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Acórdão 30/2007, de 27 de Fevereiro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, interpretada no sentido de não admitir imediato recurso contencioso contra uma informação/parecer não vinculativo da Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho em que a recorrente é parte, no âmbito de um procedimento de autorização de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro

Texto do documento

Acórdão 30/2007

Processo 1028/2005

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Por Acórdão de 19 de Outubro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional interposto por Lyubov Marchuck, natural da Ucrânia e melhor identificada nos autos, da sentença proferida no 1.º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que, por irrecorribilidade do acto impugnado, rejeitou o recurso contencioso ali interposto da decisão do inspector-geral do Trabalho, datada de 3 de Setembro de 2003, que manteve a decisão do subdelegado do Barreiro do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho/Inspecção-Geral do Trabalho (IDICT/IGT), a qual, por sua vez, que indeferira um requerimento de depósito do contrato de trabalho para efeito de concessão à trabalhadora, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de autorização de residência em território nacional. Consequentemente, confirmou a sentença recorrida. Pode ler-se nesse aresto:

" ...

2 - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

a) Em 7 de Março de 2003, foi entregue no IDICT cópia de um documento denominado 'contrato de trabalho a termo certo', em que figuram como outorgantes 'Faria & Pires, Transportes e Limpezas, Lda.' [e 'Lyubov Marchuck'];

b) O documento foi acompanhado de cópias de documentos de identificação da recorrente, de declarações de entidades patronais da mesma e de uma lista dos documentos entregues intitulada 'para legalização';

c) Do 'contrato de trabalho', datado de 13 de Dezembro de 2002, consta, na cláusula 17.ª, o seguinte: 'O original e duas cópias são entregues no IDICT, para promover o depósito de contrato ao abrigo da Lei 20/98, de 12 de Maio, ficando a efectiva resolução deste contrato dependente do deferimento do Depósito do contrato por parte do IDICT.'

d) Em 9 de Abril de 2003, o subdelegado do IDICT, do Barreiro, emitiu 'informação desfavorável';

e) A recorrente recorreu hierarquicamente, para o presidente do IDICT, da decisão do subdelegado do Barreiro (por lapso, refere-se 'delegado de Lisboa') do IDICT, referida na alínea anterior;

f) Por despacho de 3 de Setembro de 2003, o inspector-geral do Trabalho indeferiu o recurso hierárquico, mantendo a decisão do subdelegado do Barreiro (por lapso, refere-se 'delegado de Lisboa') do IDICT/IGT.

3 - O objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença, a fls. 116 e seguintes dos autos, que rejeitou, por ilegalidade da respectiva interposição, o recurso contencioso do acto da autoria do inspector-geral do Trabalho, que manteve informação desfavorável do subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT, relativamente ao depósito de contrato de trabalho, para efeito de concessão, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de autorização de residência em território nacional à recorrente, cidadã ucraniana.

Na respectiva alegação [conclusão XXVII e alínea a)], esta recorrente requereu a notificação da entidade recorrida para que junte aos autos cópia dos modelos TF1 e TF2, emitidos pela IGT. Com o que renovou a pretensão que anteriormente já formulara e que foi objecto de indeferimento, no despacho a fl. 115 dos autos, o qual não foi objecto de impugnação, designadamente pela recorrente, apesar de devidamente notificado, designadamente à recorrente (vd. fls. 124, 128 e 129 dos autos).

Pelo que não se conhecerá daquele requerimento.

Assim sendo, a única questão a decidir consiste em saber se é ou não susceptível de recurso contencioso o impugnado acto do inspector-geral do Trabalho, que manteve a referida informação/parecer do subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT.

A sentença recorrida considerou que, sendo tal parecer do IDICT/IGT obrigatório, face ao disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto (red. Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro), não decorre deste preceito legal que esse mesmo parecer seja vinculativo para a decisão a proferir pelo SEF. Pelo que, terá que considerar-se não vinculativo, em conformidade com o disposto no artigo 98.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), onde se estabelece que '2 - Salvo disposição expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se obrigatórios e não vinculativos'.

Assim, entendeu a sentença que o acto impugnado é meramente preparatório da decisão final a proferir pelo SEF, carecendo, por isso, de alcance lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da interessada recorrente e sendo, por consequência, insusceptível de impugnação contenciosa. Daí que tenha decidido pela rejeição do recurso contencioso dele interposto.

Contra este entendimento da sentença, a recorrente, baseando-se em interpretação de diversos preceitos do citado Decreto-Lei 244/98, defende que o questionado parecer do IDICT/IGT tem natureza vinculativa, e, sendo desfavorável, tem alcance lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, concluiu a recorrente, a referida decisão do IGT constitui um acto administrativo susceptível de recurso contencioso.

Adiante-se, desde já, que a razão está do lado da sentença recorrida, que decidiu a suscitada questão em termos que correspondem ao entendimento, que temos por acertado, afirmado já nos acórdãos desta 1.ª Secção, de 14 de Janeiro de 2004, de 15 de Fevereiro de 2002 e de 31 de Maio de 2005, proferidos, nos processos n.os 1575/2003, 788/2005 e 342/2005, respectivamente.

Vejamos.

O Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, regulamentou a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

Na alínea f) do seu artigo 27.º e no artigo 36.º (ver nota 1) prevê-se a possibilidade de concessão de vistos de trabalho, que se destinam a permitir ao seu titular a entrada em território português a fim de exercer temporariamente uma actividade profissional, subordinada ou não, que conste de uma lista de oportunidades de trabalho e sectores de actividade elaborada anualmente pelo Governo através de um relatório, mediante parecer do Instituto do Emprego e Formação Profissional e ouvidas as associações patronais e sindicais, visto esse [visto ser] válido para múltiplas entradas em território português e que pode ser concedido para permanência até um ano.

A concessão de vistos de trabalho para exercício de uma actividade profissional subordinada, que não se insira no âmbito do desporto ou dos espectáculos, como era o caso da referida nos autos (ver nota 2), carece de consulta prévia ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - artigo 37.º, alíneas a), b) e d), e 40.º, alínea a), daquele diploma.

De harmonia com o disposto no artigo 55.º, n.º 1, do mesmo diploma, até à aprovação do relatório governamental previsto no artigo 36.º e em casos devidamente fundamentados, pode ser autorizada a permanência a cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado e que reúnam as condições aí indicadas, entre as quais se inclui a de serem 'titulares de proposta de contrato com informação da Inspecção-Geral do Trabalho'- alínea a) deste número.

No caso em apreço, foi de uma informação emitida no âmbito desta alínea a) pelo subdelegado do Barreiro do IDICT/IGT que a recorrente interpôs recurso hierárquico, em que veio a ser praticado o acto recorrido, da autoria do inspector-geral do Trabalho.

Na sentença recorrida, entendeu-se que essa informação, que é obrigatória, não tem carácter vinculativo para a decisão final a proferir pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sobre a autorização de permanência em território nacional.

E, como antes se disse, é acertado este entendimento.

Como bem se decidiu, face ao referido quadro legal e perante situação idêntica à dos presentes autos, no referido Acórdão de 14 de Janeiro de 2003, invocado pela sentença impugnada:

"De harmonia com o disposto no artigo 98.º do CPA, 'os pareceres são obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei; e são vinculativos ou não vinculativos, conforme as respectivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão' e, 'salvo disposição expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se obrigatórios e não vinculativos'.

Como resulta do preceituado no corpo do n.º 1 daquele artigo 55.º, ao estabelecer que 'pode ser autorizada a permanência a cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado e que reúnam as seguintes condições', o preenchimento de todas as condições arroladas nas cinco alíneas seguintes é indispensável para viabilizar a autorização de permanência. Por isso, a obtenção do referido parecer da Inspecção-Geral do Trabalho tem de ser considerada obrigatória.

No entanto, não se faz depender esta viabilidade de a informação da Inspecção-Geral do Trabalho ser favorável à pretensão de permanência, nem nada se refere quanto ao carácter vinculativo ou não do referido parecer para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, quer ele seja favorável quer seja desfavorável.

Assim, na falta de qualquer disposição expressa que revele tal carácter vinculativo, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 98.º do CPA tem de entender-se que aquele parecer é obrigatório, mas não vinculativo.

Isto é, o interessado não pode obter a autorização de permanência sem que tal parecer seja proferido, mas o facto de ele ser desfavorável não vincula o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a uma decisão de indeferimento do pedido de autorização. Nestas condições, é manifesto que o referido parecer não afecta a esfera jurídica de qualquer dos interessados na concessão da autorização de permanência, pois só a decisão final do procedimento tem tal potencialidade. Assim, aquele parecer tem de ser considerado um mero acto preparatório da decisão final do procedimento tem tal potencialidade.

Assim, aquele parecer tem de ser considerado um mero acto preparatório da decisão final do procedimento, sem lesividade autónoma.

5 - O n.º 1 do artigo 25.º da LPTA estabelece a regra de que só os actos definitivos, em todos os aspectos, são contenciosamente impugnáveis.

Porém, o artigo 268.º, n.º 4, da CRP assegura o direito dos administrados ao recurso contencioso de todos os actos administrativos que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

Assim, por força do preceituado neste n.º 4 do artigo 268.º da CRP, não pode deixar de se admitir a impugnabilidade contenciosa imediata de actos lesivos, que são actos que têm efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares. Esta norma é um corolário, no domínio do contencioso administrativo, do princípio geral, enunciado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, do direito dos cidadãos a aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Este direito de acesso aos tribunais, embora não englobado no título II da parte I da Constituição, destinado aos 'direitos, liberdades e garantias' é, inquestionavelmente, um direito análogo a estes, uma vez que é, ao fim e ao cabo, a primacial garantia da consagração prática de todos os direitos e liberdades. Por isso, por força do preceituado no artigo 17.º da Constituição, que estabelece que 'o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga', o direito de acesso aos tribunais está sujeito ao disposto no n.º 2 do artigo 18.º que estabelece que 'a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'.

A esta luz, a restrição que o artigo 25.º, n.º 1, da LPTA faz ao direito de acesso aos tribunais só é compaginável com estas normas constitucionais, se afastar a possibilidade de recurso contencioso em casos em que ele não seja necessário para assegurar a tutela judicial dos direitos, mas não afaste essa possibilidade nos casos em que o interessado necessite dele para assegurar tais direitos.

Assim, este n.º 1 do artigo 25.º contém um condicionamento do direito ao recurso contencioso que visa apenas afastar a possibilidade de uso de tal meio processual nos casos em que ele é desnecessário.

Por isso, este condicionamento não é proibido pela Constituição, pois não impede o exercício do direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, antes sendo uma medida que visa optimizar a tutela judicial, através do afastamento da possibilidade de acesso aos tribunais quando ele é desnecessário (ver nota 3).

6 - Freitas do Amaral, em Direito Administrativo, vol. III, 1989, pp. 209-212, refere três aspectos diferentes da definitividade dos actos administrativos, cumulativamente necessários para permitir a qualificação de um acto como definitivo:

Definitividade em sentido horizontal, que se consubstancia em o acto ser o termo do procedimento administrativo;

Definitividade vertical, que consiste em o acto ser praticado por quem ocupa a posição suprema na hierarquia;

Definitividade material, que existe quando o acto é definidor de situações jurídicas.

O mesmo autor define acto materialmente definitivo 'o acto administrativo que, no exercício do poder administrativo, define a situação jurídica de um particular perante a administração, ou da administração perante um particular', acto horizontalmente definitivo 'o acto administrativo que constitui resolução final de um procedimento administrativo, ou um incidente autónomo desse procedimento, ou ainda que exclui um interessado da continuação num procedimento em curso' e acto verticalmente definitivo 'aquele que é praticado por um órgão colocado de tal forma na hierarquia que a sua decisão constitui a última palavra da administração activa' (ver nota 4).

O referido parecer do Sr. Delegado do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho de Lisboa, que foi objecto do recurso hierárquico em que foi praticado o acto impugnado, não é um acto lesivo, directa ou indirectamente, pois ele não produz, por si mesmo, qualquer efeito na esfera jurídica dos destinatários nem determina o sentido da decisão final.

Por outro lado, este parecer também não é um acto horizontal e materialmente definitivo, pois não concede nem recusa a autorização de permanência e a sua emissão não dispensa a prática de um outro ulterior acto procedimental que contenha uma decisão final, num sentido ou noutro.

Por isso, o referido parecer não pode ser considerado como acto material e horizontalmente definitivo, nem lesivo, pelo que tem de ser considerado como um mero acto preparatório, que não é contenciosamente recorrível.

Sendo assim, tem de se considerar correcta a posição assumida na sentença recorrida."

Assim sendo, conclui-se que a alegação da recorrente é totalmente improcedente.

4 - Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida."

(Notas de rodapé no original.)

2 - Inconformada, a recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do n.º 1 do artigo 25.º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, por entender que a interpretação que dela é feita pelo Supremo Tribunal Administrativo "é materialmente desconforme ao disposto no artigo 268.º, n.º 4, da CRP". Notificada para alegar, concluiu nos seguintes termos:

" ...

I - O que aqui se discute nas presentes alegações é a violação do princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

II - Diz o n.º 2 do artigo 18.º da CRP que 'a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'. (Sublinhado nosso.)

III - A Constituição não prevê, em qualquer lugar, a possibilidade de se restringir o direito constitucional dos administrados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, antes pelo contrário.

IV - O disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP obsta à possibilidade de se restringir o direito constitucional dos administrados ao recurso contencioso de todos os actos administrativos que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, ao garantir a plenitude da tutela efectiva desses direitos e interesses legalmente protegidos.

V - Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo (STA) que o acto impugnado não é um acto lesivo, nem um acto definitivo, sendo antes um mero acto preparatório, que não é contenciosamente recorrível, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA.

VI - Entende a recorrente que a aplicação do disposto naquele preceito, in casu, é inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão sob recurso, por violação do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

VII - Os tribunais administrativos bem sabem que o SEF não recepciona, sequer, os processos que vêm do IDICT com informação desfavorável.

VIII - A figura jurídica da autorização de permanência surge no âmbito de uma situação de facto, a existência de milhares de cidadãos estrangeiros indocumentados a trabalhar em Portugal - como resulta claramente da Resolução de conselho de Ministros n.º 164/2001 e do preâmbulo do Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro.

IX - Diz a Resolução de conselho de Ministros n.º 164/2001 que '[c]onsiderando que desde a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, ao Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, até ao final de Julho de 2001, já foram concedidas cerca de 86 000 autorizações de permanência, encontrando-se presentemente em fase de apreciação um número superior a 19 000 pedidos de concessão de autorização de permanência;'.

X - Decorre do Preâmbulo do Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, que o que se pretendeu com estas introduções foi 'garantir os direitos e interesses que se pretenderam salvaguardar aquando da elaboração dos referidos diplomas legais tendo em vista a evolução do fenómeno migratório verificado em Portugal'.

XI - Se por um lado a figura da autorização de permanência surge como uma norma excepcional, porque visa fazer face a uma situação real e concreta, de outro lado é uma figura jurídica mais precária do que a concessão de visto de trabalho.

XII - Se atendermos à tramitação da obtenção de visto de trabalho, nomeadamente do tipo IV, e no qual o contrato de trabalho sub judice se insere, constatamos que no âmbito do n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei 244/98, o visto de trabalho IV só é concedido com parecer favorável da Inspecção-Geral do Trabalho. (Sublinhado nosso.)

XIII - Decorre claramente da lei, respeitando o preceituado no artigo 98.º, n.º 2, do CPA, que no caso de obtenção de visto de trabalho IV o parecer da IGT não só é obrigatório como também vinculativo.

XIV - Uma vez que as tramitações, quer do visto de trabalho quer da autorização de permanência, exigem que os respectivos processos se façam no âmbito do mesmo Decreto-Lei, o 244/98, e passem pelas mesmas entidades, IGT e SEF, bem se compreende que o SEF exija um parecer favorável daquela entidade quando decorre da lei que para o visto de trabalho esse parecer favorável para além de obrigatório é vinculativo de acordo com o artigo 43.º do Decreto-Lei 244/98.

XV - E nem se alegue que a regra do artigo 55.º é de natureza excepcional e por isso nunca comportaria analogia. Na verdade é de se fazer uma interpretação extensiva do que resulta do artigo 43.º do Decreto-Lei 244/98 com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro.

XVI - Atendendo a que a tramitação do visto de trabalho bem como a autorização de permanência se baseiam no mesmo decreto-lei e ambas passam pelas mesmas entidades, resulta que o legislador, ao formular a norma, disse menos do que queria e claro está que se para o visto de trabalho se exige o parecer favorável do IGT também para a autorização de permanência o exigirá.

XVII - E outro argumento entende a recorrente existir a seu favor quando nos deparamos com o descrito no n.º 7.º do artigo 55.º do Decreto-Lei 244/98, '[o] contrato de trabalho deve ser elaborado nos termos do disposto na Lei 20/98, de 12 de Maio'.

XVIII - Diz o artigo 4.º, n.º 1, que '[a]entidade empregadora deve, previamente à data do início da actividade pelo trabalhador estrangeiro, promover o depósito do contrato de trabalho na delegação ou subdelegações [...]IDICT'.

XIX - Continua o n.º 2: 'Depositado o contrato de trabalho, um exemplar selado fica arquivado nos serviços do IDICT e dois exemplares são devolvidos à entidade empregadora com o averbamento e número de depósito, devendo esta fazer a entrega de uma ao trabalhador.'

XX - Conclui o n.º 3: 'Considera-se tacitamente deferido o pedido de depósito do contrato de trabalho quando, decorridos 30 dias sobre a data da apresentação do requerimento respectivo no serviço competente do IDICT, não for proferida decisão de aceitação ou recusa.' (Sublinhado nosso.)

XXI - O que decorre da conjugação destes números é que, para que seja atribuído um número e consequentemente o averbamento do depósito do contrato de trabalho de cidadão estrangeiro é necessário que seja proferida 'decisão de aceitação', leia-se parecer favorável, para que o processo de legalização siga a sua tramitação legal.

XXII - Dada a importância do parecer do IDICT (vd. artigo 4.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei 20/98), no sentido de viabilizar ou não a legalização de trabalhador estrangeiro, é que o legislador entendeu fugir à regra do indeferimento tácito e considerar que, no caso de omissão de aceitação ou recusa no prazo de 30 dias, se devia considerar tal parecer favorável concedido ou aceite.

XXIII - Diz o artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, que '[a]té à aprovação do relatório previsto no artigo 36.º, e, em casos devidamente fundamentados, pode ser autorizada a permanência a cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado que reúnam as seguintes condições: a) [s]ejam titulares de proposta de contrato com informação da Inspecção-geral de Trabalho;'.

XXIV - Diz o artigo 55.º, n.º 7, que '[o]contrato de trabalho deve ser elaborado nos termos do disposto na Lei 20/98, de 12 de Maio'.

XXV - Sendo certo que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei 20/98, de 12 de Maio, diz que '[a]entidade empregadora deve, previamente à data do início da actividade pelo trabalhador estrangeiro, promover o depósito do contrato de trabalho na delegação ou subdelegações [...]IDICT'. (Sublinhado nosso.)

XXVI - Por sua vez o n.º 3 do artigo 3.º da citada lei, exige que ao contrato de trabalho seja apenso documento comprovativo do cumprimento das disposições legais, relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão estrangeiro em Portugal.

XXVII - O artigo 55.º do Decreto-Lei 244/98 por um lado exige, no seu n.º 7, que o contrato de trabalho seja elaborado de harmonia com o disposto na Lei 20/98, de outro lado, no seu n.º 1, exige que os cidadãos estrangeiros sejam titulares de proposta de contrato de trabalho, com informação da IGT. Ou bem que o processo de depósito de contrato de trabalho se inicia pelo IGT ou bem que se inicia pelo SEF.

XXVIII - Note-se que do n.º 5 do artigo 55.º decorre, ainda, que após a concessão de autorização de permanência o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras notificará a entidade empregadora, para efeitos de comunicação ou de depósito do contrato, quando exigível. (Sublinhado nosso.)

XXIX - Bem sabe a entidade recorrida como os tribunais administrativos, que o processo de regularização de um cidadão estrangeiro, para obter visto de autorização de permanência, se inicia com o depósito de contrato de trabalho ou pedido de informação favorável a esse mesmo depósito, condição essencial para seguir os trâmites legais para o SEF, aliás como resulta claramente de todo o artigo 55.º

XXX - Se atendêssemos apenas ao teor literal da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 55.º, os cidadãos estrangeiros que apresentassem propostas de trabalho, ou seja, qualquer cidadão estrangeiro que já tivesse celebrado contrato de trabalho com a entidade patronal, que já se encontrasse a executar esse mesmo trabalho, pagando impostos e contribuindo para o sistema da segurança social, ficaria desde logo impedido de recorrer à figura da autorização de permanência.

XXXI - São consideradas actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, de acordo com o disposto no artigo 120.º do CPA.

XXXII - É pacífico que a decisão do inspector-geral do Trabalho que manteve o indeferimento do requerimento para obtenção de parecer favorável, sobre o contrato de trabalho da recorrente, constitui um acto administrativo, ou seja, trata-se de uma decisão de um ente administrativo que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

XXXIII - Após a revisão constitucional de 1989, o critério de selecção dos actos administrativos que se consideram contenciosamente impugnáveis, deixou de assentar nas características da definitividade e da executoriedade do acto, para passar a determinar-se pela virtualidade de o acto em causa lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

XXXIV - E tanto assim é, que o legislador no novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no artigo 51.º, n.º 1, veio consagrar o princípio da plenitude da tutela jurisdicional, em harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, determinando o recurso de actos administrativos 'susceptíveis' de lesar direitos e interesses legalmente protegidos. (Sublinhado nosso.)

XXXV - De acordo com o n.º 4 do artigo 268.º da CRP o acto lesivo é susceptível de recurso contencioso.

XXXVI - É um acto lesivo o acto administrativo que produz efeitos negativos na esfera jurídica do interessado, afectando os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

XXXVII - A emissão de um parecer favorável ou desfavorável por parte da Inspecção-Geral do Trabalho é um dos muitos actos que formam o procedimento administrativo, definido no artigo 1.º, n.º 1, do CPA.

XXXVIII - Para a recorrente, a emissão de um parecer desfavorável sobre o seu contrato de trabalho, uma das condições para a sua autorização de permanência em território português, constitui, inequivocamente, um acto lesivo.

XXXIX - O n.º 1 do artigo 25.º da LPTA tem de ser interpretado de harmonia com o n.º 4 do artigo 268.º da CRP, sendo recorríveis os actos que, independentemente da sua forma, tenham idoneidade para, só por si, lesarem direitos ou interesses legítimos dos particulares.

XL - São recorríveis, todos os actos administrativos que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares e, o que determina a sua recorribilidade são os efeitos que deles decorrem e o seu carácter lesivo, independentemente de o acto ser definitivo ou executório.

XLI - Termos em que deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo, por violação do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa."

Nas suas contra-alegações, concluiu o inspector-geral do Trabalho:

"[A]informação/parecer do Sr. Delegado do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho de Lisboa que foi objecto do recurso hierárquico em que foi praticado o acto impugnado não é um acto lesivo, directa ou indirectamente, pois ele não produz efeito na esfera jurídica de Lyubov Marchuk, nem determinou a decisão final de autorização de permanência a praticar pelo Serviço de Estrangeiros e Estrangeiros.

[C]constituindo um acto intercalar do procedimento, preparatório da decisão final e sem carácter vinculativo, a informação/parecer da IGT pode ou não ser considerada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na produção do acto final que culmina o procedimento de autorização de permanência, acto esse sim que afecta de forma lesiva a esfera jurídica de Lyubov Marchuk, e portanto, recorrível contenciosamente.

Nestes termos, e nos melhores de direito não deve a norma em referência ser declarada inconstitucional, quando interpretada e aplicada no sentido de não impedir o exercício do direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, mas tão-somente afastar a possibilidade de acesso aos tribunais quando esta é desnecessária, optimizando assim a via judicial efectiva."

3 - Já no Tribunal Constitucional foi elaborado, pela relatora, o "memorando" que se transcreve:

"1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente Lyubov Marchuk e como recorrido o inspector-geral do Trabalho, é submetido à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos interpretada no sentido de ser irrecorrível um acto preparatório da decisão final da administração (nos autos está em causa uma informação desfavorável do delegado da Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho, do qual a recorrente é parte, no âmbito de um processo de autorização de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro).

Pela essencial das razões constantes do voto de vencida aposto no Acórdão 115/96, reiterado no Acórdão 40/2001, entendo que a norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade é inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.

É verdade que nesses arestos, nos quais as questões subjacentes se relacionavam com a contagem do tempo de serviço no âmbito de um processo de aposentação e com a aprovação de um projecto de arquitectura no âmbito de um processo de licenciamento de construção, respectivamente, a questão da vinculatividade do acto preparatório não se colocou como surge no presente recurso. Com efeito, nestes autos o tribunal recorrido assumiu que o acto preparatório (o parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho) não vincula a decisão final do processo de autorização de permanência de estrangeiro em território nacional.

No entanto, é inegável que o parecer desfavorável proferido fragiliza a posição da recorrente, repercutindo-se negativamente nas possibilidades de procedência da pretensão deduzida (o pedido de autorização de permanência). Ora, o juízo de constitucionalidade a formular não pode evitar a ponderação dessa circunstância.

2 - Reitero assim o entendimento constante do voto de vencida referido, acrescido das presentes considerações, propugnando a inconstitucionalidade da norma em apreciação."

Inscrito o processo em tabela, e após mudança de relator, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 4 - A dimensão normativa em causa nos presentes autos corresponde à norma do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto Lei 267/85, de 16 de Julho, interpretada no sentido de não admitir recurso contencioso contra uma informação/parecer desfavorável da Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho, do qual a recorrente é parte, no âmbito de um procedimento de autorização de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro, com fundamento em que se trata de um acto meramente preparatório, que não produz efeitos na esfera jurídica do administrado, não sendo vinculante para a decisão final sobre a autorização de permanência, a tomar pelo Serviço de Estrangeiros e Estrangeiros.

A recorrente rematou as suas alegações de recurso defendendo, entre o mais, que "decorre claramente da lei, respeitando o preceituado no artigo 98.º, n.º 2, do CPA, que no caso de obtenção de visto de trabalho IV o parecer da IGT não só é obrigatório como também vinculativo" (conclusão XIII) e que, para si, "a emissão de um parecer desfavorável sobre o seu contrato de trabalho, uma das condições para a sua autorização de permanência em território português, constitui, inequivocamente, um acto lesivo" (conclusão XXXVIII). O tribunal recorrido entendeu, porém, que "na falta de qualquer disposição expressa que revele tal carácter vinculativo, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 98.º do CPA, tem de entender-se que aquele parecer é obrigatório, mas não vinculativo", e que "o referido parecer não pode ser considerado como acto material e horizontalmente definitivo, nem lesivo, pelo que tem de ser considerado como um mero acto preparatório, que não é contenciosamente recorrível".

Recorde-se que a aplicação de uma determinada norma ou dimensão normativa pelo tribunal recorrido - e o seu entendimento ou interpretação - constituem para o Tribunal Constitucional um dado, que este Tribunal tem de aceitar como base para o recurso de constitucionalidade, que visa apenas a apreciação da constitucionalidade de normas. Como se escreveu já no Acórdão 44/85 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 408):

"Para o Tribunal Constitucional a norma de direito infraconstitucional que vem questionada no recurso é um dado; cabe-lhe apenas verificar se essa norma é ou não inconstitucional. Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada, isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional. Em princípio, o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como os restantes tribunais aplicam o direito infraconstitucional; apenas lhe compete controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional."

Tendo, pois, o tribunal recorrido assumido que o acto em causa é um acto preparatório - a informação/parecer sobre o contrato de trabalho - que não vincula a decisão final da administração (do procedimento de autorização de permanência de estrangeiro em território nacional), o Tribunal Constitucional não pode no presente recurso alterar tal entendimento, que constitui um pressuposto da dimensão normativa impugnada.

Assim sendo, importa recordar que, no Acórdão 283/2001 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Novembro de 2001, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal decidiu, num caso em que estava em causa dimensão interpretativa substancialmente idêntica à ora em apreciação, não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (no caso, interpretada no sentido de considerar irrecorrível uma deliberação do conselho científico da Faculdade de Direito de Lisboa de não propor uma renovação do contrato do então recorrente, por não ser essa deliberação imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas tão-só eventual). Pode ler-se na respectiva fundamentação:

"2.1 - Assim delimitado o objecto do recurso, ou seja, restrito à interpretação normativa do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, no sentido de considerar irrecorrível a deliberação do conselho científico da Faculdade de Direito de Lisboa, de 12 de Março de 1986, de não propor a renovação do contrato do recorrente, não sendo esta imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, mas tão-só eventual, vejamos, então, se este entendimento afronta o disposto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.

As questões convocadas pelo recorrente foram já objecto de apreciação neste Tribunal pelos Acórdãos n.os 9/95 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Março de 1995), 603/95 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Março de 1996), 115/96 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Maio de 1996) e 32/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Março de 1998), entre outros.

Conforme se conclui no Acórdão 9/95, a respeito da garantia consagrada no artigo 268.º, n.º 4 (redacção da Lei 1/89, de 8 de Julho), da Constituição:

'O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial.'

A este respeito, acrescentou-se no Acórdão 115/96, a propósito da redacção dada ao n.º 4 do artigo 268.º pela 2.ª revisão constitucional - Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho -, em confronto com o texto anterior - o n.º 3 do artigo 268.º, que:

"A intenção terá sido a de ampliar o âmbito do recurso contencioso de modo a abranger quaisquer actos administrativos, tornando-os sindicáveis, desde que lesantes de 'direitos ou interesses legalmente protegidos' e, do mesmo passo, abandonou-se a referência à executoriedade e à definitividade desses actos, de conceituação polémica ou, pelo menos, de formalização excessiva.

Como se observou na discussão parlamentar deste preceito constitucional, fez-se recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de ele lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos, reconhecendo-se que as apontadas características de executoriedade e de definitividade, a que a LPTA se refere ainda, acabavam por diminuir as garantias de defesa do administrado, reduzindo as possibilidades do recurso contencioso (cf. deputado Rui Machete, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 55-RC, de 7 de Novembro de 1988, p. 1740).

A possibilidade de impugnação de um acto administrativo implica que se trate de uma decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto, o que, em princípio, exclui da recorribilidade os actos internos e os actos preparatórios. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'nestes casos não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um acto procedimental que só se torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento'; só assim não será, segundo os mesmos autores, se estes forem idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte efeitos externos) porque então, sendo actos preparatórios dotados de efeitos próprios de um acto administrativo, já são susceptíveis de impugnação contenciosa (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 939).

O Tribunal Constitucional, de resto, também assim o vem entendendo, como exemplifica o seu Acórdão 9/95, já citado, onde se fala de uma purificação do conceito de acto administrativo contenciosamente impugnável, segundo a qual, 'o que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produz ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos)'. No domínio do contencioso de anulação - como mais se acrescenta, seguindo-se Rogério E. Soares, 'O acto administrativo', in Scientia Iuridica, t. XXXIX, 1990, p. 32) - há-de, no entanto, excluir se todo e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza."

Deste modo, a interpretação sufragada na decisão recorrida que, entendendo que o acto em causa não tinha idoneidade para autonomamente produzir efeitos lesivos da esfera jurídica do interessado, não era autonomamente recorrível, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, e, bem assim, do artigo 34.º, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada, entre outros, nos arestos acima referidos, cuja fundamentação aqui, no essencial, se acolhe.

2.2 - É certo que a Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, deu nova redacção aos n.os 4 e 5 do artigo 268.º e levou a cabo duas transformações notáveis, como salientou o deputado Barbosa de Melo: 'a primeira é que o n.º 4 integra, num todo harmónico, o que actualmente, sem grande aprumo racional, anda derramado pelos n.os 4 e 5 vigentes; a segunda consta do n.º 5, no ponto em que este consagra inequivocamente o direito de acção contra regulamentos da administração que afectem desfavorável e directamente cidadãos nos seus direitos e interesses' (Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, 2.ª sessão legislativa, reunião plenária de 30 de Julho de 1997, p. 3955).

Com a redacção introduzida, o n.º 4 deste preceito passou a ficar redigido de modo a garantir aos administrados 'tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas'.

O que o legislador constitucional pretendeu foi deixar claro que 'o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas'. É que tudo são "manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos 'seus direitos e interesses legalmente protegidos', como dispõe o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição" (cf. Acórdãos n.os 104/99, 105/99 e 469/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Abril de 1999, 15 de Maio de 1999 e 14 de Março de 2000, respectivamente).

'Todavia, da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, não tem de decorrer a impossibilidade de condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso à existência de uma necessidade concreta de protecção judicial do particular - ou, o que é o mesmo, não decorre uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata de todos os actos, ainda que mediatamente lesivos, independentemente de se tratar de um acto que traduza a última palavra da administração', como se salientou no Acórdão 40/2001 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Março de 2001).

2.3 - Por outro lado, também não se mostra violado o disposto no artigo 20.º da Constituição, conforme se salientou no Acórdão 32/98, já citado, 'pois aquela disposição constitucional consagra de forma genérica o direito de acesso aos tribunais, que é concretizado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, estabelecendo o direito de acesso aos tribunais administrativos, pelo que, não se demonstrando a violação desta norma constitucional, pela mesma ordem de razões não poderá resultar qualquer ofensa ao princípio genérico de que a última é uma concretização'.

Sendo assim, a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao n.º 1 do artigo 25.º e, bem assim, ao artigo 34.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não viola os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, nem reduz, de forma desproporcionada e injustificada, a garantia de protecção jurisdicional consagrada na lei fundamental."

5 - A conclusão assim obtida, no sentido da não inconstitucionalidade da solução normativa então em apreço, é transponível para os caso dos autos. Neste, a informação/parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho, inserida num procedimento que conduz à emissão de outro acto administrativo, esse final - a autorização de permanência de estrangeiro em território nacional -, enquanto acto funcionalmente não autónomo, não representa a última palavra da administração na matéria, nem produz efeitos imediatamente lesivos da posição do administrado, na medida em que não é vinculativo.

Ora, independentemente da questão de saber qual é a solução preferível de jure condendo, ou que corresponde ao melhor direito, é certo que a reacção contra uma lesão eventualmente resultante da informação/parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho não tem, por força da norma constitucional que consagra o recurso contencioso de actos administrativos, que poder efectivar-se logo através do recurso aos tribunais, antes sendo legítima a exigência pelo legislador de que tal reacção seja dirigida contra o acto em que vem a culminar o procedimento administrativo. Podendo recorrer-se contenciosamente do acto final, definitivo, não é violada a garantia constitucional de impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho, interpretada no sentido de não admitir imediato recurso contencioso contra uma informação/parecer não vinculativo da Inspecção-Geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho em que a recorrente é parte, no âmbito de um procedimento de autorização de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita;

c) Condenar a recorrente em custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.

(nota 1) A redacção do Decreto-Lei 244/98 a considerar é a resultante do Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, vigente à data em que ocorreram os factos.

(nota 2) O contrato de trabalho refere-se a serviços de limpeza, como se vê pelo 'processo instrutor'.

(nota 3) Aceitando a constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, podem ver-se os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

N.º 9/95, de 11 de Janeiro, proferido no processo 728/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Março de 1995, a p. 3160, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., a p. 333, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 446 (suplemento), a p. 121;

N.º 603/95, de 7 de Novembro, proferido no processo 223/96, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., a p. 411, e no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Março de 1996;

N.º 115/96, de 6 de Fevereiro, proferido no processo 378/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 454, a p. 218;

N.º 32/98, de 22 de Janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Março de 1998;

N.º 425/99, de 30 de Junho, proferido no processo 1116/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 3 de Dezembro de 1999.

(nota 4) Ob. cit., vol. cit., pp. 214, 223 e 234.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Votei vencida o presente acórdão em face do seguinte:

Nestes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos interpretada no sentido de ser irrecorrível um acto preparatório da decisão final da administração (nos autos está em causa uma informação desfavorável do delegado da Inspecção-geral do Trabalho sobre um contrato de trabalho, do qual a recorrente é parte, no âmbito de um processo de autorização de permanência em território nacional de cidadão estrangeiro).

Pelo essencial das razões constantes do voto de vencida aposto no Acórdão 115/96, reiterado no Acórdão 40/2001, entendo que a norma que constitui objectivo do presente recurso de constitucionalidade é inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.

É verdade que nesses arestos, nos quais as questões subjacentes se relacionavam com a contagem do tempo de serviço no âmbito de um processo de aposentação e com a aprovação de um projecto de arquitectura no âmbito de um processo de licenciamento de construção, respectivamente, a questão da vinculatividade do acto preparatório não se colocou como surge no presente recurso. Com efeito, estes autos o tribunal recorrido assumiu que o acto preparatório (o parecer desfavorável sobre o contrato de trabalho) não vincula a decisão final do processo de autorização de permanência de estrangeiro em território nacional.

No entanto, é inegável que o parecer desfavorável proferido fragiliza a posição da recorrente, repercutindo-se negativamente nas possibilidades de procedência da pretensão deduzida (o pedido de autorização de permanência). Ora, o juízo de constitucionalidade a formular não pode evitar a ponderação dessa circunstância.

Reitero assim entendimento constante do voto de vencida referido, acrescido destas considerações, votando vencida a decisão do Tribunal quanto à não inconstitucionalidade da norma em apreciação. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1548319.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1989-01-31 - Lei 1/89 - Assembleia da República

    Define os subsídios e garantias a atribuir aos cidadãos que sofram de paramiloidose (PAF).

  • Tem documento Em vigor 1989-07-08 - Lei Constitucional 1/89 - Assembleia da República

    Segunda revisão da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-05-12 - Lei 20/98 - Assembleia da República

    Estabelece a regulamentação do trabalho de estrangeiros em território português.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-08 - Decreto-Lei 244/98 - Ministério da Administração Interna

    Regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.

  • Tem documento Em vigor 2001-01-10 - Decreto-Lei 4/2001 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, que regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Republicado em anexo, com as alterações ora introduzidas.

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