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Acórdão 510/2001/T, de 19 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 510/2001/T. Const. - Processo 690/01. - Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - José Santos Marques, mandatário das listas do Partido Social-Democrata (PPD/PSD) concorrentes às eleições autárquicas no concelho de Oleiros, recorreu para o Tribunal Constitucional do despacho do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros que julgou elegível o 1.º candidato da lista do Partido Socialista (PS) para a Câmara Municipal, Ângelo de Jesus Antunes.

Por sua vez, o mandatário das listas do PS no mencionado concelho, António Jorge Mendes Dias, ao responder a esse recurso, solicitou que este Tribunal reapreciasse as candidaturas de José Luís Marques dos Santos e de José Antunes Lourenço, que integram a lista do PSD para a Assembleia Municipal, julgando-os a ambos inelegíveis.

Finalmente, o mesmo mandatário do PS veio interpor recurso para este Tribunal do despacho do juiz que indeferiu, por intempestivo, o pedido de substituição do candidato daquele partido, Manuel Carvalho, na lista concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco.

2 - O PSD, através do seu mandatário distrital para Castelo Branco, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 25.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, impugnara oportunamente "a elegibilidade do candidato apresentado pelo Partido Socialista à presidência da Câmara Municipal de Oleiros, Sr. Ângelo de Jesus Antunes, com fundamento na existência de inelegibilidade prevista no artigo 7.º, n.º 2, alínea c), da citada lei orgânica", pois exerce as funções de "presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, entidade com a qual a Câmara Municipal de Oleiros mantém um contrato, cuja execução é continuada e no qual o candidato do Partido Socialista intervém como outorgante". Com a impugnação, juntou cópia autenticada de diversos documentos, para fazer prova da celebração do contrato que refere contrato particular para empréstimo (cf. fl. 258).

O mandatário do Partido Socialista, em resposta, sustentou não ocorrer, no caso, a invocada inelegibilidade, porque a Caixa de Crédito Agrícola, que "se encontra integrada no designado Sistema da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo", de que o candidato é director, não é uma sociedade, mas sim uma cooperativa. Para além disso, e como afirma ser do conhecimento do mandatário do Partido Social-Democrata, "o crédito em causa [...] foi cedido temporariamente à Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e o candidato em causa pediu suspensão de funções, conforme determina a lei, em data anterior à apresentação das listas perante o Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros".

O juiz lavrou despacho em que foi decidido indeferir "a referida reclamação, admitindo-se o candidato", "uma vez que o mesmo não é membro de corpo social nem gerente de sociedade que tenha contrato com a autarquia".

Desse despacho reclamou o mandatário do Partido Social-Democrata, que conclui pela inelegibilidade do candidato, alegando, em resumo:

Que o candidato Ângelo de Jesus Antunes é presidente da direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, que celebrou com o município de Oleiros um contrato de mútuo, "que é de execução continuada, celebrado em 16 de Fevereiro de 1993 e que vigora até 2005 e em que o referido candidato é outorgante", pelo que está abrangido pela referida inelegibilidade, que também vale para as cooperativas;

Que as caixas de crédito agrícola mútuo, não obstante adoptarem a forma de cooperativas, são tratadas por lei, no que toca à actividade que desenvolvem, como instituições de crédito;

Que a razão de ser da inelegibilidade era a de evitar "ver misturados o interesse público" das autarquias "com interesses das sociedades";

Que não ocorreu a invocada transmissão do crédito resultante do contrato de mútuo, quer porque não foi autorizada pela Câmara quer "porque as prestações do referido contrato continuam a ser pagas à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal e não à Caixa Central"; e

Que, a ter ocorrido o pedido de suspensão de funções, o que desconhece, tal seria insuficiente para o efeito pretendido por não haver sido devidamente autorizado.

O mandatário do Partido Socialista respondeu, voltando, no essencial, a apresentar os argumentos que já anteriormente expendera, salientando:

A não aplicabilidade às cooperativas da inelegibilidade em causa, por não prosseguirem fins lucrativos;

Que o candidato solicitou a suspensão de funções na Caixa de Crédito Agrícola "para estar disponível para a campanha e não por qualquer outra razão", sendo pela declaração de honra apresentada pelo candidato que se afere a sua situação (protestou juntar, no entanto, se para o efeito fosse notificado, prova do pedido de suspensão e da correspondente aceitação);

Que, quanto à questão da transmissão do crédito em causa para a Caixa Central de Crédito Agrícola, que lhe foi comunicada, quer o tribunal quer o mandatário do Partido Social-Democrata, podiam pedir os esclarecimentos que tivessem por convenientes àquela Caixa Central; e

Que os documentos juntos pelo reclamante para provar que foram efectuados pagamentos à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal se referiam a um pagamento anterior à data de apresentação da candidatura.

A reclamação viria a ser indeferida pelo juiz, porque "a CCAM não constitui uma sociedade nem, de resto, se entende que a mesma se encontre abrangida pelo espírito da lei, aderindo-se, a este respeito, aos argumentos expendidos pelo mandatário do PS".

Inconformado, recorreu o mandatário do PPD/PSD, invocando, em síntese, o seguinte:

Que, apesar de ter a forma de cooperativa, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal é tratada por lei, na sua actividade, como uma instituição de crédito;

Que o artigo 9.º do Código Cooperativo manda preencher as suas lacunas mediante recurso ao Código das Sociedades Comerciais;

Que se aplica aos responsáveis da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal o que é definido para as demais instituições de crédito;

Que a alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL, "ao referir membros de corpos sociais e gerentes de sociedades tem de englobar, na sua letra e no seu espírito, as caixas de crédito agrícola mútuo";

Que não ocorreu nenhuma transmissão do crédito que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal detém sobre a Câmara Municipal de Oleiros;

Que, mesmo que tivesse ocorrido a suspensão de funções, isso seria irrelevante, mantendo-se a inelegibilidade.

Notificado para o efeito, o mandatário do PS veio, no essencial, opor o seguinte:

Que as cooperativas não estão abrangidas pela alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL, preceito que se não aplica "a quaisquer sociedades, como pretende o recorrente, mas tão-só a sociedades comerciais";

Que não abrange, pois, as cooperativas, por não terem fins lucrativos, diferentemente das sociedades e das empresas expressamente referidas naquele preceito;

Que os documentos juntos para provar que foram efectuados pagamentos à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal se referem a pagamentos anteriores à data de apresentação da candidatura;

Que não é necessário o consentimento da autarquia para a transmissão do crédito;

Que, relativamente à suspensão de funções na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, o pedido ocorreu na devida altura, pois que foi formulado em 18 de Outubro e aceite pelo presidente da assembleia geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal ainda antes do dia em que as candidaturas foram apresentadas, 22 de Outubro; e

Que tal situação se afere, até prova em contrário, pela declaração de honra do candidato em causa.

3 - Nesta resposta ao recurso interposto pelo mandatário do PPD/PSD, o mandatário do PS acrescentou que antes seriam inelegíveis os candidatos indicados pelo Partido Social-Democrata à Assembleia Municipal de Oleiros, José Luís Marques e José Antunes Lourenço, pelas razões que apresentou e que só agora estaria em condições de fundamentar, atentos os elementos que ora se juntam e que apenas agora se teve acesso.

Anteriormente, antes de qualquer despacho do juiz após a apresentação das candidaturas, o mandatário do Partido Socialista apresentara reclamação - que antes deve ser entendida como sendo a impugnação referida no n.º 3 do artigo 25.º da LEOAL, dado o momento em que foi apresentada - contra a elegibilidade daqueles candidatos, tendo em conta o disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea c), da Lei Eleitoral. Quanto ao primeiro, por ser sócio gerente de uma empresa de construção civil, denominada Construtora Lourantunes, Lda., que manteria contratos de empreitada com a autarquia; quanto ao segundo, por ser sócio-gerente igualmente de uma empresa de construção civil, esta denominada Construtora do Mouradal, Lda., que também manteria contratos de empreitada com a mesma autarquia.

Ambas as impugnações foram indeferidas pelo juiz: quanto à candidatura de José Antunes Lourenço, tendo em conta os documentos "a fl. 370 dos autos"; quanto à candidatura de José Luís Marques dos Santos, tendo em conta os documentos "a fl. 371 dos autos".

Contra este despacho do juiz, que indeferiu as impugnações e julgou elegíveis os candidatos, não foi deduzida qualquer reclamação, nem sequer interposto qualquer recurso, só tendo vindo a questão a ser retomada na mencionada resposta ao recurso interposto pelo mandatário do PPD/PSD recurso esse, como se viu, atinente a outro candidato.

4 - Entretanto, o mandatário concelhio do Partido Social-Democrata também impugnara a candidatura de Manuel Carvalho, pelo PS, à Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco, por ele figurar igualmente, em último lugar, na lista do PPD/PSD à Assembleia Municipal.

Na sua resposta, o mandatário do Partido Socialista pôs em causa a cópia do bilhete de identidade deste eleitor junta pelo impugnante, afirmando que ele, nos últimos dois anos, não subscreveu qualquer proposta de candidatura integrada nas listas do PSD.

O juiz, porém, viria a considerá-lo inelegível, uma vez que "é o mesmo candidato à Assembleia Municipal pelo PSD", por "clara violação" do disposto no n.º 6 do artigo 16.º da lei eleitoral. Em consequência, foi determinada a notificação dos mandatários das listas em causa de ambos os partidos envolvidos "para, em três dias, o substituírem ou requererem o que houverem por conveniente".

Posteriormente, o juiz, "não tendo o candidato sido substituído", ordenou o reajustamento das listas em que o mesmo figurava, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 27.º da LEOAL.

O mandatário do Partido Socialista viria ainda a requerer a substituição do candidato Manuel Carvalho. Essa substituição foi, contudo, indeferida, por intempestividade.

O requerente não reclamou desse indeferimento. Todavia, viria a interpor dele recurso, expedindo a respectiva petição por correio, em 8 de Novembro, sendo que a mesma deu entrada na secretaria do tribunal a quo no dia seguinte.

Cumpre agora decidir, sabendo-se que a afixação das listas, a que se reporta o artigo 29.º, n.º 5, da LEOAL, ocorreu em 6 de Novembro.

II - O recurso do PPD/PSD. - A questão da elegibilidade do candidato Ângelo de Jesus Antunes (Câmara Municipal). - 5 - De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL, não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais "os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada".

Tem o Tribunal Constitucional entendido que esta inelegibilidade que já constava da lei anterior, o Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, tem a sua razão de ser "na preocupação de assegurar um exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos electivos autárquicos" (Acórdão 259/85, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 959 e segs.) e encontra credencial bastante no disposto no artigo 50.º, n.º 3, da Constituição, onde se preceitua que "no acesso a cargos electivos, a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos".

Por outro lado, tem também este Tribunal vindo a sublinhar, em matéria de inelegibilidades, que, estando-se "na presença de um direito fundamental de natureza política", "não é lícito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas que se configurariam como restrições de um direito político", sendo certo que "a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral tem acentuado que as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contêm enumerações taxativas e não meramente exemplificativas" (Acórdão 735/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., p. 516) ou, sequer, enunciativas (Acórdão 231/85, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., p. 843).

Este é o quadro legal à luz do qual se há-de apurar se é inelegível o candidato que, como resulta provado nos autos, exerce as funções de director da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, instituição de crédito sob a forma de cooperativa, que celebrou com a Câmara Municipal um contrato de mútuo nos termos do qual ficou acordado, para o que agora releva, que a dita Caixa emprestasse ao município a quantia de 50 000 contos, a qual foi imediatamente entregue, devendo ser reembolsada no prazo de 12 anos, através de prestações semestrais, que têm vindo a ser pagas.

6 - Para que ocorra a inelegibilidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL, é necessário que concorram duas circunstâncias: a primeira circunstância é de ordem subjectiva, pois tem a ver com a qualidade do candidato - este tem de ser membro dos órgãos sociais ou gerente de uma sociedade ou, então, proprietário de uma empresa; a segunda circunstância é de ordem objectiva: a sociedade ou empresa a que o candidato se encontra ligado há-de manter com a autarquia contrato de execução continuada ou, então, contrato ainda não integralmente cumprido.

No caso dos autos, não se verifica, seguramente, a existência de um contrato de execução continuada - "um só contrato que se protrai no tempo, sem termo final fixado ou com termo que foi assinalado" (Acórdão 231/85, cit.).

Mais duvidosa, porém, seria a questão de saber se persiste ainda um contrato não integralmente cumprido, pois que se, por um lado, certas "obrigações que dele decorrem ainda" vão estar "por cumprir, ao menos em parte", no momento em que o candidato poderá vir a "iniciar o exercício do cargo" (Acórdão 717/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., p. 413), por outro lado, tais obrigações recaem essencialmente sobre a própria autarquia, sendo certo que este Tribunal tem desenvolvido uma jurisprudência claramente restritiva relativamente ao sentido e alcance deste fundamento de inelegibilidade. Assim, no Acórdão 735/93 (cit.) e no Acórdão 677/97 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 38.º vol., p. 357) entendeu-se que a lei não pretendia abranger as situações com uma mera natureza contratual civilística e que o contrato não integralmente cumprido deve ter natureza empresarial, inserido numa actividade profissional, que possa configurar-se como acto de comércio; e no Acórdão 259/85 (cit.), o Tribunal considerou que "em todo o caso, não parece de admitir que a mera existência de uma dívida proveniente de um fornecimento ocasional, dentro dos usos do comércio, pudesse, só por si, servir de suporte razoável para a declaração de uma inelegibilidade: o conceito de contrato não integralmente cumprido não pode assumir tal extensão para efeitos da referida alínea".

Não se torna, contudo, necessário resolver agora essa questão, apesar de não se encontrar provada nos autos uma eventual transmissão do crédito da entidade mutuante, como foi alegado pelo Partido Socialista.

Com efeito, de todo o modo, não ocorre in casu o circunstancialismo de ordem subjectiva que constitui pressuposto essencial da verificação da inelegibilidade em causa, muito embora não tenha igualmente ficado provado que o candidato se encontre suspenso do exercício das funções de director da referida Caixa de Crédito Agrícola e isto, independentemente de saber se, para afastar uma eventual inelegibilidade, seria aqui suficiente uma tal suspensão do exercício de funções.

7 - Excluído que se encontra, logo à partida, que o candidato possa ser tido como proprietário de empresa em relação contratual com a autarquia, a sua inelegibilidade só poderia resultar de ser membro dos corpos sociais ou gerente de sociedade nas mesmas circunstâncias.

Ora, "as caixas de crédito agrícola mútuo são instituições especiais de crédito, sob a forma cooperativa", como se define no artigo 1.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei 24/91, de 11 de Janeiro, ao qual se encontra anexo. E, tendo a natureza de cooperativa, uma caixa de crédito agrícola mútuo não pode integrar o conceito de sociedade.

Com efeito, as cooperativas - as então denominadas sociedades cooperativas - eram tidas como uma das espécies de sociedades comerciais pelo Código Comercial, que as regulava nos artigos 207.º a 233.º. Hoje, porém, já assim não acontece: o Código Cooperativo, aprovado pela Lei 51/96, de 7 de Setembro, qualifica expressamente, no seu artigo 2.º, n.º 1, as cooperativas como pessoas colectivas, tendo elas, pois, deixado de ser legalmente consideradas como sociedades - situação que ocorre, aliás, já desde a publicação do anterior Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 454/80, de 9 de Outubro.

Que as cooperativas não são sociedades dizem-no pacificamente a doutrina e a jurisprudência.

Neste sentido se pronuncia Luís Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, Lex, 1995, p. 408): "As cooperativas são, assim, hoje, pessoas colectivas autónomas - i. e., não susceptíveis de se reconduzirem, como antes se fazia, ao conceito de sociedade."

E, de igual modo, sublinha José de Oliveira Ascensão (Direito Civil - Teoria Geral, vol. I, Coimbra Editora, 1997, pp. 207-208):

"A este propósito, convém referir as cooperativas.

Eram consideradas sociedades cooperativas, e reguladas no Código Comercial. Mas o entendimento suscitou contestação, por a cooperativa excluir justamente a distribuição de lucros entre os associados, por natureza: isto basta para descaracterizá-la como sociedade. A orientação triunfou com o Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 454/80, de 9 de Outubro, que regulou a matéria separadamente da lei comercial e retirou o qualificativo de sociedade. As cooperativas passam assim a ser associações, que podem ter fim económico não lucrativo, a que cabe em qualquer caso disciplina própria."

E o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 26 de Setembro de 1995 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 449, p. 302), afirmou categoricamente: "Saber se se deve destacar na cooperativa o elemento pessoal, se o patrimonial, ou seja, o surpreender a natureza jurídica de cooperativa, foi ponto de larga controvérsia [...]

Hoje é ponto assente: não são sociedades."

Aliás, esta radical incompatibilidade entre a natureza de cooperativa e a de sociedade é sublinhada em parecer jurídico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, que dela extrai importantes consequências (P.69/90.R.P.4, htpp:www.dgrn.mj.pt/pareceres/1990/459- html):

"As cooperativas constituídas de harmonia com o Código Cooperativo, ou a ele adaptadas, não podem transformar-se em sociedades comerciais."

Nesta conformidade, se era eventualmente possível, no domínio da anterior lei eleitoral autárquica, sustentar que a inelegibilidade abrangia os membros dos órgãos sociais das cooperativas, dado que as ditas cooperativas ainda eram qualificadas como sociedades à data de publicação da mesma lei eleitoral (1976), só tendo perdido essa qualificação legal em 1980, uma tal interpretação já não é hoje possível, tendo em conta que a nova lei eleitoral foi aprovada num momento (2001) em que não restavam quaisquer dúvidas na comunidade jurídica acerca da distinção, corrente na doutrina e na jurisprudência, entre sociedades e cooperativas e essa situação, o legislador seguramente não a ignorava.

8 - Dir-se-á que a razão de ser da inelegibilidade é igualmente operante para as cooperativas e para as sociedades, pois que o que se pretende assegurar é o exercício desinteressado, independente e imparcial do cargo electivo, o que pode ser afectado quando existam contratos em curso entre a autarquia e a instituição de que o candidato é dirigente.

Só que dizer isto equivale a reconhecer que o regime de inelegibilidades fixado para os responsáveis de sociedades se deve aplicar, por identidade de razão, aos responsáveis das cooperativas; ou seja, deve ser analogicamente aplicado a estes últimos. Ora, já vimos que, constituindo uma compressão de um direito político, as normas relativas a inelegibilidades não devem ser aplicadas por analogia (nem por interpretação extensiva).

E isto independentemente da questão de saber se ocorre efectivamente o pressuposto de um tal raciocínio por identidade de razão, na medida em que sempre se poderia descortinar uma diferença essencial entre as sociedades e as cooperativas: enquanto aquelas visam a obtenção do lucro, tal encontra-se expressamente vedado a estas últimas (artigo 2.º do Código Cooperativo). E o certo é que nunca se entendeu que os membros dos órgãos sociais de outros entes sem fins lucrativos (v. g., associações e fundações) se encontrassem impedidos de se candidatar à eleição dos órgãos das autarquias locais, ainda que existisse contrato não integralmente cumprido entre tais entes e a autarquia em causa.

9 - Nesta conformidade, tem de se concluir que, quando na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da LEOAL se fala em sociedades, aí se não incluem as cooperativas e, portanto, as caixas de crédito agrícola mútuo.

E, assim sendo, daí resulta que não se verifica, quanto a Ângelo de Jesus Antunes, candidato pelo Partido Socialista à Câmara Municipal de Oleiros, a inelegibilidade prevista naquela disposição legal.

III - O pedido de reapreciação do PS. - Elegibilidade dos candidatos José Antunes Lourenço e José Luís Marques dos Santos (Assembleia Municipal). - 10 - Consoante se fez referência, o mandatário do Partido Socialista, nas suas contra-alegações de recurso, formulou um pedido de reapreciação da situação das candidaturas de José Luís Marques dos Santos e de José Antunes Lourenço à Assembleia Municipal de Oleiros pelo Partido Social-Democrata, para os mesmos serem considerados inelegíveis.

Este Tribunal tem de rejeitar, de imediato, a possibilidade de se conhecer de tal pedido. Com efeito, o Tribunal Constitucional não pode sequer pronunciar-se sobre as questões de inelegibilidade suscitadas, por não se encontrarem abrangidas no objecto do recurso que lhe foi submetido.

Esse recurso foi interposto, pelo mandatário do Partido Social-Democrata, do despacho que admitiu a candidatura de Ângelo de Jesus Antunes à Câmara Municipal de Oleiros, estando os poderes de cognição do Tribunal Constitucional limitados à reapreciação, apenas, dessa decisão (cf. artigos 231.º da LEOAL e 684.º do Código de Processo Civil).

Aliás, como se deu conta, as impugnações apresentadas pelo mandatário do Partido Socialista contra a admissão das candidaturas dos cidadãos José Luís Marques dos Santos e José Antunes Lourenço foram ambas indeferidas por despacho do juiz, não tendo sido deduzida reclamação ou interposto recurso de tal despacho.

Não se pode, pois, tomar conhecimento do pedido.

III - Recurso do PS. - Substituição do candidato Manuel Carvalho (Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco). - 11 - Cabe, finalmente, apreciar o recurso interposto pelo mandatário do Partido Socialista do despacho que indeferiu, por intempestividade, o pedido de substituição do candidato à Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco, Manuel Carvalho.

Verifica-se, porém, que, não tendo sido apresentada a reclamação prevista no n.º 1 do artigo 29.º da LEOAL contra tal despacho, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso, por não se tratar de uma decisão final, para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 31.º da mesma lei.

Com efeito, como se escreveu no Acórdão 697/93, "para o efeito aqui tido em vista, decisão final é aquela que tiver sido proferida sobre a reclamação apresentada contra a admissão ou contra a rejeição de uma candidatura" (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., p. 347). Este entendimento, que resulta expressamente do referido preceito, foi repetidamente afirmado por este Tribunal, em jurisprudência relativa à lei anterior mas que mantém plena validade perante a lei actual.

12 - Acresce, porém, que sempre seria intempestiva a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por não ter sido respeitado o prazo de quarenta e oito horas - fixado no n.º 2 do artigo 31.º da LEOAL - a contar da data em que as listas foram afixadas em conformidade com o previsto no n.º 5 do artigo 29.º da mesma lei eleitoral - prazo que não pode ser convertido, sequer, num prazo de dois dias (cf., por exemplo, o Acórdão 271/85, in Diário da República, 2.ª série, de 25 de Março de 1986).

É que, como se assinalou, as listas foram afixadas em 6 de Novembro, verificando-se pelo carimbo aposto no requerimento de interposição de recurso, que o mesmo só deu entrada na secretaria do tribunal recorrido no dia 9 seguinte.

E a esta conclusão não obsta a circunstância de ele ter sido expedido pelo correio no dia anterior. Com efeito, a natureza específica destes recursos, diversas vezes apontada pelo Tribunal Constitucional, que tem assinalado tratar-se "de actos urgentes cuja decisão não admite quaisquer delongas, uma vez que o seu protelamento implicaria, com toda a probabilidade, a perturbação do processamento dos actos eleitorais, todos estes sujeitos a prazos improrrogáveis" (Acórdão 585/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., p. 549), eventualmente aliada à circunstância de o prazo ser fixado em horas, torna inaplicável ao contencioso de apresentação de candidaturas o regime previsto na parte final do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil, que considera o acto a praticar em tribunal como tendo sido realizado no dia do registo postal.

IV - Decisão. - 13 - Nestes termos, decide-se:

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo mandatário do Partido Social-Democrata (PPD/PSD) da decisão que indeferiu a reclamação apresentada contra a admissão da candidatura de Ângelo De Jesus Antunes à Câmara Municipal de Oleiros na lista do Partido Socialista (PS), julgando-se elegível esse candidato;

b) Não tomar conhecimento do pedido, formulado pelo mandatário do Partido Socialista (PS), de reapreciação da elegibilidade dos candidatos à Assembleia Municipal de Oleiros, na lista do Partido Social-Democrata (PPD/PSD), José Luís Marques dos Santos e José Antunes Lourenço;

c) Não tomar conhecimento do recurso interposto pelo mandatário do Partido Socialista (PS) do despacho que indeferiu o pedido de substituição do candidato à Assembleia de Freguesia de Vilar de Barroco, Manuel Carvalho, na lista daquele Partido.

Lisboa, 26 de Novembro de 2001. - Luís Nunes de Almeida - Artur Maurício - Paulo Mota Pinto - José de Sousa e Brito - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Alberto Tavares da Costa (vencido, nos termos da declaração junta) - Bravo Serra (vencido pelas razões aduzidas nas declarações de voto apostas no vertente aresto pelos Exmo.s Conselheiros Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) - Paulo Mota Pinto (vencido, pelas razões constantes das declarações de voto dos Exmo.s Conselheiros Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - Guilherme da Fonseca (vencido, pelas razões constantes das declarações de voto do Exmo.s Conselheiros Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto

1 - Votei vencida, enquanto primitiva relatora, no que toca à questão da elegibilidade do candidato Ângelo de Jesus Antunes, por considerar verificada a inelegibilidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, segundo a qual não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais para que se candidatam "os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada", pelas seguintes razões:

1.ª Entendeu-se no acórdão que se não poderia, face à lei actual, considerar uma cooperativa abrangida no termo sociedade utilizado pela lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.

Penso, todavia, que da aplicação dos critérios de interpretação da lei resulta que as cooperativas - pelo menos as que são instituições de crédito [cf. alínea e) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, e o artigo 1.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto-Lei 24/91, de 11 de Janeiro], como é o caso das caixas de crédito agrícola mútuo, entre as quais se encontra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal - se devem considerar englobadas no termo sociedades utilizado pela alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.

É exacto que, desde o Código Cooperativo de 1980 (aprovado pelo Decreto-Lei 454/80, de 9 de Outubro), as cooperativas deixaram de ser qualificadas formalmente como sociedades. O seu artigo 2.º veio esclarecer que não podiam ter fim lucrativo (cf. artigo 980.º do Código Civil); e o seu artigo 100.º revogou o regime geral que então era aplicável às sociedades cooperativas e que constava dos artigos 207.º a 233.º do Código Comercial. Dentro destes, o artigo 207.º dispunha que a sua especialidade se traduzia na "variabilidade do capital social e [n]a ilimitação do número de sócios", admitindo-se, então, a existência de cooperativas com e sem fim lucrativo.

Ora, não parece aceitável que, no domínio da anterior lei eleitoral, Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, aprovada na vigência dos artigos 207.º e seguintes do Código Comercial, se pudesse distinguir, dentro das sociedades cooperativas, entre as que tinham fim lucrativo que seriam abrangidas pelo âmbito da inelegibilidade prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da lei eleitoral referida e as que não prosseguiam o lucro, que dele seriam excluídas.

Na verdade, para ambos os casos valia, de igual modo, a razão de ser da inelegibilidade: afastar o perigo de quebra da imparcialidade e da justiça na actuação dos titulares dos órgãos autárquicos. Esse perigo resultava, claramente, da possibilidade de coexistência, na mesma pessoa, da titularidade de um cargo que confere o poder de direcção ou de controlo de uma organização económica, com a titularidade de um cargo numa autarquia que mantém um contrato pendente com aquela organização.

E esse perigo existia, repita-se, quer a entidade colectiva em causa (porque esta alternativa não se coloca relativamente a uma empresa) prosseguisse fins lucrativos, quer não, pois que era na pessoa do membro dos corpos sociais ou do gerente que o conflito de interesses se poderia vir a revelar. Se a lei considerasse decisiva a prossecução do lucro para a definição do âmbito de aplicação da inelegibilidade, teria seguramente exigido a qualidade de sócio nas pessoas atingidas.

Deve, assim, entender-se que, ao referir sociedades e empresas, a lei anterior queria abranger todas as organizações de actividades económicas (colectivas ou individuais) em cujo objecto se pudesse inscrever a celebração de contratos com a autarquia em termos de poder fazer perigar a imparcialidade e a justiça do (possível) futuro autarca.

Não parece que se possa sustentar que o legislador de 2001, ao repetir o texto anterior, lhe pretendeu dar um alcance diferente; antes se deve concluir que esse termo continua, na lei actual, a incluir as cooperativas, que continuam, nos termos do artigo 2.º do actual Código Cooperativo (Lei 51/96, de 7 de Setembro), a não poderem prosseguir fins lucrativos.

Deve, pois, entender-se que no termo cooperativas utilizado na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais se incluem as caixas de crédito agrícola mútuo e, portanto, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, sem que se possa opor que está a ser utilizado um método proibido para interpretar a lei. Na verdade, e tal como fez, por exemplo, no Acórdão 402/2000, já citado, o Tribunal Constitucional apenas está a recorrer à razão de ser da inelegibilidade em causa para interpretar o termo sociedades em função do fim com que a lei anterior e a actual, que se limita a repeti-la, a prevêem, e a Constituição a admite.

Note-se, aliás, que, a considerar-se decisivo o argumento puramente formal da qualificação legal como sociedades, ter-se-ia de aceitar que, com a entrada em vigor do Código Cooperativo de 1980, o legislador veio restringir o âmbito de aplicação da inelegibilidade prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da lei eleitoral de 1976; e que se teria de fazer prevalecer sobre a razão de ser do preceito e sobre a sua história uma interpretação meramente formal do texto legal, claramente contrária à finalidade legal e constitucional da inelegibilidade em causa.

A terminar, resta observar que não seria legítimo objectar que este raciocínio conduziria a considerar incluído também no conceito de sociedade as associações e fundações, na medida em que seja possível celebrarem com autarquias contratos que apresentem este mesmo risco. É que não se está a pretender estabelecer nenhuma relação de analogia única que, eventualmente, poderia conduzir à aplicação a essas pessoas colectivas do mesmo regime, se a analogia não estivesse aqui afastada -, mas, tão-somente, a interpretar o sentido com que a lei utiliza o termo sociedade.

Discordo, consequentemente, que seja relevante para a questão que agora se trata a circunstância de as cooperativas se não encontrarem formalmente incluídas entre as sociedades no contexto da lei comercial; e não creio que, para a lei, exista entre aquelas e estas uma incompatibilidade radical, que, a existir, tornaria incompreensível a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais às cooperativas, nos termos previstos no artigo 9.º do Código Cooperativo.

2.ª Para além disso, considero que o contrato de mútuo celebrado em 16 de Fevereiro de 1993 entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Zona do Pinhal, representada, nomeadamente, por Ângelo de Jesus Antunes, e a Câmara Municipal de Oleiros se encontra abrangido pela referida alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.

Não se trata, claramente, de um contrato de execução continuada; mas o contrato não foi ainda, como é manifesto, "integralmente cumprido", pois que "as obrigações que dele decorrem ainda" vão estar "nessa altura [no momento do início das funções como autarca] por cumprir, ao menos em parte" (Acórdão 717/93, citado). Encontra-se, portanto, preenchida uma das condições previstas na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.

É certo que o Tribunal Constitucional, em casos em que existiam contratos ainda não integralmente cumpridos neste sentido acabado de apontar entre o candidato e a autarquia a que se candidatava, entendeu não ocorrer motivo para considerar preenchida a inelegibilidade em apreciação.

Todavia, as razões que, então, justificaram essa conclusão não procedem agora. Com efeito, no Acórdão 677/97, por exemplo, onde se julgou um caso em que o candidato era arrendatário rural da Câmara a que se candidatava, entendeu-se que se tratava de um contrato celebrado "para fins de exploração agro-pecuária em contexto de mera natureza contratual civilística"; no Acórdão 735/93, que se ocupou igualmente de um arrendamento, mas em que era a autarquia a arrendatária, considerou-se tratar-se de "um acto de administração patrimonial, de natureza civil", e não "de um contrato de natureza empresarial, inserido numa actividade profissional, que possa configurar-se como acto de comércio (cf. artigos 2.º e 230.º do Código Comercial e 3.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência), antes avultando o seu carácter isolado ou esporádico"; no Acórdão 259/85, o Tribunal considerou que "em todo o caso, não parece de admitir que a mera existência de uma dívida proveniente de um fornecimento ocasional, dentro dos usos do comércio, pudesse, só por si, servir de suporte razoável para a declaração de uma inelegibilidade o conceito de 'contrato não integralmente cumprido' não pode assumir tal extensão, para efeitos da referida alínea f)".

Ora, no presente recurso, está em causa um contrato de mútuo celebrado entre uma caixa de crédito agrícola mútuo, que é uma instituição de crédito, e uma autarquia que, no contexto local, quer pela relevância da actividade que se destina a financiar, quer pelo seu montante, deve considerar-se abrangido pela razão de ser da inelegibilidade.

Consideraria, em conclusão, que se verifica, quanto a Ângelo de Jesus Antunes, a inelegibilidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais; concederia, portanto, provimento ao recurso interposto. - Maria dos Prazeres Beleza.

Declaração de voto

Vencido quanto à alínea a) da decisão.

Entendo que a teleologia da inelegibilidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da actual lei eleitoral é, fundamentalmente, a mesma que ditou a alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do diploma anterior, tendo a ver com o perigo de quebra da imparcialidade e da justiça na actuação dos titulares dos órgãos autárquicos, que torna indesejável a coexistência, na mesma pessoa, da titularidade de um cargo que confere o poder de direcção ou de controlo de uma organização económica com a de um cargo em autarquia que mantém um contrato pendente com aquela organização (como defendia a tese professada no primitivo projecto do Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).

A questão ética subjacente coloca-se anteriormente à da qualificação jurídica dos entes sociais implicados, sejam sociedades ou cooperativas, e, como tal, o problema de compressão do direito político de participação na vida pública, acolhida no artigo 50.º da Constituição, coloca-se em termos idênticos aos que mereceram tratamento maioritário impressivo na jurisprudência constitucional eleitoral anterior.

Admito que se não se seja sempre tão rigoroso como então se foi (e, daí, o meu sentido de voto, mais complacente, noutros casos de alegadas inelegibilidades analisadas já à luz do novo texto), mas creio que o caso sub judice, em que estão em causa as funções de direcção de uma caixa de crédito agrícola mútuo de implantação local, constitui um caso fronteira, em que a preocupação de assegurar um exercício isento, desinteressado e imparcial de um cargo electivo autárquico é, por si só, justificativo da inelegibilidade, independentemente da caracterização jurídico-conceitual feita no acórdão. - Alberto Tavares da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1963001.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-09-29 - Decreto-Lei 701-B/76 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais, nomeadamente: capacidade eleitoral, organização do processo eleitoral, campanha eleitoral, eleição, ilícito eleitoral.

  • Tem documento Em vigor 1980-10-09 - Decreto-Lei 454/80 - Presidência do Conselho de Ministros - Gabinete do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro

    Aprova o Código Cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1991-01-11 - Decreto-Lei 24/91 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime jurídico do crédito agrícola mútuo.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-31 - Decreto-Lei 298/92 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.

  • Tem documento Em vigor 1996-09-07 - Lei 51/96 - Assembleia da República

    Aprova o Código Cooperativo, que se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

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