Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 88/2003/T, de 24 de Maio

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 88/2003/T. Const. - Processo 771/2001. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - No âmbito de um contrato de empréstimo, constante a fl. 22, celebrado entre a Sociedade de Construções Amadeu Gaudêncio, S. A., por um lado, e Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, S. A., e outros, devidamente identificados nos autos, por outro, e do acordo de constituição de sindicato bancário, com cópia a fl. 44, Banco Pinto & Sotto Mayor, S. A., instaurou contra os referidos Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, S. A., e outros uma acção destinada a pedir a sua condenação no pagamento de 1 000 000 000$ de capital, acrescido dos juros devidos, a suportar pelos diversos réus na proporção da sua participação no empréstimo. Ao pedido inicial veio a ser junto, na réplica, um pedido subsidiário de indemnização dirigido contra o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa; e houve intervenção de terceiros, do lado do autor e do réu.

A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, a fl. 886, decisão que veio a ser confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a fl. 1345, proferido em recurso de apelação.

Deste acórdão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça o Banco Pinto & Sotto Mayor, S. A., e o Banco de Fomento Exterior, S. A. (já como Banco Português de Investimento, S. A.), interveniente como autor.

Por Acórdão de 8 de Fevereiro de 2001, a fl. 1697, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento à revista, decidindo nos seguintes termos:

"Assim, na procedência das conclusões, quanto à questão de fundo, julgam-se procedentes acção e intervenção principal espontânea, condenando-se os réus, exceptuado, naturalmente, o que foi absolvido da instância, bem como o interveniente principal provocado, nos pedidos principais".

Banco Espírito Santo, S. A., e outros arguiram a nulidade deste acórdão, por diversos fundamentos. Apenas para o que agora releva, no requerimento respectivo, a fl. 1732, suscitaram a ocorrência de "uma nulidade processual nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a qual determina a nulidade do acórdão em análise, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo", por ter ocorrido uma "formalidade que a lei não admite", consistente na "solicitação [pelo despacho a fl. 1694, que também determinou a inscrição do processo em tabela] de extracção e entrega ao relator de fotocópias apenas da petição inicial e documentos a ela juntos, com exclusão dos elementos fornecidos pelos RR. (salvo os dois pareceres apresentados)", em violação do princípio da igualdade substancial das partes, consagrado no artigo 3.º-A do mesmo Código de Processo Civil. Seria, aliás, essa a explicação para a procedência do recurso.

E, no mesmo requerimento, alegaram que, "a assim não se entender, está-se a interpretar e aplicar o artigo 3.º-A do Código de Processo Civil em violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem".

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão a fl. 1798, indeferiu a arguição de nulidade. No que toca à alegação de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

"[...] não vemos como do despacho do relator a ordenar que lhe sejam entregues determinadas peças processuais (fls. 1694 e v.º) se possa ousar concluir que tal propicia que à decisão seja elaborada apenas na visão de uma das partes, como, aliás, aconteceu no caso dos autos' e que, por isso, tal procedimento, não permitido pelo artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, integra nulidade, nos termos do artigo 201.º do Código de Processo Civil, sob pena de se estar a interpretar aquele artigo 3.º-A em violação dos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Além de constituir uma ilegítima intromissão no método de trabalho dos magistrados, afirmar isto é não só fazer uma interpretação arrevesadamente extensiva do artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, como ainda extrair uma ilação abusiva e, por isso mesmo, ofensiva da seriedade e da imparcialidade, quer do relator, quer dos demais juízes que subscreveram o acórdão."

2 - Inconformados, Banco Espírito Santo, S. A., Caixa Económica Açoreana, S. A., Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C. R. L., S. A., Banco Internacional de Crédito, S. A., Caixa Económica Montepio Geral, S. A., e Banco Nacional Ultramarino, S. A., vieram recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que fossem julgadas inconstitucionais as normas dos "artigos 3.º-A e 201.º do Código de Processo Civil, tal como o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2001 os interpretou", por violação do "princípio da igualdade material das partes, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, na redacção dada pela Lei Constitucional 1/97, bem como o artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em harmonia com o qual aquele artigo 20.º, n.º 4, deve ser interpretado e integrado".

3 - Convidados a indicar qual a norma ou a dimensão normativa (ou quais as normas ou as dimensões normativas) contidas nos preceitos constantes do requerimento de interposição de recurso que consideram violar a Constituição, os recorrentes responderam que "são os artigos 3.º-A e 201.º do Código de Processo Civil, tal como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2001 os interpretou", sendo desconforme com "os artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem" a interpretação que permitiu não considerar nulidade a "exclusão das peças processuais apresentadas pelos RR. ora recorrentes (salvo dois pareceres apresentados)".

4 - Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações, tendo os recorrentes formulado as seguintes conclusões:

"a) O direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, determina que a jurisdição seja independente e imparcial, subjectiva e objectivamente, bem como que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à parte contrária;

b) Este princípio encontra-se também consagrado, se necessário for trazê-los à colação, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, no artigo 14.º do PIDCP, e no artigo 6.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia;

c) O artigo 3.º-A do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de que o estatuto de igualdade substancial das partes nele consignado abrange o direito a um processo equitativo, tal como constitucionalmente consagrado;

d) Deve, pois, esse artigo ser interpretado no sentido de proibir ao julgador, na fase de preparação do julgamento, privilegiar objectivamente a posição de uma das partes;

e) O artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil deve também ser interpretado de harmonia com as referidas normas constitucionais, no sentido de que, quando tal suceda, verifica-se nulidade processual;

f) São inconstitucionais, por violarem as disposições acima indicadas, as normas constantes dos referidos artigos 3.º-A e 201.º quando interpretadas no sentido de permitirem que, na fase de preparação do julgamento de um recurso, o respectivo relator lavre despacho pelo qual pretenda obter, sem justificação objectiva, cópia apenas da petição inicial, prescindindo da posição dos RR.;

g) Ao interpretá-lo nesse sentido, o douto acórdão recorrido violou o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, bem como, se necessário for trazê-los à colação, o artigo 10.º do DUDH, o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, o artigo 14.º do PIDCP, e o artigo 6.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia".

Juntaram, posteriormente, um parecer jurídico.

Os recorridos contra-alegaram, tendo o Banco Comercial Português, S. A., concluído da seguinte forma:

a) No presente recurso, não está em causa qualquer norma, nem mesmo a interpretação de qualquer norma. Mais, o recurso nem sequer tem por objecto uma verdadeira decisão judicial;

b) Na verdade, o objecto da censura dos recorrentes é o pedido do Exmo. Conselheiro Relator, dirigido ao funcionário do Tribunal, para que lhe entregasse fotocópias da petição inicial, de parte de um documento junto com esta e de todos os pareceres jurídicos juntos pelo A. e pelos RR.;

c) Ora, bem vistas as coisas, o Exmo. Conselheiro Relator do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao pedir aos serviços do Tribunal que lhe extraíssem as ditas fotocópias, não proferiu qualquer decisão, não praticou sequer um acto de mero expediente, não interpretou nem aplicou norma alguma, designadamente as referidas pelos recorrentes no presente recurso.

d) Com o pedido das fotocópias, o Sr. Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a praticar um acto extra-processual, que poderia ter sido verbalizado ou praticado por um escrito particular dirigido ao senhor funcionário, fora do processo.

e) Assim, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso porque ele não versa sequer sobre uma decisão judicial, sendo certo que só pode recorrer-se para este tribunal de "decisões dos tribunais" (artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional);

f) Admitindo, sem conceder, que o objecto do recurso é o próprio acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu o recurso interposto pelo ora recorrido da decisão da Relação, também se não vislumbra na argumentação dos recorrentes que seja questionada qualquer dimensão normativa na interpretação e aplicação do artigo 3.º-A do Código de Processo Civil por parte do Tribunal;

g) O Supremo Tribunal de Justiça não procedeu a uma interpretação da norma em causa com dimensão normativa: não o fez expressamente, como parece inquestionável, nem o fez implicitamente;

h) Do acórdão recorrido não resulta, minimamente, que o Tribunal perfilhasse uma interpretação do artigo 3.º-A do Código de Processo Civil que pudesse conduzir a um tratamento diferenciado ou discriminatório das partes;

i) Do facto de o Exmo. Relator ter pedido aos serviços fotocópias de algumas partes do processo não resulta que tenha sequer violado o disposto no artigo 3.º-A do Código de Processo Civil quanto mais que tenha procedido a uma interpretação normativa desse preceito susceptível de conduzir a discriminação entre as partes;

j) Seguramente, não está em causa nem a norma nem sequer uma interpretação da mesma com dimensão normativa;

k) Não pode, por isso o recurso ser apreciado, por não estar em causa uma questão de constitucionalidade da norma (artigo 70.º n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional).

Quanto ao recorrido Banco Português de Investimento, S. A., formulou as seguintes conclusões:

"a) O presente recurso consiste numa censura dos recorrentes relativamente a um acto que respeita, tão só, aos métodos de trabalho do Sr. Conselheiro Relator, daí que traduza uma intromissão ilegítima nos mesmos;

b) O despacho em causa (de pedido de extracção de cópias de algumas peças) constitui apenas uma ordem 'seca'; um meio de comunicação com o funcionário judicial seu destinatário, não podendo assim 'ferir' o estatuto de igualdade substancial das partes;

c) O facto de ter sido dada por escrito, patenteia irrefragavelmente o espírito independente, imparcial de quem (sem nada a esconder) a deu;

d) As circunstâncias de tempo e lugar e de condições de trabalho que os magistrados escolhem em ordem à análise e ponderação dos processos, não são susceptíveis de ser questionadas pelas partes;

e) Como tal, é insindicável o acto do Sr. Conselheiro Relator ora posto em crise;

f) Falece, consequentemente, a tese dos recorrentes, no sentido de que o douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação das invocadas normas, os preceitos constitucionais e outros, nesta sede, abusivamente chamados à colação.

Termos em que [...] deve ser negado provimento ao recurso [...]".

Notificados para se pronunciarem sobre os obstáculos suscitados quanto ao conhecimento do objecto do recurso, os recorrentes vieram pronunciar-se no sentido da sua improcedência.

5 - Cumpre começar por definir o objecto do recurso, questão que, no caso, se prende com a análise da possibilidade do seu conhecimento por este Tribunal.

Com efeito, como se verifica das conclusões acima transcritas, o recorrido Banco Comercial Português, S. A., sustenta que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso, em primeiro lugar, por não versar sobre uma decisão judicial e, em segundo lugar, por não ter por objecto uma norma ou uma dimensão normativa susceptível de constituir o seu objecto.

O recorrido Banco Português de Investimento, embora sustente a insindicabilidade do acto que considera estar sob recurso, conclui no sentido de que ao mesmo "deve ser negado provimento", o que significa que não considera existir qualquer obstáculo ao conhecimento.

Ora a verdade é que não são procedentes as questões prévias suscitadas.

Desde logo, porque o recurso é interposto, não do despacho a fl. 1694, como parecem pressupor os recorridos nas suas alegações, mas do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fl. 1798, acórdão esse que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão a fl. 1697.

Para além disso, porque se deve entender que o recorrente definiu, como objecto do recurso de constitucionalidade, uma norma susceptível de o integrar, ou seja, a norma, resultante da interpretação conjugada dos artigos 3.º-A e 201.º (n.º 1) do Código de Processo Civil, segundo a qual não constitui uma "formalidade que a lei não admite", e, portanto, uma nulidade processual a exclusão das peças processuais apresentadas pelos recorrentes, com ressalva dos pareceres, na determinação, pelo relator, de extracção de fotocópias de peças dos autos na fase de preparação do julgamento do recurso de revista (resposta a fl. 1816). É, aliás, nesta dimensão que se pode considerar invocada a inconstitucionalidade "durante o processo", como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82.

Está, pois, em causa saber se esta norma assim definida viola o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

É o seguinte o texto dos preceitos agora em causa:

"Artigo 3.º-A

Igualdade das partes

O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de sanções ou cominações processuais.

Artigo 201.º

Regras gerais sobre a nulidade dos actos

1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.

..."

6 - O Tribunal Constitucional teve já, por diversas vezes, a oportunidade de afirmar que, da conjugação entre a garantia fundamental do acesso à justiça (n.º 1 do artigo 20.º) e o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º), decorrem determinadas exigências quanto à conformação, pelo legislador, das regras de processo civil; em particular, e para o que agora releva, salientou em vários acórdãos a necessidade de observância dos princípios do contraditório e da igualdade de armas (cfr., por exemplo, o Acórdão 62/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º, pp. 153 e segs., onde se observa que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de direito").

Esta necessidade saiu reforçada com a revisão constitucional de 1997, que aditou o n.º 4 ao artigo 20.º da Constituição, consagrando expressamente, no contexto daquela garantia de acesso à justiça, do direito a um "processo equitativo".

Debruçando-se sobre o novo texto constitucional, o Tribunal também já, por mais de uma vez, analisou o significado e as implicações daquele preceito. Assim, por exemplo, ao apreciar o artigo 15.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), cuja inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, veio a ser declarada pelo acórdão 157/2001 (Diário da República, 1.ª série-A, de 10 de Maio de 2001), no Acórdão 345/99 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Fevereiro de 2000), considerou o seguinte:

"O conceito de 'processo equitativo' tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6.º tem precisamente como epígrafe Direito a um processo equitativo' e cujo § 1.º dispõe, retirando as palavras do artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que 'qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente', frase que é repetida no artigo 14.º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Ora, a revisão constitucional pretendeu precisamente, fazendo uma 'transposição explícita do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem', tendo presente 'todo o trabalho do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem', 'dar dignidade constitucional' (expressões do deputado Alberto Martins na reunião de 5 de Setembro de 1996 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, edição provisória não oficial de José de Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, em CD-ROM, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Notícias, 1999), a conteúdos normativos que, através daquele direito internacional, já integravam a ordem jurídica portuguesa e inclusivamente, num certo entendimento, através da remissão no n.º 2 do artigo 16.º, a própria ordem constitucional (no mesmo sentido se pronunciou o deputado Luís Sá, ibidem: 'toda a densificação é bem vinda e nesse sentido creio que a consagração do princípio do processo equitativo pode ser uma contribuição para que no plano da legislação ordinária venha a ser reforçado o princípio da igualdade das armas, dos direitos de defesa, da justiça no processo em termos gerais': também o deputado Luís Marques Guedes admitiu um 'ganho acrescido'). "

A norma em causa previa que "o representante do Ministério Público a quem, no processo, esteja confiada a defesa da legalidade" assistia e participava na discussão nas sessões de julgamento no Tribunal Central Administrativo e no Supremo Tribunal Administrativo e o julgamento de inconstitucionalidade assentou, então, na impossibilidade de as partes "tomar[em] conhecimento e discutir[em] qualquer elemento da intervenção do Ministério Público no processo que possa influenciar a decisão".

No Acórdão 412/2000 (Diário da República, 2.ª série, de 21 de Novembro de 2000), reiterando embora a conclusão de que o referido artigo 15.º contrariava "o direito a um processo equitativo, consignado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República", o Tribunal veio a entender que decisivo era "o modo e o momento em que se processa a intervenção do Ministério Público, cujo conteúdo as partes ficam a desconhecer e não podem minimamente controlar".

No Acórdão 185/2001 considerou-se que, não se verificando, relativamente à norma então em apreciação a "que se extrai da conjugação da alínea c) do artigo 27.º com o artigo 53.º [da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos], segundo a qual, se vem "permitir ao Ministério Público a quem, legalmente, compete a defesa judicial dos interesses do Estado formular (novo) parecer no sentido da rejeição do recurso contencioso interposto pelo recorrente contra um acto praticado por um órgão do mesmo Estado, sem que ao recorrente particular seja dada a possibilidade de se pronunciar sobre o dito parecer" não se poderia entender violado o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, por não se verificar "a impossibilidade de controlo pelas partes" que, nos acórdãos atrás citados, "foi considerada decisiva".

E no Acórdão 330/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 12 de Outubro de 2001) escreveu-se que "4.1 - Como este Tribunal tem repetidamente sublinhado [cf., por último, o Acórdão 259/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2000)], o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o Acórdão 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11.º, pp. 741 e segs.)].

Tal como se sublinhou no Acórdão 358/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão 249/97 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".

[...]

As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição), o que tal como se sublinhou no Acórdão 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35.º, pp. 529 e segs.) exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.

[...]

A confiança dos cidadãos na jurisdição não se basta com que os juízes sejam realmente independentes e imparciais. Necessário é também que eles dêem de si à comunidade em nome de quem administram a justiça essa imagem de independência e de imparcialidade é dizer, de neutralidade.

[...]

É que, no Estado de direito, as aparências também contam para que o processo surja aos olhos do público como um processo equitativo e leal [Sobre o valor das aparências, designadamente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cf. o Acórdão 345/99]".

7 - Antes de prosseguir, cumpre, porém, relembrar que não cabe ao Tribunal Constitucional emitir nenhum juízo sobre a selecção dos elementos do processo cuja cópia foi solicitada pelo relator do Acórdão de 8 de Fevereiro de 2001 pelo despacho a fl. 1694, cujo texto foi o seguinte:

"Solicito que, sem encargos para as partes, se extraiam e se me entreguem fotocópias de:

1.º volume - petição inicial fls. 2/21; documentos a fls. 22/33;

3.º volume - parecer a fls. 769/857; parecer a fls. 858/885;

4.º volume - parecer a fls. 1135/1168; parecer a fls. 1170/1202;

6.º volume - parecer a fls. 1517/1634."

Note-se que deste mesmo despacho consta igualmente a determinação da inscrição do processo em tabela, para julgamento.

Também não lhe cumpre decidir se poderia ou não constituir nulidade um eventual desrespeito do dever que do artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, preceito acrescentado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro), resulta para o tribunal de assegurar, ao longo do processo, "um estatuto de igualdade substancial das partes" (assim, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa, 1997, pp. 37 e 42 e segs.).

Está, apenas, em causa avaliar se a norma que constitui o objecto do presente recurso põe em causa a igualdade das partes perante o julgador, quebrando a imparcialidade que a lei de processo deve garantir, nomeadamente na definição dos poderes do tribunal.

8 - Torna-se então necessário analisar os pontos do regime legalmente definido para a preparação e o julgamento do recurso de revista que sejam relevantes para a apreciação da questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes.

Ora, verifica-se, desde logo, que no recurso de revista o processo é expedido para o Supremo Tribunal de Justiça com todas as peças que o integram, como resulta do disposto nos artigos 724.º, n.º 1, e 699.º do Código de Processo Civil; isto significa que, quer o relator, quer os demais juízes que intervêm no julgamento dispõem de todas essas peças para preparar e decidir o recurso.

Para além disso, acontece que, como se sabe, o Supremo Tribunal de Justiça, ao julgar a revista, funciona como tribunal colectivo; ao relator apenas incumbe a apresentação do projecto de acórdão, não tendo qualquer peso especial na sua votação e aprovação.

Decorre, assim, deste regime que não se pode estabelecer qualquer ligação objectiva entre a selecção, pelo relator e para si próprio, de certas peças do processo, para o efeito de mandar extrair fotocópia, e a não consideração das demais para a elaboração do projecto de acórdão quanto mais para a determinação do sentido da decisão a tomar.

Ora, estando em apreciação uma norma que interpretou de uma certa forma o critério estabelecido pelo artigo 201.º do Código de Processo Civil para a identificação de uma nulidade processual, só seria possível concluir pela violação do princípio consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição se essa ligação objectiva se verificasse, o que não sucede.

9 - A terminar, diga-se que não ocorrem aqui as razões que nos casos anteriormente citados levaram o Tribunal Constitucional a proferir juízos de inconstitucionalidade por violação deste n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Em primeiro lugar, da norma em apreciação não decorre a diminuição de quaisquer possibilidades que as partes (ou os réus em especial) têm de controlar o desenrolar do processo ou de influenciar o sentido da decisão, já que não envolve, nem o acrescento, nem a diminuição dos elementos de que os juízes dispõem para julgar o recurso.

Em segundo lugar, e justamente por isso mesmo, também não se pode afirmar que se cria uma aparência de parcialidade do julgador aliás, difícil de sustentar quando, note-se, se trata de determinar a extracção de fotocópias de todos os pareceres apresentados.

Utilizando os termos de que se serviu o Acórdão 412/2000, atrás citado, não é possível dizer, aqui, que "o modo e o momento" do exercício, pelo juiz, do poder de determinar a extracção de fotocópias de peças processuais infrinja o "direito a um processo equitativo", consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita ao juízo sobre a questão de constitucionalidade.

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, por cada uma.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2003. - Maria dos Prazeres Beleza - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Gil Galvão - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2122877.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1991-04-19 - Acórdão 62/91 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DO ARTIGO 9 DO DECRETO REGIONAL NUMERO 16/79/M, DE 14 DE SETEMBRO, COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL NUMERO 1/83/M, DE 5 DE MARCO (REGULAMENTO DO REGIME DE EXTINÇÃO DE COLONIA).

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-10 - Acórdão 157/2001 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA), na redacção do Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro. (Proc. nº 67/01)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda