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Acórdão 152/2007, de 4 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 17.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação de que, uma vez indeferido, o pedido de apoio judiciário só pode ser renovado se a situação de insuficiência económica for superveniente ou se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional

Texto do documento

Acórdão 152/2007

Processo 162/06

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Carlota Maria da Conceição Pinto Rodrigues interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do despacho de 19 de Dezembro de 2005, proferido no processo 333/03.4 TALRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Loures (2.º Juízo Criminal), que julgou improcedente a impugnação da decisão do Instituto de Segurança Social (da autoria do chefe de sector do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, por delegação), que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários do patrono, com vista a constituição como assistente em processo penal e interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

Por despacho do relator, o objecto do recurso ficou reduzido à questão identificada no n.º III do respectivo requerimento de interposição, a saber:

"III)

Para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 17.º, n.º 2, igualmente da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação que só em situações excepcionais poderá existir novo pedido de apoio judiciário, nomeadamente face à superveniência da insuficiência económica ou, no decurso do processo, a ocorrência de um encargo excepcional".

2 - A recorrente alegou e conclui nos seguintes termos:

"1 - Não assiste razão ao Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ao fixar efeito devolutivo ao presente recurso em face das conclusões conjugadamente extraídas dos artigo 78.º, n.os 1 ou 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, e artigo 25.º, n.os 3 e 4, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, uma vez que daqui resulta a fixação de efeito suspensivo a este recurso;

2 - Como não assiste lhe razão ao interpretar, à luz dos preceitos constitucionais contidos no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do n.º 2 do artigo 17.º da Lei 30-E/2000, de 29 de Dezembro;

3 - De facto, aquela norma prevê, de forma clara, que o requerimento de concessão de apoio judiciário seja efectuado 'em qualquer estado da causa' sem qualquer restrição;

4 - Esta oportunidade temporal não tem ali qualquer paralelo com a condição que a Lei 34/2004, de 29 de Julho, veio a estabelecer nesse particular colocando-a 'antes da primeira intervenção processual', com as excepções relativas a superveniente insuficiência económica e ou encargo excepcional decorrente do processo, invocadas na decisão recorrida;

5 - Ainda assim é de ver que o necessário recurso para o Tribunal Constitucional é um encargo excepcional resultante da especial qualificação do advogado exigido pelo artigo 83.º, n.os 1 e 2, da Lei 28/82, de 15 de Novembro;

6 - Como o é também a substancial diferença do valor das custas resultantes da eventual aplicação nos n.os 2 a 4 do artigo 84.º da sobredita referida lei, bem mais gravosa que as custas nos tribunais judiciais, como resulta da simples aritmética no confronto entre a tabela anexa ao Código das Custas Judiciais e os artigos 6.º a 8.º do Decreto-Lei 303/98, de 7 de Outubro;

7 - Sem que se possa desatender, segundo as mais básicas e elementares regras da experiência comum, o gravame resultante de uma persistente situação de desemprego de longa duração vem constituir para o agregado familiar da recorrente, piorando cada mês que passa até à já previsível miséria;

8 - Tendo que se verificar, assim, que, mesmo que tais regras se aplicassem, sem conceder, sempre a recorrente estaria em cumprimento de tais parâmetros que, repete-se, não fazem parte do texto legislativo errada e confusamente interpretado;

9 - E sem que a letra e o espírito dessa norma deixe que o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, se lhe prevaleça;

10 - A interpretação assim dada pelo Tribunal a quo à norma aqui arguida de inconstitucionalidade, o n.º 2 do artigo 17.º da Lei 30-E/2000, viola frontal e capitalmente o imperativo emergente do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, cerceando à recorrente o acesso ao direito e aos tribunais, mormente para efeitos de recurso, sendo assim também posterga grave do preceito fundamental do artigo 32.º, n.os 1 e 7".

O Ministério Público contra-alegou no sentido de que são questões diferentes aquela que se traduz em saber se funciona ou não um princípio de preclusão, obrigando-se a parte a fazer valer certa pretensão até um determinado momento processual, e a que consiste em definir se é possível ao longo do processo uma sucessiva e indefinida reiteração ou renovação do mesmo pedido, de modo a contornar a inicial rejeição da pretensão deduzida, tendo concluído, nos termos seguintes:

"1 - Não constitui critério normativo, violador de qualquer norma ou princípio constitucional, o que se traduz em aplicar, no domínio do apoio judiciário, o princípio da preclusão associado às figuras do 'caso julgado' e do 'caso administrativo decidido', apenas admitindo a renovação do pedido de apoio judiciário, inicialmente rejeitado, quando a parte que renova o pedido demonstra a ocorrência de circunstâncias supervenientes, com relevo decisivo e inovatório na sua situação económica ou nos encargos que sobre ela recaem.

2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

3 - A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação:

"[...]

É a seguinte a factualidade a ter em conta no presente recurso:

Em 7 de Março de 2003 Carlota Maria Conceição Pinto Rodrigues apresentou junto do Instituto de Segurança Social requerimento de concessão de apoio judiciário (fls. 31 a 32);

O pedido foi indeferido por decisão de 14 de Abril de 2003 (fls. 75 a 77);

A requerente impugnou a decisão, que o Tribunal manteve (fls. 100 a 102);

A requerente pediu a aclaração da decisão judicial (fls. 124, 161 e 162);

A requerente veio manifestar a sua intenção de recorrer para o Tribunal Constitucional, e juntou cópia do requerimento de concessão de apoio judiciário apresentado junto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com o objectivo de recurso para o Tribunal Constitucional e constituição como assistente em processo penal (fls. 128 a 130);

O requerimento deu entrada em 5 de Março de 2004 e não se mostra assinado;

O pedido foi indeferido por decisão de 22 de Abril de 2004 (fls. 242 a 245);

A requerente impugnou tal decisão em 26 de Abril de 2004 (fls. 228 a 232).

[...]

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, aplicável ao caso em apreço, o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa, é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.

Desde logo temos que a ora impugnante solicitou já a concessão de apoio judiciário, o que foi indeferido.

Precludida essa faculdade, entendemos que apenas em situações excepcionais poderá existir novo pedido de apoio judiciário, nomeadamente face à superveniência da insuficiência económica ou, no decurso do processo, a ocorrência de um encargo excepcional. Tal posição impõe-se desde logo para evitar que por mais de uma vez um interveniente possa requerer apoio judiciário no mesmo processo apesar de o mesmo já lhe ter sido recusado, sem que os fundamentos subjacentes se tenha alterado.

Tal entendimento foi, aliás, consagrado na actual lei que rege o apoio judiciário.

'Para que estas duas situações de excepção funcionem é necessário que o requerente de apoio judiciário alegue e apresente um mínimo de prova sobre a referida superveniência da insuficiência económica ou do encargo excepcional ocorrido no decurso da acção, como será o caso, por exemplo, da necessidade de uma perícia assaz dispendiosa ou de uma transcrição da prova gravada determinada pelo relator de algum tribunal da Relação'.

Compulsados os autos, temos que no segundo pedido de apoio judiciário formulado, a requerente não invoca qualquer facto novo relativo à sua situação económica que permita um juízo diverso do que motivou o indeferimento do seu pedido.

'Se para o mesmo processo for formulado um segundo pedido de apoio judiciário na mesma modalidade com base nos mesmos factos relativos à insuficiência económica do requerente apresentados primeiramente, objecto de indeferimento, deve ser liminarmente indeferido em razão do caso julgado ou decidido'."

4 - O pedido de apoio judiciário de que emerge o presente recurso foi formulado e obteve decisão administrativa de indeferimento ainda no domínio de vigência do regime de acesso ao direito e aos tribunais estabelecido pela Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que veio a ser substituído pelo constante da Lei 34/2004, de 29 de Julho, actualmente vigente. A norma cuja inconstitucionalidade se quer ver apreciada é a do n.º 2 do artigo 17.º daquele primeiro diploma, na interpretação com que foi aplicada pela decisão judicial recorrida para julgar improcedente o recurso da decisão administrativa de indeferimento, norma essa que é do seguinte teor:

"Artigo 17.º

1 - ...

2 - O apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa, é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.

3 - ..."

Nesse regime - diversamente do que actualmente sucede (artigo 18.º, n.º 2, da Lei 34/2004) -, a formulação do pedido de apoio judiciário não estava sujeita a uma regra de oportunidade, de tal modo que a falta de apresentação do requerimento até um determinado momento ou fase processual implicasse a preclusão do direito de requerer apoio judiciário para aquele processo ou só o permitisse com fundamento em factos supervenientes.

Mas não é a esta questão que respeita a norma em apreço.

São, evidentemente, questões diversas saber se o interessado tem o ónus de fazer valer uma pretensão até um determinado momento ou fase processual e saber se, tornado definitivo o indeferimento, lhe é possível, e em que circunstâncias renovar essa pretensão. Podem ambas envolver um efeito preclusivo. Mas, na primeira, por via de o direito não ter sido exercido no prazo, ou melhor, no momento processual próprio; na segunda, por respeito ao caso julgado (se a decisão anterior é judicial), ou ao caso decidido (sendo a decisão estabilizada de natureza administrativa). Ora, foi a segunda destas questões que a sentença recorrida decidiu, entendendo que a referida norma não permite que, indeferido anterior pedido de apoio judiciário, o interessado renove a pretensão no domínio do mesmo processo, salvo em situações excepcionais, designadamente perante insuficiência económica superveniente ou ocorrência, no decurso do processo, de um encargo excepcional.

Ao Tribunal Constitucional compete, apenas, apreciar se este critério normativo é (des)conforme a normas ou princípios constitucionais, designadamente aos invocados n.º 1 do artigo 20.º e aos n.os 1 e 7 do artigo 32.º da Constituição. Não lhe cabe, por ser matéria que já respeita à aplicação do direito ordinário, saber se o regime instituído pela Lei 30-E/2000 comportava essa regra de proibição de renovação do pedido, nem valorar, em concreto, a alegada alteração das circunstâncias, designadamente se a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional - aliás, matéria não especificamente ponderada na decisão recorrida - envolve, para o referido efeito, um encargo excepcional, em qualquer das vertentes então susceptíveis de serem cobertas pela concessão de apoio judiciário (artigo 15.º da Lei 30-E/2000).

5 - Assim postas as coisas, a improcedência do recurso de constitucionalidade apresenta-se como inquestionável, face a qualquer dos parâmetros invocados pelo recorrente.

Começando pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, que é desses parâmetros aquele a cuja invocação poderia creditar-se um mínimo de pertinência, nenhuma das vertentes em que se analisa a norma em causa pode ser considerada como conduzindo a que a justiça seja "denegada por insuficiência de meios económicos", que é a dimensão da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais que a recorrente diz vulnerada.

Efectivamente, o critério normativo adoptado desenvolve-se numa regra e numa excepção. A regra é a da proibição de renovação, na pendência do mesmo processo, do pedido de apoio judiciário cujo indeferimento se tenha consolidado na ordem jurídica. A excepção consiste em permitir a renovação do pedido se (e só se) tiver ocorrido alteração das circunstâncias relevantes em qualquer dos braços de ponderação: uma deterioração superveniente da situação económica do interessado ou um encargo excepcional com o processo.

Nesta interpretação a lei continua a assegurar ao interessado que invoca a insuficiência de meios económicos a possibilidade de pedir apoio judiciário para efectivação da garantia de acesso ao direito e aos tribunais. Se deixar consolidar a decisão denegatória do apoio judiciário, seja porque não impugnou a decisão administrativa, seja porque essa impugnação improcedeu, fica definido que não se verificava ou que não foi feita valer, adequada e oportunamente, a situação de insuficiência económica. O que obsta à concessão do benefício é o caso resolvido ou o caso julgado no sentido de que não há uma situação relevante de carência de meios, o que bem se compreende sob pena de uma permanente indefinição das situações já decididas, indefinição contrária aos princípios da segurança e certeza jurídicas e ao interesse da contraparte no regular andamento da lide, que também merece ser ponderado. Sempre sem prejuízo de o pedido de apoio judiciário poder ser renovado, com fundamento na superveniência da insuficiência económica ou invocação de ocorrência, no decurso do processo, de um encargo excepcional.

Em conclusão, este regime traduz uma opção legislativa perfeitamente razoável e não comporta ónus desproporcionados, pelo que a norma do n.º 2 do artigo 17.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação de que, uma vez indeferido, o pedido de apoio judiciário só pode ser renovado se a situação de insuficiência económica for superveniente ou se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional, não afecta a garantia de que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição).

6 - A recorrente indica, ainda que sem qualquer substanciação, como também violadas pela norma em causa os n.os 1 e 7 do artigo 32.º da Constituição. É manifesta a impertinência da invocação de qualquer destas normas constitucionais para a matéria em apreciação, porque não está em causa a situação do arguido, nem a sujeição do pedido de apoio judiciário a um princípio de concentração e preclusão contende com o direito de o ofendido intervir no processo, nos termos da lei.

7 - Decisão:

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 2 de Março de 2007. - Vítor Gomes Bravo Serra - Gil Galvão - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1564445.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-20 - Lei 30-E/2000 - Assembleia da República

    Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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