
1 - A entidade licenciadora notificará, com a antecedência inferior a 15 dias, por carta registada com aviso de recepção, dos locais exactos onde se procederá à extracção, indicando ainda os prazos disponíveis para as diferentes zonas e condições de utilização.2 - Em casos de força maior ou interesse público justificado, a notificação poderá ser comunicada com a antecedência inferior ao estabelecido no número anterior.
Artigo 12.º
Operações de carga e descarga
1 - Compete à Secretaria Regional do Equipamento Social a gestão da escala das operações de carga e descarga efectuadas por força do presente diploma.2 - A contabilização dos valores descarregados faz-se pelo volume apurado no momento da descarga pelas entidades competentes e, em caso de divergência, será apurado pelo volume máximo da capacidade da embarcação.
Artigo 13.º
Equipamentos e meios de acção
1 - Só podem ser utilizados os equipamentos e meios de acção estritamente definidos no título de utilização.2 - Qualquer alteração ao disposto no número anterior fica sujeita a autorização da entidade licenciadora.
Artigo 14.º
Valor de venda
O valor de venda ao público dos materiais inertes será fixado anualmente por portaria conjunta dos Secretários Regionais do Plano e Finanças e do Equipamento Social.
Artigo 15.º
Transmissibilidade da licença
Sem prévia autorização da Secretaria Regional do Equipamento Social, os titulares das licenças não poderão transmitir para outrem os direitos conferidos, fazer-se substituir no seu exercício ou por qualquer forma onerar o seu todo ou parte.
CAPÍTULO III
Disposições gerais
Artigo 16.º
Revisão da licença
As licenças podem ser modificadas por iniciativa da entidade licenciadora sempre que:a) Se verificar alteração determinante das circunstâncias de facto subjacentes à atribuição do título, nomeadamente degradação do meio ambiente;
b) Os resultados do programa de monitorização indicarem que não é possível serem alcançados os objectivos ambientais;
c) Se verifique catástrofe decorrente de causas naturais ou outro caso de força maior.
Artigo 17.º
Cessação da licença
1 - A cessação da licença, antes do termo do prazo constante no respectivo título, depende da apresentação de um pedido de renúncia pelo titular e da aceitação desta por parte da entidade licenciadora.2 - O pedido de renúncia deve ser instruído com declaração de que a cessação não produzirá qualquer dano ambiental.
Artigo 18.º
Revogação
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 7.º, as licenças poderão, em qualquer altura, ser revogadas pela Secretaria Regional do Equipamento Social sempre que se verifique alguma das seguintes situações:a) O não início da utilização no prazo de seis meses a contar da data de emissão do título ou a não utilização durante um ano;
b) Falta da instalação do programa de monitorização previsto no n.º 4 do artigo 3.º;
c) Falta da prestação ou manutenção da caução nos termos do artigo 8.º;
d) Falta de pagamento da taxa de recursos hídricos prevista no artigo 9.º;
e) A invasão de áreas não determinadas pela entidade licenciadora;
f) O não cumprimento dos valores de venda fixados, por força da aplicação do artigo 14.º;
g) A violação do disposto no artigo 15.º 2 - As licenças podem ainda ser revogadas fora dos casos previstos no número anterior, por razões decorrentes da necessidade de maior protecção dos recursos hídricos ou por alteração das circunstâncias existentes à data da sua emissão e determinantes desta, quando não seja possível a sua revisão.
3 - Fora dos casos previstos no número anterior, a revogação das licenças prevista neste artigo não confere, aos respectivos titulares, o direito a qualquer indemnização.
4 - A revogação da licença é determinada pela entidade licenciadora se o titular, apesar de advertido do incumprimento, não suprir a falta no prazo que lhe for fixado.
5 - Determinada a revogação, fica o respectivo titular impedido de exercer a actividade prevista no título, devendo proceder à entrega do mesmo, no prazo de 10 dias, junto da entidade licenciadora.
6 - Para além das consequências previstas na alínea c) do n.º 3 do artigo 22.º, com a prossecução do exercício da actividade, após determinada a revogação, presume-se haver grave dano para o interesse público, encontrando-se vedadas as operações de carga e descarga em qualquer infra-estrutura portuária da Região Autónoma da Madeira.
Artigo 19.º
Caducidade
As licenças previstas neste diploma caducam:a) Com decurso do prazo fixado;
b) Com a extinção da pessoa colectiva que for seu titular;
c) Com a morte da pessoa singular que for seu titular;
d) Com a declaração de insolvência do titular.
Artigo 20.º
Termo da licença
1 - Com o termo da licença de extracção e dragagem de materiais inertes deve o titular proceder à entrega do respectivo título junto da entidade licenciadora no prazo de 15 dias.2 - A entidade licenciadora pode impor ao utilizador, por período determinado, a adopção de medidas tendentes a eliminar ou minimizar alterações ambientais decorrentes da respectiva utilização.
3 - Os titulares das licenças referidas no n.º 1 podem solicitar, no prazo de três meses antes do respectivo termo e desde que se mantenham as condições subjacentes à sua atribuição, a renovação da licença.
4 - Pode ser solicitado, no prazo de 15 dias antes do termo da licença de recolha manual de calhau rolado e desde que se mantenham as condições que determinaram a sua atribuição, a respectiva renovação.
CAPÍTULO IV
Fiscalização e contra-ordenações
Artigo 21.º
Fiscalização
As funções de fiscalização, para efeitos do presente diploma, competem à Secretaria Regional do Equipamento Social, à Capitania do Porto do Funchal e à Alfândega do Funchal.
Artigo 22.º
Contra-ordenações
1 - Constitui contra-ordenação ambiental leve:a) O não funcionamento do equipamento indicado no n.º 4 do artigo 3.º por razões imputáveis ao utilizador;
b) A falta de entrega do título na situação descrita no n.º 5 do artigo 18.º;
c) A falta de entrega do título na situação descrita no n.º 1 do artigo 20.º 2 - Constitui contra-ordenação ambiental grave:
a) A não prestação de informações, a prestação de informações falsas ou inexactas e a ocultação de informação pelos utilizadores;
b) A falta de instalação do equipamento previsto no n.º 4 do artigo 3.º;
c) A violação do disposto no artigo 15.º;
d) O não cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 20.º;
e) O não cumprimento das instruções e normas emitidas pelas entidades licenciadora, portuárias, aduaneiras e policiais, no que diz respeito às operações de carga e descarga.
3 - Constitui contra-ordenação ambiental muito grave:
a) A utilização dos recursos hídricos previstos no presente diploma sem licença;
b) O incumprimento das obrigações impostas no respectivo título;
c) O exercício da actividade após determinada a revogação do título;
d) A violação do disposto no n.º 1 do artigo 11.º;
e) A utilização de equipamentos ou meios de acção não autorizados;
f) O não cumprimento dos valores de venda fixados, por força da aplicação do artigo 14.º;
g) A obstrução do exercício de fiscalização e inspecção;
h) O incumprimento das normas ambientais de acordo com a legislação em vigor.
4 - A tentativa e a negligência são puníveis.
5 - Quando a gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
6 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.
Artigo 23.º
Sanções acessórias
Pela prática de contra-ordenações graves e muito graves podem ser aplicadas sanções acessórias, nos termos previstos na Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e no regime geral das contra-ordenações.
Artigo 24.º
Processos de contra-ordenação
A instrução e decisão dos processos de contra-ordenação e aplicação das coimas e sanções acessórias competem à entidade com competência para o licenciamento.
Artigo 25.º
Produto das coimas
A afectação do produto das coimas reverte para a Região.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 26.º
Situações existentes
1 - Os títulos de utilização emitidos até à data de entrada em vigor deste diploma mantêm-se em vigor nos termos em que foram emitidos até ao seu termo.2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o presente regime é aplicável a todos os utilizadores do domínio público hídrico contemplados neste diploma.
Artigo 27.º
Norma revogatória
São revogadas as Portarias n.os 80/2000 e 50/2003, respectivamente, de 26 de Setembro e de 29 de Abril.
Artigo 28.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 10 de Julho de 2008.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim d'Olival Mendonça.
Assinado em 23 de Julho de 2008.
Publique-se.O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, Antero Alves Monteiro Diniz.