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Acórdão 162/2000/T, de 10 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 162/2000/T. Const. - Processo 657/99. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

1 - Nos autos de execução sumária a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, em que é exequente M. Carmona & Irmãos, S. A., com sede nessa comarca, e executada Brunus Confecções, Lda., com sede na Amadora, foi expedida à comarca de Lisboa carta precatória para penhora em bens identificados desta última, nos termos do artigo 925.º do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o artigo 1.º, alínea a), do Decreto-Lei 274/97, de 8 de Outubro, seguindo-se a notificação da executada de acordo com o disposto no artigo 926.º do mesmo Código.

Distribuída a deprecada ao 1.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, o Sr. Juiz, por despacho de 21 de Abril de 1999, indeferiu o pedido formulado pela exequente, com base na parte final do artigo 184.º do CPC, após "declarar inconstitucional o artigo 1.º do Decreto-Lei 274/97, de 8 de Outubro, por violação dos artigos 18.º, n.os 1 e 2, e 62.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República" (CR).

O magistrado do Ministério Público competente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do assim decidido, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

Pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei 274/97, diploma que, por alegado vício de inconstitucionalidade, o magistrado recorrido recusou aplicar.

Notificadas as partes para alegar, apenas o Ministério Público o fez.

E concluiu do seguinte modo:

"1.º O regime constante do artigo 1.º do Decreto-Lei 274/97, de 8 de Outubro, ao mandar aplicar à execução para pagamento de quantia certa, de valor não superior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, mesmo que fundada em título extrajudicial, e em que não sejam penhorados imóveis ou estabelecimento comercial, o regime estabelecido no Código de Processo Civil para a execução de sentença condenatória, não viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2.º O diferimento do contraditório do executado para momento ulterior à realização da penhora - permanecendo esta como provisória até julgamento da oposição eventualmente deduzida na sequência da notificação pessoal do executado, nos termos do artigo 926.º do Código de Processo Civil -, ditado por prementes razões de celeridade e eficácia na efectivação prática e em tempo útil do direito do credor, não viola o referido princípio constitucional, atento o regime globalmente traçado para a tramitação de tal acção executiva.

3.º Na verdade - e para além de o próprio título executivo ser um documento que certifica ou indicia necessariamente, em termos julgados bastantes, a existência do débito - cumpre ao juiz, antes de ordenar a penhora, proferir despacho liminar, nos termos dos artigos 925.º e 811.º-A do Código de Processo Civil, devendo indeferir o requerimento executivo nos casos previstos nesta disposição legal, e sendo subsequentemente facultada ao executado, na sequência de notificação pessoal, nos termos do artigo 926.º, o pleno contraditório, quanto à própria execução, ao despacho determinativo da penhora e à realização desta (artigos 926.º, n.º 3, 863.º-A e 815.º do Código de Processo Civil).

4.º E podendo o credor, que haja instaurado de forma temerária ou negligente execução com base em crédito inexistente ou já extinto, ser responsabilizado por todos os danos que tenha causado ao executado em consequência do desapossamento dos bens penhorados, através da possível condenação como litigante de má fé, nos termos dos artigos 456.º e 457.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

5.º Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida."

Cumpre decidir.

II

1 - O âmbito do presente recurso de constitucionalidade circunscreve-se à apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 1.º do Decreto-Lei 274/97, de 8 de Outubro, que assim prescreve:

"Artigo 1.º

Execução para pagamento de quantia certa

A execução para pagamento de quantia certa, baseada em título que não seja decisão judicial condenatória, segue, com as necessárias adaptações, os termos do processo sumário, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

a) Ser a execução de valor não superior ao fixado para a alçada do tribunal de 1.º instância;

b) Recair a penhora sobre bens móveis ou direitos que não tenham sido dados de penhor, com excepção do estabelecimento comercial."

A tese sustentada pelo magistrado recorrido, se bem se entende, parte do reconhecimento do direito de propriedade a nível constitucional, tal como consagrado está no n.º 1 do artigo 62.º da CR, daí retirando que os titulares da propriedade de bens só podem ser privados destes, contra sua vontade, na sequência de uma decisão judicial, mediante contrapartida de natureza patrimonial, em casos de interesse ou utilidade pública. É, no entanto, em sede do contraditório que, afinal, radica o fundamento para a recusa de aplicação normativa: no caso da norma em questão, em que o executado não tem oportunidade de se defender das pretensões contra si deduzidas, como sucede nas acções executivas em que o título executivo é uma sentença judicial, o princípio do contraditório mostra-se violado, com natural implicação no direito de acesso aos tribunais que, assim, se veria contrariado, de forma desrazoável e intolerável.

2 - A medida decretada pelo Decreto-Lei 274/97 integra-se no propósito do legislador em simplificar e abreviar o processo de execução, dado o reconhecimento da necessidade de uma profunda revisão desse tipo de processo (cf. a nota preambular ao diploma).

Nesta linha de actuação, a norma agora desaplicada veio dispor que se uma execução for de valor não superior ao da alçada do tribunal de 1.ª instância e estiver baseada em título executivo representativo de uma obrigação, que não seja uma decisão judicial, segue a forma do processo sumário, desde que a penhora não recaia sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial ou sobre bens móveis dados em penhor.

Ora, na forma sumária do processo executivo o direito de nomear bens à penhora pertence exclusivamente ao exequente, que os nomeará logo no requerimento executivo, e só depois de feita a penhora se cita o executado, sendo simultaneamente notificado do requerimento, do despacho determinativo da penhora e da realização desta para, querendo, deduzir, no prazo de 10 dias, embargos de executado ou oposição à penhora (cf. os artigos 924.º e 926.º do CPC).

As formas do processo executivo para pagamento de quantia certa que já se determinavam, essencialmente, não pelo valor mas sim em função da natureza do título executivo - após as modificações operadas pelos Decretos-Leis 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro - sofreram, com o Decreto-Lei 274/97, a incidência da aplicação de um novo critério, que amplia o âmbito da execução sumária, nela incluindo certos casos de execução de títulos extrajudiciais que, perante a regra constante do artigo 465.º do CPP, deveriam correr sob a forma ordinária (cf. Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, p. 314).

No fundo, o que o novo diploma veio, nesta parte, introduzir, foi uma alteração na forma do processo de execução.

Sofrerá essa iniciativa, no tocante à norma em causa, da apontada inconstitucionalidade?

Entende-se que não.

3 - A Constituição, no n.º 5 do seu artigo 32.º, expressamente consagra o princípio do contraditório no âmbito do processo criminal. Sem embargo, é pacificamente entendido que a mesma dignidade constitucional assiste no processo civil: o Estado de direito democrático, acolhido pelo artigo 2.º da lei fundamental, reclama a existência de um processo equitativo e leal em que as partes, como se observa no Acórdão deste Tribunal n.º 249/97, inter alia, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Maio de 1997, possam expor oportunamente as suas razões, oferecer as suas provas e pronunciar-se sobre as da parte contrária, na sequência da lição de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1976, p. 377).

O contraditório, enquanto "princípio reitor do processo civil" e, como tal, assumido pelo artigo 3.º do respectivo Código, constitui, por sua vez, uma decorrência do direito de acesso aos tribunais, também constitucionalmente garantido (n.º 1 do artigo 20.º da CR), configurando-se esta como o direito a ver solucionados os conflitos segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência. Nele as partes encontram-se em condições de plena igualdade no que toca à defesa dos respectivos pontos de vista (como, por sua vez, se escreveu no Acórdão 346/92, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23.º vol., pp. 451 e segs.).

A norma questionada não atenta, no entanto, contra aquele princípio.

Na verdade, uma vez realizada a penhora, não se negam ao executado os meios que lhe permitam opor-se à execução ou à penhora, nos termos prescritos no artigo 926.º do CPC, apenas se diferindo para momento ulterior à penhora o exercício do contraditório, como, de resto, já no anterior regime constava (artigo 927.º) - cf. Carlos Lopes do Rego, ob. cit., p. 617.

A esta luz, o diferimento do contraditório pressupõe a provisoriedade da penhora até ao julgamento da oposição eventualmente deduzida, e justifica-se por razões de celeridade e eficácia na efectivação prática e em tempo útil do direito do credor, sem afectar, ao menos desproporcionadamente, o princípio do contraditório, em si mesmo considerado.

Como, aliás, destaca o Ministério Público, nas suas alegações, não só o procedimento previsto da dispensa de prévia citação do executado apenas funciona em relação a dívidas de pequeno valor - e em que a existência de um título executivo extrajudicial sempre funciona em termos de razoável probabilidade quanto à existência e à exigibilidade do débito exequendo -, como não dispensa o mecanismo cautelar do indeferimento liminar pelo juiz, nos termos do artigo 811.º-A do CPC, permitindo, sempre e de qualquer modo, a plena oportunidade de defesa pelo executado, pela oposição mediante embargos, onde pode questionar quer a execução, quer o próprio acto de penhora, quer a legalidade do despacho que a ordena (CPC, artigos 926.º, 815.º e 863.º-A).

Não se entende, na verdade - para já não falar na observância do instituto da litigância de má fé -, como se pode surpreender excesso, constitucionalmente censurável, no mecanismo acolhido pelo Decreto-Lei 274/97, no seu artigo 1.º - exercendo-se o contraditório, se bem que diferidamente, obstando a oposição à execução ou a dedução de embargos, na sequência desse contraditório, a passagem à fase da venda, que, a ocorrer, configuraria, essa sim, a frustração dos direitos legítimos do executado.

4 - Não é, também, posto em causa o invocado direito de propriedade, que o despacho recorrido convoca para articular com a argumentação tecida em torno dos princípios do contraditório e do acesso ao direito e aos tribunais, do mesmo passo violando o princípio da proporcionalidade, contido no artigo 18.º, n.os 1 e 2, da CR.

Com efeito, a medida legislativa em referência não afecta intolerável e desproporcionadamente o direito do executado, na medida em que a penhora não implica privação do direito de propriedade sobre o bem penhorado.

III

Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinar a reforma da decisão recorrida, de acordo com o formulado juízo de constitucionalidade.

Lisboa, 22 de Março de 2000. - Alberto Tavares da Costa - Messias Bento - Maria dos Prazeres Beleza (vencida, nos termos de declaração de voto junta) - José de Sousa e Brito (vencido, nos termos de declaração de voto junta) - Luís Nunes de Almeida.

Declaração de voto

Votámos vencidos, no essencial, pelas seguintes razões:

1 - O princípio do contraditório é, não só, um princípio fundamental do Processo Civil (cf., em especial, o artigo 3.º do Código de Processo Civil), mas um princípio constitucionalmente tutelado, enquanto integrante do princípio do Estado de direito democrático e do acesso à justiça e aos tribunais (respectivamente, artigos 2.º e 20.º da Constituição), como o Tribunal Constitucional afirmou por diversas vezes (ver, por exemplo, os Acórdãos n.os 47/90, 337/90 ou 284/91, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15.º vol., pp. 177 e segs., 17.º vol., pp. 307 e segs, e 19.º vol., pp. 395 e segs.).

2 - A primeira e mais elementar exigência do princípio do contraditório é o reconhecimento, àquele contra quem se formula uma pretensão, do direito de se defender antes de o tribunal a apreciar. Só em casos excepcionais em que a defesa prévia poderia inutilizar a medida solicitada é legítimo (e necessário) admitir que a decisão a preceda; é o que pode suceder, como se sabe, no domínio da justiça cautelar.

3 - Com a reforma do Código de Processo Civil operada pelos Decretos-Leis 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro, entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1997, foram reduzidas a duas as formas de processo executivo comum, explicando o legislador no preâmbulo do primeiro que se "operou [...] uma fundamental diferenciação entre a execução de sentença, por um lado, e a execução de qualquer outro título executivo ou de decisão condenatória que careça de ser liquidada em plena fase executiva, e reservando-se para a primeira - qualquer que seja a dilação temporal entre a data em que foi proferida a sentença e o momento da instauração da execução -, o figurino da actual execução, sumaríssima, traduzido na desnecessidade de citação inicial do executado, com imediata realização da penhora e concentração, em momento anterior a esta, da reacção à admissibilidade, quer da própria execução, quer da penhora efectuada".

Elegeu-se, assim, como critério fundamental de delimitação a natureza - judicial ou extrajudicial, ou seja, resultante de processo onde o executado foi já citado e condenado, ou não - do título executivo; e apontou-se como diferença também fundamental das duas formas de processo a inexistência ou existência de citação do executado antes da realização da penhora.

Mais não fez o legislador, aliás, do que respeitar o que afirma, em diversas passagens do mesmo preâmbulo, sobre a relevância do princípio do contraditório, em obediência ao qual introduziu diversas alterações ao longo do Código.

4 - A verdade, todavia, é que o formalismo do processo comum ordinário de execução não se mostra adequado à execução de dívidas de baixo valor; rapidamente se verificou que o regime anterior era, neste ponto, preferível.

Aprovou-se, então, o Decreto-Lei 274/97, de 8 de Outubro, sem, todavia, se alterar expressamente o Código de Processo Civil.

Contrariando o critério de delimitação antes escolhido, o novo diploma veio permitir a utilização da forma sumária para a execução de títulos extrajudiciais - que, note-se, podem ser simples escritos particulares sem qualquer força probatória no que toca à respectiva autoria [cf. nova redacção da alínea c) do artigo 46.º do Código de Processo Civil].

Poder-se-ia sustentar que, mandando o artigo 1.º do referido Decreto-Lei 274/97 aplicar as regras do processo sumário "com as necessárias adaptações", entre elas, se contaria a citação inicial do executado, anterior, portanto, à determinação da realização da penhora, que é, sem dúvida, um acto particularmente agressivo do património do executado.

Não foi, todavia, nesse sentido que, neste caso, o juiz interpretou tal norma, antes pressupôs a impossibilidade de citação inicial. E, assim sendo, votámos vencidos a decisão de a julgar não inconstitucional, não por ocorrer violação dos artigos 18.º, n.os 1 e 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, mas por se verificar uma infracção do princípio do contraditório.

5 - Diga-se, a terminar, que nem sequer se afigura necessária tal infracção para alcançar o objectivo da celeridade obviamente pretendido pelo Decreto-Lei 247/97. Com efeito, sempre haverá citação do executado (cf. n.os 1 e 4 do artigo 926.º do Código de Processo Civil); não se vê, portanto, que tal finalidade ficasse comprometida se a citação precedesse a penhora e se, quanto ao mais, se aplicassem as regras da execução sumária. - Maria dos Prazeres Beleza - José de Sousa e Brito.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1828815.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-19 - Decreto-Lei 247/97 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Admite um regime excepcional de contratação temporária de pessoal para exercer funções de vigilância da floresta com o objectivo de prevenir os incêndios florestais.

  • Tem documento Em vigor 1997-10-08 - Decreto-Lei 274/97 - Ministério da Justiça

    Torna extensivo o regime do processo sumário de execução às acções executivas para pagamento de quantia certa baseadas em título diverso de decisões judicial, desde que o seu valor não exceda o da alçada do tribunal de primeira instância e que a penhora recaia sobre bens móveis ou direitos que não tenham sido dados de penhor (com excepção do estabelecimento comercial)

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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