Acórdão 246/2002/T. Const. - Processo 762/2001. - 1 - Tendo, por Acórdão proferido em 18 de Outubro de 2000 pelo Tribunal Colectivo do Círculo de Paredes, sido condenados Rodrigo Manuel da Silva Moura e Margarida Maria Silva Moura nas penas de 15 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa, sujeita à condição de pagarem ao Centro Regional de Segurança Social do Norte a importância de 2 965 640$ e juros, por isso que foram considerados autores de factos que foram subsumidos à autoria de um crime continuado de abuso de confiança à segurança social, previsto e punido nas combinadas disposições dos artigos 270.º-B e 241.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro (o primeiro na redacção dada pelo Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, e o segundo na redacção conferida pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro), recorreram os mesmos para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na motivação que apresentaram, os arguidos apresentaram as seguintes "conclusões" [Sic.]:
"I - As prestações para a segurança social a cargo dos trabalhadores não constituem matéria fiscal, mas taxas ou prémios de seguro social de direito público (neste sentido, v. Nuno Sá Gomes, in Lições de Direito Fiscal, vol. I, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (133), Centro de Estudos Sociais, 1984, citado em anotação ao citado Acórdão do STA de 24 de Janeiro 1996, publicado in Acórdãos Doutrinas do Supremo Tribunal Administrativo, ano XXXV, n.º 412, p. 474).
II - Não aproveita por isso o artigo 58.º da Lei 39-B/94 o estabelecido no artigo 165.º, n.º 5, da CRP, de acordo com o qual as autorizações legislativas conferidas ao Governo sobre matéria fiscal só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
III - Está assim o artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, ferido do vício de inconstitucionalidade, por violação do disposto na alínea c) do artigo 165.º da CRP, por violação pelo artigo 58.º da Lei 39-B/94, que lhe serve de autorização legislativa, do disposto no artigo 165.º, n.º 2, da CRP, dado que não vem indicado nesta lei a duração da autorização.
[...]
V - Violou assim a douta sentença recorrida o disposto na alínea c) do artigo 165.º da CRP, bem como o disposto no artigo 27.º-B do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, criado pelo Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, por erro de interpretação."
Tendo-se concluído pela competência do Tribunal da Relação do Porto para o conhecimento do recurso, veio este, por Acórdão de 3 de Outubro de 2001, negar provimento ao recurso quanto às condenações sofridas pelos arguidos.
Pode ler-se nesse aresto para o que ora releva:
"[...]
Diz o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, [que aprovou o RJIFNA - Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras], com a redacção dada pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro, que 'Quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até 3 anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.'
Para esse artigo remete o artigo 27.º-B daquele mesmo diploma ("Abuso de confiança em relação à segurança social"), aditado pelo Decreto-Lei 1-10/95, de 14 de Junho, tendo este diploma sido criado ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 58.º da Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1995).
Sustentam os recorrentes que esta lei não vale para o efeito, por violação do disposto no artigo 165.º da Constituição da República, já que não foi fixado o prazo da autorização legislativa (n.º 2) e, por não se tratar de matéria fiscal, não se aplica o n.º 5, segundo o qual as autorizações sobre tal matéria só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
Este n.º 5 é inaplicável, defendem, porque, ao contrário do que pode entender-se em relação às prestações a cargo da entidade patronal, as dos trabalhadores não são impostos [e, consequentemente, não constituem matéria fiscal], mas sim 'taxas ou prémios de seguro social de direito público'.
Afigura-se, porém, que sem razão.
Pois que pode entender-se 'ser possível atribuir a mesma qualificação jurídica' a ambas as contribuições e considerar-se também ambas 'verdadeiros impostos' (v. Acórdão do Tribunal de Contas de 27 de Novembro de 1996, in Diário da República, 1.ª série, de 24 de Janeiro de 1997, p. 422).
E, independentemente de tal qualificação, a matéria em causa tem de haver-se como 'fiscal' para aqueles efeitos do artigo 165.º, n.º 5, da CRP, já que, como observa o Ministério Público com referência ao mesmo acórdão, as contribuições dos trabalhadores são, exactamente como as patronais, também elas 'prestações pecuniárias [...]
com carácter definitivo e unilateral [...] estabelecidas pela lei' e destinam-se 'à realização de um fim inquestionavelmente público - o financiamento da segurança social (artigo 63.º da Constituição).
Não se verifica, pois, a invocada inconstitucionalidade.
[...]"
É deste aresto que, pelos arguidos, vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da "inconstitucionalidade do artigo 2.º do Decreto-Lei 140 95, de 14 de Junho, por violação do artigo 165.º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa e ainda em inconstitucionalidade da interpretação dada na decisão recorrida ao artigo 27.º-B do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, nos termos da qual se entendeu, que basta, para haver apropriação do valor em dívida à segurança social, a entrega do salário líquido de contribuições e impostos aos trabalhadores e não dando às quantias descontadas o destino legal, por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 2, e 5.º da CRP".
2 - Por despacho do relator - e dado que a questão da inconstitucionalidade referente à interpretação que alegadamente teria sido dada pela decisão impugnada ao artigo 27.º-B do RJIFA, aprovado pelo Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro (na redacção conferida pelo Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho), não foi, qua tale, suscitada antecedentemente à prolação do acórdão intentado recorrer - foi o objecto do vertente recurso delimitado tão-somente à questão de desconformidade com a lei fundamental, por banda do artigo 20.º do Decreto-Lei 140/95.
De acordo com esta delimitação, foi determinada a feitura de alegações.
Remataram os recorrentes a por si produzida com as "conclusões" seguintes:
"I - As prestações para a segurança social a cargo dos trabalhadores não constituem matéria fiscal, mas taxas ou prémios de seguro social de direito público (neste sentido, v. Nuno Sá Gomes, in Lições de Direito Fiscal, vol. I, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (133), Centro de Estudos Sociais, 1984, citado em anotação ao citado Acórdão do STA de 24 de Janeiro de 1996, publicado in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XXXV, n.º 412, p. 474.
II - Não aproveita por isso ao artigo 58.º da Lei 39-B/94 o estabelecido no artigo 165.º, n.º 5, da CRP, de acordo com o qual as autorizações legislativas conferidas ao Governo sobre matéria fiscal só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
III - Está assim o artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, ferido do vício de inconstitucionalidade, por violação do disposto na alínea c) do artigo 165.º da CRP, por violação, pelo artigo 58.º da Lei 39/B/94, que lhe serve de autorização legislativa, do disposto no artigo 165.º, n.º 2, da CRP, dado que não vem indicado nesta lei a duração de autorização.
IV - Para além disso, o artigo 58.º, alínea b), da Lei 39-B/94 dava autorização no que ao caso diz respeito sobre as condutas ilegítimas que visem a apropriação total ou parcial das contribuições de segurança social por quem estava legalmente obrigado a proceder à sua dedução e entrega na segurança social.
V - O artigo 27.º-B do RJIFNA, aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, ultrapassa o âmbito da referida autorização legislativa, pois, tal como foi entendido, basta para preenchimento do tipo legal a prova da dedução contabilística das contribuições para a segurança social, não visando por isso a apropriação total ou parcial de contribuições para a segurança social por parte de quem estava legalmente obrigado a proceder à sua dedução.
VI - Dessa forma, mesmo que se entenda que a referida matéria é matéria fiscal e, consequentemente, que a autorização legislativa estava em vigor aquando da aprovação do referido Decreto-Lei 140/95, ainda assim a norma aplicada padece de vício de inconstitucionalidade orgânica, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, por criar um tipo de crime diferente do constante da autorização legislativa."
Por seu lado, o Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu a sua alegação dizendo:
"1 - As autorizações legislativas devem sempre ser temporalmente limitadas, podendo, porém, o prazo para a respectiva utilização pelo Governo ser fixado de forma implícita, desde que tal não origine um termo incerto.
2 - As autorizações legislativas concedidas ao Governo, em matéria penal, na Lei do Orçamento, sem fixação expressa de um específico prazo, devem considerar-se implicitamente outorgadas para o ano económico a que tal lei respeita.
3 - O que implica a possibilidade de serem validamente exercitadas, mediante aprovação em Conselho de Ministros do decreto-lei autorizado, até ao termo económico a que respeita a Lei do Orçamento, salvo se ocorrer antes vicissitude política que deva determinar a caducidade das autorizações legislativas não incidentes sobre matéria fiscal.
4 - Tendo o Decreto-Lei 140/95, de 14 de Junho, sido aprovado em momento muito anterior ao termo do prazo implicitamente contido no artigo 58.º da Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 1995), não se mostram excedidos os limites temporais de tal autorização, pelo que deverá improceder o presente recurso."
Cumpre decidir.
3 - O preceito sub iudicio (artigo 2.º), incluído no Decreto-Lei 140/95, editado no "uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 58.º da Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro", reza do seguinte modo:
"Artigo 2.º
É aditado na parte II do RJIFNA um capítulo II, com a epígrafe "Dos crimes contra a segurança social" que integra os seguintes artigos:
[...]
Artigo 27.º-B
Abuso de confiança em relação à segurança social
As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, no período de 90 dias, do mesmo se apropriando, serão punidas com as penas previstas no artigo 24.º
[...]"
Por outro lado, a Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1995), dispôs no seu artigo 58.º:
"1 - Fica o Governo autorizado a rever o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro, de forma a nele incluir novos tipos de ilícitos penais relativos às infracções às normas reguladoras dos regimes de segurança social.
2 - Pela autorização legislativa referida no número anterior, pode o Governo alargar a tipificação dos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, frustração de créditos e de violação de segredo fiscal, previstos nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 27.º do RJIFNA, com o sentido e extensão de incluir nas condutas ilegítimas neles tipificadas as que visem:
a) ...
b) A apropriação, total ou parcial, das contribuições à segurança social por quem estava legalmente obrigado a proceder à sua dedução e entrega à segurança social;
[...]"
Com o decreto-lei em questão, editado, como se viu, no uso da autorização legislativa concedida pelo parcialmente transcrito artigo 58.º da Lei 38-B/94, visou-se, como se alcança do seu exórdio, obstar à incapacidade do quadro sancionatório até então em vigor para "prevenir a violação dos preceitos relativos ao cumprimento das obrigações dos contribuintes perante o sistema de segurança social", designadamente atendendo à gravidade das "condutas ilícitas que não proporcionam ao sistema o conhecimento de situações determinantes das respectivas contribuições e, muito especialmente, aquelas em que a entidade empregadora se apropria dos valores deduzidos das remunerações dos trabalhadores para efeitos da respectiva protecção". E, sequentemente, pretendeu-se alargar "o campo de aplicação do RJIFNA às infracções praticadas no âmbito dos regimes de segurança social pelos respectivos contribuintes, definindo e penalizando os crimes contra a segurança social".
Os recorrentes colocam no vertente recurso duas questões. A primeira consubstancia-se em que a autorização legislativa contida na Lei 39-B/94 viola o n.º 2 do artigo 165.º da lei fundamental, já que, não incidindo ela sobre matéria orçamental, haveria o Parlamento de indicar qual a duração da autorização legislativa. A segunda reside em, ainda que se viesse a entender que, efectivamente, não houve desrespeito daquela disposição constitucional, o ilícito pelo qual eles, impugnantes, foram condenados - o previsto no artigo 27.º-B do RJIFNA (introduzido pelo Decreto-Lei 140/95) - se mostrava tipificado, desbordando a autorização legislativa, pois que nesta se fazia referência a uma definição do ilícito que, inter alia, consistia na indicação de um elemento - a apropriação, pelas entidades empregadoras, dos valores respeitantes às deduções das remunerações pagas aos trabalhadores, deduções essas que se destinavam a ser entregues às instituições de segurança social - que não veio a ser consagrado no diploma autorizado, sendo certo que, afinal, os recorrentes foram condenados atendendo tão-somente à não entrega das deduções e sem que se apurasse que os mesmos se apropriaram delas.
4 - Quanto a esta segunda questão, é por demais evidente a sem razão dos recorrentes.
Na verdade, como facilmente resulta da transcrição dos preceitos ínsitos nos artigos 27.º-B do Decreto-Lei 140/95 e 58.º, n.os 1 e 2, alínea b), da Lei 39-13/94, este último apresenta uma descrição dos elementos do tipo que se visou consagrar por intermédio da credencial nele integrada em tudo coincidente com aqueloutra que veio a ser prescrita no artigo 27.º-B, nomeadamente no que diz respeito ao elemento apropriação.
Se o acórdão impugnado veio ditar que os recorrentes se encontravam incursos na previsão deste último artigo, sem que tivesse dado por assente a existência da "apropriação" das quantias que foram deduzidas das remunerações dos trabalhadores e que deveriam, em 90 dias, ser entregues às instituições de segurança social, então, das duas uma: ou houve erro de julgamento (o que não é sindicável por este Tribunal) ou uma tal decisão fundou-se numa interpretação dada à norma do dito artigo 27.º-B e de harmonia com a qual a "apropriação" era um elemento que não fazia parte do tipo, bastando para o respectivo preenchimento a dedução e não entrega atempada.
Simplesmente, nesta última hipótese, tendo em conta a delimitação do objecto do recurso (esteada na circunstância de, precedentemente ao acórdão ora recorrido, não terem os recorrentes impugnado aquela norma), não pode tomar o Tribunal Constitucional conhecimento da eventual interpretação que teria sido levada a efeito pelo tribunal a quo.
O que, nestes momento e particular, incumbe a este órgão de administração de justiça efectuar é saber se o preceito do artigo 27.º-B do Decreto-Lei 140/95 consagra uma definição do tipo perfeitamente obediente àquela que foi delineada na lei parlamentar credenciadora. E, como se disse já, nada se divisa em contrário, pelo que se haverá de concluir no sentido de que aquele artigo veio a consagrar um tipo de ilícito de harmonia com o que foi desenhado na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º da Lei 39-B/94, não padecendo aquele, em consequência e na parametrização de que agora nos ocupamos, de inconstitucionalidade orgânica.
5 - Fica, destarte, por analisar a questão que acima foi enunciada e que, justamente, reside em saber se o não estabelecimento explícito de um prazo durante o qual a autorização conferida pelo artigo 58.º da Lei 39-B/94 (lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1995) acarreta infracção do n.º 2 do artigo 165.º do diploma básico, assim padecendo essa lei, neste particular, de um vício que se repercute no decreto-lei emitido perante a autorização legislativa concedida.
Invocam os recorrentes que a matéria em causa (a do estabelecimento de um quadro sancionatório para a violação do regime atinente ao cumprimento das obrigações dos contribuintes perante o sistema de segurança social) não pode ser perspectivada como matéria fiscal e, sequentemente, não poderá atender-se, como prazo de duração da autorização, àquele a que se reporta o n.º 5 do falado artigo 165.º
Será assim?
É o que se irá ver.
5.1 - A dilucidação deste problema implica a análise de várias questões. Assim, a primeira delas consistiria, numa primeira visão, na questão de saber se a matéria concernente às contribuições dos trabalhadores para a segurança social (que são deduzidas das respectivas remunerações pelas entidades empregadoras e que estas têm o dever de entregar às instituições de segurança social) deve ser entendida como não se prendendo, de todo, com uma matéria que, do ponto de vista da sua caracterização, deve ter, do ponto de vista constitucional, um tratamento idêntico ao que é conferido - e, por isso, ter uma sujeição semelhante à dada - pela lei fundamental aos impostos.
Esta matéria - qualificação das prestações a cargo dos trabalhadores e das prestações a cargo da entidade patronal - tem sido objecto de amplo debate doutrinal e jurisprudencial, havendo uma divisão entre quem defende ser possível atribuir a mesma qualificação jurídica às contribuições devidas pelos trabalhadores e às que recaem sobre as entidades patronais e os que pensam que umas e outras são de diversa natureza (cf., quanto à questão, José Manuel Sérvulo Correia, "Teoria da relação jurídica do seguro social", in Estudos Sociais e Corporativos, ano VI, 1968, pp. 300 e segs., Pessoa Jorge, "Privilégio creditório a favor das instituições de previdência social", in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 169, 170 e 90, Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. I, 1974, pp. 66 e segs., Nuno de Sá Gomes, Curso de Direito Fiscal, Lisboa, 1980, p. 254, Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, Lisboa, 1981, p. 180, Braz Teixeira, "Natureza jurídica das contribuições para a previdência, in Estudos, vol. I, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1983, pp. 47 e segs., e recensão aí feita).
Refira-se, entretanto e a este propósito, que este Tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre a natureza destas prestações que têm como sujeito passivo a entidade patronal (cf. Acórdãos n.os 438/92, in Diário da República, 2.ª série, 23 de Maio de 1996, e 1203/96, mesmo jornal oficial e série, de 24 de Janeiro de 1997), tendo sustentado que as referidas "contribuições para a segurança social que têm como sujeito passivo a entidade patronal [...], quer sejam havidas como verdadeiros impostos quer consideradas como uma figura contributiva de outra natureza, é seguro que sempre deverão estar sujeitas aos mesmos requisitos a que aqueles se acham constitucionalmente obrigados" - cf., ainda, o Acórdão 277/86, in Diário da República, 2.ª série, de 17 de Dezembro de 1986, onde se disse que a certas contribuições especiais se devia aplicar o regime constitucionalmente fixado para os impostos.
5.2 - Seja como for, e ainda que se considerasse que, in casu, tendo em atenção que a matéria versada no artigo 58.º da Lei 39-B/94, mesmo reportando-se, como diz o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, a um bem jurídico - que se intenta tutelar através da editanda norma incriminadora - "ainda constituído pelo interesse patrimonial ou 'tributário' das instituições de segurança social", pelo que isso não apagaria "a natureza essencialmente penal (e não meramente económico-financeira) da regulação de interesses operada pelo legislador" (razão pela qual se haveria de concluir que aqui nos postávamos perante uma matéria não fiscal), o certo é que não pode deixar de se considerar que um prazo de autorização legislativa não tem, constitucionalmente, de ser abertamente explícito.
Como é sabido, o "conteúdo essencial da lei de autorização" (cite-se, a propósito, Vezio Crisafuili, Lezioni di Diritto Constituzionale, 4.ª ed., Pádova, 1978-1979) há-de integrar sempre os elementos "objecto", "sentido", "extensão" e "duração da autorização". Simplesmente, a nossa Constituição não detalha a forma por que esses elementos devem constar na lei de autorização legislativa.
Escreveu-se no Acórdão deste Tribunal n.º 358/92 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 230, pp. 109 e segs.) que, "em boa verdade, se a alteração introduzida pela revisão constitucional de 1989 no artigo 168.º (n.º 5) da Constituição, a que já nos referimos detalhadamente [...], legitima plenamente, do ponto de vista constitucional, as autorizações legislativas em matéria fiscal e até as 'autorizações extravagantes' (em matéria não fiscal), esse mesmo preceito constitucional torna claro e incontornável que, mesmo no caso das autorizações em matéria fiscal - e exceptuado apenas o regime quanto ao prazo de caducidade (grifou-se agora) -, as autorizações que integrem a Lei do Orçamento estão sujeitas às regras e aos limites do artigo 168.º da nossa lei fundamental".
Em relação ao elemento da lei de autorização que no momento consideramos - o elemento de duração -, é cabido citar António Vitorino (in As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, vol. II, p. 252), que discreteia no sentido de que "a estatuição de uma limitação temporal para o uso dos poderes delegados, integrando um elemento essencial da própria autorização legislativa [...] tem como objectivo fundamental impossibilitar a outorga de poderes do parlamento no Governo por tempo indeterminado", prosseguindo dizendo (p. 253): "quanto ao texto da Constituição Portuguesa, sempre poderemos dizer que aparentemente a exigência da fixação da duração também se poderia bastar com a sua determinação por referência a um facto certo embora de produção indeterminada, mas que esta conclusão não resiste a uma segunda leitura mais atenta, quer dos requisitos constitucionais quer da própria praxis constitucional. Com efeito, a nossa Constituição é particularmente especiosa na delimitação dos condicionalismos impostos ao uso dos poderes delegados, nomeadamente no que respeita à determinação de factos que implicam a caducidade da autorização e no que concerne à forma de utilização desses poderes delegados. Uns e outros desses requisitos apontando para a necessidade da fixação de um período certo e determinado da duração da autorização".
Se isto é assim, ou seja, se, constitucionalmente, a autorização tem de ter por reporte um período de tempo certo e limitado de duração, já não há referência no texto constitucional a que essas certeza e limitação tenham de ser explicitamente fixadas, podendo, deste modo, a duração da autorização ser implicitamente encontrada.
Pode, na realidade, haver implicitamente a fixação de um prazo, conquanto o mesmo deva ser facilmente determinável e, por consequência, não conduzir a uma incerteza do mesmo, sendo de anotar que a lei básica não determina qual seja a sua máxima duração - podendo, inclusivamente, ir até à duração de uma legislatura se não houver vicissitudes políticas que determinem a caducidade in da autorização (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 679).
Isso significa que, constando a autorização legislativa de uma lei aprovadora do Orçamento, ponderada a circunstância de que a validade daquela lei se reporta ao ano económico a que respeita, então haverá de concluir-se que a duração daquela autorização está, claramente, embora de modo implícito, circunscrita a tal ano económico, desta sorte não se configurando o prazo de autorização como algo de incerto, ao que se adita, por um lado, que, na situação temporal em que foram editados quer a Lei 39-B/94 quer o Decreto-Lei 140/95 não ocorreu qualquer vicissitude política de onde decorresse a demissão do Governo ou a dissolução da Assembleia da República e, por outro, que não deixa a matéria em causa de ter conexão com a garantia de execução da política económico-financeira que tem expressão no Orçamento.
Não se lobriga, em face do exposto, a violação do n.º 2 do artigo 165.º da Constituição pela inexistência de indicação explícita de um prazo dentro do qual a normação autorizada pelo artigo 58.º daquela Lei 39-B/94 haveria de ser editada.
5.3 - Claro que, aqui chegados, somos levados a enfrentar uma outra questão, justamente a que se prende com a admissão dos cavaliers budgétaires (ou seja, inclusão na Lei do Orçamento de normas que não têm uma directa relação com a matéria financeira e orçamental).
É sabido que esta questão tem tido resposta divergente na doutrina (cf., verbi gratia, António Lobo Xavier, "Enquadramento orçamental em Portugal: Alguns problemas", in Revista de Direito e Economia, ano IX, pp. 24 e segs., Teixeira Ribeiro, Os Poderes Orçamentais da Assembleia da República, separata do vol. XXX do Boletim de Ciências Económicas, 1987, Cardoso da Costa, Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento, separata dos Estudos em Homenagem ao Professor Teixeira Ribeiro, 1982, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 470 - com posição duvidosa -, e Blanco de Morais, "Algumas reflexões sobre o valor jurídico de normas parasitárias presentes em leis reforçadas pelo procedimento, nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa, in Evolução Constitucional e Perspectivas Futuras, 2001).
No tocante a este ponto, o Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos n.os 461/87, 303/90 e 358/92 (os dois primeiros publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., pp. 181 e segs., 17.º vol., pp. 65, e segs., e o último já anteriormente citado), aceitou a não inconstitucionalidade de normas autorizadas na Lei do Orçamento do Estado e cujo objecto era alheio à matéria orçamental.
Não afasta agora o Tribunal a posição de não rejeição de princípio dos denominados cavaliers budgétaires.
Mas, ainda que se entenda que tenha de haver uma certa conexão entre as normas dos cavaliers e a matéria constante da Lei do Orçamento (cf. voto de vencido aposto pelo conselheiro Martins da Fonseca ao citado Acórdão 461/87), terá, no caso sub specie, de entender-se que essa conexão aqui se verifica.
Sobre esta temática, Marcelo Rebelo de Sousa escreve ("Dez questões sobre a Constituição, o Orçamento e o Plano", in Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa, 1986, pp. 121 e 122) que "na regulamentação constitucional do Orçamento e na sua aplicação no plano da legislação ordinária encontramos em plenitude a dimensão de uma Constituição dirigente, pela integração constitucional da função política do Estado e pela projecção do chamado programa constitucional do Governo. [...] O Orçamento corresponde a um miniprograma financeiro parlamentar de governo anual [...], é um dos instrumentos mais importantes da política económica geral [...] nele é patente a confluência entre a função legislativa e a dimensão do político [...] e é esse acentuado coeficiente político que é invocado pela doutrina para justificar o regime excepcional do Orçamento, relativamente a realidades de natureza que ultrapassam a mera matéria orçamental, como por exemplo as autorizações legislativas nele contidas".
Ora, há-de convir-se que, devendo o orçamento da segurança social conter-se no Orçamento do Estado (cf. n.º 1 do artigo 105.º da Constituição), a matéria concernente à definição de um regime tutelador dos interesses patrimoniais ou tributários das instituições de segurança social ainda há-de ser perspectivada como relacionada com aqueloutra de carácter orçamental. Por isso se poderá afirmar que, na situação analisada, ainda há, ao menos indirectamente, uma conexão justificativa do rider em análise, pelo que, mesmo para quem sustente posição semelhante à do aludido voto de vencido, não terá dificuldades em aceitar a validade do cavalier que se descortina na norma do artigo 58.º da Lei 39-B/94.
6 - Em face do que se deixa dito, e por se não vislumbrar que o artigo 2.º do Decreto-Lei 140/95 padeça de inconstitucionalidade material, nega-se provimento ao recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 4 de Junho de 2002. - Bravo Serra (relator) - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.