de 8 de Novembro
Desde a publicação da Lei 76/77, de 29 de Setembro (artigo 47.º, n.º 1), tem vindo a ser anunciada ou prometida uma legislação especial sobre arrendamentos para fins florestais. O presente decreto-lei vem finalmente cumprir o que, pelo menos a nível legislativo, vem sendo prometido há mais de dez anos.Partindo da experiência da aplicação dos mecanismos do arrendamento rural e verificando o peso relativo dos interesses em presença no acto do arrendamento florestal, privilegiou-se claramente o estabelecimento de acordos contratuais livres entre senhorio e arrendatário.
Define-se assim um quadro jurídico por via do qual ficam clarificadas as regras de acesso a terra arrendada para todos os que queiram criar riqueza silvícola no seu conceito mais vasto.
Deixam-se por outro lado para outro tipo de legislação as intervenções genéricas de carácter técnico ou de correcção estrutural de que a floresta portuguesa carece, seja ela conduzida em terras próprias ou arrendadas.
À Direcção-Geral das Florestas remete-se fundamentalmente o papel de divulgador desta legislação, cabendo-lhe igualmente o tratamento da informação que resulte da comunicação obrigatória dos contratos, para, desta forma, prosseguir a via de aproximação livremente assumida e mutuamente vantajosa entre os produtores florestais e os técnicos especializados ao serviço da Administração Pública.
Assim:
Tendo sido ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei 99/88, de 23 de Agosto, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
As relações jurídicas emergentes do contrato de arrendamento florestal ficam sujeitas ao disposto no presente diploma e legislação complementar.
Artigo 2.º
Noção
1 - A locação de prédios rústicos para fins de exploração silvícola denomina-se arrendamento florestal.2 - Entende-se por exploração silvícola qualquer das formas seguintes de utilização da terra:
a) Instalação, condução e exploração de povoamentos florestais em terrenos nus ou cobertos de vegetação espontânea;
b) Condução e exploração de povoamentos florestais já existentes;
c) Exploração silvopastoril, cinegética, apícola ou outra utilização produtiva análoga;
d) Constituição ou ampliação de zonas de conservação.
3 - O arrendamento florestal pode incluir, embora sem predominância na respectiva unidade de gestão, a criação de áreas de recreio, para desporto e turismo.
Artigo 3.º
Objecto do contrato
1 - O arrendamento florestal, além do terreno com o arvoredo e demais vegetação permanente, compreende todas as construções existentes que sejam indispensáveis ao desempenho da sua função económica normal.2 - Podem ser excluídos expressamente do objecto do arrendamento os frutos pendentes ou cortes de arvoredo já existente à data do início da vigência do contrato.
3 - Salvo cláusula contratual expressa em contrário, presumem-se compreendidas no arrendamento as construções existentes no terreno que sejam complementares ou acessórias da exploração florestal.
Artigo 4.º
Forma
O contrato de arrendamento florestal e suas alterações devem constar de documento assinado pelas partes.
Artigo 5.º
Suprimento da falta de forma
1 - A falta de forma pode ser suprida por decisão judicial que reconstitua as cláusulas do contrato.2 - Este suprimento pode ser obtido por via de acção ou de reconvenção.
3 - No caso de não ter sido acordada uma cláusula de actualização, o tribunal fixá-la-á de acordo com a equidade.
Artigo 6.º
Comunicação e isenções
1 - No prazo de 30 dias a contar da celebração do contrato, o senhorio enviará cópia deste aos serviços regionais da Direcção-Geral das Florestas.2 - A infracção do disposto no número anterior constitui contra-ordenação punível com coima de 5000$00 a 50000$00, a aplicar pelo chefe da circunscrição florestal respectiva.
3 - O contrato não está sujeito a inscrição no registo predial e está isento do selo e de qualquer outro imposto, taxa ou emolumento.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, às alterações ao contrato.
Artigo 7.º
Duração do arrendamento
1 - O arrendamento florestal não pode celebrar-se por mais de setenta anos, considerando-se reduzido a este limite o prazo superior que haja sido fixado.2 - O prazo não poderá ser inferior a dez anos, excepto se se tratar de arrendamento para instalação de viveiros.
Artigo 8.º
Cláusulas nulas
São nulas as cláusulas contratuais em que:a) O arrendatário se obrigue a vender os produtos ou serviços emergentes do contrato, no todo ou em parte, a entidades certas e determinadas;
b) O arrendatário se obrigue ao pagamento de prémios de seguros contra incêndios de edifícios ou instalações fixas não compreendidas no contrato, bem como de impostos, contribuições ou taxas incidentes sobre os imóveis objecto do contrato e que sejam devidos pelo senhorio;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a resolução do contrato e as indemnizações que foram devidas nos casos de violação de obrigações legais ou contratuais.
Artigo 9.º
Alteração da composição, regime e estrutura dos povoamentos
1 - Na ausência de acordo dos contraentes, a autorização do director-geral das Florestas permite ao arrendatário alterar a composição, regime e estrutura dos povoamentos, com vista a aumentar a rendibilidade económica da exploração ou a racionalizar o aproveitamento dos recursos, desde que a recusa de consentimento do senhorio seja manifestamente injustificada.
2 - Tratando-se de arrendamento cujo fim seja a exploração de povoamentos florestais já existentes, a falta de consentimento do senhorio só judicialmente pode ser suprida.
3 - No processo de suprimento previsto no número anterior, o tribunal solicitará obrigatoriamente parecer ao director-geral das Florestas.
4 - Da autorização do director-geral das Florestas e da sentença proferida no processo de suprimento deve constar a alteração da renda que a equidade impuser.
5 - Do acto do director-geral das Florestas cabe recurso contencioso.
Artigo 10.º
Fixação e pagamento da renda
1 - A renda é anual, estipulada e paga em dinheiro, podendo, no entanto, outra modalidade ser convencionada entre os contraentes.2 - A antecipação da renda poderá ser acordada entre as partes contraentes.
Artigo 11.º
Alteração das rendas
1 - Todos os contratos conterão obrigatoriamente uma cláusula de actualização da renda.2 - Sempre que circunstâncias excepcionais e de carácter permanente alterem substancialmente a produtividade do prédio, poderá qualquer dos contraentes, na falta de acordo, requerer ao tribunal a alteração da renda.
Artigo 12.º
Tempo e lugar do pagamento da renda
Salvo cláusula em contrário, o pagamento da renda deve ser efectuado, no último dia do prazo a que respeita, no domicílio do senhorio à data do vencimento.
Artigo 13.º
Mora do arrendatário
1 - Constituindo-se o arrendatário em mora, o senhorio tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização de valor igual ao que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento das rendas, caso em que apenas terá o direito às rendas devidas.2 - Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato se o arrendatário fizer cessar a mora no prazo de quinze dias a contar do seu começo.
3 - Após a interposição da acção de resolução do contrato com base na falta de pagamento das rendas, o direito à resolução só caduca se o arrendatário, até à contestação da acção, pagar ou depositar as rendas em atraso e uma indemnização de valor igual ao dobro do que for devido.
Artigo 14.º
Benfeitorias feitas pelo arrendatário
1 - O arrendatário pode fazer no prédio arrendado benfeitorias necessárias sem consentimento do senhorio.2 - Salvo cláusula contratual em contrário, o arrendatário carece do consentimento do senhorio para fazer benfeitorias úteis.
3 - As benfeitorias realizadas pelo arrendatário não justificam a revisão do montante da renda.
4 - Salvo cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, as benfeitorias revertem para o senhorio, sem haver lugar a
Artigo 15.º
Cálculo do valor das benfeitorias que dão lugar à indemnização
1 - A indemnização pelas benfeitorias efectuadas ao abrigo da cláusula prevista no n.º 4 do artigo anterior será calculada tendo em conta, além do valor da renda, o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens que o mesmo delas haja usufruído na vigência do contrato em virtude do que fez no imóvel e o proveito que disso resultar futuramente para o senhorio.
2 - O pagamento da indemnização referida no número anterior poderá ser fraccionado de forma que as prestações se efectuem aquando da percepção pelo senhorio dos benefícios resultantes das benfeitorias.
Artigo 16.º
Benfeitorias feitas pelo senhorio
1 - O senhorio pode fazer benfeitorias no prédio com o consentimento do arrendatário ou com o seu suprimento judicial.2 - O senhorio indemnizará o arrendatário pelo prejuízo que a realização destas benfeitorias eventualmente lhe causar.
Artigo 17.º
Resolução do contrato pelo senhorio
O senhorio só pode pedir a resolução do contrato se o arrendatário:a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprio nem fizer o pagamento previsto nos termos do n.º 1 do artigo 13.º;
b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação legal ou contratual com prejuízo grave para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio;
c) Usar o prédio para fins diferentes do estipulado no contrato;
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam no prédio arrendado;
e) Sublocar ou comodatar, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ceder a sua posição contratual em violação do disposto no presente diploma.
Artigo 18.º
Cessação do contrato pelo arrendatário
O arrendamento pode cessar, em qualquer altura, por iniciativa do arrendatário, que terá de avisar o senhorio com a antecedência mínima de dois anos, mediante carta registada com aviso de recepção.
Artigo 19.º
Transmissibilidade
1 - O arrendamento florestal não caduca por morte do senhorio, nem pela transmissão do prédio nem quando cesse o direito ou os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado.2 - O mesmo arrendamento não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se ao cônjuge sobrevivo não separado de pessoas e bens ou de facto, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins na linha recta que com ele vivessem em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há pelo menos dois anos.
3 - A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado;
c) À pessoa que vivia com o arrendatário há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.
4 - A transmissão a favor dos parentes ou afins do primitivo arrendatário também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
5 - O arrendamento, todavia, caduca se o titular do direito à sua transmissão não o exercer nos três meses seguintes à morte do arrendatário mediante comunicação ao senhorio por carta registada com aviso de recepção.
Artigo 20.º
Caducidade do arrendamento devido a expropriação
1 - A expropriação por utilidade pública da totalidade do imóvel arrendado importa a caducidade do arrendamento.
2 - Se a expropriação for total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante, tendo aquele direito a uma indemnização calculada nos termos da legislação respectiva, mas nunca inferior ao valor dos capitais investidos ou dos lucros cessantes, valores estes sempre reportados à data em que é proferida a primeira decisão no processo de expropriação por utilidade pública.
3 - Em alternativa, e para o cômputo da indemnização, também se poderá atender à capitalização dos rendimentos anuais ou multianuais verificados no momento referido na última parte do número anterior.
4 - Se a expropriação for parcial, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados nos dois números anteriores em relação à parte expropriada, pode optar pela redução proporcional da renda ou pela resolução do contrato quando o senhorio, nos termos da legislação referente a expropriações por utilidade pública, não tenha requerido a expropriação total ou não veja deferida esta pretensão.
Artigo 21.º
Termo do contrato
Salvo cláusula contratual ou o acordo expresso dos contraentes, o contrato de arrendamento não se renova automaticamente findo o prazo nele fixado.
Artigo 22.º
Exploração em talhadia
No caso de exploração de espécies em talhadia, o arrendatário, no termo do contrato, é obrigado a arrancar os cepos, salvo cláusula contratual ou acordo expresso em contrário.
Artigo 23.º
Sublocação e cessão da posição contratual
A sublocação e a cessão da posição contratual do arrendatário carecem de autorização do senhorio.
Artigo 24.º
Direito de preferência
1 - No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objecto de arrendamento florestal, têm direito de preferência, pela ordem de menção, os arrendatários, os proprietários de prédios servientes os proprietários de prédios confinantes e os membros dos agrupamentos de produtores florestais existentes no concelho onde o prédio, ou a sua maior área, se situar.2 - Nas situações previstas no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil.
3 - Havendo mais do que um preferente interessado em exercer o seu direito, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o senhorio.
4 - O disposto nos números anteriores entende-se sem prejuízo dos direitos de preferência estabelecidos na lei a favor dos contitulares de herança indivisa ou dos comproprietários.
Artigo 25.º
Parceria
É proibida a celebração de contratos de parceria florestal.
Artigo 26.º
Aplicação da lei a arrendamentos existentes
1 - As relações e situações jurídicas emergentes de arrendamentos já existentes e que se enquadrem na previsão do artigo 2.º ficam sujeitas ao regime do presente diploma, quer na parte substantiva quer na adjectiva.
2 - A redução a escrito de contratos já existentes e a prática de outras formalidades previstas neste diploma terão de verificar-se no prazo de 120 dias a contar do início da sua vigência.
Artigo 27.º
Disposições processuais
1 - O processo aplicável às acções de resolução dos contratos de arrendamento florestal será o previsto nos artigos 964.º e seguintes do Código de Processo Civil, mas o processo próprio para se obter a fixação e alteração de rendas será o regulado nos artigos 1052.º e seguintes do mesmo Código.2 - Todas as questões emergentes da aplicação do presente diploma, nomeadamente as que dizem respeito à resolução dos contratos, direito de preferência, fixação e alteração das rendas, são da competência do tribunal judicial da comarca de localização do prédio ou da sua maior área.
Artigo 28.º
Direito subsidiário
1 - Nos casos omissos, desde que não contrariem os princípios deste diploma, aplicam-se sucessivamente as regras respeitantes ao contrato de locação e as dos contratos em geral previstas no Código Civil.2 - Nos casos omissos referentes a matéria de contra-ordenações previstas neste diploma aplica-se o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
3 - Nos casos omissos neste diploma e respeitantes à parte adjectiva aplica-se o Código de Processo Civil.
Artigo 29.º
Meios de execução
Compete à Direcção-Geral das Florestas, através dos seus serviços centrais e regionais, divulgar o conteúdo deste diploma, promover a sua aplicação e zelar pelo cumprimento das suas disposições.
Artigo 30.º
Aplicação às regiões autónomas
O presente diploma aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, com as adaptações decorrentes da transferência de competências do Governo para os órgãos de governo próprio de cada região.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Outubro de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Vasco Joaquim Rocha Vieira - Lino Dias Miguel - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Joaquim Fernando Nogueira - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Promulgado em 25 de Outubro de 1988.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 27 de Outubro de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.