Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - João Duarte Fernandes Soares interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC): i) da sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa (1.º Juízo) que julgou improcedente a impugnação da decisão do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que lhe indeferira um pedido de apoio judiciário; bem como ii) do despacho que indeferiu o pedido de aclaração e; iii) do despacho que julgou improcedente a arguição de nulidades dessa mesma sentença.
Esse recurso não foi admitido, por despacho de 25 de Outubro de 2005, com fundamento em que não se verifica o pressuposto da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, uma vez que o recorrente não suscitara a inconstitucionalidade de qualquer norma, quer no requerimento dirigido ao ISSS quer no recurso de impugnação.
2 - O requerente reclama desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, sustentando, relativamente a cada grupo de normas que identifica, que levantou a questão de constitucionalidade no momento processual em que tal lhe era permitido, não lhe sendo exigível que o fizesse em momento anterior e de modo que o tribunal a quo tenha tido oportunidade de sobre tais questões se pronunciar, cumprindo-se assim a finalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
O Instituto de Segurança Social, I. P., sustenta que o recurso não deve ser admitido pelas razões do despacho reclamado.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu o seguinte parecer:
"O ora reclamante interpôs recurso de constitucionalidade simultaneamente da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida e dos subsequentes despachos que se pronunciaram sobre os pedidos de aclaração e de arguição de nulidades.
Relativamente a tais despachos, proferidos no âmbito dos referidos incidentes pós-decisórios, apenas cumpre salientar que - não cabendo obviamente a este Tribunal sindicar a concreta decisão, na parte em que considera nada haver a aclarar e não se verificarem as apontadas nulidades não se mostram obviamente aplicados, com o critério normativo da decisão, as interpretações normativas que o recorrente reportou aos artigos 659.º, 653.º e 655.º do CPC: na verdade, a ratio decidendi de tais despachos é apenas a constatação de que a sentença proferida não padece de ambiguidade ou obscuridade e que 'não ocorre falta de fundamentação, nem de indicação da matéria de facto provada, nem aferição entre os fundamentos e a decisão' (fl. 95), afirmações obviamente indindicáveis, por desprovidas de natureza 'normativa' e consequentemente excluídas dos poderes cognitivos deste Tribunal.
Relativamente à sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida, a respectiva ratio decidendi consistiu apenas na conclusão de que - tendo o requerente um rendimento mensal ilíquido de Euro 1734,25 - não se verificam os pressupostos da presunção de insuficiência económica a que alude o n.º 2 do artigo 20.º da Lei 30-E/2000, sendo certo que o requerente não cumpriu o ónus probatório que o vinculava, no que toca à demonstração da alegada carência económica. Não se pronuncia a sentença sobre a questão da titularidade dos rendimentos auferidos, sendo óbvio que a questão de constitucionalidade da norma que consta do citado n.º 2 do artigo 20.º deveria ter sido suscitada antes da prolação de tal sentença - e não apenas no requerimento de arguição da respectiva nulidade.
Finalmente, consideramos manifestamente infundada a questão de constitucionalidade colocada quanto à norma constante do n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000: estando em causa a impugnação jurisdicional de uma decisão administrativa, desfavorável ao impugnante, a atribuição de natureza preclusiva ao incumprimento do prazo para a Administração remeter os autos a juízo reverteria em prejuízo para o impugnante, inviabilizando uma eventual reapreciação jurisdicional da matéria e operando uma insólita sedimentação da decisão proferida pela Administração/segurança social!"
O reclamante foi ouvido sobre o parecer, por poder entender-se que nele se propõe a não admissão do recurso por fundamento diverso daquele em que assentou o despacho reclamado, tendo respondido desenvolvidamente, nos termos que constam a fls. 35-38, no sentido da sua improcedência.
Em resposta a esclarecimentos solicitados ao tribunal a quo, face à deficiência das peças com que a reclamação foi instruída, em ordem a saber se na petição inicial de recurso da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário tinha sido suscitada alguma questão de constitucionalidade e em que termos, obteve-se cópia dessa petição.
3 - Com relevo para a decisão da presente reclamação, interessa considerar as ocorrências processuais seguintes:
a) Em 18 de Março de 2005, foi proferida a seguinte sentença:
"O recorrente João Duarte Fernandes Soares requereu concessão do benefício do apoio judiciário em 7 de Julho de 2004 (fl. 33).
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social comunicou, em 3 de Agosto de 2004, ser sua intenção indeferir o pedido por não estar comprovada a alegada insuficiência económica (fl. 32), tendo indeferido o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário por despacho de 19 de Agosto de 2004.
Interposto recurso de impugnação, a fls. 8 e seguintes, foi junta resposta à impugnação judicial (fls. 2 e seguintes).
Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o tribunal é competente para apreciação do recurso.
O recorrente levou ao processo de pedido de apoio judiciário elementos que não provam a alegada insuficiência económica. Pelo contrário, conclui-se ter o recorrente um rendimento mensal ilíquido de Euro 1734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas, é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
A prova da insuficiência económica cabe ao requerente - artigo 342.º do CC -, não tendo sido cumprido o respectivo ónus, sendo certo que não está abrangido por qualquer presunção.
Termos em que se confirma a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso de impugnação.
Nos termos da alínea o) do artigo 6.º do Código das Custas Judiciais, fixo à causa o valor de Euro 869 443,34, por ser esse o valor da acção para o qual foi requerido o benefício, a qual corre termos no 3.º Juízo - 3.ª Secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, sob o n.º 2978/04.6TTLSB.
Custas pelo recorrente.
Comunique ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social."
b) O reclamante pediu a aclaração da sentença, nos termos do requerimento a fls. 77 e seguintes, sustentando que o artigo 20.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, não estabelece qualquer determinação do montante legalmente previsto para que o benefício de apoio judiciário seja concedido e requerendo o esclarecimento da parte em que a sentença "fundamenta que o rendimento mensal ilíquido de Euro 1734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas, é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro";
c) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
"Fl. 77 (requerimento de 15 de Abril de 2005):
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 669.º, n.º 1, alínea a), e 666.º, n.º 3, ambos do CPC, para ser atendido o requerimento de aclaração é preciso que aponte concretamente a obscuridade ou ambiguidade cujo esclarecimento se pretende e que se trate realmente de um vício que prejudique a sentença ou o despacho (A. Reis, CPC Anotado, vol. V; p. 153).
A obscuridade é uma imperfeição da sentença ou despacho que se traduz na sua ininteligibilidade. A ambiguidade nestas peças é a susceptibilidade de nelas ou uma passagem delas determinada se poder atribuir dois ou mais sentidos (A. Reis, CPC Anotado, vol. V; p. 152 e J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, p. 249).
Na decisão aclaranda, a fl. 72, decidiu-se só e apenas só julgar improcedente o recurso de impugnação.
Esta é que é decisão. O que antecede esta é a fundamentação e não a decisão. E é nesta que se incluem os fundamentos do caso julgado e não naquela. E por isso que é desta que se recorre e não daquela (Castro Mendes, Recursos, edição da AAFDL, 1980, p. 14 e nota 1).
Ora, no requerimento a fl. 77 não se aponta à decisão aclaranda concretamente qualquer obscuridade ou ambiguidade, apenas se formula uma questão que não tem de ser respondida, o que é manifestamente um uso do incidente de aclaração para aquilo que ele nunca deve ser usado.
Quanto a custas, não tem de ser ordenada uma redução que decorre da lei.
Pelo exposto e porque a decisão aclaranda é bem clara, compreende-se perfeitamente o que está escrito e o que está escrito não tem mais de um sentido, não há nela nada a aclarar.
Termos em que indefiro o pedido de aclaração.
Pelo incidente a que deu causa, condeno o requerente na taxa de justiça de 2 UC (CCJ, artigo 16.º)."
d) Seguidamente, pelo requerimento a fls. 85 e seguintes, o reclamante arguiu a nulidade da sentença por:
"a) Omissão de pronúncia - alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil;
b) Oposição entre a fundamentação e a decisão - alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil;
c) Falta de fundamentação - alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
I - De direito.
II - Das respostas à matéria de facto."
e) Sobre esta arguição recaiu o seguinte despacho:
"Fl. 85 (requerimento de 30 de Maio de 2005):
Não obstante o alegado pelo recorrente, afigura-se que a sentença não é nula nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, pois pronuncia-se sobre as questões que devia apreciar.
Não ocorre falta de fundamentação nem de indicação da matéria de facto provada, nem oposição entre os fundamentos e a decisão.
Com efeito, na decisão em causa, refere-se que o recorrente levou ao processo de pedido de apoio judiciário elementos que não provam a alegada insuficiência económica. Mais se refere que o recorrente tem um rendimento mensal ilíquido de Euro 1734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas, é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Refere-se ainda que a prova da insuficiência económica cabe ao requerente - artigo 342.º do Código Civil -, não tendo sido cumprido o respectivo ónus, sendo certo que não está abrangido por qualquer presunção. Tais factos conduzem logicamente à decisão constante da sentença, não se verificando, por isso, as nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do citado preceito.
Não se verifica omissão de pronúncia porquanto o prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, é meramente ordenador e não preclusivo.
Assim, não se verifica também a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do citado preceito.
Pelo exposto, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, nada se oferece acrescentar ou alterar na mesma."
f) O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da sentença e dos despachos que indeferiram o pedido de aclaração e a arguição de nulidades, nos termos seguintes:
"O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
II)
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das seguintes normas:
a) Constante do n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando interpretada no sentido que lhe foi dada no despacho que indefere a arguição de nulidade da sentença, a fls..., em que o prazo de 10 dias nela estabelecido é entendido como meramente ordenador, ao arrepio do disposto nos artigos 41.º da mesma lei e nos n.os 3 do artigo 145.º e 1 do artigo 144.º, ambos do Código de Processo Civil;
b) Da norma vertida no n.º 2 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada tanto na sentença como no despacho que indefere o seu pedido de aclaração e no despacho que indefere arguição de nulidade da mesma, segundo a qual é suficiente, para a fundamentação de direito de uma decisão, a mera indicação de uma disposição legal;
c) Constante do n.º 2 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, no sentido que lhe foi dada tanto na sentença como no despacho que indefere o pedido de aclaração e no despacho que indefere arguição de nulidade da sentença, de que é compreensível e, consequentemente, devidamente fundamentada uma sentença ou despacho que aplica uma norma que estabelece numa presunção (artigo 20.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro), para concluir decidindo pela existência de um 'máximo legal' preclusivo do direito invocado pelo recorrente;
d) Nos termos conjugados do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 659.º e 2 do artigo 653.º, ambos do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido, como consta da sentença e do despacho que indefere a arguição de nulidade da mesma, de que não constitui obrigação do Tribunal a indicação dos factos relevantes para a decisão da causa submetidos à sua apreciação;
e) Nos termos conjugados do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 659.º e 2 do artigo 653.º, ambos do Código de Processo Civil, no sentido que lhes foi dado tanto na sentença como no despacho que indefere a arguição de nulidade da mesma, em que são interpretados como não tendo o Tribunal obrigação de apreciar criticamente as provas que lhe foram apresentadas;
f) Constante do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido, como consta da sentença e do despacho que indefere a arguição de nulidade da mesma, de que as provas apresentadas podem ser arbitrária e discricionariamente apreciadas pelo Tribunal;
g) Da norma constante do n.º 2 do artigo 20.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando conjugada com o disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, na interpretação constante da sentença e do despacho que indefere a arguição de nulidade da mesma, de que o rendimento aí mencionado é o do agregado familiar e não o rendimento per capita.
III)
Tais interpretações violam:
a) Os princípios da igualdade das partes, da legalidade democrática, da imparcialidade e independência dos juízes: artigos 13.º, n.os 1 e 4, 20.º, 202.º, n.º 2, e 203.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH);
b) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais, independência e imparcialidade do juiz: artigos 202.º, n.º 2, 203.º e 205.º, n.º 1, da CRP, 6.º da CEDH e 10.º da DUDH;
c) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais, independência e imparcialidade do juiz: artigos 202.º, n.º 2, 203.º e 205.º, n.º 1, da CRP, 6.º da CEDH e 10.º da DUDH;
d) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais, independência e imparcialidade do juiz: artigos 202.º, n.º 2, 203.º e 205.º, n.º 1, da CRP, 6.º da CEDH e 10.º da DUDH;
e) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais, independência e imparcialidade do juiz: artigos 202.º, n.º 2, 203.º e 205.º, n.º 1, da CRP, 6.º da CEDH e 10.º da DUDH;
f) Os artigos 20.º, n.os 1 e 4, 202.º e 203.º da CRP, 6.ºda CEDH e 10.º da DUDH;
g) Os princípios da igualdade, justiça distributiva, acesso ao direito e aos tribunais: artigos 13.º e 20.º, n.º 1, da CRP, 6.º da CEDH e 2.º, 7.º e 10.º da DUDH.
IV)
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos em requerimento arguindo a nulidade da sentença, a fls..."
g) O recurso não foi admitido pelo despacho reclamado, que é do seguinte teor:
"Fl. 103 (requerimento de 12 de Julho de 2005):
João Duarte Fernandes Soares interpõe recurso para o Tribunal Constitucional alegando que o faz ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Dispõe o citado preceito que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Ora, quer no requerimento dirigido ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social em 16 de Agosto de 2004, junto a fls. 16 e 17, quer no recurso de impugnação de 9 de Setembro de 2004, junto a fls. 8 a 11, não é suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.
O facto de no requerimento de interposição de recurso se pretender verem apreciadas inconstitucionalidades não antes suscitadas não integra a previsão da citada alínea b).
Termos em que não admito o recurso."
4 - Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos demais tribunais em cuja ratio decidendi tenha sido feita aplicação de norma cuja constitucionalidade (ou, no seu caso, ilegalidade por violação de lei com valor reforçado) tenha sido suscitada, pelo recorrente, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º da LTC). No caso, foi por incumprimento deste ónus que o recurso não foi admitido. O recorrente contrapõe que o cumpriu, quanto à questão referida na alínea g) do requerimento de interposição na petição da impugnação, e, quanto às demais, no requerimento de arguição de nulidades, por não ter disposto da oportunidade anterior, face à natureza dessas questões.
Sucede que na reclamação prevista no n.º 4 do artigo 76.º e regulada no artigo 77.º da LTC, o Tribunal Constitucional tem indiscutivelmente poderes de reexame, devendo indeferir a reclamação se ocorrer algum dos fundamentos de indeferimento do requerimento de interposição previstos no n.º 2 do artigo 76.º, independentemente de confirmar ou não o fundamento adoptado pelo tribunal a quo. É o que desde logo decorre do facto de a decisão que mande admitir o recurso fazer caso julgado quanto à sua admissibilidade (n.º 4 do artigo 77.º da LTC).
Assim, passa a apreciar-se se o recurso deve ser admitido ou se, pelo contrário, ocorre fundamento para que o não seja, ainda que diverso daquele de que se serviu o despacho sob reclamação, seguindo, por comodidade expositiva, a arrumação adoptada pelo reclamante.
5 - Quanto às normas processuais relativas à estrutura da sentença, ao julgamento da matéria de facto e à apreciação das provas - alíneas b) a f) do requerimento de interposição.
Nas alíneas do requerimento de interposição do recurso em epígrafe o ora reclamante enunciou vários sentidos ou dimensões normativas dos n.os 2 e 3 do artigo 659.º, do n.º 2 do artigo 653.º e do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, que diz terem sido adoptados e aplicados pelo tribunal a quo. Para rebater o fundamento adoptado para a não admissão do recurso, sustenta na reclamação que a questão de constitucionalidade dessas normas foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades da sentença e que esse era o momento processualmente adequado, uma vez que é "a própria sentença, enquanto peça processual (e não enquanto decisão que conhece do objecto da causa) que é violadora da Constituição", não sendo exigível às partes que sistematicamente lembrem ao juiz o dever de fundamentação das sentenças e de resolução de todas as questões que deva apreciar e os limites do princípio da livre apreciação da prova.
O Tribunal vem uniformemente decidindo que, por via de regra, o pedido de aclaração de decisão judicial ou a arguição da sua nulidade já não constituem momento idóneo para suscitar questões de constitucionalidade. Às partes é exigível que antecipem as várias possibilidades interpretativas razoáveis das normas susceptíveis de serem aplicadas no processo, tendo o ónus de adoptar uma estratégia processual ordenada a confrontar o tribunal com o que entendem ser normas ou dimensões normativas inconstitucionais de modo a abrir o recurso de constitucionalidade. Exceptuam-se, porém, os casos em que não houve oportunidade processual para suscitar a questão antes da decisão final agindo com a diligência exigível a um operador judiciário normal. A esta luz, se a questão de constitucionalidade incidir sobre problemática susceptível de ser conhecida após a "decisão final" ter sido proferida, nomeadamente quando se trate de normas processuais relativas ao regime de nulidades da decisão, pode a inconstitucionalidade ser suscitada no momento da respectiva arguição, não sendo razoável exigir que a prognose chegue ao extremo de impor que, antes daquela decisão, se suscite vício de inconstitucionalidade relativo a norma implicada em eventual nulidade do julgamento.
Todavia, nem por ser assim o recurso deve ser admitido na parte que neste passo está em exame.
Com efeito, a desconformidade com normas ou princípios constitucionais invocada no requerimento de arguição de nulidades da sentença, no que especificamente toca à fundamentação e ao julgamento da matéria de facto, é directamente referida à própria decisão judicial, em si mesma considerada, e não às normas a que esta devesse obedecer. Censurou-se a sentença por desrespeito a imperativos de direito ordinário, constitucional e de convenções internacionais na matéria; mas em passo algum se confrontou o tribunal que proferiu a decisão alegadamente nula, ou cujo julgamento da matéria de facto se alega ser arbitrário, com uma questão de constitucionalidade normativa, por forma que este devesse saber que era chamado a fazer uso do poder conferido pelo artigo 204.º da Constituição e recusar a aplicação aos sentidos normativos agora indicados nas alíneas b), c), d), e) e f) do requerimento de interposição do recurso.
Assim, logo por aí, por não ter sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida a questão de constitucionalidade das normas dos n.os 2 e 3 do artigo 659.º, do n.º 2 do artigo 653.º e do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, não pode admitir-se o recurso de constitucionalidade interposto.
De todo o modo, também é exacto o que se refere no parecer do Ministério Público e que igualmente afasta a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional e que consiste em as interpretações que o recorrente reporta aos artigos 659.º, 553.º e 655.º do Código de Processo Civil não terem integrado a ratio decidendi da sentença e dos despachos recorridos. Tais despachos limitaram-se a verificar que a sentença proferida não padece de ambiguidade ou obscuridade e que não ocorre falta de fundamentação, nem omissão de indicação da matéria de facto provada, nem oposição entre os fundamentos e a decisão e a reafirmar o juízo sobre a situação económica do recorrente, afirmações obviamente excluídas dos poderes cognitivos deste Tribunal. De modo algum o tribunal a quo funda o seu julgamento ou o seu procedimento, sequer implicitamente, na imputação aos indicados preceitos de qualquer dos sentidos normativos que o reclamante enuncia nas mencionadas alíneas do requerimento de interposição, erigindo como critério susceptível de generalização qualquer dos sentidos que o recorrente indica quanto à fundamentação das sentenças em matéria de direito e de facto e quanto à apreciação das provas e ao julgamento da matéria de facto.
Assim, quanto às normas (ou sentidos normativos) a que se refere a epígrafe e que se encontram transcritos na alínea f) do n.º 3 do presente acórdão, improcede a reclamação.
6 - Quanto à norma de direito substantivo - alínea g) do requerimento do requerimento de interposição.
Pretende o requerente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 20.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando conjugada com o disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, na interpretação constante da sentença e do despacho que indefere a arguição de nulidade da mesma, de que o rendimento aí mencionado é o do agregado familiar e não o rendimento per capita.
Diz que suscitou esta inconstitucionalidade nos n.os 15.º a 21.º da petição do recurso da decisão administrativa. Todavia, esta afirmação é flagrantemente inexacta, como a simples leitura da referida passagem do articulado que a seguir se transcreve torna imediatamente patente:
"15.º
Ora, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, goza da presunção de insuficiência económica quem tiver rendimentos mensais, provenientes do trabalho, iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional.
16.º
Tal presunção é afastada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, se os restantes rendimentos totalizarem valor superior a três vezes o salário mínimo nacional.
17.º
Tal referência tem de ser entendida como referente a três vezes o salário mínimo nacional por membro do agregado familiar.
18.º
Com efeito, na alínea c) do n.º 1 a referência é apenas ao requerente.
19.º
O que significa que goza de presunção uma pessoa que tenha aquele rendimento.
20.º
Terá pois de se entender que os rendimentos referidos no n.º 2 são per capita, até pelo facto de aí não se referir qualquer quantidade de membros do agregado familiar.
21.º
Sob pena de poder a presunção ser afastada quando o rendimento per capita é inferior ao salário mínimo nacional - bem abaixo da presunção estabelecida na alínea c) do n.º 1 (por exemplo, um rendimento de um agregado familiar composto por 10 pessoas de Euro 2000)."
Nada mais há neste texto do que a defesa de determinado entendimento do direito ordinário, sem sombra de questionamento da validade de um entendimento normativo contrário ou diverso por violação de normas ou princípios constitucionais.
Assim, também nesta parte a reclamação improcede.
7 - Quanto à norma do n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000 - alínea a) do requerimento de interposição.
No requerimento a fl. 72, de arguição de nulidades da sentença, o recorrente arguiu a nulidade decorrente de o tribunal nada ter dito sobre a questão, que defendeu ser de conhecimento oficioso, de não ter sido respeitado pelo serviço de segurança social o prazo estabelecido pelo n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000.
Nesse requerimento, fez alusão a questões de constitucionalidade referidas a este preceito nas seguintes passagens:
"10.º
Mesmo que, por absurdo, o que só se admite por mera cautela de patrocínio, face à clareza da lei (10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de apoio judiciário ou, mantendo-a, enviar), se se entendesse que o prazo de 10 dias referido se contava a partir da data da decisão de manutenção do indeferimento - o que ocorreu a 19 de Outubro (v. fl. 5) -, o acto continua a ter sido praticado fora de prazo (uma vez que o último dia seria 29 de Outubro).
11.º
Aliás, entende o recorrente que tal interpretação seria inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 202.º, n.º 2, 203.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, 6.º do CEDH e 10.º DUDH, porquanto:
1) Assume a recorrida, a partir do momento da interposição do recurso, estatuto processual de parte;
2) A recorrida não está investida de jus imperii pelo que é titular dos deveres e direitos reconhecidos pela lei processual civil a qualquer entidade que assuma posição processual idêntica à sua (princípio da igualdade das partes, corolário do imperativo constitucional vertido no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e também no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem);
3) Os normativos legais têm, pois, de ser interpretados e aplicados tendo em conta a igualdade de armas e o princípio da legalidade democrática (corolário do disposto nos artigos 20.º, n.º 4, 13.º e 202.º, n.º 2, da CRP - também 203.º da CRP, enquanto condição da imparcialidade e independência dos juízes - e nos artigos 6.º do CEDH e 10.º do DUDH), sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP);
4) O que manifestamente não sucederia se entendesse que os prazos aplicáveis à recorrida seriam contados de forma diversa dos aplicáveis ao recorrente;
5) A que acresce o facto de a Lei 30-E/2000 determinar a aplicação das regras estabelecidas quanto a prazos urgentes (i. e., reconhecendo a especial necessidade de celeridade), pelo que se, por absurdo, se entendesse que os 10 dias determinados no n.º 3 do artigo 28.º seriam contados da data em que a recorrida mantivesse a decisão, estaríamos perante o esvaziamento total e completo, senão mesmo a subversão, da eficácia e validade do disposto no artigo 41.º e a negação do acesso a decisão em prazo razoável (artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 6.º do CEDH e 10.º do DUDH);
6) Colocando assim nas mãos da recorrida a capacidade absoluta (porque não susceptível de impugnação, defesa ou fiscalização) de decidir o momento de cumprimento do determinado no artigo 28.º, n.º 3, da Lei 30-E/2000, em violação do disposto nos artigos 13.º e 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, 6.º do CEDH e 10.º do DUDH.
12.º
E, ainda assim, continuaria o acto a ter sido praticado fora de prazo!
13.º
Sendo o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000, um prazo processual peremptório, é um prazo de caducidade.
14.º
Como ensina o Prof. Oliveira Ascensão, em linguagem chã para secundaristas do curso de Direito, em Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, Lisboa, 1993, p. 285, os prazos processuais são prazos de caducidade. Decorridos estes, nem o juiz pode abrir novo processo, nem as partes o podem aceitar. É matéria excluída da disponibilidade das partes.
15.º
E dúvidas não pode haver de que é um prazo processual, sob pena de denegar o acesso ao direito e aos tribunais ou, no mínimo, protelar por tempo indeterminável o acesso a uma decisão, em violação do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e 6.º do CEDH e 10.º do DUDH.
[...]
30.º
Pelo que ter-se-á de concluir, conforme o supra-referido, pela inconstitucionalidade da interpretação que entenda que, sendo um prazo substantivo de caducidade a sua não notificação ao recorrente, precludiu o seu direito a vê-lo reconhecido, por violação do direito de defesa, disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, 6.º do CEDH e 10.º do DUDH.
31.º
Quando muito, e por mera cautela, desde já se alega a nulidade de falta de notificação ao recorrente de qualquer elemento processual que permita tomar conhecimento da data de pendência da acção, desde já ampliando a causa de pedir, nos termos dos artigos 273.º e 3.º do Código de Processo Civil (novamente, sob pena de violação do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 20.º do CRP, 6.º do CEDH e 10.º do DUDH), com a alegação da ocorrência de caducidade da acção face à data da sua propositura, com as legais consequências (conforme já supra explanado nos artigos 6.º a 12.º do presente requerimento).
32.º
Retomando, dúvidas não podem existir que o prazo referido no artigo 28.º da Lei 30-E/2000 é prazo peremptório."
A isto respondeu o tribunal a quo, no despacho a fl. 95, que não se verifica omissão de pronúncia "porquanto o prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, é meramente ordenador e não preclusivo".
Aceita-se que o recorrente invocou a questão de constitucionalidade desta norma na primeira oportunidade de que processualmente dispôs, uma vez que a tramitação legal do recurso de impugnação das decisões administrativas de indeferimento do pedido de apoio judiciário não prevê qualquer intervenção do recorrente, em momento posterior ao incumprimento do prazo para envio do processo ao tribunal por parte do serviço de segurança social e anterior à sentença que julgue o recurso, nem tal intervenção teve efectivamente lugar. Assim, pelas razões expostas no n.º 5, não se justificaria a não admissão do recurso por não ter sido cumprido o ónus a que se referem a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Todavia, a improcedência de um tal recurso de constitucionalidade é manifesta, o que igualmente justifica que o Tribunal indefira a reclamação, ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º da LTC, nos termos referidos no n.º 4.
Dispunha o artigo 28.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro (cf., actualmente, disposição similar no n.º 4 do artigo 25.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho), que:
"1 - O recurso de impugnação pode ser interposto directamente pelo interessado e dirigido por escrito no serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2 - O pedido de impugnação não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do Tribunal.
3 - Recebido o recurso, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de apoio judiciário ou, mantendo-a, enviar aquele e cópia integral do processo administrativo ao tribunal competente."
Decorre deste preceito que a petição do "recurso de impugnação", embora para apreciação pelo tribunal, é entregue no serviço da segurança social que proferiu a decisão e não na secretaria do Tribunal. No prazo de 10 dias, a entidade administrativa competente pode revogar a decisão ou, optando por manter o acto impugnado, enviar a petição de recurso ao tribunal, instruída com certidão do processo administrativo (o geralmente denominado "processo instrutor").
Sustentou o recorrente, no requerimento em que suscitou a questão perante o tribunal a quo, que a norma do n.º 3 artigo 28.º da Lei 30-E/2000, interpretada no sentido que esse prazo de 10 dias para a administração enviar o recurso ao tribunal é meramente ordenador e não preclusivo ou de caducidade, viola o disposto nos artigos 13.º e 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Para tanto, argumentou que, a partir do momento de interposição do recurso, a administração assume o estatuto processual de parte, sendo titular dos direitos e deveres reconhecidos pela lei processual civil, pelo que o regime dos prazos para a prática dos seus actos tem de respeitar o princípio da igualdade e que, de outro modo, seria violado o direito a uma decisão em prazo razoável.
Antes de mais, a pretensão do recorrente em que se enxerta a questão de constitucionalidade, tomada nos seus termos literais de simplesmente ver judicialmente reconhecida a extinção do que apresenta como o "direito" da entidade que proferiu a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário de praticar o acto de envio do recurso ao tribunal, conduz a um resultado absurdo, que seria, ele sim, denegatório da tutela judicial contra decisões administrativas desfavoráveis e do direito de acesso aos tribunais. Na verdade, como salienta o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, a atribuição de natureza preclusiva ao incumprimento do prazo para a administração remeter os autos a juízo reverteria em prejuízo para o impugnante, inviabilizando a apreciação judicial da matéria e operando uma insólita sedimentação da decisão administrativa desfavorável.
É certo que o recorrente, quando confrontado com o parecer do Ministério Público veio defender algo de mais compatível com uma defesa racional dos seus interesses. Sustenta que, sendo aquele prazo preclusivo, a decisão de indeferimento não seria mantida dentro do prazo e considerar-se-ia revogada.
É duvidoso que esta construção jurídica ainda se compreenda na dimensão normativa questionada perante o tribunal a quo, visto que desloca o fulcro do problema das consequências do incumprimento do prazo para o momento da opção entre revogar ou não a decisão impugnada, que idealmente precede o envio do processo ao tribunal.
De todo o modo, a argumentação do recorrente para sustentar a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2004 é construída numa base manifestamente errónea quanto à natureza do acto dos serviços da segurança social nela previsto, que afecta, de modo absoluto, a consistência dos raciocínios que desenvolve por referência a normas ou princípios constitucionais.
Com efeito, a norma que impõe ao serviço receptor da petição do recurso que a remeta ao tribunal no prazo de 10 dias não estabelece um poder ou faculdade da administração, no exercício do qual esta esteja a agir em juízo enquanto portadora de um interesse na manutenção do acto contraposto ao do recorrente - formalmente, uma actuação enquanto parte processual -, mas um dever jurídico inerente ao regime de entrega da petição do "recurso de impugnação" pelo qual se adoptou.
Não é novidade no nosso sistema jurídico este regime de apresentação do articulado introdutório da impugnação contenciosa de decisões administrativas perante o serviço que proferiu a decisão impugnada. É o que sem preocupações de exaustão e com algumas particularidades para o efeito irrelevantes, designadamente quanto a deveres instrutórios ou à previsão do poder de revogação da decisão recorrida - sucede nos processos de impugnação de actos da chamada "administração pública do direito privado" perante os tribunais judiciais, como o recurso dos actos dos conservadores do registo civil (artigo 237.º do Código do Registo Civil) e do registo predial (artigo 142.º do Código de Registo Predial) e dos notários (artigo 177.º do Código do Notariado). Aliás, regime semelhante de entrega da petição vigorou em tempos no contencioso administrativo (artigo 2.º do Decreto-Lei 256-A/77, de 17 de Junho) e vigora ainda, embora com carácter facultativo, no processo tributário (n.º 1 do artigo 103.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Independentemente da questão de saber se, em todos estes processos impugnatórios, designadamente no caso de que agora nos ocupamos de recurso de decisão que recaia sobre o pedido de apoio judiciário, a administração tem a posição de parte processual, o acto que lhe cumpre praticar de envio do processo ao Tribunal, se não optar pela revogação da decisão recorrida, é um mero acto material mediante o qual se limita a cumprir o dever de colaboração com o tribunal que se traduz em receber e encaminhar o recurso e que, em si mesmo, não enuncia ou veicula qualquer pretensão perante o juiz, nem traduz o exercício de qualquer poder de impulso ou conformação da relação processual.
E, enquanto disciplina, o prazo para a administração revogar o acto (ou mantê-lo, que é o reverso ou exercício negativo do poder revogatório), a norma do n.º 3 do artigo 28.º não estabelece um prazo para a prática de um acto processual, mas uma regra do regime de revogação deste tipo de acto administrativo (revogabilidade ratione temporis; cf. o regime geral do artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo). Nessa vertente, disciplina-se um aspecto do exercício do poder administrativo, não do exercício de um direito ou faculdade processual a que corresponda um ónus. Ao revogar (ou não revogar) o acto, a administração não age no processo e perante o juiz; actua no procedimento e no exercício de uma competência que, no nosso sistema jurídico e em regra geral, emerge da titularidade do poder dispositivo na matéria (cf. o artigo 142.º do Código do Procedimento Administrativo). Trata-se, portanto, de um prazo substantivo (que respeita à relação jurídica substantiva ou a aspectos procedimentais desta) relativamente ao qual é inteiramente deslocado falar de violação dos princípios da igualdade ou do processo equitativo, apenas pelo simples facto de o seu desrespeito não ter as mesmas consequências da inobservância dos prazos processuais (que respeitam à relação jurídica processual) por parte do recorrente (concebendo o regime instituído pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 256-A/77, de 17 de Junho, que comportava a apresentação necessária do recurso contencioso perante o autor do acto recorrido, a faculdade deste de revogar ou sustentar o acto impugnado em determinado prazo e o dever de enviar o recurso ao tribunal, instruído com os documentos pertinentes, como uma "reclamação administrativa prévia" ao recurso contencioso, constituindo uma fase do então correntemente designado "processo gracioso" enxertada no processo contencioso inserida no dever de autocontrolo da administração, Maria da Glória Ferreira Pinto, "Considerações sobre a reclamação prévia ao recurso contencioso", separata dos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 127.)
Em conclusão, as opções postas pelo n.º 3 do artigo 28.º da Lei 30-E/2000 a cargo da administração não se traduzem em actos da mesma natureza dos actos processuais das partes, pelo que não são comparáveis as consequências cominadas para o incumprimento do respectivo prazo (de ordenação vs. de preclusão) para efeitos do princípio da igualdade ou do direito a um processo equitativo, pelo que é manifesto não poderem estes considerar-se violados.
Finalmente, não pode atribuir-se ao entendimento de que o referido prazo é "meramente ordenador e não preclusivo" o efeito de colocar nas mãos da entidade recorrida a capacidade absoluta (porque não susceptível de impugnação, defesa ou fiscalização) de decidir o momento de cumprimento do determinado no n.º 3 do artigo 28.º, com o qual o recorrente esgrime quando invoca a violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Efectivamente, no caso não se colocou a questão de saber se existe ou não meio processual para compelir a administração a enviar o processo para o tribunal, designadamente se o juiz pode avocar o processo ou intimar a administração a apresentá-lo, a requerimento do impugnante. No caso, nenhum pedido desta natureza esteve em discussão. O processo deu entrada no tribunal em 3 de Novembro de 2004, espontaneamente enviado pelos serviços da segurança social (no entender do recorrente, deveria ter sido remetido até 20 de Setembro de 2004).
Assim, discutir este problema corresponderia a apreciar uma dimensão normativa diversa daquela com que o preceito foi aplicado, o que não cabe em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
8 - Decisão. - Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, mantendo, por razões não inteiramente coincidentes, a decisão que não admitiu o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 26 de Julho de 2006. - Vítor Gomes - Maria dos Prazeres Beleza - Artur Maurício.