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Acórdão 9/2007, de 6 de Julho

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência : o arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144.º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais, incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.( Proc. nº 2925/2006-3 )

Texto do documento

Acórdão 9/2007

Processo 2925/2006-3

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I - O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs recurso, para fixação de jurisprudência, do acórdão daquela Relação proferido no recurso n.º 243/2006, com origem em processo comum com intervenção do tribunal singular do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, onde se decidiu, em 19 de Abril de 2006, que o arguido que, em liberdade, em interrogatório e em inquérito, presta falsas declarações atinentes aos seus antecedentes criminais, não pratica o correspondente crime, previsto e punido pelo artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, alegando oposição daqueloutro com o acórdão proferido ainda por aquela Relação em 9 de Março de 2005, prolatado no processo 108/05, com origem em processo comum com intervenção do tribunal singular, que correu termos no Tribunal Judicial de Anadia, onde se decidiu que o arguido que, naquele preciso contexto, presta falsas declarações incorre na prática daquele ilícito, como tal sendo condenado.

II - A tese do acórdão recorrido arranca da seguinte ordem de razões justificativas:

A supressão da obrigatoriedade (que decorria do artigo 342.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à do Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro), de o arguido responder e com verdade acerca dos seus antecedentes criminais, em sede de audiência de julgamento, manteve-se expressa e relativamente ao interrogatório judicial de arguido detido e, bem assim, ao não judicial de arguido detido, uma vez que este obedece às mesmas disposições daquele, salvo no que concerne à assistência de defensor (artigo 143.º, n.º 2, do mesmo diploma).

A respeito dos demais interrogatórios, designadamente os previstos no artigo 144.º do Código de Processo Penal (entre eles o de arguido em liberdade) não se aplica, porém, essa obrigatoriedade, já que não existe efectiva necessidade de efectuar-se tal indagação junto do arguido, sendo, aliás, esta a razão principal para se ter procedido à abolição da mesma obrigatoriedade em sede de audiência de julgamento [artigo 3.º, alínea gg), da Lei 90-B/95, de 1 de Setembro, ao abrigo da qual foi produzido o Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro].

Só, pois, em caso de absoluta necessidade de indagar junto do arguido acerca dos seus antecedentes criminais naqueles casos em que o processo não está em condições de permitir, oficiosamente, a sua obtenção através do respectivo certificado de registo criminal (tais sejam os reportados à detenção e apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial ou não judicial, em sede de tribunal de turno, aos sábados, em que o ficheiro central do registo criminal se encontra encerrado); apenas quando tal «colaboração» por parte do arguido se revela necessária, existe fundamento para a imposição da obrigação a que alude o artigo 61.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, sob pena da referida «colaboração» se revelar excessivamente violenta e desproporcionada.

Emerge, assim, apenas nesses casos o direito de perguntar ao arguido sobre o seu passado criminal, sendo ilegítima a omissão de resposta ou inveracidade da mesma na medida em que só aí a sua atitude é susceptível de atentar contra o interesse na realização da justiça, tratando-se de interrogatório de arguido em liberdade, em que o conhecimento dos antecedentes criminais do arguido relevo algum possui no imediato para a tramitação processual subsequente, a falsidade objectiva na resposta por ele dada a propósito resulta inócua, como inócua resulta a sua eventual recusa a responder sobre os seus antecedentes criminais.

III - No acórdão fundamento acentua-se que:

No interrogatório quer de arguido detido quer de arguido em liberdade existe a obrigação de este dizer com verdade se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crime, tendo em conta a remissão que no n.º 1 do artigo 144.º do Código de Processo Penal é feita;

O conhecimento dos antecedentes criminais do arguido detido, preso ou em liberdade, durante o interrogatório apresenta vantagens para a realização de justiça por conceder informação que é relevante e necessária para a decisão sobre a aplicação da medida coactiva e que, frequentemente, não é possível obter por outros meios institucionalmente válidos e compatíveis com a urgência reclamada pelo acto em causa;

A necessidade de conhecimento dos antecedentes criminais do arguido em liberdade não deixa de existir no interrogatório efectuado em sede de inquérito quando, ainda não se encontrando junto o certificado de registo criminal e havendo fortes indícios da prática de um crime, se perfile desde logo adequada a aplicação de uma medida coactiva ao arguido;

O conhecimento dos antecedentes criminais do arguido através das declarações verídicas pelo mesmo prestadas constitui, pois, uma exigência da lei que os reputa necessários para a realização de justiça em qualquer dos interrogatórios a que aludem os artigos 141.º, 143.º e 144.º do Código de Processo Penal.

Neste Supremo Tribunal de Justiça (STJ), após constatação de oposição de julgados e dos demais necessários pressupostos de seguimento processual, em obediência ao preceituado no artigo 442.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a Exma.

Procuradora-Geral-Adjunta junto deste STJ firmou perspectiva de resolução acolhendo um vasto leque de argumentação, a um tempo de índole normativa mas também de natureza jurisprudencial e doutrinária, de que se destacam as seguintes considerações:

O estatuto de arguido - que comporta um extenso rol de direitos e deveres (na sua maioria enumerados no artigo 61.º do Código de Processo Penal, que tem justamente por epígrafe «Direitos e deveres processuais» - adquirido no processo, a par da vasta panóplia de prerrogativas de que passa a gozar como forma de lhe assegurar um efectivo exercício do direito de defesa que a Constituição da República lhe garante no seu artigo 32.º, incumbe-lhe, em contrapartida, observar uma série de deveres que, sempre cuidando de salvaguardar a sua dignidade de pessoa humana, a lei lhe impõe.

E, contando-se entre esse extenso leque de direitos garantidos ao arguido no n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal - como sejam os direitos de presença ou comparência (alínea a), de audiência (alínea b), a defensor [alínea d)], de intervenção probatória [alínea f)], à informação [alínea g)] e de recurso [alínea h)], o direito ao silêncio ou de recusar resposta [alínea c)] - , impõe-se considerar que este não é, todavia, absoluto.

Com efeito, reconhecendo-se embora ao arguido, na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 61.º do Código de Processo Penal, o direito ao silêncio ou de recusar resposta relativamente aos factos que lhe são imputados e ao teor das declarações que acerca deles prestar, na alínea b) do n.º 3 do mesmo normativo, impõe-se ao arguido o dever de «responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais».

Disto resulta, pois, que se o arguido está obrigado a responder com verdade às perguntas que, relativamente à sua identificação pessoal, lhe forem feitas pelas autoridades judiciárias ou pelos órgãos de polícia criminal a quem haja sido delegada competência para a realização do interrogatório, do mesmo passo sempre que a lei o impuser o arguido será obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe foram formuladas sobre os seus antecedentes criminais, salvo tratando-se de audiência de julgamento.

E conquanto, na actualidade (face aos meios - informáticos e não só - disponíveis e que permitem aceder de imediato aos elementos de informação adequados a elucidarem a respeito do passado criminal do arguido), menos plausível possa resultar essa necessidade de o arguido [independentemente da fase da diligência ou da sua situação processual (preso, detido ou em liberdade)] colaborar com o tribunal, esclarecendo a respeito dos seus antecedentes criminais, o presente estádio de direito penal e processual penal parece continuar a fornecer razões para exigir-se essa colaboração do arguido e, na falta dela, justificar-se a sua punição.

Julgamos nós ter sido, enfim, esse o sentido do entendimento do legislador do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, na medida em que, excluindo apenas para a fase da audiência de julgamento essa obrigação de o arguido revelar os seus antecedentes criminais, não encontrou motivo para deixar de mantê-la noutras fases processuais, máxime nos interrogatórios anteriores.

Tratando-se o crime de falsidade de depoimento ou declaração, objecto de previsão no artigo 359.º do Código Penal, de um crime de perigo abstracto de mera actividade, doloso (sob qualquer das suas modalidades), com ele visa-se assegurar, em primeira linha, a realização ou administração da justiça como função do Estado e só reflexamente o interesse particular dos intervenientes na causa.

Pretende-se, assim, com a respectiva incriminação obstar a que no âmbito dos processos judiciais ou análogos sejam produzidas declarações desconformes à verdade, de sorte que, servindo elas de suporte à decisão, resulta assegurada uma permanente boa administração da justiça, que constitui afinal o interesse-fim objecto de tutela legal.

E, chegados a este ponto, crê-se poder sintetizar para já que, se ao nível da doutrina não se registam divergências de maior (designadamente quer quanto à obrigatoriedade de o arguido responder com verdade sobre os seus antecedentes criminais quando legalmente tal lhe for exigível, quer quanto à natureza do delito em que incorre quando assim não proceder quer ainda quanto ao bem jurídico objecto de tutela), na jurisprudência a questão controvertida surge como tentativa de distinguir se essa obrigatoriedade recai sobre o arguido apenas quando, encontrando-se ele detido, deva sujeitar-se a primeiro interrogatório judicial ou não judicial (artigos 141.º e 143.º do Código de Processo Penal) ou ainda e também aquando dos subsequentes interrogatórios de arguido preso ou dos de arguido em liberdade (artigo 144.º do mesmo diploma legal).

E a isto se restringindo, ao resto e ao cabo, a questão controvertida abordada num e noutro dos arestos (recorrido e fundamento), tudo passará pela interpretação que se faça das normas que, atrás referidas, se impõe convocar para sua dilucidação.

Interpretação que, não se bastando (como sempre sucede em operações do tipo), porque necessariamente incompleta, com a mera apreensão literal que porventura se faça do texto das normas, exige um trabalho de interligação e valoração que, escapando ao domínio literal, terá de entrar em linha de conta com elementos de ordem lógica, sistemática, histórica e racional ou teleológica por forma a permitir eleger, de entre os vários sentidos que directa e claramente o texto das normas em causa comporta, aquele que, tendo na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, melhor se coaduna com o pensamento do legislador... o que vale dizer uma interpretação declarativa das referenciadas normas que, orientando-se no sentido de integrarem o crime de falsas declarações as respostas que acerca dos antecedentes criminais o arguido preste em desconformidade com a verdade, quer se encontre sob detenção ou em liberdade, afasta uma interpretação restritiva no sentido de apenas serem objecto de punição as falsas declarações sobre os antecedentes criminais quando ocorridas em sede de interrogatório de arguido detido.

Ora, assim procedendo, impõe-se observar no que tange ao elemento literal de interpretação que, quer como princípio quer como limite, ele não deixa de fornecer valioso contributo na posição que se defende.

E isto na medida em que da norma do artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (que dispõe, recorde-se, que «os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo») flui com meridiana nitidez, ao que se entende, que aos interrogatórios de arguido em liberdade aplicam-se todas as normas do capítulo respeitante ao interrogatório de arguido detido, salvo aquelas dirigidas exclusivamente à situação de arguidos detidos, como seja a obrigatoriedade de assistência por defensor no interrogatório judicial de arguido detido (n.º 2 dos artigos 141.º e 143.º do Código de Processo Penal).

E, não constituindo a obrigação do arguido responder e com verdade sobre os seus antecedentes criminais uma das especificidades dos interrogatórios de arguidos detidos [desde logo porque, efectivamente, a aplicabilidade da norma do n.º 3 do artigo 141.º do Código de Processo Penal não é posta em crise pelas normas dos artigos 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, visto não resultarem incompatíveis quer formal quer substancialmente, e depois porque quando considerou necessário ressalvar em algum dos aspectos a aplicabilidade da primeira das normas o legislador fê-lo de forma expressa (como bem resulta do n.º 2 do referido artigo 143.º) ou do modo mais claro possível (como decorre do aludido n.º 1 do artigo 144.º)], é de concluir que ela aplica-se ainda e também aos interrogatórios de arguidos em liberdade, donde a recusa de resposta ou a falsidade desta integrará o crime do artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal.

Depois, no que se refere ao elemento histórico de interpretação, de acrescido interesse se reveste o mesmo, tendo em conta a história do preceito, a sua evolução e as razões que presidiram à sua mais recente novidade.

Assim, sendo certo que desde há muito possuindo assento próprio na nossa legislação penal e processual penal o falso depoimento e respectivo sancionamento, impõe-se reflectir que jamais se fez distinção entre a falsidade praticada em interrogatório de arguido detido e em liberdade.

E, depois, importando considerar a evolução legislativa verificada neste particular (com enfoque para a decorrente da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, ao artigo 342.º do Código Penal) e a justificação fornecida para o efeito, caberá então concluir que, não restando dúvidas de que a intenção do legislador foi a de [apaziguando os que clamavam contra o facto das perguntas sobre os antecedentes criminais do arguido atentar contra a sua dignidade e as sua garantias constitucionais (máxime o princípio da presunção de inocência) apenas impedir que, em audiência pública (na natureza que sempre reveste a audiência de julgamento, salvo em casos excepcionais - artigo 321.º do Código de Processo Penal)], fosse o arguido obrigado a responder e com verdade acerca do seu passado criminal e não também deixar de punir as falsas declarações prestadas, em inquérito (ou instrução), por força destituídas de publicidade, ao contrário do que sucede com a audiência de julgamento (donde não importar qualquer estigma ou vexame para o arguido a resposta acerca dos seus antecedentes criminais), encontrando-se o mesmo arguido detido ou em liberdade, quando submetido a interrogatório.

É que se a vontade do legislador tivesse sido tão vasta quanto a que pretende atribuir-lhe a posição que, contrária à por nós defendida, é sufragada no acórdão recorrido, mal se compreenderia que houvesse mantido inalterada a redacção dos artigos 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

E no que se reporta ao elemento sistemático de interpretação - valioso, indubitavelmente, enquanto abrangente da situação da norma ou normas interpretandas no ordenamento e consonância da mesma ou mesmas no espírito e unidade do sistema - , pensamos nós também proporcionar argumento de peso acrescido para a posição que se defende.

Na realidade, integrando o artigo 359.º do Código Penal, na parte respeitante à punição da falsidade cometida pelo arguido acerca dos seus antecedentes criminais, o conceito de norma penal em branco, nas normas processuais penais que impõem ao arguido o dever de prestar declarações sobre os seus antecedentes criminais há que buscar preencher o seu conteúdo.

Ora, considerando que, por via de reenvio interno, encontrando as normas processuais penais dos n.os 2 do artigo 143.º e 1 do artigo 144.º (que, respectivamente, têm por epígrafe «Primeiro interrogatório não judicial de arguido detido» e «Outros interrogatórios») a sua específica conformação na norma do n.º 3 do artigo 141.º (que tem por epígrafe «Primeiro interrogatório judicial de arguido detido»), tal integração passará necessariamente por convocar esta norma, para além das dos artigos 61.º [alínea b), do n.º 3] e 342.º, todos do Código de Processo Penal, que têm por título «Direitos e deveres processuais» e «Identificação do arguido», respectivamente.

Procedendo então a uma interpretação sistemática das referidas normas, crê-se que a conclusão lógica a retirar será que o legislador quis sancionar o arguido que, independentemente de se encontrar detido ou em liberdade, prestar falsas declarações acerca dos seus antecedentes criminais, em sede de interrogatório realizado nas fases preliminares do processo (artigos 141.º, 143.º e 144.º do Código de Processo Penal).

É que, remetendo o artigo 144.º do Código de Processo Penal - que regula, como se viu, o interrogatório do arguido em liberdade - para as normas que tratam do interrogatório do arguido detido (máxime para a do seu n.º 3, que dispõe no sentido de que o arguido é interpelado, para além do mais, sobre os seus antecedentes criminais) e estabelecendo, por sua via, a alínea b) do n.º 3 do artigo 61.º do mesmo diploma legal que impende sobre o arguido (encontrando-se ele detido ou em liberdade) a obrigação de «responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei impuser, sobre os seus antecedentes criminais», de concluir parece-nos ser que, dispensando a lei, no actual artigo 342.º do Código de Processo Penal (por via da eliminação do dispositivo constante do n.º 2 na versão originária), o arguido de responder quanto aos seus antecedentes criminais especificamente na audiência de julgamento, manteve, porém, essa obrigação nas fases processuais anteriores e a punibilidade da conduta do agente que a não observe.

Por fim, quanto ao elemento racional ou teleológico de interpretação (máxime, ao fim visado pelo legislador responsável pela previsão do preceito ou preceitos), também não vemos, face à evolução legislativa do instituto em causa e mal-grado a alteração sofrida pelo artigo 342.º do Código de Processo Penal em resultado da revisão a que foi sujeito pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, que existam diferenças de regime capazes de fazer inferir que o legislador quis deixar de punir as falsas declarações prestadas, em sede de interrogatório, por arguido em liberdade.

Efectivamente, não vislumbrando motivos para a situação do arguido (detido ou em liberdade) ser relevante para quem defende entendimento diverso, pensamos nós que exactamente igual é a razão para a punição das falsas declarações quanto aos antecedentes criminais prestadas pelo arguido, detido ou em liberdade: a falta de colaboração do agente para a realização de justiça.

E, a ser assim, parece-nos de concluir que a razão de ser das normas aponta desassombradamente no sentido de que a norma do artigo 359.º, n.º 2, do Código de Processo Penal há-de interpretar-se por forma a abranger a punição das falsas declarações acerca dos antecedentes criminais prestadas em inquérito pelo arguido, encontrando-se ele detido ou não aquando do interrogatório.

Assentes que ficam estas ideias, restará então agora alinhar algumas razões ainda susceptíveis, quanto a nós, de responder a alguma da argumentação esgrimida pela posição contrária à que defendemos em ordem a justificar a bondade do seu ponto de vista.

Compreendendo o inquérito (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) o conjunto de diligências destinadas a investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e bem assim descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação, nesta fase processual e quando o arguido, que se encontra em liberdade, é sujeito a interrogatório, verifica-se frequentemente a necessidade de impor-lhe uma medida coactiva, que não o termo de identidade e residência.

Ora, se é certo que as mais das vezes ao processo ainda não se encontra junto o certificado de registo criminal do arguido que se encontra em liberdade (até por via da circunstância de ainda não ter havido lugar à sua constituição como tal), mesmo que assim não aconteça as informações decorrentes do mesmo documento (certificado de registo criminal) não proporcionam correcto conhecimento acerca de toda a história criminal do indivíduo a quem respeita, já que omisso é, entre o mais, quanto à prisão preventiva porventura por ele sofrida em processos que não chegaram à acusação ou que findaram com absolvição e, bem assim, quanto às possíveis condenações que, por força das normas registrais, dele não devem constar (v. g. por reabilitação de direito).

Aspectos que, merecendo da parte do legislador uma especial atenção, como aliás bem flui da natureza da indagação que há-de ser feita ao arguido neste particular (artigo 141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), relevam sobremaneira para efeitos de aplicação de uma qualquer medida de coacção (que não o termo de identidade e residência), tendo em vista o juízo sobre a necessidade, adequação e proporcionalidade (artigos 192.º, 193.º e 212.º do Código de Processo Penal) de que ela se reveste no caso concreto... e que, havendo de ser do conhecimento do arguido, impõe-lhe o dever de elucidar e com verdade a respeito a entidade que preside ao interrogatório, como forma (forçada, é certo, tendo em vista a punibilidade da conduta adversa) de colaborar na realização da justiça.

E, sucedendo assim, forçoso será concluir que as razões que justificam a obrigação de, em interrogatório, o arguido detido responder e com verdade sobre o seu passado criminal são exactamente as mesmas que fundamentam a existência desse dever para o arguido não detido, na medida em que se a resposta às perguntas referidas no n.º 3 do artigo 141.º do Código de Processo Penal relevam para a definição da situação processual do arguido detido também hão-de relevar para a do arguido em liberdade que, embora se encontre nessa situação, nada impede que tal se altere, contanto que as exigências cautelares assim o imponham.

Por outro lado, e ainda pelas razões que se prendem ou com a eventual desactualização dos elementos inscritos no certificado de registo criminal, com a sua imprecisão ou falta, indispensável se torna que, em inquérito, o arguido que se encontra em liberdade responda e com verdade quanto ao seu passado criminal por forma a habilitar o Ministério Público a decidir-se pelo possível uso a fazer das faculdades consentidas pelos artigos 16.º, n.º 3, e 281.º do Código de Processo Penal ou até mesmo a agilizar o procedimento tendente à execução da possibilidade permitida pelo n.º 1 do artigo 392.º do mesmo diploma legal.

Isto para já não falar na inquestionável valia de que se reveste o conhecimento circunstanciado do passado criminal do arguido, quando prestado pelo próprio, quer para a acusação a deduzir pelo Ministério Público e de molde a habilitá-lo sobre a existência de eventuais situações de continuação criminosa, de reincidência ou de habitualidade (susceptíveis de não serem cabalmente esclarecidas apenas pelo certificado de registo criminal, em função das razões antes mencionadas) quer para o tribunal, designadamente quando se perspectivam situações de cúmulo jurídico.

Na realidade, estando o arguido dispensado de responder aos seus antecedentes criminais em sede de audiência de julgamento, obrigando-o a fazê-lo e com verdade na fase de inquérito, tal proporciona ensejo para o tribunal antecipadamente (e com óbvias vantagens quer para o arguido quer em termos de celeridade processual) providenciar pela recolha dos elementos necessários para a realização do cúmulo jurídico de penas.

De resto, ainda contra o argumento que, avançado pela posição contrária à que se defende (e que, recorde-se, considera que o arguido está apenas obrigado a responder e com verdade sobre os seus antecedentes criminais, em interrogatório, se se encontrar detido), vai no sentido de, estando o arguido em liberdade (logo não ocorrendo o interrogatório num contexto de urgência), o cabal e imprescindível esclarecimento a respeito do seu passado criminal pode ser obtido pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução através das vias institucionais, designadamente do certificado de registo criminal, cumprirá atentar que as coisas não se passam exactamente assim.

E isto porque, se é certo que na fórmula enunciada no n.º 3 do artigo 141.º do Código de Processo Penal [e de onde decorre com meridiana nitidez que o legislador, não se contentando com a mera indicação por parte do arguido dos seus antecedentes criminais, em sentido estrito (o que vale dizer as condenações antes sofridas, por que crimes e em que penas), foi mais longe e quis que ele esclarecesse todas as situações de prisão e datas das mesmas] reside a justificação para a imposição da colaboração forçada do arguido, já que o certificado não contém (como antes referido) todos os elementos que integram esse dever de esclarecimento, não menos verdade resulta que esse dever do arguido de declinar com verdade todos os elementos relevantes para o esclarecimento do seu passado criminal observa a finalidade de imposição desse mesmo dever, e que mais não é que a realização da justiça, a nosso ver tão compreensível como exigível encontrando-se ou não o arguido detido.

Acresce que se o critério de urgência - subjacente ao interrogatório do arguido detido e invocado pela posição contrária à que se defende - fosse determinante para a incriminação das falsas declarações sobre os antecedentes criminais do arguido, então a respectiva conduta só deveria ser punida quando, pelas vias expeditas actualmente disponíveis, não fosse viável obter o certificado de registo criminal (que, para além do mais, sempre podia não estar correcto e actualizado quanto aos vários elementos dele constantes) em tempo útil, o que, implicando que caso a caso se indagasse previamente a respeito da ocorrência ou não de uma eventualidade desse tipo, não se coaduna de todo em todo quer com a letra quer com o espírito das normas em causa.

Donde que, ponderando tudo isto, nos queira parecer que o dever, constante da alínea b) do n.º 3 do artigo 61.º do Código de Processo Penal, de o arguido responder e com verdade às perguntas que lhe forem feitas, por entidade competente acerca dos seus antecedentes criminais, é-lhe imposto por lei, nos termos dos artigos 141.º, n.º 3, 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 1, daquele mesmo diploma legal.

É, assim, de fixar jurisprudência no sentido de que:

«Incorre na prática do crime previsto e punido pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, o arguido que, encontrando-se em liberdade, prestar falsas declarações acerca dos seus antecedentes criminais, em interrogatório, realizado no decurso do inquérito.» IV - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

A questão que este Supremo Tribunal de Justiça é chamado a decidir delimita-se com clareza: indagar se o arguido, não detido, ao ser interrogado na fase de inquérito e perguntado sobre os seus antecedentes criminais, aos quais responde falsamente, comete o crime de falsidade de declaração, previsto no artigo 359.º, n.º 1, do Código Penal, punível com a pena de prisão até 3 anos ou multa.

A «tormentosa evolução legislativa» que a regulamentação das declarações do arguido sofreu ao longo da história, na ideação de Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense do Código Penal, t. III, p. 454, introduziu nota de controvérsia, de que, oportunamente, se dará conta.

De ponderar, desde já, que ninguém exige, ultrapassadas que foram as atitudes degradantes do processo inquisitório, de recusa ao arguido da qualidade de sujeito do processo, em que é visto apenas como meio e objecto de investigação, o heroísmo de se auto-incriminar; porém, tendo ele conquistado o estatuto de sujeito processual, há-de esse posicionamento conclamar uma legitimidade interventiva com «eficácia conformadora sobre o processo», concedendo-se-lhe o direito, por força da sua liberdade e responsabilidade, a uma clara posição de «senhor das suas declarações, decidindo-se à margem de toda a coerção sobre se e como quer pronunciar-se», na citação de Eser, por Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, p. 122, n. 16. Cf. ainda Catarina Veiga, in Considerações sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal, Ed. Almedina, 2000, pp.

46-50.

Essa liberdade de intervenção apresenta uma dupla dimensão: pela positiva, comporta o assegurar-se-lhe os mais amplos e irrestritos direitos de defesa; pela negativa essa liberdade soergue-se como um autêntico baluarte contra o Estado, proibindo-se «todas as tentativas de obtenção, por meios enganosos ou por coacção, de declarações auto-incriminatórias», dimensão que tem a ver com o velho brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare, verdadeira linha diferenciadora entre o processo penal inquisitório e o de estrutura acusatória.

O dever de o arguido ser informado, antes de qualquer interrogatório, de que goza do direito ao silêncio (artigos 141.º, n.º 4, 143.º, n.º 2, 144.º, n.º 1, e 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e de ser esclarecido de que essa sua postura processual em nada o pode desfavorecer são reflexos daquele princípio nemo tenetur, ao não erigir-se aquele direito contra o arguido, transformando-o num «odioso privilégio», nas palavras do Prof. Costa Andrade, Op. cit., p. 126.

Aquela «tormentosa evolução legislativa», de que faz menção Medina de Seiça, imprime que se distinga, de imediato, no aspecto com ligação ao thema decidendum do recurso, entre o teor do interrogatório do arguido não detido e o do que está nestas condições, acompanhando aquele evoluir temporal da lei.

Assim, e para o arguido não detido:

O artigo 265.º do Código de Processo Penal de 1929, após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 185/72, de 31 de Maio, dispunha que «se o arguido não estiver preso, os interrogatórios serão feitos, na instrução preparatória, pelo agente do Ministério Público».

«O primeiro interrogatório obedecerá, na parte aplicável, às normas dos artigos 253.º e seguintes, regendo para o interrogatório de arguido preso», preceitua o seu § 1.º Do artigo 254.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ainda do mesmo diploma, de acordo com a remissão que para ele faz o artigo 265.º, ressalta, ao caso que nos ocupa, a amplitude comum aos dois interrogatórios:

«O arguido será perguntado pelo seu nome, estado, profissão, idade, naturalidade, filiação, última residência, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê. Será advertido de que a falta de resposta a estas perguntas o fará incorrer na pena de desobediência, e a sua falsidade na pena de falsas declarações.» No Código de Processo Penal de 1987, o seu artigo 61.º, na versão originária, intocada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, nos segmentos infracitados, consagrando um verdadeiro estatuto de sujeito processual para o arguido, estipula-se:

«1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:

a) ............................................................................

b) ............................................................................

c) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar;

d) ............................................................................

e) ............................................................................

f) .............................................................................

g) ............................................................................

h) ............................................................................

2 - ...........................................................................

3 - Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:

a) ............................................................................

b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais;

c) ............................................................................

d) ...........................................................................» Agora o normativismo pertinente na diferente perspectiva de arguido preso:

Na qualidade de arguido preso, o seu primeiro interrogatório judicial, no Código de Processo Penal de 1929, na redacção originária vertida no artigo 280.º, a que se fez corresponder o citado artigo 254.º, seu n.º 1, sobre aquele incorria o dever de responder com verdade aos seus antecedentes criminais, sob pena de incorrer na pena de falsas declarações.

Na redacção do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, aprovando o Código de Processo Penal actual, segundo o seu artigo141.º:

«1 - .........................................................................

2 - ...........................................................................

3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, número de documento oficial que permita a identificação, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.

4 - ...........................................................................

5 - ...........................................................................

» - ...........................................................................

Na conformidade das alterações introduzidas ao citado artigo 144.º, pela da Lei 59/98, de 25 de Agosto:

«1 - .........................................................................

2 - ...........................................................................

3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.» O artigo 143.º, do Código de Processo Penal actual, regulamentando o primeiro interrogatório não judicial de arguido detido, estatui:

«1 - ...

2 - O interrogatório obedece, na parte aplicável, às disposições relativas ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, excepto pelo que respeita à assistência de defensor, a qual só tem lugar se o arguido, depois de informado sobre os direitos que lhe assistem, a solicitar. Nesse caso, ao defensor é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 141.º 3 - Após o interrogatório sumário, o Ministério Público, se não libertar o detido, providencia para que ele seja presente ao juiz de instrução nos termos dos artigos 141.º e 142.º 4 - ...........................................................................

Para outros interrogatórios, nos termos do artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:

«1 - Os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo.» A outra face do problema, agora atinente ao interrogatório em sede de audiência de julgamento:

No âmbito de vigência do Código de Processo Penal de 1929, o artigo 425.º, n.º 1, na versão do Decreto-Lei 185/72, de 31 de Maio, a respeito do interrogatório do arguido (então denominado «réu»), estipulava que «será interrogado pelo presidente do tribunal e perguntado primeiramente pelo seu nome, estado, filiação, idade, naturalidade, residência, se sabe ler e escrever, se já esteve preso ou respondeu e, no caso afirmativo, quando e por que motivo. A falta de resposta a estas perguntas incorre o réu na pena de desobediência e a sua falsidade na pena de falsas declarações [...]».

Já no domínio do Código de Processo Penal de 1987, o seu artigo 342.º, disciplinando o interrogatório do arguido em audiência, na versão do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, enunciava:

«1 - O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação.

2 - Em seguida, o presidente pergunta ao arguido pelos seus antecedentes criminais e por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra, lendo-lhe ou fazendo com que lhe seja lido, se necessário, o certificado do registo criminal.

3 - O presidente adverte o arguido de que a falta de resposta às perguntas feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.» Após a alteração trazida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, aquele artigo 342.º passou a comportar o seguinte teor literal:

«1 - O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação.

2 - O presidente adverte o arguido de que a falta de resposta às perguntas feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.» Com as alterações do Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, e da Lei 59/98, de 25 de Agosto:

«1 - O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, local de trabalho e residência e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação.

2 - O presidente adverte o arguido de que a falta de resposta às perguntas feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.» Com excepção da alusão à pergunta sobre «o local de trabalho», introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, o texto actual é resultante da alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, que tem por fonte a Lei 90-B/95, de 1 de Setembro, autorizando o Governo a legislar, revendo o Código de Processo Penal, sendo o seu sentido essencial o de proceder à adequação do Código de Processo Penal às alterações introduzidas ao Código Penal pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.

De harmonia com o sentido a que se refere o artigo anterior, nos termos do seu artigo 3.º, a extensão da autorização legislativa projectava-se na necessidade de:

«..............................................................................

gg) Revogar o n.º 2 do artigo 342.º, já que a indagação em audiência pública dos antecedentes criminais do arguido atenta com a sua dignidade e com as suas garantias constitucionais.» V - Na doutrina, Fernanda Palma, in «A Constitucionalidade do artigo 342.º do Código de Processo Penal ('O direito ao silêncio do arguido')», in Revista do Ministério Público, ano 15.º, Outubro-Dezembro de 1994, n.º 60, pp. 101 e segs., previamente a esta alteração legislativa, mas doutrinariamente nela influindo, já a ela se referira com vantagem e nota de coerência no sistema.

Aponta que a norma que vem sendo questionada (aquele artigo 342.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), antes da alteração legal, viola o princípio da presunção de inocência, «porque os factos referentes aos antecedentes criminais e à pendência de outros processos constituem ainda matéria da acusação, que o arguido não pode ser coagido a revelar, como também porque ainda não está feita a prova do facto típico, ilícito e culposo no momento em que é exigida a comunicação daqueles factos» (Ibid., p. 106).

«O artigo 342.º viola as garantias de defesa do arguido asseguradas pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, porque elas abrangem os direitos de declaração e de silêncio, previstas no artigo 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, relativamente a factos que constituem o objecto do processo. Essa violação verifica-se porque os antecedentes criminais (e eventualmente a pendência de outros processos) se repercutem no juízo sobre a personalidade do arguido manifestada no facto e, por conseguinte, na culpa do facto, que é, indiscutivelmente, objecto do processo.

[...] O artigo 342.º afronta ainda as garantias de defesa porque lhes impõe restrições não justificáveis pela absoluta necessidade de alcançar a verdade material», justifica aquela jurista, na Revista citada, p. 108.

O direito ao silêncio é um correlato do princípio da presunção de inocência constitucionalmente garantido, no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, como escrevem Jacques Veler e Rosen Ergec, a presunção de inocência implica o direito ao silêncio. O acusado nada deve provar. Pode «acantonar-se num papel de contestação puramente passiva», devendo, no entanto, dispor da faculdade de fornecer contraprovas.

E a presunção de inocência comporta um conteúdo polimórfico de: a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; c) exclusão da fixação de culpa em despachos de arquivamento; d) não incidência de custas sobre arguido não condenado; e) a proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cf. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 173).

Aponta-se, ainda, à imposição da declaração do passado criminal do arguido em plena audiência, nas vertentes de condenações já sofridas, por que infracções, penas e processos pendentes, o óbice de poder atentar contra a sua dignidade, representativa para ele de evitável vexame por aquele estar retratado no seu certificado de registo criminal, pese embora a esse mesmo acesso se poder opor os mesmos inconvenientes derivados daquela obrigatoriedade de declaração.

O arguido, na verdade, ao ser confrontado com a pergunta sobre os seus antecedentes criminais, de resposta obrigatória, sob pena de incorrer em falsas declarações, em plena audiência, podia, na ambiência, em princípio pública, da audiência, com o peso que introduz na pessoa do arguido, forçar este a confessar os factos, apontando ao espírito do julgador a formação de um juízo de culpa, de difícil afastamento posterior, conducente a uma condenação sem apoio em fortes e sólidas provas directas ou indirectas para estabelecer a culpabilidade do interessado e ao moldar da personalidade do acusado, atentando contra direitos fundamentais, particularmente o direito de defesa, na refracção do direito ao silêncio.

A publicidade da obrigação de dizer funcionaria já como verdadeira penalidade autónoma a acrescer ao malefício repressivo ou estigmatizante da pena.

Do confronto entre a redacção primitiva outorgada ao artigo 342.º do Código de Processo Penal e a introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, mantida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, é seguro concluir que do elenco das perguntas de que é destinatário o arguido em julgamento caiu a respeitante aos antecedentes criminais, que, a partir daquela alteração, é vedado ao presidente do tribunal dele obter; o arguido não pode, aí, ser perguntado sobre os seus antecedentes criminais.

O Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, revogou, de forma clara e expressamente, o artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na versão originária, revogação que é o fenómeno, o processo normal de cessação de vigência da lei, que, além de expressa ou por declaração, pode ser tácita ou por incompatibilidade global ou por substituição (cf. Prof. Oliveira Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, p. 277).

«E a revogação não faz cair só a norma directamente atingida; ela afecta, ainda, todas as disposições dependentes ou acessórias a que ela se prendem, conquanto resultem de leis diversas, sejam elas interpretativas, especificativas, limitativas ou que tendem a regular a execução ou a reforçá-la mediante a inflição de penas, garantias, etc.

Há aqui uma incompatibilidade conceitual ou virtual. Isto acontece de modo eminente quando uma lei introduz novos princípios cardeais informadores da regulamentação jurídica, o que arrasta consigo a anulação de todas as leis e disposições em que, embora não haja manifesta contraditoriedade, são demitidas da sua base racional. Há um conflito íntimo nas ideias inspiradoras no fundamento do edifício jurídico, são as pertinentes considerações vertidas na obra Interpretação e Aplicação das Leis, de Francesco Ferrara, Coimbra, 1934, pp. 197-198.

A revogação - artigo 7.º do Código Civil - realiza, assim, o aspecto de dinâmica e mudança do direito, acompanhando a aceleração da história e a sua modelação, no sentido de promoção da sua evolução, função que, até certo ponto, se revela em antinomia com a sua função estabilizadora, capaz de garantir a continuidade da vida social, os direitos e as expectativas legítimas das pessoas, doutrina o Prof. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 223.

A tese de que o legislador incorreu em lapso ao não atingir os demais interrogatórios do arguido na feição proibitiva de declaração dos antecedentes criminais já foi advogada, mas ela tem de reputar-se inconsistente.

Há que afirmar que o legislador conhecia, forçosamente, todos os demais tipos de interrogatório a que o arguido é submetido ao longo das diversas fases processuais, a menos que se tratasse de um legislador inepto, incapaz de consagrar as soluções mais justas e de fazer do elemento literal, gramatical, da lei, o ponto de partida para a interpretação, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, não comportando tal amplitude qualquer apoio.

Não há que procurar o espírito do legislador para além da letra da lei por inexistência de qualquer visível tensão entre aquele e esta.

O recurso aos restantes subelementos de interpretação, em que se decompõe o elemento lógico-racional, e que são o sistemático, o histórico e o teleológico, em nada concorrem para firmar a conclusão de que o artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, referente ao inquérito do arguido não detido, foi deliberadamente abrangido pela alegada feição revogatória no âmbito da alteração com o advento do Decreto-Lei 317/95.

O preceito do artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Penal rege explicitamente para o interrogatório em sede de julgamento, e a sua inserção é alienígena da fase de inquérito, distinta daquela, cujo objectivo se destina a «investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação», nos termos do artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; a interpretação de uma lei não pode fazer-se como não pertencente a um dado contexto jurídico, antes este sendo concebido como uma unidade, onde se desenham relações entre as diversas normas - de subordinação, conexão e analogia - , em obediência a um momento do desenrolar lógico de um plano, pelo que o critério sistemático repudia o entendimento alargado que se defendeu.

E pela via da justificação da lei, do seu objectivo, da sua teleologia, em vista de atingir fins sociais, também diferente solução se não atinge, pois que o aspecto da privacidade ou publicidade, em crise no momento da pergunta em julgamento ao arguido sujeito ao estigma de ali ter de declarar o seu passado criminal - obrigação de veritate dicendi - não se verifica em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou não.

Estando detido, a diligência processa-se ante um contexto humano fechado, sendo presidida pelo juiz, e a ela assistem o Ministério Público e seu defensor, na presença do funcionário público - artigo144.º, n.os 1 e 6, e 64.º, n.os 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal; os restantes interrogatórios são feitos na presença do Ministério Público (salvo em instrução), do funcionário e do defensor oficioso constituído ou nomeado ou na presença do órgão de polícia criminal em que o Ministério Público tenha delegado a sua realização - n.os 1 e 2 do artigo 144.º do Código de Processo Penal - , regendo-se a intervenção do defensor pelo apertado ritualismo antes enunciado, nos termos dos artigos 144.º, n.os 1 e 2, e 143.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Penal.

O primeiro interrogatório de arguido detido apresenta-se como fortemente protector do arguido e realiza claramente os seus direitos de defesa: só pode ser interrogado pelo juiz (nem o Ministério Público nem o seu defensor podem fazer perguntas, não passando do círculo da sua sugestão, mas apenas arguir nulidades), devendo ser expressamente advertido do direito que lhe assiste de não prestar declarações, de que goza do direito ao silêncio sobre tudo quanto o possa inculpar.

E esse mesmo regime de benesse se segue, pari passu, nos demais interrogatórios na fase processual do inquérito.

Não poderá aqui afirmar-se que as declarações sobre os antecedentes criminais o transformem de sujeito em mero objecto do processo.

Por outro lado, a presunção de inocência do arguido em nada sai beliscada porque o arguido pode recusar-se a responder ou, respondendo, visto que o processo penal lhe assegura todos os direitos de defesa, na óptica de um due process of law, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, é-lhe irrecusável contrariar as provas reunidas contra si ou requerer outras.

A ratio essendi da proibição não funciona aqui. A analogia de situações não se descortina.

Os preceitos dos artigos 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fazendo menção de que os interrogatórios de arguido não detido e outros, devem obedecer, «na parte aplicável» (artigo 143, n.º 2) e «em tudo quanto for aplicável» (artigo 144.º, n.º1), ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido não se destinam a excluir as respostas do arguido sobre a sua identidade e antecedentes criminais, mas a salvaguardar a necessidade de diferenciar os outros interrogatórios da especificidade do primeiro interrogatório judicial de arguido detido que tem obrigatoriamente de respeitar o procedimento estabelecido nos diversos números do artigo 141.º do Código de Processo Penal, v. g. a necessidade de lhe dar a conhecer os motivos da sua detenção.

Acresce, ainda, uma razão de ordem pragmática favorecente da imposição da declaração sobre o cadastro criminal no interrogatório prévio ao da audiência: as declarações do arguido sobre os antecedentes criminais no caso do primeiro interrogatório podem até reverter em seu benefício, servindo-nos de exemplo os casos identificados com a competência por conexão, o crime continuado, acumulação de infracções e adopção de medidas de coacção, no aspecto dos pericula libertatis e princípios que regem a sua aplicação em cada caso concreto (da adequação, necessidade e da proporcionalidade, revelando-se, aí, frutuosa a cooperação do arguido sobre o seu passado criminal), reconhecendo-se, por isso, que «em certos momentos processuais parece ser indiscutível que o conhecimento dos antecedentes criminais apresenta vantagens para a realização da justiça», na opinião de A. M.

Almeida Costa, in O Registo Criminal, 1980, pp. 334 e segs. Cf. ainda o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1996, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, t. II, p. 200.

Aqui, como dizia Ihering, a forma é amiga da liberdade e inimiga do arbítrio.

De considerar que o dever funcional de ser perguntado sobre os antecedentes criminais e de verdade na resposta, no caso do primeiro interrogatório judicial de arguido detido - artigo 141.º do Código de Processo Penal - , interrogatório arquétipo dos demais, em ordem ao conhecimento da história pregressa do arguido, com a latitude do seu n.º 3, só raramente se mostra já presente através do certificado do registo criminal, junto mais tardiamente, além de que a estar junto não dispensa a cooperação do arguido prestando esclarecimentos que mais, melhor e de momento, iluminam o seu perfil pessoal e humano.

Historicamente a obrigação de o arguido prestar declarações verdadeiras quanto aos antecedentes criminais logo no início foi algo de grande relevância para a boa administração da justiça, na época em que os certificados de registo criminal apenas podiam ser solicitados por ofício, demorando, por vezes, semanas a ser obtida resposta. Não raras vezes as falsas declarações sobre os antecedentes criminais eram a causa de penas mais leves ou medidas de coacção menos gravosas. A obrigação de responder com verdade sobre esta matéria era, também, por mais essa razão justificada.

A relativização outorgada ao certificado de registo criminal, minorizado no início da audiência, com o alcance de que o arguido não é obrigado, por disposição expressa de lei, a vertê-lo em julgamento, corresponde, também, a uma mutação profunda sobre a sua finalidade; nos tempos medievos inscreviam-se a fogo e com mutilações as condenações anteriores; com a criação do registo criminal moderno, em França, no século XIX, por referência aos cassiers judiciaires, assinalava-se-lhe a função instrumental de retratar o funcionamento de certos institutos como a reincidência, servindo já de verdadeira pena a aditar à específica da condenação.

Com o rodar dos tempos o registo criminal passou a ser «um precioso auxiliar da acção da justiça, imprescindível pressuposto do funcionamento de diversos institutos de direito substantivo que pressupõem o seu conhecimento - a reincidência, as interdições resultantes da sentença, a aplicação de penas acessórias, a efectivação de cúmulos jurídicos, a salvaguarda do caso julgado e do ne bis in idem, a habitualidade, bem como exerce influência inarredável na determinação e escolha concreta da pena, apurando-se o regime que melhor se adeqúe com a necessária convicção de validade da norma e da reinserção social do delinquente», são judiciosas considerações de J. M. L. Quaresma extraídas do estudo sobre «Falsidade de depoimento ou declaração», in Sub Judice, n.º 11, Janeiro-Junho de 1996, p. 154.

De relevo, e a iluminar a solução a atingir, a consideração tecida no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferida no processo 48536, com referência à posição assumida antes da entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, pelo Tribunal Constitucional, e a propósito das declarações sobre os antecedentes criminais do arguido:

«Sucede, no entanto, que o mesmo douto tribunal, ultimamente, a partir de doutrinas que nada têm a ver com a nossa realidade jurídica tradicional, começou a alterar a posição que inicialmente havia tomado e a afirmar que as perguntas ao arguido sobre os antecedentes judiciários, na fase do julgamento, seriam inconstitucionais, na medida em que, nessa fase, o seu direito de se remeter ao silêncio ficaria violado se tais perguntas lhe fossem formuladas.» E foi, na óptica de tal acórdão, para prevenir a declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com consequências práticas nefastas sobre os julgamentos efectuados ou a efectuar, que o Governo, como que para «apaziguar as vozes que, no plano doutrinário, apontavam para tal consequência, de que a Prof.ª Fernanda Palma era exemplo, fez publicar o Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, ao proceder aos ajustamentos do Código de Processo Penal derivados da entrada em vigor do novo Código Penal, eliminando do anterior n.º 2 do artigo 342.º daquele Código o segmento que determinava a obrigatoriedade das perguntas sobre os antecedentes criminais do arguido.

Sublinhe-se na esteira desse acórdão que nunca a questão da não obrigatoriedade de resposta e ausência da sanção penal se colocara, em sede de ofensa aos direitos basilares constitucionalmente assegurados ao arguido, quanto aos demais interrogatórios, pelo que, em última análise, a informação sobre os antecedentes criminais passa a ser fornecida, sob a égide da lei, nos interrogatórios previstos nos artigos 141.º, n.º 3 (judicial de arguido detido), 143.º, n.º 2 (não judicial de arguido detido), e 14.º, n.º 1 (subsequentes de arguido preso, em liberdade em inquérito e em instrução), do CPP, certificados de registo criminal ou, eventualmente, de ficha policial - cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, comentário ao artigo 141.º do Código de Processo Penal.

Este Supremo Tribunal de Justiça teve o ensejo de, através do Acórdão, supracitado, de 24 de Outubro de 1996, afirmar que o artigo 141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal não é inconstitucional, designadamente por não violar o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

A exclusão da obrigatoriedade de declaração dos antecedentes criminais do arguido em julgamento, assim operada, é ainda a fórmula conseguida pelo legislador de alcançar, «pela solução eventualmente mais fácil», o respeito pela norma do artigo 369.º do Código de Processo Penal, segundo o qual, determinada a culpa e no âmbito da sanção a aplicar, se procede à leitura da documentação obtida para análise dos antecedentes criminais do arguido, perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social, com o que se autonomiza (em certa medida se estabelecendo uma forma mitigada de césure) no julgamento a fase da comprovação da culpa da destinada ao estabelecimento e determinação das sanções criminais, princípio que, de algum modo, sofria a crítica da doutrina, vendo nele uma entorse à pureza de tal separação.

O preceito, escreve José M. L. Quaresma, in Sub Judice, ano XI, Janeiro-Junho de 1996, p. 155, é, ainda, a consagração da Lei 43/86, de 26 de Setembro, de autorização legislativa, no artigo 2.º, n.º 64, preconizando aquela autonomização, com obediência do contraditório, com respeito pelo direito de defesa, sem prejuízo da celeridade processual.

Assim o consideraram os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, além do já citado, de 20 de Junho de 1996, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal Administrativo, ano IV, t. II, p. 200, e de 29 de Janeiro de 1997, processo 965/97.

A alteração introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, repercutindo, pois, a ambiência reinante ao nível da doutrina e jurisprudência, ou seja a occasio legis (o elemento histórico-interpretativo da lei), não atingiu na sua feição revogatória, expressa ou tácita, mais do que o preceito do artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no segmento em apreço.

VI - Na jurisprudência das relações é esmagadoramente maioritário o entendimento segundo o qual a falsidade das declarações em inquérito sobre os antecedentes criminais respectivos preenche o tipo legal de crime de falsidade de depoimento e declaração. Nesse sentido, cf. os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 1998, de 26 de Novembro de 2002 e de 11 de Maio de 2005, processos n.os 7382/2002, 7894/2002 e 1519/2005, da Relação do Porto de 7 de Dezembro de 2004, de 18 de Janeiro de 2006, de 8 de Março de 2006, de 29 de Março de 2006, de 13 de Setembro de 2006 e de 8 de Novembro de 2006, processos n.os 443150, 543953, 545715, 545428, 640092 e 642056, respectivamente, e da Relação de Coimbra de 9 de Março de 2005, processo 108/2005; em sentido algo mais restrito o Acórdão da Relação do Porto de 20 de Abril de 2005, processo 417396, fazendo impender a obrigação de responder com verdade sobre os antecedentes criminais, mas só para o primeiro interrogatório de arguido detido, seja ele efectuado pelo Ministério Público seja ele efectuado pelo juiz de instrução criminal - sumários acessíveis in: www.dgsi.pt.

Ao nível do Tribunal Constitucional, escassos dias sobre a publicação do Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro, decidiu-se, em 5 de Dezembro de 1995, no Acórdão 695/95, processo 351/95, Diário da República, 2.ª série, de 24 de Fevereiro de 1996, sob o evidente influxo doutrinário já apontado, julgar inconstitucional a norma do artigo 342.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por violação do princípio das garantias de defesa ínsito no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

O Acórdão 372/98, de 13 de Maio, processo 22/98, deste mesmo Tribunal, fidelizado ao princípio de que o arguido só está desobrigado de responder aos seus antecedentes criminais em audiência de julgamento, decidiu, em consonância, julgar não inconstitucionais as normas dos artigos 61.º, n.º 3, alínea b), e 141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na parte em que impõem ao arguido o dever de responder com verdade às perguntas feitas no primeiro interrogatório judicial sobre os seus antecedentes criminais.

Em data muito recente o Tribunal Constitucional, colocado ante a questão de indagar-se se comporta violação do artigo 32.º, n.os 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a imposição do dever de resposta, com verdade, sobre os antecedentes criminais por banda do arguido, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, que, ao ser interrogado em inquérito pelo órgão de polícia criminal, mesmo que se mostre junto já o certificado de registo criminal, concluiu, por um lado, pela utilidade da junção, sem lesão dos princípios da proporcionalidade e necessidade da pena, do mesmo passo que, reafirmou, na esteira da sua anterior jurisprudência, a prática de crime de falsidade de declaração do arguido que, naquela fase processual, achando-se em liberdade, responde falsamente sobre o seu passado criminal - cf. Acórdão de 27 de Fevereiro de 2007, processo 794/2006.

De não ignorar os ensinamentos da Prof.ª Teresa Pizarro Beleza, in Direito Penal, vol.

I, 2.ª ed. da AAFDL, 1985, p. 35, invocando os princípios fundamentais do direito penal, designadamente os princípios da intervenção mínima, da necessidade e da eficácia e do carácter subsidiário, no sentido de que o direito penal só deve intervir, só deve querer aplicar-se, só deve tomar conta de um certo tipo de actuações ou de actos quando isso for por um lado eficaz e por outro necessário, pelo que, tendo em vista as tecnologias de informação actualmente disponíveis, o disposto no artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal só pode ser dirigido aos interrogatórios a que aquelas tecnologias não dêem resposta bastante designadamente nos interrogatórios em inquérito em que a realização da justiça passa pelo fornecimento de dados pessoais que o registo criminal, mesmo quando presente, não espelha em plenitude.

Cremos não subsistirem razões válidas para sustentar-se a tese do acórdão recorrido, respondendo o acórdão fundamento aos melhores critérios de interpretação da lei, colhendo o apoio da jurisprudência tanto ordinária como constitucional, mostrando-se credenciada aos olhos da doutrina.

VII - A respeito do crime de falsidade de depoimento ou de declaração, previsto no artigo 359.º do Código Penal actual, resultante da revisão operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, dispõe aquele:

«1 - Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais.» O preceito do artigo 359.º do Código Penal corresponde, com alterações, ao artigo 401.º do Código Penal, na sua versão originária, avultando entre aquelas alterações a introduzida pelo n.º 2, a coberto do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, e justificada pelo Prof. Figueiredo Dias, como sublinhou a comissão revisora do Código Penal (cf.

excerto da acta 35 da comissão de revisão do Código Penal, realizada em 21 de Junho de 1990) pelo «estado actual dos Códigos de Processo Penal e de Processo Civil», particularmente pela supressão em processo penal da figura do declarante, «tornando necessária a expressa incriminação das falsidades cometidas por quem, sem ter a veste de testemunha, perito, tradutor ou intérprete viesse depor em juízo» (cf. A. Medina de Seiça, Comentário Conimbricense ao Código Penal, vol. III, p. 452), designadamente a declaração falsa do arguido sobre os seus antecedentes criminais, atentando contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação, visto o disposto no artigo 362.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.

O precedente artigo 401.º era lacunar a respeito da punição das falsas declarações em matéria de antecedentes criminais, prevista até à entrada em vigor do artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, o crime previsto e punível pelo artigo 22.º do Decreto-Lei 33725, de 21 de Junho de 1944, sendo dominante a jurisprudência e doutrina que consideravam em vigor tal decreto por não revogado pelo Código Penal - por exemplo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Maio de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. 3, p. 67, e os Acórdãos deste Supremo de 10 de Janeiro de 1985 e de 3 de Dezembro de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 343, pp. 253 e 362, resolvendo este Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu assento de 18 de Junho de 1973, a controvérsia nos seguintes termos:

«A falsidade nas respostas obrigatórias às perguntas feitas ao arguido em processo penal constitui o crime previsto e punido pelo artigo 22.º do Decreto-Lei 33725, de 21 de Junho de 1944.» [Cf. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 229, p. 43.] O artigo 359.º resolveu expressa e legislativamente essa questão, não cobrando aplicação o seu n.º 2 às declarações do arguido sobre os seus antecedentes criminais na fase do julgamento, «uma vez que sobre eles não pode ser interrogado nessa fase processual, continuando no entanto a ser aplicável a declarações por ele prestadas anteriormente à audiência de julgamento», é o comentário de Maia Gonçalves, Código Penal Português, 17.ª ed., p. 1027.

O crime previsto no artigo 359.º do Código Penal, subordinado à epígrafe «Falsidade de depoimento ou declaração», é um crime contra a realização ou administração da justiça, enquanto função do Estado, posição quase unânime entre nós, já sustentada por Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 70.º, n.º 2588, p. 19.

Esse interesse é bifronte: em relação ao Estado, no sentido da declaração e realização do direito; em relação aos particulares, no sentido de que se lhes não faça injustiça que os prejudique.

Igualmente, para Luís Osório, na vigência do Código Penal de 1886, o artigo 238.º e seus parágrafos protegem o interesse que tem a administração da justiça em assegurar a veracidade dos depoimentos nas causas criminais e nas civis contenciosas, in Notas ao Código Penal, vol. II, p. 417.

O interesse na verdade dos depoimentos é um interesse-meio de assegurar o interesse-fim que é o da realização da justiça, sublinha aquele eminente penalista, na nota 1, in Revista cit.

Diverso enfoque, contrariando aquele entendimento maioritário, é o emprestado por Helena Moniz, situando o crime de falsidade fora do âmbito da administração da justiça, que nem sequer é violada porque, mais tarde ou mais cedo, o tribunal tem sempre a possibilidade de confirmar os dados declarados, estando a falsidade em oposição a um dever de verdade que impende sobre o universo de cidadãos que compareçam em tribunal, correspondente a um «mínimo ético» essencial à coexistência humana e à sã convivência comunitária (O Crime de Falsificação de Documentos - Da Falsidade Intelectual e da Falsidade em Documento, p. 212, n.º 263).

O crime deve ser punido depois da prestação de falsa declaração, da lesão do bem jurídico, atitude essa nociva da segurança e credibilidade no tráfico das provas, por isso o configura como um crime de dano e não como crime de perigo, como é tradicionalmente configurado, prevenindo o risco de lesão para uma escorreita administração da justiça, incluindo para o interesse do próprio arguido, atenta a refracção que, em diversas situações, se projecta os antecedentes criminais, como decidiu este Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de Julho de 2005, processo 2535/2005, 5.ª Secção.

VIII - Pelo exposto, este Supremo Tribunal de Justiça soluciona a divergência entre os acórdãos do mesmo Tribunal da Relação com o seguinte alcance:

1 - Revoga-se o acórdão recorrido.

2 - Firma-se jurisprudência do teor seguinte:

«O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144.º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.» 3 - Observe-se o disposto nos artigos 444.º, n.os 1 e 2, e 445.º, n.º 1, do CPP.

Sem tributação.

Lisboa, 14 de Março de 2007. - Armindo dos Santos Monteiro - João Manuel de Sousa Fonte - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor - José António Henrique dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - Eduardo Maia Figueira da Costa (vencido nos termos da declaração junta) - José Eduardo Reino Pires - Alfredo Rui Francisco do Carmo Gonçalves Pereira - Luís Flores Ribeiro - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - Manuel José Carrilho de Simas Santos - José Vaz dos Santos Carvalho - António Joaquim da Costa Mortágua - António Silva Henriques Gaspar - António Artur Rodrigues da Costa - José Vítor Soreto de Barros.

Declaração de voto

Discordei da posição que fez vencimento pelas razões que passo a expor.

A obrigação que recai sobre o arguido detido de, no primeiro interrogatório judicial a que for submetido, prestar declarações verdadeiras sobre os seus antecedentes criminais («se já esteve preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes» - artigo 141.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) justificar-se-á na estrita medida em que geralmente, se não sempre, não está junto o certificado do registo criminal do interrogado.

Contudo, não deixa de ser contestável que se mantenha aquela obrigação, por existirem hoje meios de acesso ao registo criminal em tempo útil, pelo que mais parece que aquela norma constitui mais uma sobrevivência de um sistema ultrapassado.

De qualquer forma, relativamente aos outros interrogatórios do arguido, realizados sem urgência, e podendo portanto o processo estar já instruído com o certificado do registo criminal, não se justifica minimamente obrigar o arguido a prestar declarações sobre o seu passado criminal.

Na verdade, se o que se pretende é ter acesso a uma informação objectiva e correcta sobre os antecedentes do arguido (bem jurídico protegido no n.º 2 do artigo 359.º do Código Penal), deverá consultar-se o certificado do registo criminal, e não recorrer à memória, talvez gasta ou necessariamente subjectiva, do próprio arguido. Se não se quer, pura e simplesmente, «experimentar» o arguido, o seu «grau de colaboração» com as autoridades, o que seria absolutamente contrário aos princípios do processo penal, então confie-se na frieza e objectividade do certificado do registo criminal.

É claro que o arguido pode até querer e ter interesse em falar do seu passado criminal. E poderá fazê-lo certamente. O que não pode é ser obrigado a isso e com o dever de dizer a verdade.

A imposição da obrigação de prestar declarações sobre os antecedentes criminais nos interrogatórios como arguido, não estando ele detido, apresenta-se, assim, como um dever desproporcionado de prestar colaboração à investigação e, por outro lado, desnecessário para protecção do interesse subjacente, que é, ao fim e ao cabo, o conhecimento correcto desses antecedentes.

Por isso, o artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal deveria ser interpretado no sentido de excluir da sua previsão os interrogatórios, em inquérito, de arguido não detido. - Eduardo Maia Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/07/06/plain-215140.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/215140.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1944-06-21 - Decreto-Lei 33725 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Determina que junto dos institutos de criminologia funcionem nos 2º e 4º trimestres de cada ano cursos de identificação, criados pelo Decreto-Lei nº 33214 de 12 de Novembro de 1943, regidos por chefe de secção ou adjunto dos institutos, ou por pessoa designada pelo conselho técnico dos referidos institutos. Fixa a gratificação mensal pela regência dos mesmos cursos.

  • Tem documento Em vigor 1972-05-31 - Decreto-Lei 185/72 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-26 - Lei 43/86 - Assembleia da República

    Autorização legislativa em matéria de processo penal.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-01 - Lei 90-B/95 - Assembleia da República

    AUTORIZA O GOVERNO A REVER O CODIGO DE PROCESSO PENAL, APROVADO PELO DECRETO LEI 78/87 DE 17 DE FEVEREIRO, NO SENTIDO DE O ADEQUAR AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO CODIGO PENAL PELO DECRETO LEI 48/95 DE 15 DE MARCO. A PRESENTE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA TEM A DURAÇÃO DE 90 DIAS.

  • Tem documento Em vigor 1995-11-28 - Decreto-Lei 317/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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