Decreto-Lei 301/84
de 7 de Setembro
Um dos objectivos constitucionais, aliás consubstanciado no Programa do Governo, é assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória, que, nos termos do artigo 74.º da Lei Fundamental, corresponde ao ensino básico, o qual deve ser universal e gratuito.
Na prossecução de tal objectivo já anteriores governos legislaram sobre a matéria, estabelecendo medidas no sentido de reforçar o cumprimento da mencionada escolaridade.
A experiência entretanto colhida deu a conhecer que as medidas legislativas em vigor não contêm em si a eficácia que seria de desejar.
O presente diploma visa, pois, não só a compilação da legislação já existente sobre a matéria, mas também o seu aperfeiçoamento, introduzindo-se algumas inovações com vista ao cumprimento integral daquele objectivo constitucional.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Generalidades
Artigo 1.º
(Obrigatoriedade do ensino básico)
1 - O ensino básico é obrigatório para todos os menores em idade escolar, salvo se dele forem dispensados nos termos do presente diploma, podendo ser cumprido em estabelecimentos do ensino oficial ou do ensino particular e cooperativo.
2 - O ensino básico abrange o ensino primário e o ensino preparatório.
3 - A escolaridade obrigatória é fixada entre os 6 anos completos e os 14 anos, nos termos do artigo 8.º do presente diploma.
4 - A obrigatoriedade do ensino básico implica:
a) Dever de matrícula;
b) Dever de frequência do ensino;
c) Dever de aproveitamento.
5 - O ingresso no ensino primário poderá ser antecipado facultativamente, mediante regras a estabelecer em decreto regulamentar.
Artigo 2.º
(Dever de matrícula)
1 - Constitui dever dos encarregados de educação proceder à matrícula dos menores em idade escolar que estejam a seu cargo.
2 - A primeira matrícula deverá ser efectuada relativamente aos menores que completem 6 anos até 31 de Dezembro do ano civil em que o ano escolar tiver início.
3 - A primeira matrícula, bem como as que lhe forem sequentes, designadas no presente diploma por renovação da matrícula, serão efectuadas no estabelecimento escolar da área pedagógica da residência do encarregado de educação do aluno.
4 - A renovação de matrícula consiste no processo burocrático oficioso de validação da mesma para o ano escolar seguinte, de acordo com normas regulamentares a definir por decreto regulamentar.
5 - São permitidas:
a) As transferências de alunos do ensino oficial, desde que passem a residir na zona de influência pedagógica para que os mesmos pretendem transferir-se;
b) As transferências de alunos do ensino oficial, desde que o encarregado de educação ou um dos pais exerça a sua actividade profissional na área de influência pedagógica da escola para que esses alunos pretendem transferir-se.
6 - As transferências referidas no número anterior operar-se-ão de acordo com normas regulamentares estabelecidas em decreto regulamentar, no qual se estabelecerão os prazos em que as mesmas deverão ser requeridas.
7 - A matrícula realiza-se obrigatoriamente no início da 1.ª fase do ensino primário.
8 - A renovação de matrícula realiza-se oficiosamente em cada ano das fases do ensino primário e em cada ano do ensino preparatório.
9 - Salvo disposição em contrário, o prazo de matrícula ou da sua renovação decorre:
a) De 15 a 30 de Junho, quanto à primeira matrícula;
b) De 1 a 15 de Junho, quanto à renovação de matrícula.
Artigo 3.º
(Antecipação e adiamento do início da escolaridade obrigatória e interrupção da mesma)
1 - O ingresso no ensino primário poderá ser antecipado facultativamente, mediante regras a estabelecer em decreto regulamentar.
2 - Poderá ser adiado por 1 ano o início da escolaridade obrigatória em casos de deficiência, de acordo com normas regulamentares a estabelecer por decreto regulamentar.
3 - Para efeitos de cumprimento dos deveres inerentes à escolaridade obrigatória não são considerados os casos de alunos que tenham interrompido a frequência durante pelo menos 1 ano, nomeadamente devido a doença, deslocação do agregado familiar para o estrangeiro ou outros motivos de carácter excepcional.
Artigo 4.º
(Dever de frequência)
1 - Constitui dever dos alunos a frequência das respectivas aulas.
2 - Constitui dever dos encarregados de educação assegurar a frequência das aulas por parte dos alunos.
3 - Sempre que o aluno falte um dia de aulas, ou falte a uma aula, será avisado o respectivo encarregado de educação pelo director da escola, director de turma ou encarregado de posto, consoante os casos, salvo nas situações referidas no n.º 7 deste artigo.
4 - As faltas deverão ser justificadas pelo encarregado de educação no prazo de 5 dias a contar da notificação, com aviso de recepção, a que se refere o número anterior, considerando-se dispensada a justificação quanto às situações referidas no n.º 7 deste artigo.
5 - As faltas são justificadas perante:
a) O responsável pelo estabelecimento de ensino, no ensino primário e no ciclo preparatório TV;
b) O director de turma, no ensino preparatório.
6 - As faltas serão justificadas pelas entidades a que se refere o número anterior nos casos seguintes:
a) Falecimento de um membro de família, tendo em conta o período legal de nojo;
b) Doença do aluno, declarada pelo encarregado de educação, se a mesma não ultrapassar os 8 dias de impedimento, ou mediante declaração médica, para além desse prazo;
c) Doença contagiosa de pessoa que coabite com o aluno, comprovada através de declaração da autoridade sanitária competente;
d) Ausência temporária, por motivos ponderosos, do encarregado de educação, quando o aluno o acompanhe;
e) Casos reconhecidos como de força maior ou devidos a factores imprevisíveis.
7 - As entidades referidas no n.º 5 justificarão oficiosamente as faltas sempre que seja público ou que seja do seu conhecimento directo que as mesmas foram determinadas por razões ponderosas, designadamente doença de afastamento obrigatório, calamidade pública ou falecimento de pessoa de família do aluno.
8 - Serão injustificadas as faltas que não se encontrem nas condições expressas nos n.os 6 e 7 deste artigo ou em relação às quais o encarregado de educação não tenha apresentado justificação.
9 - As faltas serão registadas em caderneta própria, com discriminação das justificadas e respectivos motivos e das injustificadas, devendo ser cumprido, neste caso, o estipulado no artigo 11.º
Artigo 5.º
(Dever de aproveitamento)
1 - Os alunos deverão frequentar o ensino básico com aproveitamento.
2 - Considera-se falta de aproveitamento:
a) A não transição de fase, no ensino primário;
b) A não passagem de ano, no ensino preparatório.
3 - A falta de aproveitamento não justifica a falta de cumprimento da obrigatoriedade escolar.
Artigo 6.º
(Dispensa de escolaridade)
1 - O dever de escolaridade só cessa em caso de incapacidade mental ou física do aluno, reconhecida pelas autoridades sanitária e escolar da zona.
2 - Nos casos referidos no número anterior será passado pela competente autoridade escolar documento comprovativo da dispensa de escolaridade obrigatória.
3 - O documento a que se refere o número anterior caducará se e quando a autoridade escolar verificar que cessaram as causas da sua passagem.
4 - No caso referido no número anterior, a autoridade escolar tomará, junto do respectivo encarregado de educação, as providências adequadas para que seja retomado o cumprimento da escolaridade obrigatória.
Artigo 7.º
(Viabilização da escolaridade)
1 - A fim de viabilizar a obrigatoriedade do ensino básico, o Estado assegurará:
a) A gratuitidade do ensino, através da isenção do pagamento de propinas, de inscrição e renovação de matrícula, de frequência e de avaliação;
b) As instalações escolares adequadas;
c) Seguro escolar, em caso de inexistência de sistema de segurança social que o preveja;
d) Outros benefícios conferidos em legislação anterior, nomeadamente na alínea f) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei 538/79, de 31 de Dezembro.
2 - Para efeitos do disposto no n.º 1, a administração central, regional e local, consoante as respectivas competências, assegurará ainda:
a) Auxílios económicos directos, no caso dos menores cujas dificuldades económicas constituem obstáculo à frequência escolar, conforme comprovação dos serviços competentes para promover a acção social escolar;
b) Alimentação em condições bonificadas;
c) Suplemento alimentar, sempre que fundamentadamente não for possível o cumprimento integral do disposto na alínea anterior;
d) Alojamento, quando necessário, em condições de bonificação especial;
e) Transportes gratuitos, sempre que os alunos residam a mais de 3 km ou 4 km da escola, respectivamente nos casos de escolas sem ou com refeitório, nos termos do disposto no Decreto-Lei 299/84.
Artigo 8.º
(Termo da escolaridade obrigatória)
A obrigatoriedade escolar considerar-se-á finda:
a) Logo que o aluno obtenha o diploma do ensino básico; ou
b) Quando não o tenha obtido, no termo do ano lectivo em que perfaça 14 anos.
Artigo 9.º
(Encarregado de educação)
Para efeitos do disposto no presente diploma, considera-se encarregado de educação quem tiver menores à sua guarda:
a) Por detenção do poder paternal;
b) Por decisão judicial;
c) Por mera autoridade de facto.
CAPÍTULO II
Medidas preventivas de cumprimento da escolaridade
Artigo 10.º
(Controle de matrículas ou de renovação de matrículas)
1 - Será elaborado um recenseamento escolar contendo a lista de matrículas por cada estabelecimento de ensino, sendo emitida uma caderneta para cada aluno, em que se registarão a matrícula, sua renovação, as faltas, o aproveitamento e demais elementos sobre a escolaridade.
2 - O modelo da caderneta referida no número anterior será aprovado por portaria do Ministro da Educação e constituirá exclusivo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
3 - O controle da matrícula e sua renovação será efectuado no âmbito distrital e, no que respeita ao ensino primário, pelas respectivas direcções escolares.
4 - O controle da renovação de matrícula no ensino preparatório será efectuado pelos conselhos directivos das respectivas escolas.
5 - O controle será efectuado através da comparação entre:
a) As listas de matrícula enviadas por todas as escolas do ensino primário;
b) As listas de nascimento apresentadas pelas conservatórias de registo civil;
c) As listas de residentes apresentadas pelas juntas de freguesia;
d) As listas de abono de família enviadas pelos centros regionais de segurança social e demais departamentos pagadores de abono de família.
6 - O controle da segunda matrícula no ensino primário, bem como das renovações de matrícula, será efectuado pelo confronto entre a matrícula ou renovações de matrícula, consoante os casos, efectuadas no ano em curso, as efectuadas no ano anterior, as listas de residentes e as listas de abono de família.
7 - Os órgãos do poder local prestarão o apoio adequado à concretização da obrigatoriedade escolar.
8 - Serão emitidos diplomas gratuitos anuais de frequência e aproveitamento.
Artigo 11.º
(Controle de frequência)
1 - Os directores das escolas, os directores de turma ou encarregados de posto, sempre que se verifiquem faltas não justificadas, deverão, em cada caso, averiguar as causas da falta de frequência.
2 - Sempre que tal se mostre aconselhável, as entidades referidas no número anterior deverão solicitar a intervenção dos serviços de acção social, no sentido de serem determinadas as causas das faltas e de serem atenuadas ou eliminadas as mesmas.
Artigo 12.º
(Aproveitamento final)
No final do ensino básico será passado, gratuitamente, o respectivo diploma.
CAPÍTULO III
Garantias de cumprimento de escolaridade
Artigo 13.º
(Diligências quanto à falta de matrícula ou da sua renovação)
1 - Quando se verificar a falta de matrícula de um menor, os directores das escolas, os conselhos directivos ou os encarregados de posto deverão ouvir o respectivo encarregado de educação, no sentido de o esclarecer sobre a obrigatoriedade do ensino básico e de detectar as causas da falta de matrícula.
2 - Sempre que tal se mostre conveniente e tendo em vista a concretização da matrícula ou da sua renovação, as entidades referidas no n.º 1 deverão requerer a colaboração dos serviços de acção social e das autarquias locais.
3 - Na sequência das diligências referidas nos n.os 1 e 2, se não tiver sido ainda efectuada a matrícula ou a renovação de matrícula de um menor, o respectivo encarregado de educação será notificado, por escrito, no sentido de proceder a esse acto no prazo de 8 dias.
4 - As diligências previstas neste artigo não se desenvolvem ou cessam no momento em que se verifique algum dos casos de dispensa de escolaridade a que se refere o artigo 6.º do presente diploma.
Artigo 14.º
(Diligências quanto à falta de frequência)
Sempre que o aluno atinja 5 faltas injustificadas, os directores das escolas, os directores de turma ou os encarregados de posto informarão do facto o encarregado de educação, requerendo a apresentação urgente de uma justificação cabal da não frequência, com indicação das medidas a adoptar no sentido de a mesma não se repetir, mostrando-lhe os efeitos negativos das faltas sobre o aproveitamento e sucesso escolares.
Artigo 15.º
(Diligências quanto à falta de aproveitamento)
1 - Sempre que se verifique não transição de fase ou não passagem de ano, os directores das escolas, os directores de turma ou os encarregados de posto diligenciarão no sentido de serem objectivamente determinadas as causas respectivas.
2 - As entidades referidas no número anterior requererão a colaboração dos serviços de acção social, dos serviços de saúde e da Inspecção-Geral de Ensino, conforme os casos e as circunstâncias determinadas, de modo a serem definidas as medidas convenientes para assegurar nos anos seguintes o aproveitamento dos alunos.
Artigo 16.º
(Falsas declarações)
A prestação dolosa de falsas declarações em matéria de escolaridade obrigatória é punida nos termos da lei geral.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 17.º
(Consequências da não titularidade da escolaridade obrigatória)
A não titularidade de diploma de ensino básico ou de dispensa de escolaridade obrigatória acarreta todos os efeitos decorrentes da legislação ou específica em vigor quanto ao exercício de funções públicas ou privadas.
Artigo 18.º
(Controle)
O controle referido no artigo 10.º do presente diploma passará a ser da competência dos serviços regionais do Ministério da Educação logo que os mesmos sejam instituídos.
Artigo 19.º
(Aplicação do presente diploma)
O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Outubro de 1984.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Agosto de 1984. - Carlos Alberto da Mota Pinto - Eduardo Ribeiro Pereira - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - José Augusto Seabra - Amândio Anes de Azevedo.
Promulgado em 16 de Agosto de 1984.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 17 de Agosto de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.