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Acórdão 680/2006, de 29 de Janeiro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.os 1 e 3, da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de que o prazo para a interposição de um recurso num processo pendente à data da entrada em vigor dessa lei é o prazo previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (lei antiga) e não o prazo, mais alargado, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (lei nova)

Texto do documento

Acórdão 680/2006

Processo 566/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente Fernando João Araújo Brito Câmara e como recorrido o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu o seguinte Acórdão de 16 de Fevereiro de 2006:

"1 - Relatório. - 1.1 - Na sequência do despacho do Sr. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Abril de 2005, de fl. 412 a fl. 417, foi admitido o recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 16 de Dezembro de 2004, que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pelo aqui recorrente Fernando João Araújo Brito da Câmara, do despacho do Secretário de Estado dos Recursos Humanos e Modernização da Saúde 15 de Março de 2001, que negou provimento ao recurso do acto de homologação da lista de classificação final do concurso interno geral de provimento na categoria de chefe de serviço na área de cardiologia da carreira médica hospitalar do quadro de pessoal médico do Hospital Santo André, Leiria, aberto pelo aviso 1817/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Julho de 1999.

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:

"A - Cabe primeiramente enunciar o que se entende, com o devido respeito, constituir o núcleo essencial à arguição de nulidade: a omissão de pronúncia consubstanciada na verdadeira denegação de justiça ao referir, constatando, a violação de princípios fundamentais e todavia recusar-se a decidir, senão atente-se no exarado a fl. 192 [...]

B - Deste modo se exige, no mesmo raciocínio, que indiciado fosse nos autos o favorecimento, de facto, por parte de elementos de júri de um determinado candidato, para logo a seguir se afirmar que a demarche documentalmente demonstrada não deve constituir fundamento da anulação do acto, sendo certo que no mesmo raciocínio se reconhece que tal fundamento poderá ter posto em causa a salvaguarda objectiva dos princípios da transparência, justiça e imparcialidade.

C - O simples reconhecimento do fundamento constitutivo da violação dos princípios que regem os procedimentos concursais e a simples dúvida sobre a sua observância determinariam a anulação do concurso, quanto mais o reconhecimento da não salvaguarda de tais princípios em face da prova documental junta aos autos.

D - Neste sentido se refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Abril de 1998, 1.ª subsecção do contencioso administrativo, quando considera [...]

E - Ora, se alegada foi no pedido a violação do princípio da imparcialidade, cumpria ao Tribunal a quo pronunciar-se, decidir a questão concreta e não discuti-la em termos abstractos, pelo que a recusa em decidir sobre a constatação que faz da forma como tal princípio foi posto em causa configura verdadeira denegação de justiça.

F - Cumpria, em sede judicial, sancionar a falta grave da Administração quanto ao dever de imparcialidade, tanto mais que este é, no dizer de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, vol. 1, p. 157, o princípio de eleição no seio dos princípios gerais, sendo um meio para a realização de uma exigência de objectividade final da actividade administrativa, tendo uma projecção essencial na valoração dos factos, exigindo uma postura isenta na busca e ponderação da decisão quanto aos diversos interessados.

G - Pelo que se revela obscura, contraditória e insuficiente a fundamentação e, consequentemente, enferma de absoluta falta de fundamentação, por ofensa do disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

H - Não se compreende afigurar-se temerária a anulação do acto sem que se explicitem as razões que fundamentam tal afirmação, quando reconhecido é o pressuposto daquela, é denegar justiça, é concluir num non liquet inadmissível porque documentado o fundamento da alegação de um tal pressuposto.

I - É também violado o princípio da imparcialidade aquando da criação pelo júri de subcritérios, autonomamente pontuáveis, ainda que totalmente enquadrados nos critérios definidos pelas regras do concurso, devendo ser qualificada como alteração de regras do concurso a alteração de regras de classificação dos candidatos.

J - O princípio da imparcialidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, impõe que nos concursos públicos o júri não possa alterar as regras que regem a classificação dos candidatos a partir do momento em que puder dispor do conhecimento dos elementos concretos em que a classificação se deve basear.

K - No caso de concursos públicos para empreitadas e fornecimentos, o princípio da imparcialidade impede que o júri crie subcritérios a partir do momento em que sejam conhecidas as propostas apresentadas.

L - No caso de concursos públicos para recrutamento, promoção ou provimento de pessoal, em que as classificações se baseiam não em propostas mas na própria avaliação dos candidatos e do seu currículo, o princípio da imparcialidade impede que o júri crie subcritérios de classificação a partir do momento em que seja conhecida a identidade dos candidatos.

M - No caso vertente, em que se trata de um concurso para provimento de pessoal em que a classificação se baseia na avaliação dos candidatos e dos seus currículos, o princípio da imparcialidade impede o júri de criar subcritérios a partir do momento em que sejam conhecidos os candidatos, tal como se encontra aliás consagrado no n.º 43, alínea b), da portaria que rege o concurso.

N - O n.º 61 da portaria que rege o concurso, determinando que o júri exare em acta, até serem conhecidos os currículos e iniciadas as provas, os subcritérios por si definidos, não pode ser interpretado em contradição com o n.º 43, alínea b), da portaria, pois uma tal interpretação envolveria não só a inutilização do n.º 43, alínea b), como a violação do princípio da imparcialidade, o que se não deve presumir.

O - Daí que o n.º 61 deva ser interpretado no entendimento de que os critérios que o júri pode exarar em acta antes da entrega dos currículos e do início das provas devam reflectir os critérios deliberados anteriormente pelo júri ao abrigo do n.º 43, alínea b), ou seja, antes do termo do prazo para apresentação das candidaturas.

P - A classificação dos candidatos no concurso, tendo-se baseado em subcritérios exarados pelo júri em acta que não se baseou em deliberação tomada nos termos do n.º 43, alínea b), da citada portaria, é ilegal e juridicamente inválida, devendo ser contenciosamente anulada, por violação directa deste n.º 43, alínea b), e do princípio da imparcialidade da Administração Pública.

Normas violadas:

Artigos 660.º, n.º 2, 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, 262.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 6.º do Código do Procedimento Administrativo;

N.ºs 43, 59 e 61 do Regulamento dos Concursos de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 177/97, de 11 de Março.

Princípios violados - imparcialidade, transparência, igualdade, proporcionalidade, justiça e boa fé.

Termos em que deve julgar-se tempestivo o recurso interposto, nos termos e com os fundamentos expostos, ou se assim se não entender o que não se concede ser julgado procedente o invocado justo impedimento,

E nos termos constantes das proposições conclusivas supra deve ser reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, com os devidos efeitos, ou se assim se não entender e na procedência da anulabilidade da decisão ser revogado e substituído por outro que conhecendo dos vícios imputados ao concurso sub judice declare a procedência do recurso contencioso de anulação, com as legais consequências [cf. de fl. 458 a fl. 463]."

1.2 - O recorrido particular nas suas contra-alegações enuncia as seguintes conclusões:

"A - Não é legítimo ao recorrente concluir por denegação de justiça, por o Tribunal a quo ter apreciado um eventual contacto entre o Hospital de Santo André (Leiria) e o recorrido particular, e ter considerado que o mesmo não teve qualquer influência no resultado do concurso.

Não pode o recorrente querer limitar a valoração da prova ao Tribunal a quo.

B - O facto de o Tribunal a quo especular que abstractamente a demarche do Hospital de Santo André poderia inquinar a isenção do júri, não significa que tivesse de assim concluir. E concluir que tal não teve relevância para o despacho concreto do concurso.

C - O Tribunal a quo não reconheceu que houvesse qualquer violação dos princípios gerais dos concursos. Teve presente o particular do concurso sub judice.

D - O Tribunal a quo, como vai dito logo na parte introdutória, não violou qualquer alínea do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

E - O Tribunal a quo decidiu concretamente pela improcedência da violação do princípio da imparcialidade. Só não afeiçoou a sua decisão aos desígnios do recorrente.

F - Ainda quanto à imparcialidade, o Tribunal quo não podia ser mais objectivo, ao invés do recorrente meramente especulativo, o Tribunal aplicou a sua interpretação e decisão ao caso concreto, não tendo navegado por concurso de empreitada ou outros. Antes, e muito bem, se balizou num concurso para cargo dirigente da administração, concretamente director dos serviços de cardiologia.

G - A decisão do Tribunal é completamente fundamentada, e bem, só que como não pode deixar de ser não dá guarida às teses amplas e não concretas do recorrente.

H - A anulação do presente recurso seria realmente temerária e não levaria a resultados diferentes do presente concurso; como já se disse estamos perante um concurso que sofre limitações próprias da sua natureza, limitada a um pequeno conjunto de concorrentes e um diminuto grupo de jurados. É esta realidade subjacente que leva um tribunal a decidir, a suprir os diferendos, não perdendo de vista a envolvência de todos os factos.

Não estamos a decidir na especulação pura e simples, mas no caso concreto.

I - Os subcritérios filiados nos critérios base são até uma autolimitação do júri, e nunca por nunca ser uma alteração das regras do concurso. A sua não definição é que largaria o júri ao vento da sua discricionariedade.

E não é por acaso que o recorrente não ataca qualquer valoração, sua, a esta luz, pois bem sabe que no caso concreto nada foi incorrectamente apreciado.

J - O júri não alterou o que quer que seja após ter contactado com os curricula dos candidatos, confiram-se as duas actas do júri, antes de abertos os curricula.

K - Como já vai dito, escusamo-nos a repetirmo-nos, o concurso de empreitada tem um outro substrato, que não é possível de comparação com um concurso para um dirigente da Administração.

L/M - Na lógica vertida pelo recorrente neste particular teríamos uma impossibilidade factual de abrir concursos como o presente, de haver provas de doutoramento, concurso para professor auxiliar, extraordinário ou catedrático ...!

N/O - O recorrente responde a si próprio pondo dois normativos em contradição.

'Tapando o sol com a peneira'.

P - Não consegue o recorrente fazer vingar a sua tese subjectiva, e nada leva ao caso concreto.

Inexistente a violação de qualquer norma ou regulamentos e muito menos foram violados princípios, da imparcialidade, da transparência, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.

Tanto quanto o 'sistema' permite.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, por não concretizar qualquer desvantagem para o recorrente, por ausência de qualquer vício de lei ou de princípios.

Confirmado o acórdão recorrido com todas as legais consequências [cf. de fl. 509 a fl. 510]."

1.3 - A entidade recorrida, tendo contra-alegado, apresenta as seguintes conclusões:

"O presente recurso jurisdicional é intempestivo, pelo que deverá ser liminarmente rejeitado;

22 - Quando assim não se entendesse, o que só por mera cautela de patrocino se está a admitir, sempre deverá o recurso improceder na totalidade uma vez que o acórdão recorrido não padece de quaisquer dos vícios que lhe são imputados [cf. fl. 522]."

1.4 - No seu parecer a fl. 526, o magistrado do Ministério Público, louvando-se na argumentação aduzida no despacho do relator do processo no Tribunal Central Administrativo, de fl. 489 a fl. 490, considera ser extemporâneo o recurso jurisdicional.

1.5 - Colhidos os vistos cumpre decidir.

Fundamentação

2 - A matéria de facto. - A matéria de facto pertinente é a dada como provada no acórdão recorrido, que aqui consideramos reproduzida, como estabelece o n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.

3 - O direito. - 3.1 - Como já atrás se assinalou, o presente recurso jurisdicional foi admitido na sequência do despacho do Sr. Presidente deste Supremo Tribunal Administrativo, que, assim, deferiu a reclamação apresentada pelo recorrente quanto ao despacho do relator que não tinha admitido o recurso, por o considerar intempestivo.

Porém, de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 689.º do Código de Processo Civil, tal decisão, a mandar admitir o recurso, não obsta a que o Tribunal ad quem decida em sentido contrário.

Sucede, precisamente, que, no caso dos autos e contra o que defende o recorrente, o recurso jurisdicional é extemporâneo, como se demonstrará de seguida.

Com efeito, o recurso jurisdicional em questão foi interposto de um Acórdão do Tribunal Central Administrativo proferido em 16 de Dezembro de 2004, no âmbito de um recurso contencioso interposto, na vigência da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), pelo recorrente, em 9 de Abril de 2001 (cf. fl. 2).

Acontece que, por força do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), as disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor, apenas se exceptuando de tal regra as situações contempladas nos n.os 2 e 4 do citado artigo 5.º

V., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Junho de 2004 - recurso n.º 0381/04 e de 26 de Outubro de 2004 - recurso n.º 0379/04.

Ora, sendo patente que o processo onde foi proferido o já mencionado acórdão se encontrava pendente à data da entrada em vigor do CPTA e sendo também inquestionável que não nos encontramos em face de um requerimento para o decretamento de uma previdência cautelar ou perante um processo executivo, temos que se terá de observar a regra contida no já referido n.º 1 do artigo 5.º, a isso não obviando o que se fez constar do n.º 3 do dito preceito, onde o legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduza um novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no dito n.º 1.

Ou seja, no caso em análise, o recurso jurisdicional deveria ter sido interposto no prazo de 10 dias, nos termos das disposições combinadas do artigo 102.º da LPTA e do n.º 1 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, não se aplicando, por isso, o prazo de 30 dias, a que alude o n.º 1 do artigo 144.º do CPTA.

Este entendimento, diversamente do que sustenta o recorrente, em nada contende com qualquer preceito ou garantia constitucional.

Na verdade, sendo líquido que a questão se não reconduz à existência ou inexistência de recurso jurisdicional - e mesmo assim importa reter que a CRP, fora da matéria penal ou naqueles casos em que se esteja perante uma decisão judicial que afecte um direito fundamental, não consagra um direito, irrestrito e genérico, ao duplo grau de jurisdição (v. nesta linha, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 31/87 e 65/88) -, não se vê em que medida é que a aplicação da LPTA se consubstancie na diminuição de qualquer garantia constitucional do recorrente, sendo que a fixação do prazo de 10 dias para a interposição de recurso não se reconduz numa qualquer restrição ao direito de recorrer, sabido que este direito terá de ser exercido de acordo com os prazos previstos na lei processual, a menos que estes, pela sua exiguidade, acabem, na prática, por conduzir à eliminação ou séria obstaculização do direito ao recurso, o que, manifestamente, não é o que se verifica no caso vertente, já que o dito prazo de 10 dias é perfeitamente compatível com a possibilidade de o recorrente analisar e avaliar os fundamentos da decisão judicial, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito ao recurso jurisdicional, tanto mais que, nesta fase, se trata apenas de elaborar o requerimento de interposição de recurso e não de alegar desde logo, não se vislumbrando qualquer apoio no texto constitucional para a aplicação da lei nova (CPTA) ao prazo para interposição de recurso.

3.2 - Por último, é, também, insubsistente a pretensão do recorrente em ver admitido o recurso por via da invocação de justo impedimento, na medida em que o mesmo a pretende fazer radicar numa alegada incerteza ao nível do quadro legal aplicável.

E, isto desde logo, por se não aplicar ao caso dos autos o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 58.º do CPTA.

De facto, como já atrás se salientou, tal diploma legal não é aplicável à situação em discussão, a isso se opondo o estipulado no n.º 1 do artigo 50.º da Lei 15/2002, sendo que, de qualquer maneira, o questionado preceito (mesmo que aplicável fosse, e já vimos que não é), se reporta aos prazos para a impugnação dos actos anuláveis, não estatuindo directamente quanto ao prazo para interposição de recurso jurisdicional.

Acresce que a situação invocada pelo recorrente também se não enquadra na previsão do artigo 146.º do Código de Processo Civil, uma vez que não deparamos com um qualquer evento osbstaculizante da prática atempada do acto (interposição do recurso jurisdicional) não imputável à parte ou aos seus representantes ou mandatários, não ofendendo este entendimento qualquer garantia constitucional do recorrente, já que se o recurso não foi interposto em tempo tal não se ficou a dever à aplicação de uma qualquer norma que inviabilizasse ao recorrente o acesso ao direito e aos tribunais, até porque, se na óptica do recorrente, o quadro legal aplicável era dúbio, então, por uma elementar regra de prudência, talvez devesse ter interposto o recurso no prazo que julgasse ser o menor, deste modo se precavendo contra qualquer tipo de "surpresa" quanto ao entendimento que o Tribunal viesse a acolher.

3.3 - É, assim, de concluir pela intempestividade na interposição do recurso jurisdicional, não se podendo, consequentemente, conhecer do seu objecto."

O recorrente arguiu a nulidade do Acórdão de 16 de Fevereiro de 2006 (requerimento a fls. 547 e seguintes), arguição desatendida por Acórdão de 16 de Abril de 2006 (fls. 591 e seguintes).

2 - Fernando João Araújo Brito Câmara interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:

"Fernando João Araújo Brito Câmara, recorrente nos autos em epígrafe, não obstante a nesta data arguida nulidade do acórdão, vem, por cautela e desde já, interpor recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que julgou findo o recurso por concluir pela intempestividade na interposição do recurso jurisdicional. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não admite (na versão aí colhida) já recurso ordinário.

O recurso é interposto para o Tribunal Constitucional.

No âmbito do processo de fiscalização concreta ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual, por:

a) Se encontrar em tempo, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 2, da citada Lei do Tribunal Constitucional;

b) Ter legitimidade [artigo 72.º, n.º 1, alínea b)]; e

c) O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo ser recorrível, nos termos do referido artigo 70.º e se haverem esgotado (na versão aí acolhida) os recursos ordinários que no caso cabiam (artigo 70.º, n.º 2).

Pretende-se, atento o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do preceito do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, decorrente da interpretação feita no acórdão recorrido, suscitada nas alegações de recurso apresentadas ao abrigo do disposto nos artigos 140.º e seguintes do CPTA e na reclamação do despacho de não admissão do recurso jurisdicional interposto ao abrigo das normas constantes dos artigos 140.º e seguintes do CPTA.

Estabelece o artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, que:

"Disposição transitória

1 - As disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

2 - Podem ser requeridas providências cautelares ao abrigo do novo Código, como incidentes, de acções já pendentes à data da sua entrada em vigor.

3 - Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior, tal como também não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior.

4 - As novas disposições respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo Código."

A interpretação da norma acolhida pelo acórdão recorrido reproduz o sentido interpretativo do despacho reclamado e confirma o entendimento sufragado nos arestos do Supremo Tribunal Administrativo (de 3 de Junho de 2004, recurso n.º 0381/04, e de 26 de Outubro de 2004, recurso n.º 0379/04).

Pretende-se, por isso, que o Tribunal Constitucional aprecie da inconstitucionalidade da norma retirada da conjugação do artigo 5.º, n.os 1 e 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que:

a) Na interposição de recurso jurisdicional em processo pendente terá de se observar a regra do n.º 1 do artigo 5.º, a isso não obviando o que se fez constar do n.º 3 do dito preceito, onde o legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduza um novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no dito n.º 1; e que

b) O estipulado no n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002 impede a aplicação ao caso dos autos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 58.º do CPTA; sendo que

c) A incerteza ao nível do quadro legal aplicável não se enquadra na previsão do artigo 146.º do Código de Processo Civil, por não constituir evento obstaculizante da prática atempada do acto.

A norma complexa com a interpretação acolhida na decisão impugnada viola o disposto nos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, 202.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, o princípio constitucional da determinação das leis (pela ambiguidade que suscita ao destinatário na sua interpretação), o princípio pro actione, o princípio geral de direito adjectivo - aplicação imediata da lei de processo, o princípio material da igualdade, o princípio democrático e os princípios gerais relativos à interpretação jurídica.

A questão complexa de inconstitucionalidade foi suscitada na nota prévia das alegações de recurso e nos itens conclusivos V e 2.º de I da reclamação.

Por se entender desconforme à lei fundamental e por isso inconstitucional a interpretação da norma constante do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, nos termos da qual seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes, antes devendo interpretar-se, conjugadamente com o n.º 3 da mesma norma, no sentido de não serem aplicáveis aos recursos interpostos as disposições da LPTA por constituírem manifesta violação do princípio do acesso ao direito, este enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.

De facto.

A norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da conjugação do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, e do artigo 146.º do Código de Processo Civil, na interpretação de inaplicabilidade ao caso concreto das disposições do CPTA, designadamente aquela constante do artigo 58.º, n.º 4, alínea b), do CPTA, é contrária aos princípios da determinação das leis, do acesso ao direito e da confiança, este último ínsito no princípio do Estado de direito democrático.

Tanto mais que as normas processuais que consagram os ónus e pressupostos processuais hão-de ser interpretadas da forma mais favorável ao exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, postergando-se interpretações formalistas do quadro normativo que sobre os mesmos disponha."

Junto do Tribunal Constitucional o recorrente produziu alegações que concluiu do seguinte modo:

"A norma em causa

I - Do histórico supra-enunciado retira-se uma interpretação da norma complexa do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, de sentido contrário aquela permitida pela própria letra da lei e das normas processuais de natureza transitória.

II - Na expressão de Robin de Andrade, quanto à aplicação da norma e à interpretação que dela se fez no despacho de não admissão do recurso interposto:

a) O regime regra da aplicação no tempo das leis processuais é o da sua aplicação imediata aos processos pendentes, conforme resulta dos princípios gerais da aplicação da lei no tempo, e consta do artigo 142.º do Código de Processo Civil.

Daí que seja excepcional a disposição do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, que determina que as disposições do novo CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor (1 de Janeiro de 2004).

Face ao carácter excepcional desta norma, a mesma não pode ser objecto de aplicação analógica, devendo pelo contrário as excepções à excepção ser consideradas aflorações da regra geral.

O n.º 2 do artigo 5.º manda aplicar a nova lei processual às novas providências cautelares em processos pendentes e o n.º 4 manda aplicar a nova lei processual às novas execuções de decisões transitadas, apesar de umas e outras serem fases novas de processos que estavam pendentes à data da entrada em vigor da Lei 15/2002. São pois excepções à excepção;

b) O n.º 3 pressupõe que aos novos recursos jurisdicionais seja aplicável a lei nova, pois recusa expressamente essa aplicação quando a lei nova crie novos meios de recurso ou extinga meios de recursos existentes face à lei anterior, e apenas nesses casos;

c) Ao reconhecer implicitamente que se deve aplicar a lei nova aos recursos jurisdicionais instaurados após a entrada em vigor do CPTA, o n.º 3 introduz ou reconhece também uma excepção à excepção, fazendo ressurgir a regra de aplicação imediata da nova lei processual, ainda que se trate de processos pendentes.

O n.º 3 do artigo 5.º, de facto, só faz sentido se aos recursos for, em regra, aplicável a lei nova, à semelhança do que se passa com as novas providências cautelares e as novas execuções, pois só então haverá que introduzir ressalvas ou excepções a essa aplicação da lei nova, mandando, em certos casos restritos, aplicar a lei antiga.

Mandar aplicar a lei antiga a todos os recursos interpostos após a entrada em vigor significaria aliás afinal alargar o âmbito de aplicação da norma excepcional do artigo 5.º, n.º 3, o que é vedado pelas regras de interpretação e adaptação das leis e em especial pelo artigo 11.º do Código Civil;

d) Refere Robin de Andrade, quanto aos acórdãos citados no item conclusivo - jurisprudência que, em dois acórdãos recentes (de 26 de Outubro de 2004 - processo 379/04) e de 3 de Junho de 2004 - processo 390/04), o Supremo Tribunal Administrativo sustentou tese oposta, interpretando o n.º 3 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, como se o mesmo estabelecesse que "nem mesmo" nos casos de eliminação ou inclusão de novos recursos a nova lei seria aplicável, confirmando assim para esses casos a regra do n.º 1, de que aos processos pendentes seria sempre aplicável a lei antiga.

Trata-se de uma interpretação que distorce deliberadamente a letra da lei, pois o n.º 3 não diz "nem mesmo" que retira qualquer efeito útil ao n.º 3, pois se limitaria a repetir o que já consta do n.º 1 - a aplicação da lei antiga; e que nora a própria sistemática da lei; já que, quer o n.º 2 que o antecede, quer o n.º 4 que lhe sucede exceptuaram da regra do n.º 1 certas fases autónomas dos processos pendentes - as providências cautelares e as execuções, pelo que foi seguramente intenção do legislador consagrar também uma excepção ao n.º 1 a propósito desta outra fase autónoma dos processos pendentes - os recursos jurisdicionais.

E finalmente não se apoia em qualquer elemento racional, já que não existe qualquer fundamento material que justifique a necessidade de a lei contemplar expressamente tais casos se o objecto for aplicar-lhes o mesmo regime que a generalidade das normas sobre recursos.

Pelo contrário, a única utilidade racional do referido n.º 3 é exceptuar expressamente tais casos limite da aplicação da lei nova, pelas razões indicadas;

e) Se porventura se vier a entender que a interpretação a adoptar para o artigo 5.º, n.º 3, da Lei 15/2002 levaria a considerar decorrido o prazo da interposição do recurso, deverá o Tribunal reconhecer existir, no caso, atraso desculpável devido a uma verdadeira ambiguidade do quadro normativo aplicável, pelo que, aplicando o princípio consagrado na nossa ordem jurídica no artigo 58.º, n.º 4, alínea b), do novo CPTA, deverá o Tribunal reconhecer a existência da situação equiparada a justo impedimento e admitir o recurso ora interposto, por o mesmo cumprir todas as normas aplicáveis do novo CPTA.

III - O regime regra da aplicação no tempo das leis processuais é o da sua aplicação imediata aos processos pendentes, conforme resulta dos princípios gerais da aplicação da lei no tempo e consta do artigo 142.º do Código de Processo Civil. É excepcional a disposição do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, que determina que as disposições do novo CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor (1 de Janeiro de 2004).

Face ao carácter excepcional desta norma, a mesma não pode ser objecto de aplicação analógica, devendo pelo contrário as excepções à excepção ser consideradas aflorações da regra geral.

O n.º 2 do artigo 5.º manda aplicar a nova lei processual às novas providências cautelares em processos pendentes e o n.º 4 manda aplicar a nova lei processual às novas execuções de decisões transitadas, apesar de umas e outras serem fases novas de processos que estavam pendentes à data da entrada em vigor da Lei 15/2002. São pois excepções à excepção.

IV - O n.º 3 pressupõe que aos novos recursos jurisdicionais seja aplicável a lei nova, pois recusa expressamente essa aplicação quando a lei nova crie novos meios de recurso ou extinga meios de recursos existentes face à lei anterior, e apenas nesses casos.

Ao reconhecer implicitamente que se deve aplicar a lei nova aos recursos jurisdicionais instaurados após a entrada em vigor do CPTA, o n.º 3 introduz ou reconhece também uma excepção à excepção, fazendo ressurgir a regra de aplicação imediata da nova lei processual, ainda que se trate de processos pendentes.

O n.º 3 do artigo 5.º, de facto, só faz sentido se aos recursos for, em regra, aplicável a lei nova, à semelhança do que se passa com as novas providências cautelares e as novas execuções, pois só então haverá que introduzir ressalvas ou excepções a essa aplicação da lei nova, mandando, em certos casos restritos, aplicar a lei antiga. Mandar aplicar a lei antiga a todos os recursos interpostos após a entrada em vigor significaria aliás não alargar o âmbito de aplicação da norma excepcional do artigo 5.º, n.º 3, o que é vedado pelas regras de interpretação e adaptação das leis e em especial pelo artigo 1.º do Código Civil.

Pelo que a única utilidade racional do referido n.º 3 é exceptuar expressamente tais casos limite da aplicação da lei nova.

Sendo que o artigo 5.º, n.º 3, não se preocupa com a forma dos actos processuais, limitando-se a formular, pela negativa, uma excepção, à norma geral do n.º 1 deste preceito.

Daí que:

a) O artigo 5.º, n.º 3, se limita a prevenir duas hipóteses de inimpugnabilidade de decisões judiciais;

b) Fora dessas duas hipóteses a lei nova é de aplicação imediata por força de uma singela interpretação a contrario.

A interpretação sistemática dos n.os 2, 3 e 4 deste artigo 5.º face a tal regra do n.º 1 significa que se quis excepcionar naqueles preceitos o que se consagrou com a regra no n.º 1, senão vejamos:

A matéria das providências cautelares absorve imediatamente as profundas alterações da LN, mesmo para os processos pendentes (n.º 2).

As execuções das sentenças proferidas em processos pendentes tramitam segundo as disposições da lei nova (n.º 4).

A lei nova não se aplica aos processos pendentes, quando proíbe recursos que a LV admitia, assim como não se aplica a tais processos pendentes quando admite novos recursos que a LV não previa ou proibia.

Esta é, pois, a solução mais acertada e a que respeita a unidade do sistema jurídico, pois é a que é informada pela preocupação dominante do legislador, ao consagrar uma lei nova que mais não visa senão impedir que se perpetue o regime vigente antes dela.

Se esta é a causa e a finalidade da sucessão de leis, por maioria de razão as normas adjectivas de natureza puramente procedimental devem ser de imediata aplicação.

V - "[...] Quer isto dizer que todas as normas que apenas visam o modo de realização dos direitos, quer se reportem a vias de execução judicial quer não, formam um grupo homogéneo de normas para fins de aplicação no tempo. Donde que a categoria de normas sobre o modo de realização dos direitos" deva cobrir tanto normas a que vulgarmente se não aplica a designação de normas processuais como normas correntemente incluídas nesta designação. A todas elas poderíamos também apor rótulo de "normas de processo".

Repare-se agora que também à luz do esquema traçado pelo n.º 2 do artigo 120.º do nosso Código estas normas, sendo normas que não afectam a validade ou a valoração dos factos constitutivos dos direitos, hão-de por força ser consideradas normas de aplicação imediata - pois que, por definição, determinam o "conteúdo" (os efeitos ou consequências) de relações jurídicas - "abstraindo dos factos que lhes deram origem".

VI - Como demonstra o Prof. Baptista Machado mesmo no que se reporta ao direito substantivo que integra "normas que apenas visam o modo de realização de direitos", por maioria de razão, as normas puramente procedimentais, que se incluem na categoria a que se refere o artigo 142.º do Código de Processo Civil (as que regulam a "forma dos actos"), são de aplicação imediata.

VII - O Prof. Teixeira de Sousa diz que "a aplicação no tempo da lei processual civil [...] obedece" "à regra que vale na teoria geral de direito (cf. o artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui qualquer eficácia retroactiva" (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p.12)

VIII - É por via da interpretação e aplicação dos princípios gerais de interpretação e sucessão das normas que se atinge claramente a conclusão acima expressa que vai no sentido de atribuir à norma do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, o conteúdo que é possível dela extrair, ou seja, a identificação, pela negativa, da matéria excepcionada à imediata aplicabilidade da LN.

É essa dicotomia que se extrai da interpretação conjugada dos n.os 1 e 3 do artigo 5.º que permite afirmar que o legislador agiu em coerência com a doutrina processualista sobre a matéria da aplicação das leis no tempo perante a delicada questão da recorribilidade ou irrecorribilidade de decisões judiciais por virtude do surgimento de uma lei nova face à mais singela questão da sucessão de normas sobre a tramitação dos recursos.

IX - A este propósito ensina o Prof. Anselmo de Castro [...] Se uma lei nova concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia, ou altera os trâmites dos recursos, quid juris?

Quanto aos trâmites do recurso, deve aplicar-se imediatamente a lei nova, visto tratar-se de puro formalismo processual.

Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis (in Lições de Processo Civil, 1.º vol., p. 109, Almedina, 1966).

X - A mera tramitação do recurso fica subsumida à norma do artigo 142.º do Código de Processo Civil por duas ordens de razões:

De um lado, não foi excepcionada pelo n.º 3 do artigo 5.º a matéria relativa à tramitação, mas, tão-só, a inimpugnabilidade das decisões judiciais sob invocação da LN;

De outro lado, o princípio geral sobre a aplicação das leis no tempo relativamente à forma dos actos processuais acha-se regulado como princípio geral no artigo 142.º do Código de Processo Civil e não foi expressamente contrariado, como podia e devia ser, pelo artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro.

XI - No que se refere à matéria da tramitação dos recursos será aplicável a LN, ou seja, no caso em apreço, o novo CPTA.

XII - Partindo do pressuposto de que a lei procede de um legislador que sabe exprimir com suficiente correcção o seu pensamento e tendo em conta que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, não há duvidas em afirmar que a redacção da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002 aponta claramente no sentido de que enquanto norma excepcional o seu perímetro de aplicação não atinge a regra.

XIII - O sentido correcto da norma do n.º 1 do artigo 5.º da lei só pode ser um, o de que sendo um desvio à regra não é aplicável aos recursos interpostos em processos pendentes porquanto à tramitação se aplica a lei nova.

XIV - As normas processuais de natureza transitória procuram disciplinar a questão de saber que norma se deve aplicar às situações processuais "que, constituídas ou perdurando sob o império de determinada lei, se prendem no entanto, por raízes mais ou menos profundas, ao domínio de uma legislação anterior" (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, revista pelo Dr. Herculano Esteves).

XV - E a doutrina procura afirmar critérios quanto a certos trâmites ou fases processuais.

Assim, quanto às leis sobre o formalismo processual, sustenta-se usualmente que a nova lei se aplica imediatamente aos actos a praticar em juízo e aos respectivos termos e formalidades. O artigo 142.º do Código de Processo Civil acolhe este princípio (tempus regit actum).

Relativamente à matéria de recursos, doutrinalmente é usual afirmar-se como princípios doutrinais idóneos os seguintes:

a) Aplicação imediata da nova lei aos trâmites do recurso (puro formalismo processual);

b) Não aplicação da lei nova às decisões anteriores quando aquela admite recurso onde anteriormente o não havia (sob pena de violação das fundadas expectativas do caso julgado formado ao abrigo da lei antiga);

c) Aplicação imediata da nova lei a todas as decisões que venham a ser proferidas nas causas pendentes.

XVI - Apesar de o n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002 estabelecer a regra da aplicação da nova lei apenas para o futuro - isto é, não aplicação aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CPTA, o mesmo preceito estabelece regras especiais sobre providências cautelares, recursos e execução de sentenças. O n.º 3, ao tratar de recursos, parece pressupor a aplicação da lei nova aos recursos interpostos após a sua entrada em vigor, através de um raciocínio a contrario sensu:

"Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos que eram admitidos na vigência da lei anterior, tal com também não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior."

O justo impedimento

XVII - Suscitado justo impedimento, enquanto situação equiparável àquela em que a parte se encontra em virtude de uma verdadeira ambiguidade do quadro normativo aplicável, reconhecendo-se o mesmo enquanto "evento" de natureza intelectual que impede a reacção ao acórdão proferido porque numa situação de dúvida jurídica se entendeu aplicável o n.º 3 da sobredita norma do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro.

Apesar da abertura da jurisdição administrativa expressa na nova lei, o certo é que a não aplicação desta tolhe o juízo decisório ao novo conceito, não se afastando o acórdão proferido da decisão primeira que configura o justo impedimento como evento ou facto material para efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo Civil.

Ou seja, ignora-se a situação equiparável a justo impedimento e decorrente da perspectiva enunciada - a dúvida jurídica sobre a determinação do prazo (que é verdadeiramente material e não meramente processual).

A situação equiparável a justo impedimento, caso se entendesse inaplicável o CPTA, consubstanciava o atraso desculpável decorrente da óbvia ambiguidade do quadro normativo, ou seja, decorrente de opção processual legítima, fundamentada e sustentada face à norma transitória do n.º 3 do artigo 5.º, e não um qualquer facto material impeditivo da apresentação do requerimento de interposição de recurso.

Acresce que o justo impedimento é um instituto de natureza geral, verdadeiro imperativo ético-jurídico, correspondente a um princípio geral de direito de que ninguém pode estar obrigado a praticar actos impossíveis (nemo ad impossilia tenetur). E como o mostra a história do direito - tem de haver válvulas de escape para os casos verdadeiramente excepcionais em que a rigidez do direito conduziria a uma terrível injustiça. O summum ius summa iniuria tem, através dos tempos, levado a intervenções excepcionais, seja a do praetor romano que age adjuvandi, supplendi vel corrigendi causa relativamente às regras rígidas do ius civilis, seja a do chancellor inglês que afasta excepcionalmente as regras formalistas e rígidas da common law, seja a das jurisdições supremas, incluindo os tribunais constitucionais no presente, que operam interpretações conformes à lei e à Constituição e conferem relevância a certos factos impeditivos de uma actuação judicial exigente.

Implicações constitucionais da falta de determinação ou da ambiguidade das disposições transitórias do CPTA.

XVIII - O regime geral de aplicação no tempo das leis processuais é o da sua aplicação imediata aos processos pendentes (Código de Processo Civil, artigo 142.º).

A aplicação retrospectiva do direito adjectivo, é, pois, um princípio jurídico geral que não poderia, sem mais, ser neutralizado na totalidade pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, artigo 5.º, n.º 1 (e não artigo 41.º, como por lapso é referido no parecer).

Daí que se deve procurar uma interpretação racional e razoável para este preceito. A norma em causa pretendeu certamente evitar o aumento da complexidade processual, sobretudo quando a aplicação da lei nova obedece a novos esquemas contraditórios com a lei processual antiga.

Já não nos parece que se deva afastar a lei nova quando ela procura ser uma concretização dos preceitos constitucionais garantísticos do acesso à justiça e ao direito.

Dentre esses preceitos contam-se os prazos materiais (e não meramente processuais) cuja função é a de permitir a realização efectiva da justiça muitas vezes perturbada por prazos demasiado restritos e manifestamente insuficientes para o exercício do direito de acção (e de recurso).

É essa a natureza do prazo em questão: não se trata de alargar um prazo processual de 10 para 30 dias, mas de assegurar o direito ao direito em termos temporalmente mais justos. Nesta perspectiva, o artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002 deve interpretar-se restritivamente, devendo aplicar-se imediatamente as prescrições que se traduzam num tratamento mais favorável aos direitos, liberdades e garantias.

O direito de acesso ao direito é considerado pela doutrina e jurisprudência como direito análogo a direitos, liberdades e garantias.

XIX - Afirma-se, consequentemente, a inconstitucionalidade da interpretação da norma constante do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, nos termos da qual seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes, devendo antes a mesma, em respeito pelos ditames da lei, interpretar-se, conjugadamente como o n.º 3 da mesma norma, no sentido de não serem aplicáveis aos recursos interpostos as disposições da LPTA por constituírem manifesta violação do princípio do acesso ao direito, este enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias e aos princípios do acesso ao direito e da confiança, este último ínsito no princípio do Estado de direito democrático.

XX - A norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da conjugação do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, e do artigo 146.º do Código de Processo Civil, na interpretação de inaplicabilidade ao caso concreto das disposições do CPTA, designadamente aquela constante do artigo 58.º, n.º 4, alínea b), do CPTA, é contrária aos princípios do acesso ao direito e da confiança, este último ínsito no princípio do Estado de direito democrático.

A norma complexa com a interpretação acolhida na decisão reclamada viola o disposto nos artigos 2.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.

XXI - A inconstitucionalidade, nas vertentes supra-suscitadas, deriva dos seguintes preceitos fundamentais: artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

XXII - Como princípio consagrado no artigo 20.º se conjuga o artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa precisando que aos tribunais compete "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos".

XXIV - A sindicabilidade dos actos administrativos segundo o artigo 268.º apresenta-se pois como um corolário do princípio e, mais amplamente, dos princípios do Estado de direito democrático.

XXV - Sendo que o direito de acesso ao direito é considerado pela doutrina e jurisprudência como direito análogo a direitos, liberdades e garantias.

XXVI - Razão pela qual se afirma ser a interpretação adoptada nesta sede uma interpretação razoável no momento de entrada em vigor da lei, enquanto não havia quaisquer decisões jurisdicionais sobre a matéria, dada a sua novidade.

XIX - Sendo, nos termos da norma constante do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos".

XX - O direito de acesso aos tribunais é um direito subjectivo fundamental "de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2004, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol., n.º 438, p. 84). Reconduz-se ao mesmo direito fundamental o chamado direito ao processo, "traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada".

XXI - E é uma garantia que Jorge Miranda e Rui Medeiros caracterizam como uma garantia plena (Constituição Portuguesa Anotada, t. 1.º, Coimbra, 2005, p. 186).

Sendo que in casu está em causa uma questão de alteração no tempo do rito processual dos recursos, a qual se traduz na ampliação do prazo de ponderação do vencido sobre a eventual interposição de um recurso que já era previsto na lei antiga (LPTA) e é mantido na nova (CPTA).

Está, assim, em causa a garantia da efectividade do recurso jurisdicional interposto pelo administrado relativamente a uma decisão que lhe foi desfavorável.

XXII - O Supremo Tribunal Administrativo - adoptando tese divergente da perfilhada pelo Sr. Presidente desse Supremo no despacho que proferiu sobre a reclamação respeitante à não admissão do recurso - considerou que o recurso jurisdicional interposto era extemporâneo - "sendo patente que o processo onde foi proferido o já mencionado acórdão [Tribunal Central Administrativo] se encontrava pendente à data da entrada em vigor do CPTA e sendo também inquestionável que nos não encontramos em face de um requerimento para o decretamento de uma providência cautelar ou perante um processo executivo, temos que se terá de observar a regra contida no já referido n.º 1 do artigo 5.º, a isso não obviando o que se fez constar do n.º 3 do dito preceito, onde o legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei (o CPTA), naquelas situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduza um novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no dito n.º 1" (a fls. )

XXIII - Entendimento sustentável e que se integra numa corrente jurisprudencial (Acórdãos de 3 de Maio de 2004, recurso n.º 0381/04, e de 26 de Outubro de 2004 - recurso n.º 0379/04) formada posteriormente ao momento em que foi interposto o recurso jurisdicional dos presentes autos, o qual começou por não ser admitido por intempestividade, foi admitido pelo Exmo. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e veio a ser indeferido por intempestividade no douto acórdão sob recurso.

XXIV - Bem conhece o recorrente a posição de sempre do Tribunal Constitucional que vai no sentido de que não cabe a este Tribunal dirimir interpretações divergentes da lei ordinária, cabendo tal tarefa aos tribunais recorridos segundo as regras de competência próprias das respectivas organizações hierárquicas.

Todavia, o que se submete ao Tribunal Constitucional é uma questão de constitucionalidade bem delimitada, a saber, a questão atinente à não conformidade da norma retirada dos n.os 1 e 3 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que:

d) Na interpretação de recurso jurisdicional em processo pendente terá de se observar a regra do n.º 1 do artigo 5.º do diploma preambular do CPTA, a isso não obviando o que se fez constar do n.º 3 do dito preceito, onde o legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduzido um novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no dito n.º 1; e que

e) O estipulado no n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002 impede a aplicação ao caso dos autos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 58.º do CPTA; sendo que

f) A incerteza ao nível do quadro legal aplicável não se enquadra na previsão do artigo 146.º do Código de Processo Civil, por não constituir evento obstaculizante da prática atempada do acto.

XXV - Segundo o exposto o que se entende é que, perante uma lei nova com disposições transitórias ambíguas, não pode antecipar-se com certeza a corrente jurisprudencial que virá a triunfar em definitivo, bastando acentuar que três jurisconsultos bem conhecidos e o próprio presidente do Supremo Tribunal Administrativo se pronunciaram no sentido da admissão do recurso jurisdicional em causa.

XXVI - Além de que está bem arreigada na consciência dos juristas a regra da aplicação imediata da lei nova nas disciplinas processuais, nomeadamente no que toca ao rito dos recursos (basta citar as lições de Alberto dos Reis, Manuel de Andrade, Antunes Varela e Anselmo de Castro).

XXVII - Sendo sustentável a interpretação que preconiza a aplicação da lei antiga aos processos pendentes e a aplicação da lei nova às novas fases do processo ou a tramitações autónomas (recursos, processos cautelares e execução de sentença).

Atente-se no seguinte passo de Anselmo de Castro:

"Ora, se uma lei nova concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia, quid juris?

Está, como é óbvio, fora de causa o caso de alteração dos trâmites do recurso, ao qual deve aplicar-se imediatamente a lei nova, visto tratar-se de puro formalismo processual.

Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis.

Para a hipótese da lei nova proibir recurso antes admitido, tanto ligado à natureza da decisão, como ao valor da causa, deve aplicar-se imediatamente a lei nova, quer a decisão já tenha sido proferida no domínio da lei nova, o que então é óbvio, quer tenha sido proferido no domínio da lei antiga e quer o recurso já esteja interposto, quer ainda não esteja interposto mas se não tenha esgotado o prazo para o requerer.

Nem toda a doutrina está de acordo com as soluções que acabamos de dar.

Tanto Andrade [...] como Alberto dos Reis concordam em que se aplique a lei nova a todas as decisões proferidas já na sua vigência, não tendo, portanto, o recurso cabimento.

Para o caso do recurso ainda não estar interposto quando a lei nova começa a vigorar, Andrade começa por hesitar na solução a dar, mas acaba por preferir a não aplicação da lei nova, pois que, de outro modo, a decisão passaria a ter um valor que não lhe competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.

A. dos Reis critica a solução de Andrade, dizendo ser ela uma solução de compromisso e que a doutrina rigorosa será antes esta: visto o recurso não estar interposto, a parte já não poderá interpô-lo, porque a isso obsta a lei nova [Direito Processual Civil Declaratório, 1.º vol., Coimbra, 1981, pp. 60-62 (sublinhados acrescentados)]"

XXVIII - Um jurista prudente e razoável considera que o legislador do CPTA aceitou a regra da aplicação imediata da nova lei processual à tramitação dos recursos - como é geralmente sustentado entre nós - e pretendeu resolver legislativamente as duas situações mais complexas que suscitavam debate na doutrina:

i) As disposições da lei nova que excluem recursos previstos na lei antiga não são aplicáveis aos processos pendentes;

ii) As disposições da lei nova que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da lei antiga não se aplicam aos processos pendentes.

XXIX - Há-de convir-se que esta é a interpretação lógico-sistemática mais razoável. De outro modo, bastavam as regras dos n.os 1, 2 e 4 do referido artigo 5.º da Lei 15/2002 (note-se que, em rigor, a primeira regra constante do n.º 3 vai mais longe que jurisprudência do Tribunal Constitucional: v. o Acórdão 71/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., pp. 567 e segs.: a situação em causa era a de uma decisão do pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que entendeu que os recursos para o pleno da secção que se encontrassem pendentes na data abaixo referida seriam ou não julgados, consoante estivessem, ou não, inscritos para julgamento na data da entrada em vigor do ETAF de 1984. Aí se entendeu que, pelo menos, quanto aos direitos processuais já exercidos, os mesmo não poderiam ser retirados ex lege).

XXX - Na interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, o recorrente vê-se privado do seu direito ao recurso jurisdicional por ter interposto no prazo de 30 dias o mesmo recurso, já acompanhado da alegação, solução que é seguramente mais expediente e só pode acarretar um ónus para o recorrente (alegar em vão, se o recurso não for admitido, como sucedeu in casu).

O recorrente, face à lei nova, é punido, apesar da diligência da(o) mandatária(o), só porque teve a infelicidade de perfilhar uma solução interpretativa da lei nova que é inteiramente razoável e adequada, mas diversa da que veio a ser acolhida no Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, adoptando uma postura não formalista, deveria o Supremo Tribunal Administrativo ter julgado tempestivo o recurso, considerando que a errada interpretação da lei por parte da(o) mandatária(o) e quanto a uma lei nova levaria a uma situação de justo impedimento que logo fora sanada, não podendo ser prejudicado o recorrente pela tese interpretativa razoável que adoptou face à lei nova.

XXXI - A interpretação da norma sufragada no acórdão recorrido é inconstitucional por violação do princípio da igualdade condensado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, aquela norma na dimensão interpretativa do acórdão ofende claramente o direito de acesso aos tribunais.

XXXII - No plano processual a consagração do princípio da protecção judicial efectiva implica que sejam ultrapassados os formalismos processuais que afectem desrazoavelmente a protecção judicial dos cidadãos.

O princípio do favorecimento do processo (princípio pro actione), enquanto projecção do direito à tutela judicial efectiva, além de apontar para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, impede igualmente o legislador de criar obstáculos nesse acesso (Dr.ª Fernanda Maçãs, in "Reforma do contencioso administrativo - Trabalhos preparatórios", O Debate Universitário, vol. 1, p. 360).

O princípio pro actione encontra o seu âmbito natural de aplicação no processo civil, tendo sido "a garantia da prevalência do fundo sobre a forma e, portanto, a orientação pela verdade material" uma das linhas mestras da reforma de 1995. Este princípio, também denominado como "prevalência da decisão de mérito", encontra a sua consagração por excelência no artigo 288.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, preceito que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por subsistir uma excepção dilatória, fosse possível a absolvição da instância. Em causa está a superação do "dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais" sobre as questões de mérito.

[...]

Além de que:

No novo contencioso administrativo foram consagradas diversas soluções inspiradas no princípio pro actione, como sucede no n.º 3 do artigo 12.º do CPTA. Para mais, o Código dedicou o artigo 7.º a este princípio, erigindo-o em princípio interpretativo: "as normas devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas".

XXXIII - A ideia basilar do princípio processual pro actione é, pois, a de favorecimento da tomada de decisões de mérito, contrariando o excessivo relevo que possam apresentar as questões de outra índole (in anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 22 de Janeiro de 2004, processo 2064/03, CJA, n.º 44, pp. 30 e segs.).

XXXIV - Determina o princípio geral de direito processual que quando uma lei nova aumenta as garantias jurisdicionais deve a mesma ter aplicação imediata, sendo que essa mesma peculiar regra do princípio estruturante impõe que a lei nova se aplique a todos os actos que se realizem após a sua entrada em vigor.

XXXV - Acresce, quanto ao prazo aplicável, que, quando por força do disposto no artigo 1.º do CPTA e do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, os prazos processuais que, em processos pendentes, se iniciem no domínio da lei nova, é aplicável o nela estabelecido quanto ao modo de contagem e à respectiva duração. Tal disposição que nas circunstâncias contemplava directamente a ampliação dos prazos da lei adjectiva resultante do artigo 6.º do citado diploma não pode deixar de ter aplicação no que respeita à ampliação de prazos estabelecida no actual CPTA no concernente a recursos relativamente aos prazos da LPTA. O que vai de encontro ao princípio geral de direito adjectivo de que quando uma lei nova aumenta as garantias jurisdicionais deve a mesma ter aplicação imediata.

XXXVI - Tais garantias hão-de compaginar-se com o direito de acesso e à protecção jurídica consagrado, respectivamente, nos artigos 7.º do CPTA e 20.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que na norma da lei fundamental se encontra consagrado o acesso ao direito e aos tribunais, que, para além de instrumentos da defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.

XXXVII - A norma contida no artigo 58.º, n.º 4, alínea b), do CPTA, conjugada com as normas dos artigos 1.º, 7.º e 140.º do CPTA e a norma contida no artigo 20.º da CRP, há-de ser sempre interpretada e aplicada in casu, sem conceder, no sentido de atenta a complexidade da questão (aplicação da LPTA ou do CPTA ao prazo de interposição de recurso) o hipotético atraso (na tese do despacho reclamado) na apresentação do recurso ser considerado desculpável, isto é, causalmente justificado.

XXXVIII - O n.º 1 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do "princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança", legalmente consagrado, designadamente nos artigos 2.º, 103.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que tendo o douto acórdão recorrido interpretado e aplicado aquela norma com o sentido de que a lei nova não se aplica aos processos pendentes, independentemente do disposto no n.º 3 da mesma norma, também o mesmo acórdão se encontra enfermo de ilegalidade, por violação daquele "princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança", constitucionalmente consagrado.

XXXIX - No cerne da questão está a extensão da garantia jurisdicional de tutela efectiva, pois que os termos do seu assento constitucional - artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa - apontam para a necessidade de no direito ao recurso (corolário dessa garantia) e na protecção jurisdicional (outro corolário dessa garantia) ter o particular direito de acesso a meios que o habilitem a chegar ao tribunal, bem como exercer o seu direito nas melhores condições.

XL - A interpretação e aplicação do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002 reputa-se inconstitucional à luz do artigo 268.º, n.º 4, do artigo 20.º, n.os 1 e 5, e do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, para além do que se refere em textos internacionais com alcance e efeitos idênticos, como seja na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

De facto o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o direito a um processo equitativo, sendo uma das suas faces o direito de acesso à justiça (ou a um tribunal). Este direito de acesso pode ser violado, em especial, se as leis de processo que são aplicadas carecem de clareza ou se o efeito delas é perverso do ponto de vista dos particulares.

A aplicação do artigo 5.º, n.º 1, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, no modo e sentido constante do acórdão recorrido, afronta a garantia de tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), o direito ao acesso aos tribunais, à justiça e ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e, em consequência, o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), de que os sobreditos direitos fundamentais são corolários."

A entidade recorrida não contra-alegou (cf. cota a fl. 692).

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 3 - O recorrente sustenta nos presentes autos a inconstitucionalidade do artigo 5.º, n.os 1 e 3, da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de ser aplicado no processo pretexto o prazo de interposição do recurso previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (10 dias) e não o prazo de 30 dias que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê.

O artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, tem a seguinte redacção:

"1 - As disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

2 - Podem ser requeridas providências cautelares ao abrigo do novo Código, como incidentes, de acções já pendentes à data da sua entrada em vigor.

3 - Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior, tal como também não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior.

4 - As novas disposições respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo Código."

4 - O recorrente desenvolve, nas alegações de recurso apresentadas junto do Tribunal Constitucional, extensas considerações sobre as regras e princípios infraconstitucionais relativos à aplicação da lei processual no tempo.

Não cabe, porém, ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade, no plano infraconstitucional, da interpretação normativa que as instâncias realizam e aplicam. Com efeito, ao Tribunal Constitucional apenas compete, no âmbito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, apreciar a conformidade à Constituição da norma ou normas que o Tribunal a quo aplicou.

Desse modo, a questão de constitucionalidade central nos presentes autos tem por objecto a interpretação do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, segundo a qual o prazo para a interposição de um recurso num processo pendente à data da entrada em vigor dessa lei é o prazo previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (lei antiga) e não o prazo, mais alargado, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (lei nova).

O recorrente sustenta que tal interpretação viola o direito de acesso aos tribunais e à sindicabilidade dos actos administrativos, corolários da ideia de Estado de direito democrático (artigos 2.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição).

Cabe salientar que nos presentes autos o Supremo Tribunal Administrativo não negou a possibilidade de recurso, mas fundamentou o não conhecimento do objecto do recurso interposto na intempestividade.

Não questionando o recorrente no presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a eventual exiguidade ou inadequação do prazo previsto pelo regime legal que o tribunal recorrido aplicou (artigos 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e 685.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não se coloca um problema de verdadeira negação do direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva. Na verdade, o recurso em causa (isto é, o recurso que o recorrente pretende ver admitido) encontra-se legalmente previsto; só não foi interposto dentro do prazo legal - não tendo sido a constitucionalidade desse prazo suscitada, como já se referiu. Ora, tal circunstância desloca o fundamento da não admissão do recurso de uma eventual inconstitucionalidade, por negação do direito ao recurso (como pretende o recorrente), para um mero problema de aplicação da lei no tempo.

O recorrente sustenta, porém, que o regime legal em causa é pouco claro e ambíguo, o que implicaria uma violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático. Para tanto, formula o recorrente uma interpretação de dimensões normativas implícitas no n.º 3 do artigo 5.º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, segundo a qual daquele preceito decorreria a aplicação do regime de recursos previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos aos recursos previstos na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como já se referiu, ao Tribunal Constitucional não compete proceder à interpretação do direito infraconstitucional. Desse modo, apenas se averiguará se em face da norma em causa (ponderando o teor do preceito) será procedente sustentar uma violação do princípio da confiança.

Na perspectiva do recorrente (tal resulta de modo claro das suas alegações), a alegada ambiguidade traduzir-se-ia na dúvida decorrente do regime em causa sobre a aplicação do prazo de interposição do recurso previsto na lei antiga e o prazo de interposição do recurso previsto na lei nova.

A alegada falta de clareza da lei tem, portanto, dois pólos suficientemente perceptíveis. Ora, se ao recorrente foram suscitadas dúvidas sobre a aplicação de um ou outro regime, e não decorrendo inequivocamente do regime transitório a solução da aplicação da lei nova (não pode deixar de se anotar que, numa perspectiva puramente objectiva, é perfeitamente sustentável a interpretação segundo a qual o regime transitório aponta, in casu, para uma aplicação da lei antiga), a estratégia processual a seguir não poderia deixar de ponderar tais dúvidas, ou seja, não poderia deixar de antecipar as consequências de qualquer das opções. E, assim, a escolha da aplicação do regime novo (prazo mais alargado) implicaria a possibilidade objectiva de o tribunal vir a considerar o recurso intempestivo, por entender ser aplicável o regime antigo.

Não existe, pois, qualquer violação do princípio da confiança, já que não existia nenhuma expectativa legítima, induzida ou não pelo regime legal em questão, que tenha sido afectada ou frustrada de modo constitucionalmente inadmissível. De facto, a decisão de intempestividade era previsível, já que se afigurava objectivamente sustentável em face do regime transitório em causa, pelo que mais uma vez o não conhecimento do objecto do recurso pelo tribunal recorrido ficou a dever-se à estratégia processual do recorrente.

O recorrente invoca ainda a violação do princípio da igualdade.

No entanto, não se reconhece em que medida se poderá afirmar de modo procedente uma qualquer violação do princípio da igualdade, já que qualquer sujeito que se encontre na situação do recorrente será confrontado com solução idêntica. Por outro lado, a sucessão de leis importa naturalmente a sucessão de regimes diferentes sem que tal facto, só por si, importe uma qualquer violação da igualdade.

5 - O recorrente autonomiza a questão da inconstitucionalidade da não aplicação nos autos do disposto no artigo 58.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pretendendo, por essa via, invocar justo impedimento.

O que se deixa dito no número anterior é aplicável, mutatis mutandis, a propósito da alegada inconstitucionalidade da não aplicação nos processos pendentes à data da entrada em vigor do diploma em questão do disposto no mencionado artigo 54.º, n.º 1, alínea b). Com efeito, não decorre de nenhum dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente a obrigação da aplicação de tal disposição no processo pretexto.

De resto, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, considerou expressamente que tal preceito não seria aplicável no caso dos autos, por não ser aplicável quando está em causa o prazo para interposição do recurso jurisdicional, só o sendo quando estão em questão os prazos para a impugnação dos actos anuláveis. Tal fundamentação alternativa da decisão recorrida sempre tornaria inútil a apreciação da questão concreta suscitada.

6 - Por último, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade da norma do artigo 146.º do Código de Processo Civil, interpretado tal preceito no sentido de não abranger as situações de ambiguidade do quadro legal aplicável.

Já se demonstrou que a alegada falta de clareza ou ambiguidade da lei não impossibilitava, no caso em discussão, a opção por uma estratégia de defesa procedente (no que respeita à tempestividade do recurso). Assim, mais uma vez não se apreende qualquer violação dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente.

Com efeito, o recorrente, entre duas possibilidades, optou por uma via, sendo objectivamente previsível a solução que o Tribunal a quo acolheu. Na perspectiva do tribunal recorrido não existiu qualquer impedimento que fundamentasse a prática do acto fora de prazo. A interpretação normativa subjacente a este entendimento não viola qualquer princípio constitucional. Na verdade, da Constituição não resulta a obrigatoriedade de aceitar como justo impedimento o acolhimento pelo tribunal de uma interpretação da lei objectivamente sustentável e previsível.

7 - Improcede, portanto, o presente recurso.

III - Decisão. - 8 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade, confirmando consequentemente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2006. - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1540228.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1997-03-11 - Portaria 177/97 - Ministério da Saúde

    Aprova o Regulamento dos Concursos da Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, pubicado em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-22 - Lei 15/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e procede a algumas alterações sobre o regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido no Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro.

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