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Acórdão 149/2000/T, de 9 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 149/2000/T. Const. - Processo 406/99. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - Carlos Manuel Fernandes de Oliveira Sabino foi acusado, pelo Ministério Público (fls. 22 e segs.), pela prática de um crime de desobediência, previsto nos n.os 1 e 3 do artigo 161.º do Código da Estrada (a que corresponde o artigo 167.º, n.os 1 e 3, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Fevereiro) e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Por sentença de 5 de Março de 1999 (fls. 47 e segs.), o Tribunal Judicial da Comarca de Soure, estabelecendo o paralelismo entre as situações previstas no artigo 161.º, n.os 1 e 3, do Código da Estrada (correspondente ao actual artigo 167.º, n.os 1 e 3) e no artigo 500.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, decidiu:

"Daqui resulta que situações materialmente idênticas têm consequências jurídicas perfeitamente distintas, considerando até que a solução mais gravosa ao indivíduo - imputação de crime - decorre de uma decisão de carácter administrativo, consequência que não sofreria se fosse judicialmente condenado na sanção de inibição.

Por considerar que assim é violado o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, decido por isso desaplicar o fundamento legal da imputação criminal ao arguido nestes autos, por julgar inconstitucional a norma contida no artigo 161.º, n.º 3, do Código da Estrada, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, actualmente prevista no artigo 167.º, n.º 3, do mesmo diploma, com a revisão operada pelo Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro."

2 - Desta decisão foi interposto recurso, para o Tribunal Constitucional, pelo representante do Ministério Público na comarca de Soure, através de requerimento assim redigido (fl. 50):

"O procurador-adjunto nesta comarca vem aos autos supra referenciados interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e seguintes da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

Por ter legitimidade, requer, pois, a sua admissão imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 401.º, 406.º, 407.º e 408.º, todos do CPP ex vi do artigo 78.º, n.º 2, da aludida Lei 28/82)."

Tal recurso foi admitido por despacho de fl. 52.

3 - Já no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho pela relatora mandando notificar o recorrente, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de fl. 50, indicando a norma cuja inconstitucionalidade pretendia que este Tribunal apreciasse.

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional correspondeu ao convite, dizendo que "a norma que constitui objecto do presente recurso é a que consta do artigo 161.º, n.º 3, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio - e que corresponde ao conteúdo normativo do artigo 167.º, n.º 3, do mesmo Código, na redacção emergente do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro - na parte em que tipifica como crime de desobediência o comportamento do condutor que - notificado para entregar a carta ou licença de condução a apreender pela entidade competente - o não faça no prazo legal. Tal norma foi desaplicada, na decisão recorrida, com fundamento em inconstitucionalidade decorrente de violação do princípio da igualdade, instituído pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa" (fl. 58).

4 - Nas conclusões das suas alegações (fls. 60 e segs.), veio o Ministério Público dizer que:

"1.º Não são situações materialmente idênticas as que respeitam ao regime da execução da medida de inibição de conduzir, consoante esta seja decretada por um órgão jurisdicional ou por uma autoridade administrativa.

2.º Na verdade, não sendo viável a esta última a adopção de medidas coercivas, limitadoras dos direitos fundamentais do arguido (revistas, buscas) destinadas a apreender a carta ou licença de condução, não espontaneamente entregue, bem se compreende que o Código da Estrada puna como integrando o crime de desobediência a omissão culposa do arguido.

3.º Pelo contrário, tendo o tribunal plenos poderes para efectivar, específica e coercivamente, a sanção acessória que tenha decretado, não se justificaria tal punição, sem prejuízo dos casos em que ulteriores condutas do arguido possam implicar, nos termos gerais, desobediência a específicas e expressas cominações ou mandados legítimos da autoridade ou do funcionário encarregado de proceder à referida apreensão.

4.º Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com a constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida."

Por sua vez, nas conclusões das contra-alegações (fls. 67 e segs.), disse o recorrido Carlos Manuel Fernandes de Oliveira Sabino:

"1.º O artigo 167.º, n.º 3, do Código da Estrada não está conforme a melhor doutrina nacional e estrangeira, que se vem esforçando, de alguns anos a esta parte, por delinear uma linha de fronteira bem definida entre crime e contra-ordenação.

2.º O artigo 167.º, n.º 3, do Código da Estrada viola o princípio constitucional da igualdade material: entidades diversas (Administração/tribunal) aplicam a mesma sanção acessória: a eventual desobediência, latu sensu, em que o cidadão venha a incorrer na execução daquela sanção é tratada de forma díspar, com consequências jurídicas distintas conforme a entidade que aplicou a sanção: num caso o cidadão é punido, sem mais, pela prática de um crime de desobediência; no outro caso ao cidadão resta aguardar que o tribunal ordene a apreensão da licença de condução, podendo, eventualmente, caso não acate a subsequente intimação judicial que lhe for dirigida, preencher a previsão genérica do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

3.º Nada obsta a que a Administração Pública possa recorrer aos tribunais para que estes, por sua vez, adoptem as medidas coercivas necessárias à apreensão da carta ou licença de condução. Basta que haja emanação de norma geral e abstracta por quem de direito nesse sentido. O próprio artigo 167.º, n.º 4, in fine, do Código da Estrada abre a possibilidade da entidade administrativa competente determinar a apreensão da carta ou licença de condução através da autoridade de fiscalização do trânsito e seus agentes.

4.º O modus operandi do artigo 167.º, n.º 3, do Código da Estrada é absolutamente diverso do preconizado pelo artigo 500.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal: não obstante a igualdade material das situações, no primeiro caso o cidadão que não entregue a sua licença ou carta de condução incorre automaticamente na prática de um crime de desobediência; no segundo caso tudo vai depender do comportamento do cidadão quando confrontado com a autoridade policial que for enviada pelo tribunal para apreender a carta ou licença de condução."

II - 5 - É o seguinte o teor da norma constante do n.º 3 do artigo 161.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio (e que corresponde ao conteúdo normativo do artigo 167.º, n.º 3, do mesmo Código, na redacção emergente do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro), que a decisão recorrida recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade:

"Artigo 161.º

Outros casos de apreensão de cartas e licenças de condução

1 - As cartas e licenças de condução devem ser apreendidas para cumprimento da inibição de conduzir ou da cassação da carta ou licença.

2 - ...

3 - Nos casos previstos nos números anteriores, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias, entregar a carta ou licença de condução à entidade competente, sob pena de desobediência." (Itálico aditado agora.)

6.1 - Para cabal compreensão do preceito legal transcrito, refira-se que, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, "as contra-ordenações graves e muito graves [previstas no Código da Estrada] são puníveis com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir".

A sanção acessória de inibição de conduzir pode ser decretada pela autoridade administrativa competente, nos termos gerais das normas que regulam o processo das contra-ordenações (artigo 152.º do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio).

6.2 - Pode, todavia, suceder que seja um tribunal, e não uma autoridade administrativa, a decretar a proibição de conduzir veículos motorizados, como pena acessória. A essa situação se refere o artigo 500.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro.

Dado que, no presente caso, foi recusada a aplicação da norma contida no n.º 3 do artigo 16l.º do Código da Estrada com o fundamento de que trataria de modo mais gravoso uma situação materialmente idêntica à regulada no referido artigo 500.º do Código de Processo Penal, justifica-se a transcrição das pertinentes disposições deste artigo:

"Artigo 500.º

Proibição de condução

1 - ...

2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução."

Saliente-se ainda que o artigo 500.º do Código de Processo Penal se insere sistematicamente nas disposições do mesmo Código relativas às execuções das decisões penais (livro X) e, dentro destas, nas disposições relativas à execução das penas não privativas da liberdade (título III do livro X).

7 - Na interpretação perfilhada na decisão recorrida, resultaria da comparação entre o artigo 161.º, n.º 3, do Código da Estrada (redacção do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio) e os n.os 2 e 3 do artigo 500.º do Código de Processo Penal que, se o condenado na inibição de conduzir não entregar voluntariamente a carta ou licença de condução à entidade competente, se sujeita à pena do crime de desobediência ou apenas à apreensão dessa carta ou licença, conforme a inibição de conduzir constitua sanção acessória de uma contra-ordenação, ou pena acessória.

Esta dualidade de regimes implicaria, segundo o tribunal recorrido, violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição.

Vejamos se assim é.

8 - Sendo a inibição de conduzir decretada como pena acessória, é possível ao órgão que decretou a pena - o tribunal - usar os meios coercitivos necessários e juridicamente admissíveis à execução dessa decisão. Se, ao invés, a inibição de conduzir for decretada como sanção acessória de uma contra-ordenação, a autoridade administrativa que a pretenda executar não pode usar desses meios, quando os mesmos colidam com certos direitos fundamentais (veja-se, nomeadamente, o artigo 34.º, n.º 2, da Constituição, relativo à necessidade de autorização judicial para se proceder a buscas). Refira-se, aliás, que o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (que institui o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo), faz eco desta maior limitação dos poderes das autoridades administrativas em sede processual, ao vedar, na pendência deste, o uso de certos "meios de coacção".

A diferente possibilidade de uso de meios coercitivos para a execução das próprias decisões explica o diferente tratamento da falta de entrega da carta ou licença de condução, consoante a inibição de conduzir tenha sido decretada por um tribunal ou por uma autoridade administrativa. No primeiro caso, nada obsta a que a entidade que proferiu a decisão ordene a efectiva apreensão da licença, mediante o recurso aos meios coercitivos que forem possíveis; no segundo caso, e como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, "as alternativas que se colocavam ao legislador seriam precisamente a de criminalizar a omissão culposa do arguido ou facultar à Administração o recurso ao tribunal, com vista à autorização das ditas medidas coercivas que visassem a efectivação da apreensão da carta ou licença de condução".

Conclui-se, assim, que a norma ínsita no n.º 3 do artigo 161.º do Código da Estrada não trata de forma discriminatória o condenado na sanção acessória da inibição de conduzir, por referência ao condenado na pena acessória equivalente, na medida em que os meios ao alcance das entidades que proferiram as decisões em causa são, por natureza, distintos e, como tal, são, por natureza, distintas as formas de executar essas decisões.

A menor ressonância ético-jurídica das decisões emanadas das autoridades administrativas em sede de processo contra-ordenacional, face às decisões dos tribunais, não permite, ao contrário do que o recorrido invoca nas suas alegações, afirmar a existência de qualquer discriminação. Com efeito, o n.º 3 do artigo 161.º do Código da Estrada, por si só ou em conjugação com o artigo 500.º do Código de Processo Penal, não reveste as decisões administrativas de força executiva superior à das decisões dos tribunais, nem consagra mecanismos mais eficazes para o cumprimento das primeiras.

Não resulta, assim, violado o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

III - 9 - Nestes termos, e pelos fundamentos invocados, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 161.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, na parte em que tipifica como crime de desobediência o comportamento do condutor que, notificado para entregar a carta ou licença de condução a apreender pela entidade competente, o não faça no prazo legal;

b) Conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada de acordo com o presente julgamento sobre a questão de constitucionalidade.

Lisboa, 21 de Março de 2000. - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1828281.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-03 - Decreto-Lei 114/94 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o Código da Estrada, cujo texto se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1998-01-03 - Decreto-Lei 2/98 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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