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Acórdão 46/2008, de 4 de Março

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Sumário

Julga inconstitucionais as normas constantes do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente

Texto do documento

Acórdão 46/2008

Processo 1055/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

1. Relatório

O representante do Ministério Público junto da 3.ª Vara Cível do Porto interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho de 4 de Julho de 2007 do respectivo Juiz, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação do "Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março, na parte em que determina que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos", e, consequentemente, julgou procedente o recurso interposto por Célia Conceição Magalhães Silva da decisão do Centro Distrital de Segurança Social do Porto, de 2 de Maio de 2007, que, perante seu pedido de concessão de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos do processo e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado pelo exequente, com vista a intervir em processo de execução em que era executada, apenas lhe concedeu os benefícios de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento faseado da remuneração do solicitador de execução designado.

É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que releva para apreciação do presente recurso:

"Como fundamento deste recurso, alegou a requerente que, face à sua situação económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao dispositivo legal previsto no n.º 2 do artigo 20.º, afastando os critérios definidos no Anexo à Lei 34/2004, por forma a ser-lhe concedido o benefício do apoio judiciário.

A faculdade a que alude a requerente está prevista para a Segurança Social em sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que então prevê a lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos critérios previstos no Anexo à Lei 34/2004, para aferir da situação de insuficiência económica da requerente em concreto, através do recurso a uma Comissão para o efeito constituída expressamente.

Tal possibilidade não está todavia prevista na lei em sede de recurso, por via judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência económica alegada pelo requerente de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em Anexo à Lei 34/2004 (e Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, que veio concretizar tais critérios, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março), que o requerente através deste recurso pretende sejam afastados.

O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas matemáticas, porém, impossibilita o tribunal de aferir em concreto da situação económica do requerente do benefício do apoio judiciário.

Nos termos do artigo 20.º da CRP, «1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».

A garantia constitucionalmente consagrada de acesso ao direito a todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente protegidos constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Direito este a ser concretizado através das leis, sobretudo processuais. Dependendo, pois, da estrutura processual global concretamente instituída a efectividade de muitos direitos, liberdades e garantias (cf. Direito Constitucional, Prof. Gomes Canotilho, 4.ª edição, p. 772).

Sendo o acesso aos tribunais o meio de defesa por excelência dos direitos referidos no artigo 20.º da Constituição, constituem os tribunais a instância última de defesa da liberdade e dignidade dos cidadãos (cf. Prof. José Carlos Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, pp. 368/369).

O princípio do acesso ao direito pretende garantir, assim, não só o reconhecimento da possibilidade da defesa sem lacunas, como também o exercício efectivo deste direito, que se pode traduzir, por exemplo, e no que ora interessa, no direito a litigar com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, incluindo pagamento da remuneração do solicitador de execução nomeado.

Sendo certo que todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição (cf. artigo 3.º, n.º 3, da CRP), temos como consequência que toda a norma que viole os preceitos constitucionais é inconstitucional.

Para efeitos de se controlar a constitucionalidade de um acto normativo «é a Constituição no seu todo - tanto, pois, no que toca às suas regras de competência e de procedimento legislativo, como aos seus princípios materiais e aos valores nestes incorporados - que é tomada como padrão do julgamento de constitucionalidade» (cf. Cardoso da Costa, A Justiça Constitucional no quadro das funções do Estado, p. 51, citado por Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, p. 389).

Sendo material a inconstitucionalidade quando se infringem os princípios materiais incorporados na Constituição (os vícios materiais são vícios das disposições), orgânica quando se desrespeitam normas de competência nela estabelecidas e é formal quando se transgridem regras de forma ou de procedimento por ela definidas (cf. o mesmo autor, p. 390).

Tecidos estes considerandos e tendo presente a garantia efectiva de acesso aos tribunais a todos consagrada no artigo 20.º da CRP, impõe-se analisar a constitucionalidade material do Anexo à Lei 34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março.

Nos termos do artigo 1.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. Compreendendo o acesso ao direito a informação jurídica e a protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (cf. artigos 2.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, da citada Lei).

Definindo quem tem direito à protecção judiciária, dispõe o artigo 7.º, n.º 1, da mesma lei que a esta têm direito «[...] os cidadãos que demonstrem estar em situação de insuficiência económica». Esclarecendo o artigo 8.º que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas de suportar pontualmente os custos de um processo.

Sendo a prova e a apreciação da insuficiência económica feitas de acordo com os critérios estabelecidos em Anexo à presente lei (n.º 5 deste artigo 8.º e n.º 1 do artigo 20.º).

Neste Anexo, por sua vez, é dito que a insuficiência económica é apreciada pelo rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar do requerente, nos termos que aí são indicados no n.º 1. Definindo-se ainda, no n.º 3 do ponto 1 do Anexo, que para efeitos desta lei se considera pertencerem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica.

Visando concretizar os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, foi publicada a Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março, onde, e para além do mais, foi concretizada a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica a que se refere o critério de avaliação da insuficiência económica do requerente previsto na Lei, nos termos dos artigos 6.º a 10.º desta Portaria.

Por base tendo sempre o rendimento líquido completo do agregado familiar. Resultando este da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (ou seja, o rendimento depois do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para os regimes da segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar.

Da conjugação destes normativos resulta que a concessão da protecção jurídica passou a depender do valor do rendimento relevante para esses efeitos, determinado a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o requerente desta protecção jurídica e independentemente de este auferir em concreto um qualquer rendimento, ou ainda de em concreto ele ter de suprir outras despesas que tal fórmula não prevê sejam consideradas. É o caso dos autos, em que, fruto da aplicação de tais fórmulas matemáticas, para além de uma penhora sobre o vencimento do cônjuge da requerente, viu-se a requerente obrigada, juntamente com seu marido, a pagar em três processos o montante de 90 (euro) em cada processo (45 (euro) para cada cônjuge), num total de 270 (euro) mensais.

Para além de que, mesmo em relação às despesas que a fórmula prevê sejam consideradas, como é o caso da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar, resulta esta dedução também da aplicação de um coeficiente determinado em função de diversos escalões de rendimento, implicando na prática a não consideração directa do valor em concreto que é despendido pelo agregado familiar.

Se levarmos em consideração o valor do rendimento mensal líquido deste agregado - no montante de 772,12 (euro) (386,32 (euro) - fls. 16 + 385,80 (euro) - fls. 15), deduzido do valor pago mensalmente de renda de casa - 284,00 (euro) - fls. 50, restam 488,12 (euro), com os quais a requerente e seu marido, que constitui o seu agregado familiar, têm que fazer face às despesas básicas de alimentação, saúde, água e luz, para além de vestuário.

Acresce que, por força do decidido neste incidente e nos outros dois mencionados nestes autos, do pecúlio mensal disponível de 488,12 (euro), a requerente e seu marido teriam de subtrair mais 270,00 (euro), o que na prática implicaria ficarem com 218,12 (euro) mensais para fazer face às mencionadas despesas básicas de sobrevivência humana.

Note-se que desde 1 de Janeiro de 2007 o valor do salário mínimo nacional é de 403,00 (euro).

Temos, assim, de concluir que, na prática, o modo de cálculo rígido imposto, sem abrir a possibilidade de em concreto se aferir a situação económica do(s) requerente(s), que bem pode(m) na prática não fruir de facto qualquer rendimento do terceiro que integra a economia comum e que é o contribuinte do rendimento para o agregado familiar, ou que na prática tem outros encargos obrigatórios - não considerados na fórmula matemática de forma directa - que lhe não permitem suportar as despesas com o processo judicial, manifestamente não garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos de uma demanda judicial. Violando assim o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito a todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (cf. artigo 20.º, n.º 1, da CRP).

De tudo o exposto decide-se não aplicar o Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março, na parte em que determina que seja considerado, para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado familiar calculado nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente, por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Considerando-se como factualidade assente, face à prova documental oferecida nos autos, que a requerente tem um agregado familiar composto por si e seu marido; que recebe de subsídio de desemprego o valor de 385,80 (euro) mensais (fls. 97); que no vencimento do seu cônjuge é descontado o valor mensal de 21,85 (euro) a título de desconto judicial, pelo que este recebe mensalmente 386,32 (euro) líquidos (fls. 67); que o requerente e sua esposa pagam de renda de casa mensalmente a quantia de 284,00 (euro) (fls. 50), ficando com o restante para fazer face às necessidades básicas do seu agregado familiar composto por duas pessoas, sem esquecer que a requerente e seu marido requereram o benefício do apoio judiciário em três processos, incluindo o ora em apreciação, em todos tendo sido decidido, face aos seus rendimentos, estarem obrigados ao pagamento faseado da taxa de justiça no valor de 45,00 (euro) mensais para cada um, temos como certo que a decisão, no que agora nos diz respeito, no âmbito deste apenso proferida, é violadora do acesso ao direito e aos tribunais por parte da requerente, já que a mesma se encontra, na verdade, em situação de efectiva insuficiência económica, a justificar a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade por si requerida.

Sendo assim de concluir pela procedência da impugnação deduzida, concedendo à requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade pretendida, ou seja, na modalidade de total dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Já não do pagamento de remuneração do solicitador de execução, por este não ter nos autos sido designado (já que a execução de que estes autos são apenso se encontra pendente desde Março de 2003)."

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1.º - O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efectividade da protecção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente.

2.º - Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a obrigatória, tabelar e rígida ponderação do «rendimento relevante» do agregado familiar, exclusivamente em função dos índices e coeficientes estabelecidos nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, em conexão com o Anexo à Lei 34/2004, nomeadamente para a determinação dos valores adequados à satisfação das «necessidades básicas» do agregado familiar, desvalorizando a amputação patrimonial decorrente de penhora incidente sobre o vencimento do requerente e do pagamento faseado de custas nos vários processos em que simultaneamente é parte, conduzindo à possibilidade de denegação administrativa do apoio judiciário, na modalidade pretendida, mesmo quando uma apreciação, casuística e prudencial, das circunstâncias do caso revela manifestamente a existência de uma situação de carência económica, inibidora do acesso ao direito e aos tribunais.

3.º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."

A recorrida não contra-alegou.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

2.1. O complexo normativo que integra o objecto do presente recurso já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, embora numa dimensão normativa não inteiramente coincidente com a agora em causa.

Com efeito, no Acórdão 654/2006 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Janeiro de 2007, p. 1650), este Tribunal julgou inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, "o Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento", juízo este que foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 603/2007 e 625/2007 (os textos integrais destas Decisões Sumárias, bem como do referido Acórdão, estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

O juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão 654/2006 baseouse na seguinte fundamentação jurídica:

"II. Fundamentação

1 - A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo esta decisão, a aplicação do Anexo à Lei 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme ao direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais.

Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.

Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:

«I - Apreciação da insuficiência económica

1 - A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:

a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;

b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio judiciário;

c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;

2 - (...)

3 - Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica.» (itálico aditado).

Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, que procede à concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, têm o seguinte conteúdo:

«SECÇÃO II

Apreciação do requerimento

Artigo 6.º

Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - Para efeitos do disposto no anexo da Lei 34/2004, de 29 de Julho, o rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (Y(índice AP)) é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A), ou seja, Y(índice AP) = Y(índice C)_A.

2 - O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (Y(índice AP)) é expresso em múltiplos do salário mínimo nacional.

Artigo 7.º

Rendimento líquido completo do agregado familiar

1 - O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)) resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar (Y(índice R)), ou seja, Y(índice C) = Y + Y(índice R).

2 - Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social.

3 - O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no artigo 10.º da presente portaria.

Artigo 8.º

Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H), ou seja, A = D + H.

2 - O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:

D = (1 + ((n-1)/10) ) x d x Y(índice C)

em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo I.

3 - O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)), ou seja, H = h x Y(índice C), em que h é determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.

4 - O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.

Artigo 9.º

Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:

Y(índice AP) = [1-(1 + ((n-1)/10)) x d- h] x Y(índice C)

2 - Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica é a seguinte:

Y(índice AP) = [1-( 1 + ((n-1)/10) ) x d] x Y(índice C) - B

Artigo 10.º

Cálculo da renda financeira implícita

1 - O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar.

2 - A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil em curso.

3 - Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.

4 - Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a (euro) 100 000 e na estrita medida desse excesso.

5 - O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.

6 - Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado.»

A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe o seguinte:

«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.» (itálico aditado).

2 - Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes autos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:

«O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.»

O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que integra a Lei 34/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da República, 2.ª série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto VI).

3 - Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei 41/87, de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando-o a partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º).

Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei 30E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas alterações significativas através da Lei 30E/2000, que atribuiu aos serviços de segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei 34/2004, que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica.

Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei 34/2004) passou a depender do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e 20.º, n.º 1, e ponto 1 do Anexo da Lei 34/2004), determinado a partir do rendimento do agregado familiar - ou seja, também a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica (n.ºs 1 e 3 do ponto 1 deste Anexo) - e das fórmulas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto.

A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20.º, n.º 2, da lei de 2004 e 2.º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 2, e 23.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 30E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares aprovado pela Portaria 1223A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao qual é de salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros.

Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei 30E/2000, de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula matemática»; assinalando o Ministério Público junto deste Tribunal que aquela decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e reguladoras do âmbito do apoio judiciário, na versão actualmente vigente, enquanto consideram rendimento relevante para aferir da invocada situação de insuficiência económica todos os rendimentos auferidos pelo 'agregado familiar' do interessado - ou seja, pelo conjunto das pessoas que vivem em 'economia comum' com o requerente de protecção jurídica, sendo tal insuficiência económica valorada, de modo rígido e tabelar, através da 'fórmula matemática' contida nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto» (fls. 56 e seguintes dos autos).

4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na alínea c) do n.º 1 do ponto 1 do Anexo à Lei 34/2004 - concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º desta lei - o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei 34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar-se que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio judiciário.

Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º e 2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que sobre isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59 e seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica - a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a avó) - , o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar-se, neste mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum, previsto na Lei 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos presentes autos.

Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela decisão recorrida, extraída do Anexo que integra a Lei 34/2004, em conjugação com aos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, não garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses."

2.2. O juízo de inconstitucionalidade constante da decisão ora recorrida tem um alcance não inteiramente coincidente com o juízo emitido pelo Acórdão 654/2006, pois neste (bem como nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 603/2007 e 625/2007) estava especificamente em causa a imposição, pelo conjunto normativo constituído pelo Anexo à Lei 34/2004 e pelos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de atribuição de relevância, para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, ao rendimento do agregado familiar do requerente de protecção jurídica independentemente de este fruir desse rendimento, enquanto no presente caso não é essa a situação que se verifica, antes se julgou inconstitucional o aludido conjunto normativo por se reputar violador do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a imposição aos tribunais de um modo de cálculo rígido, sem abrir a possibilidade de em concreto se aferir a real situação económica dos requerentes.

Mas, sendo embora diversa a causa da inadequação do rígido sistema estabelecido pelo apontado conjunto normativo, a emissão de um juízo de inconstitucionalidade impõe-se com igual força. Nos casos sobre que versaram o Acórdão 654/2006 e as Decisões Sumárias que reiteraram a sua doutrina o sistema legal impunha a consideração como rendimento do interessado de valores de que ele não auferia; no presente caso, o mesmo sistema impede que se considerem como despesas relevantes dispêndios a que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua capacidade económica. Em ambos os casos, não se assegura, como é constitucionalmente imposto, de acordo com reiterada jurisprudência deste Tribunal, que o sistema de apoio judiciário assegure efectivamente o acesso aos tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados.

No presente caso, apurado que o rendimento mensal líquido do agregado familiar, constituído pela ora recorrente e pelo seu marido, também executado na mesma execução, é de (euro) 772,12 ((euro) 385,80 de subsídio de desemprego da recorrente e (euro) 386,32 de salário do seu marido), que pagam (euro) 284,00 mensais de renda pela habitação e que em três execuções que contra eles pendem foi-lhes concedido o apoio judiciário apenas na modalidade de pagamento faseado, à razão de (euro) 45,00 mensais por cada um, o que perfaz (euro) 270,00 mensais, resulta que o rendimento mensal disponível para as despesas básicas do agregado familiar se reduz a (euro) 218,12 (ou seja, (euro) 7,27 diários).

Como se refere nas alegações do Ministério Público:

"Note-se que, no caso dos autos, mais do que a «rigidez» da fórmula matemática, vinculante da decisão da Segurança Social acerca do peticionado apoio judiciário, está em causa a sua manifesta inadequação e imprestabilidade, face aos valores constitucionais - sendo «facto notório» que «obrigar» um «agregado familiar» com as características concretas daquele em que se integra a requerente a custear - a título de «pagamento faseado» das custas - um valor mensal de e (euro) 45 para cada cônjuge em cada processo em que sejam partes - não poderá deixar de constituir um factor inibitório na efectivação em juízo dos direitos, inadmissível face à proibição constitucional de que a situação de carência económica possa afectar o efectivo acesso ao direito e aos tribunais.

(...)

Deste modo, o critério normativo, justificadamente posto em causa pela decisão recorrida, consubstancia-se na fórmula de cálculo daquele «rendimento relevante», nomeadamente os «índices» ou «coeficientes» atinentes à dedução de encargos com as «necessidades básicas» dos elementos do agregado familiar (conduzindo, no caso, ao valor, manifestamente irrisório, de (euro) 301), que não tem em conta o custo real das despesas com habitação; e, por outro lado, como factor agravante, ao condicionar o cálculo do rendimento mensal, para efeitos de protecção jurídica, ao valor de 0,62, relativamente ao salário mínimo, já de si garante de um patamar mínimo de sobrevivência condigna.

Por outro lado, a situação económica da requerente é obviamente agravada pela circunstância de as fórmulas questionadas não permitirem valorar, quer a penhora sobre o vencimento do marido, quer o reflexo da existência de múltiplos processos em que intervêm como parte a requerente e o respectivo cônjuge, em todos eles apenas sendo concedido o beneficio de apoio judiciário na modalidade de «pagamento faseado», levando a uma acumulação material de encargos com as taxas de justiça, a qual vai drasticamente cercear o rendimento disponível dos interessados.

Ora, ao ignorar as inelutáveis consequências decorrentes do facto de existirem simultaneamente vários processos - em todos eles carecendo as partes de suportar um valor a título de pagamento de custas, que se vai acumulando e naturalmente reflectindo na real situação económica do requerente de apoio judiciário - as normas atinentes ao cálculo do «rendimento relevante» vão conduzir a uma inevitável inibição na efectivação jurisdicional dos direitos, decorrente, em termos causais e adequados, da real e concreta situação de carência económica do interessado, vedada pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa."

2.3. Nem se diga que a constitucionalidade do regime em causa seria salva pela "válvula de segurança" prevista no artigo 20.º, n.º 2, da Lei 34/2004, que dispunha:

"2 - Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, entenderem não dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do número anterior, remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para uma comissão constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura, um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados e um representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão aos serviços da segurança social."

É que esta possibilidade nunca se tornou efectiva por a comissão de que dependia a aplicabilidade deste mecanismo nunca ter sido instituída. Lê-se, com efeito, na "Exposição de motivos" da Proposta de Lei 121/X (Diário da Assembleia da República, X Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, 2.ª série-A, n.º 58, de 22 de Março de 2007, pp. 1946), que esteve na origem da Lei 47/2007, de 28 de Agosto de 2007, que alterou a Lei 34/2004:

"Por outro lado, procurando temperar a objectividade inerente ao critério de insuficiência económica delineado para as pessoas singulares na Lei 34/2004, de 29 de Julho, introduz-se um novo mecanismo de apreciação dos pedidos de protecção jurídica, que permite ao dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão do benefício decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da aplicação dos critérios previstos na lei se esta conduzir, no caso concreto, a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais. O objectivo ora prosseguido é o mesmo do assumido em 2004, com a previsão, no n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, da comissão constituída por representantes do Ministério da Justiça e de entidades judiciárias. Esta comissão não chegou, contudo, a ser criada, julgando-se mais adequado e exequível substituí-la pelo mecanismo ora consagrado, tanto mais que o elevado número de pedidos que a segurança social avança como susceptíveis de remessa àquela não parece coadunável com a sua natureza colegial." (sublinhado acrescentado)

Em execução destes propósitos, a Lei 47/2007 eliminou o primitivo n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004, e aditou o artigo 8.ºA, cujo n.º 8 dispõe que "Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação, decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos critérios".

A isto acresce que, na interpretação do direito ordinário feita pela decisão recorrida, se considerou que a possibilidade prevista no n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004 (que, como se viu, não chegou a adquirir efectividade) valia apenas para a fase administrativa do procedimento, não sendo extensível à fase jurisdicional. Recorde-se os termos dessa decisão, inicialmente transcrita:

"Como fundamento deste recurso, alegou a requerente que, face à sua situação económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao dispositivo legal previsto no n.º 2 do artigo 20.º, afastando os critérios definidos no Anexo à Lei 34/2004, por forma a ser-lhe concedido o benefício do apoio judiciário.

A faculdade a que alude a requerente está prevista para a Segurança Social em sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que então prevê a lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos critérios previstos no Anexo à Lei 34/2004, para aferir da situação de insuficiência económica da requerente em concreto, através do recurso a uma Comissão para o efeito constituída expressamente.

Tal possibilidade não está todavia prevista na lei em sede de recurso, por via judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência económica alegada pelo requerente, de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em Anexo à Lei 34/2004 (e Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, que veio concretizar tais critérios, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março), que o requerente através deste recurso pretende sejam afastados.

O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas matemáticas, porém, impossibilita o tribunal de aferir em concreto da situação económica do requerente do benefício do apoio judiciário."

Não é, assim, possível ancorar na previsão do n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004 qualquer tentativa para tornar o sistema em causa compatível com as exigências constitucionais de assegurar o acesso aos tribunais por parte dos economicamente carenciados.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes do Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria 288/2005, de 21 de Março, interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos; e, em consequência,

b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.

Sem custas.

23 de Janeiro de 2008. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Silva Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1654415.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-23 - Lei 41/87 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar sobre o estabelecimento do regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-11 - Lei 6/2001 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de 2 anos.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2005-03-21 - Portaria 288/2005 - Ministérios da Justiça e da Segurança Social, da Família e da Criança

    Altera a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto (fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica) relativamente ao cálculo do valor do rendimento relevante para aqueles efeitos.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-28 - Lei 47/2007 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

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