Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 545/2000/T, de 6 de Fevereiro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 545/2000/T. Const. - Processo 290/00. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Manuel Pereira Cerqueira foi julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, na forma de processo sumário, pela prática de factos que integram o crime de pesca ilegal, previsto e punido pelos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, em conjugação com o n.º 14, alínea a), do edital da Direcção-Geral de Florestas relativo à zona de pesca profissional do rio Lima de 17 de Dezembro de 1999.

O Tribunal recorrido, na sentença proferida em 23 de Fevereiro de 2000 (fls. 17 e seguintes) entendeu "[...] in casu, a infracção de que vem acusado o arguido foi delimitada não por acto legislativo (nem sequer por portaria que rege o exercício da pesca na zona em apreço - sendo que nem esta o poderia fazer), mas por simples edital da Direcção-Geral das Florestas! Ou seja, um dos elementos do tipo de ilícito concreto, aqui em questão - a dimensão da área de exclusão de pesca - foi definido por um acto de valor inferior a acto legislativo, o qual não tem sequer um específico carácter normativo.

Eis-nos, portanto, perante uma inconstitucionalidade formal."

Acrescenta-se mais adiante:

"Doutro ponto de vista, o primado da actividade legislativa incriminadora pertence, como já supra ficou dito, ao Parlamento, podendo este, contudo, autorizar o Governo a emanar decretos-leis sobre aquela matéria.

Desta forma, e como corolário lógico desta restrição, está absolutamente vedado a uma direcção-geral criar ou modificar tipos de crime, sob pena de os actos normativos decorrentes dessa actividade se encontrarem viciados de inconstitucionalidade orgânica.

O que também sucedeu no caso sub judice.

[...]

Pelo exposto, considera-se que enfermam de inconstitucionalidade as normas dos artigos 43.º e 65.º do Decreto-Lei 44 623, de 10 de Outubro de 1962, quando conjugadas com o n.º 14 do edital da Direcção-Geral de Florestas de 17 de Dezembro de 1999, decidindo-se, ao abrigo do artigo 204.º da Constituição, não as aplicar ao caso concreto, devendo daqui ser retiradas todas as consequências legais."

Questionou-se, ainda, na sentença recorrida se o comportamento do arguido seria ainda subsumível à previsão originária dos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, expurgado o processo de incriminação supra-referido, questão a que foi dada resposta negativa, com a consequente absolvição do arguido.

O Ministério Público interpôs então recurso obrigatório para este Tribunal, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, por recusa de aplicação das normas contidas nos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, em conjugação com o disposto no n.º 14 do edital da Direcção-Geral das Florestas de 17 de Dezembro de 1999, com os supra-referidos fundamentos.

O procurador-geral-adjunto em exercício neste Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade das normas em apreço por entender que a técnica legislativa utilizada - o reenvio normativo para preceitos regulamentares e ou concretos actos administrativos dos quais decorre directamente a proibição da conduta e indirectamente a relevância penal da infracção ao respectivo dever de abstenção - não viola a lei fundamental.

Neste sentido, apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

"1.º A norma resultante dos artigos 43.º e 65.º do Decreto-Lei 44 632, de 10 de Outubro de 1962, na parte em que tipifica e sanciona como crime de pesca ilegal a actividade piscatória exercida nas zonas aquáticas delimitadas e assinaladas pela Direcção-Geral das Florestas, em regulamento ou acto administrativo destinado a concretizar, em termos de mero juízo técnico, a protecção dos bens e valores ambientais subjacentes à norma incriminadora, não viola os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade.

2.º Termos em que - por não se verificar inconstitucionalidade material das normas desaplicadas na decisão recorrida - deverá proceder o presente recurso."

Cumpre apreciar e decidir.

2 - Dispõe o artigo 43.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962:

"É proibido pescar, em qualquer época do ano, nas zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução, bem como, e independentemente de qualquer delimitação especial, dentro das eclusas, aquedutos ou passagens para peixes, e profissionalmente a menos de 200 m de barragens e 50 m de açudes, comportas, descarregadores ou quaisquer obras que alterem o regime normal de circulação de águas."

A sanção correspondente à violação de tal dever de abstenção vem prevista no artigo 65.º do mesmo diploma legal e que se transcreve:

"A pesca com inobservância do disposto no [...] artigo 43.º [...], constitui crime punível com a pena de 10 a 30 dias de prisão e multa de 100$00 a 2500$00."

Por seu turno, o citado edital, publicado com expressa invocação do n.º 3 do Regulamento da Zona de Pesca Profissional do Rio Lima, aprovado pela Portaria 929/99, de 20 de Outubro, estabelece no seu n.º 14:

"Tendo em vista a protecção das espécies aquícolas, é proibida a pesca nos seguintes locais:

a) Açude de Ponte de Lima - 50 m para montante e 200 m para jusante;

..."

A Portaria 929/99 é editada "ao abrigo da base XXXIII da Lei 2097, de 6 de Junho de 1959, da alínea d) do artigo 31.º e dos artigos 41.º e 84.º do Decreto 44 623 [...]" e nela é criada uma zona de pesca profissional em determinado trecho do rio Lima (1.ª) e "proibida a pesca profissional em toda a rede hidrográfica do rio Lima, com exclusão da zona de pesca profissional criada nos termos do n.º 1 [...]".

Salienta-se, no preâmbulo, como fundamento da regulamentação então aprovada, "que se torna necessário adoptar medidas com vista à conservação da fauna piscícola, nomeadamente as espécies migradoras existentes no rio Lima, de forma a proporcionar aos pescadores profissionais a usufruição de um recurso natural renovável, sem pôr em causa a sua sustentabilidade".

No Regulamento anexo à portaria, e por ela aprovado, estabelece-se, no n.º 3:

"São definidos por edital da Direcção-Geral das Florestas, consultada a Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho:

...

h) As zonas de protecção onde será proibida a pesca e que serão sinalizadas com placas previstas na legislação em vigor."

Impõe-se, antes do mais, interpretar a sentença recorrida, que se pode subdividir em duas partes.

Na primeira, partindo do enquadramento jurídico-penal dos factos imputados ao arguido tal como ele constava do auto de notícia, entende-se que o bloco normativo constituído pelos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623 e n.º 14 do edital configura um tipo legal de crime diverso do que vem previsto nos dois primeiros preceitos, diferença essa directamente resultante do que estabelece o n.º 14 do edital - este teria introduzido uma modificação num dos elemen tos típicos do crime. E daí a recusa de aplicação daquele bloco por inconstitucionalidade formal e orgânica.

Na segunda, tendo apenas como referência as normas dos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, decide-se que dos factos provados não resultava que o arguido estivesse a pescar na área de proibição definida em tal norma, pelo que se decretou a sua absolvição.

A resolução da questão de constitucionalidade passa, pois, e apenas, pela ponderação do que foi decidido na primeira parte da sentença.

Vejamos.

A aceitar-se, sem crítica, a qualificação feita na sentença do disposto no citado bloco normativo, em particular no que concerne à introdução de um novo elemento típico do crime pelo n.º 14 do edital, não se suscitariam dúvidas de que se verificava a apontada inconstitucionalidade. E isto tanto mais que se considera, na sentença, que "a norma penal fundamental" - aquela que se contém no artigo 43.º do Decreto 44 623 - se encontra perfeitamente definida, "não fazendo remissão - no que tange à parte criminal - para qualquer outro acto normativo que eventualmente a completasse", o que afastaria a discussão sobre a legitimidade constitucional de normas penais em branco. Diga-se, em parêntesis, que, a não ser pelo assinalado ponto de partida - o enquadramento jurídico-penal dos factos feito no auto de notícia - teria então cabimento a pergunta sobre a razão por que a sentença acaba por estabelecer uma ligação entre a proibição do n.º 14 do edital (que não é mais do que uma proibição sem directa relevância penal) com o artigo 43.º do Decreto 44 623, quando ao mesmo tempo reconhece a inexistência de qualquer reenvio neste último preceito ...

Na construção jurídica feita na sentença recorrida mostrar-se-ia, com efeito, violado o princípio da legalidade em matéria de punição criminal consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, enquanto ele proíbe a "intervenção normativa de regulamentos, não podendo a lei cometer-lhes tal competência" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 193; cf., ainda, José de Sousa Brito, "A lei penal na Constituição", in Estudos sobre a Constituição, vol. 2.º, pp. 234-235 e 244).

Reconhecendo que o juízo de inconstitucionalidade se impunha, como se impôs, na interpretação de que o aludido bloco normativo estabelecia um novo tipo legal de crime, a verdade é que esta não pode merecer o sufrágio do Tribunal, como se passa a demonstrar.

O Decreto 44 623 é um "[...] diploma percursor da tutela penal de defesa do ambiente e da ecologia, na específica matéria da pesca e conservação de espécies piscícolas, introduzido na ordem jurídica nacional em 1962, fruto do entendimento do legislador ordinário, no vasto campo de discricionariedade que lhe está assinalado em termos de incriminação, de que as sanções penais eram necessárias, nas suas existência e medida, para tutela da conservação de algumas espécies piscícolas, consagrando assim, pelo menos, uma 'tutela indirecta de ambiente' (ainda mesmo quando este se tome só no enquadramento circunscrito do ambiente em que nascem e se conservam os seres vivos)" (cf. Figueiredo Dias, "Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente", in Revista de Direito e Economia, IV, 1978, p. 4).

O "fomento piscícola" é regulado no capítulo III mediante um conjunto de normas de proibição, designadamente de pesca em determinadas épocas e de determinadas espécies (artigo 29.º), de pesca, comércio, transporte, retenção e consumo de peixes com dimensões inferiores a certos limites (artigo 30.º) e de utilização de determinados processos e instrumentos de pesca (artigos 33.º a 40.º e 44.º).

O sancionamento das práticas proibidas consta do capítulo V ("Responsabilidade penal e civil") ora como transgressão ora como contravenção, ora como crime, com a utilização da técnica quer directamente da descrição das condutas sancionadas, quer por remissão para as normas de proibição.

Reconhecida a inviabilidade de uma regulamentação que pudesse abarcar todas as situações da rede hidrográfica do País e da fauna piscícola existente e, do mesmo passo, a inevitabilidade de intervenções localizadas no espaço e no tempo para protecção das espécies, prevê igualmente o Regulamento, aprovado pelo Decreto 44 623, a alteração das regras nele estabelecidas através de instrumentos normativos mais ágeis, como é o caso da portaria.

A este respeito, avulta desde logo o artigo 31.º, que dispõe como segue:

"O Secretário de Estado da Agricultura poderá, por portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas:

a) Alterar, em todo o País ou em determinadas bacias hidrográficas, sempre que tal se justifique, as épocas de defeso mencionadas no artigo 29.º e as dimensões das espécies aquícolas e das malhas das redes mencionadas nos artigos 30.º e 34.º;

b) Determinar a proibição total ou parcial da pesca de espécies cuja protecção seja reconhecida como necessária, devendo indicar-se quais os cursos de água e o período a que a proibição respeite;

c) Definir as datas de defeso para as espécies que venham a ser introduzidas;

d) Demarcar zonas de pesca profissional com redes e regulamentar o exercício de pesca nessas zonas."

Também o artigo 41.º prevê que o Secretário de Estado da Agricultura possa "adoptar medidas especiais sobre os processos de pesca a adoptar nos cursos de água cujas características se não coadunem com os processos legalmente autorizados".

É neste contexto que surge a Portaria 928/99, a qual, com expressa invocação, entre outros, dos artigos 31.º, alínea d), e 41.º do Decreto 44 623, cria e regula "uma zona de pesca profissional no troço do rio Lima compreendido entre a barragem de Touvedo, concelho de Ponte da Barca, a montante, e a ponte de Lanheses, na freguesia de Lanheses, concelho de Viana do Castelo, a jusante" (1.º).

A pesca profissional é proibida em toda a rede hidrográfica do rio Lima, com exclusão da zona de pesca profissional criada nos termos do n.º 1 e de outras zonas de pesca profissional que venham a ser constituídas (2.º).

O exercício da pesca na zona então criada regula-se pelo Regulamento anexo à portaria.

É precisamente neste Regulamento que se comete à Direcção-Geral das Florestas a definição, mediante edital, designadamente de "zonas de protecção onde será proibida a pesca e que serão assinaladas com placas previstas na legislação em vigor" [n.º 3, alínea h)].

O edital em causa, documentado nos autos a fl. 40, estabelece então a regra já acima transcrita que proíbe a pesca no açude de Ponte de Lima 50 m a montante e 200 m a jusante [n.º 14, alínea a)].

Ora, o Regulamento, aprovado pelo Decreto 44 623, relativamente a pesca em locais onde esta é proibida, apenas pune (com ressalva do disposto no artigo 42.º, que para o caso não interessa) como crime, no citado artigo 65.º, as condutas previstas no artigo 43.º, ou seja:

a) A pesca, em qualquer época do ano, nas zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução; e

b) Independentemente de qualquer delimitação especial, dentro das eclusas, aquedutos ou passagens para peixes e, profissionalmente, a menos de 200 m de barragens e 50 m de açudes, comportas, descarregadores ou quaisquer obras que alterem o regime normal de circulação das águas.

No caso, nunca a punição se poderia fundar na primeira parte do citado artigo 43.º - o arguido não se encontrava a pescar em zona aquática designada e assinalada pela referida direcção-geral (hoje Direcção-Geral das Florestas) para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução.

Foi, aliás, a segunda parte do preceito que a sentença recorrida ponderou para concluir que os limites estabelecidos no edital eram diversos do que naquela se dispunha, sem que nela houvesse qualquer reenvio.

Ora, afigura-se que, ressalvando "qualquer delimitação especial", o citado artigo 43.º, ao mesmo tempo que estabelece a proibição de pesca em todos os açudes e fixa a referida fronteira de 50 m, "recebe" igualmente outros limites na definição dessa área de proibição.

E que delimitações especiais podem ser essas?

Desde logo, as que podem resultar da regulamentação de zonas de pesca profissional que o citado artigo 31.º, alínea d), permite demarcar mediante portaria do Secretário de Estado da Agricultura, regulamentação que, no caso da pesca no rio Lima, admite a definição, por edital da Direcção-Geral das Florestas, de zonas de protecção (onde é proibida a pesca), sinalizadas com placas previstas na legislação em vigor.

Pode, pois, afirmar-se que a segunda parte do artigo 43.º do Regulamento, aprovado pelo Decreto 44 623, prevê directa e expressamente uma proibição - a de pescar em todo e qualquer açude (com uma área que delimita) - reenviando para outras normas não eventuais alterações a essa proibição mas a fixação de limites especiais à área de proibição.

Compreende-se, aliás, que o faça. A multiplicidade de situações possíveis nas inúmeras bacias hidrográficas do País, exigindo, no âmbito de uma política de fomento piscícola e de protecção das espécies (e da própria pesca como actividade lúdica ou profissional), regulamentação (e proibições) específica, não pode ser abrangida por um diploma geral aplicável em todo o território nacional.

Estará, assim, violado o princípio da legalidade em matéria penal?

Afigura-se que não.

Antes do mais, importa acentuar que o Tribunal apenas pode ajuizar se ocorre incompatibilidade material com as normas ou princípios constitucionais por força do disposto no artigo 290.º, n.º 2, da CRP, já que, sendo o Decreto 44 623 anterior à Constituição, está vedado conhecer de eventuais inconstitucionalidades orgânicas ou formais.

Sendo assim, o que está em causa é saber se - por força dessa remissão ou reenvio que decorre da letra do próprio artigo 43.º do Decreto 44 623 - a relevância axiológica do bem a tutelar e os elementos constitutivos do tipo se alcançam apenas e directamente através daquela norma legal ou se, pelo contrário, o bonus pater familias necessita de a completar com as disposições constantes do edital emitido pela Direcção-Geral das Florestas, ou seja, por outras palavras, saber se a dimensão axiológica do bem, o desvalor da acção e a consciência do ilícito se alcançam através apenas do artigo 43.º em conjugação com o artigo 65.º do Decreto 44 623, que estabelece a respectiva punição, ou se o tipo só está completo em termos de permitir ao agente avaliar a ilicitude da sua conduta e determinar o seu comportamento de acordo com essa avaliação com recurso à incorporação da norma constante do edital, em especial do seu n.º 14.

A resposta a esta questão só pode ser no sentido do primeiro termo da alternativa.

Na verdade, o n.º 14 do edital não cria/modifica um novo tipo legal de crime, diferente e autónomo do previsto e punido pelos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962.

É que pela norma incriminatória e independentemente do reenvio normativo - que se cinge à limitação da área de proibição de pesca num determinado açude -, o comportamento sancionado é objectivamente determinável, tornando-se claro o juízo de censura penal para os cidadãos que, deste modo, podem orientar a sua conduta de acordo com esse juízo normativo (cf. "Direito penal - Questões fundamentais. A doutrina geral do crime", apontamentos e materiais de estudo da cadeira de Direito Penal segundo as lições dos Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, p. 172).

Saliente-se que a norma remissiva não delega na Direcção-Geral das Florestas o poder de definir o conteúdo da incriminação, já que os critérios do ilícito penal (desvalor de acção, desvalor de resultado e identificação do bem jurídico tutelado) e os elementos constitutivos do tipo se encontram expressamente previstos nos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962 (cf., em caso semelhante, o Acórdão 427/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol., pp. 697 e segs.).

Neste enquadramento, a prescrição do n.º 14 do edital tem, como bem acentua o Exmo. Magistrado do Ministério Público, "uma dimensão essencialmente técnica e casuística - traduzindo, deste modo, não a formulação de um juízo valorativo de natureza criminal mas a sua execução e concretização [...]".

Pelo que se deixa dito, não parece que se possa qualificar a norma do artigo 43.º do Decreto 44 623 como norma legal em branco, considerando como normas penais em branco aquelas que "[...] que cominam uma pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente actos administrativos autonomamente promulgados em outro tempo e lugar" (cf. Figueiredo Dias e Costa Andrade, ob. cit., pp. 171 e 172) - a concreta delimitação espacial das zonas de exclusão de pesca - açudes, no caso em apreço - não se configura como elemento constitutivo essencial do tipo de ilícito, impedindo que o agente oriente a sua conduta de acordo com o direito.

Estamos, assim, perante uma situação em que o reenvio se circunscreve aos casos relativamente aos quais "a norma penal indica já por si mesma a esfera e conteúdo de desvalor que a norma pretende impor e se relega para o regulamento tão-só a enunciação técnica detalhada [...] enunciação técnica que, ainda, deve ser expressão de um critério técnico já localizável na norma penal de fonte legislativa" (citando Bricola, Luis Arroyo Zapatero, "Princípio de legalidad y reserva de ley en materia penal", in Revista Española de Derecho Constitucional, Maio-Agosto de 1983, t. 8, p. 34).

O princípio da legalidade não resulta assim violado, nomeadamente no plano da determinabilidade, visto que a utilização do reenvio normativo, que assinala in casu que a pesca no açude de Ponte de Lima é proibida, não obsta à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos; enfim, a certeza do direito, a cognoscibilidade acerca de quais as condutas puníveis, não é minimamente afectada pela técnica de reenvio utilizada.

3 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 43.º e 65.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, em conjugação com o disposto no n.º 14 do edital da Direcção-Geral das Florestas de 17 de Dezembro de 1999;

b) Conceder provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformada de acordo com o juízo de constitucionalidade agora formulado.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2000. - Artur Maurício - Luís Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1866542.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1959-06-06 - Lei 2097 - Presidência da República

    Promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do país.

  • Tem documento Em vigor 1962-10-10 - Decreto 44623 - Ministério da Economia - Secretaria de Estado da Agricultura - Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas

    Aprova o regulamento da Lei 2097, de 6 de Junho de 1959, que promulga as bases do fomento piscícola nas águas interiores do País.

  • Tem documento Em vigor 1962-10-15 - Decreto-Lei 44632 - Ministério da Educação Nacional - Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes

    Cria a Comissão Permanente das Organizações Circum-Escolares do Ensino Superior, na Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, estabelecendo a sua composição e competências. Dispõe ainda sobre as organizações circum-escolares, suas atribuições e funcionamento.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1999-10-20 - Portaria 928/99 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Anexa à zona de caça associativa criada pela Portaria nº 546/91, de 24 de Junho, o prédio rústico denominado «Vale Sobroso», sito na freguesia de Santiago, município de Alcácer do Sal (Proc. nº 640-DGF).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda