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Acórdão 366/2006, de 17 de Agosto

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Texto do documento

Acórdão 366/2006

Processo 1006/2005

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, "das normas constantes do artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na medida em que não permitem a contagem da integralidade do tempo de serviço prestado, na situação em que o aposentado opta pela segunda aposentação, por violação do princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa".

O artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, na sua versão originária, dispunha, sob a epígrafe "Nova aposentação", o seguinte:

"1 - Se o aposentado, quer pelas províncias ultramarinas, quer pela Caixa, tiver direito de inscrição nesta última pelo novo cargo que lhe seja permitido exercer, poderá optar pela aposentação correspondente a esse cargo e ao tempo de serviço que nele prestar, salvo nos casos em que lei especial permita a acumulação das pensões.

2 - Não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação."

O artigo 8.º, n.º 1, da Lei 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993), alterou a epígrafe do referido artigo 80.º ("Nova aposentação e revisão da pensão"), manteve inalterados os n.os 1 e 2 e aditou os n.os 3 e 4, do seguinte teor:

"3 - Nos casos em que o aposentado opte por manter a primeira aposentação, haverá lugar à divisão da pensão respectiva, a qual só pode ser requerida depois da cessação de funções a título definitivo e é devida a partir do dia 1 do mês imediato ao da apresentação do pedido.

4 - O montante da pensão a que se refere o número anterior é igual à pensão auferida à data do requerimento multiplicada pelo factor resultante da divisão de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensão inicial."

2 - Para fundamentar o pedido, o Provedor de Justiça apresenta os seguintes argumentos:

Nos termos do regime que globalmente resulta do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, e salvo nos casos em que lei especial permite a acumulação de pensões, o aposentado deverá, desde logo, e antes de mais, optar entre manter a primeira aposentação ou requerer a segunda aposentação, neste caso optando por esta última e prescindindo da primeira;

Se o aposentado optar por manter a primeira aposentação, será então revista a pensão que vinha auferindo até aí, isto é, até à data da apresentação do pedido de revisão da pensão que já recebia, nos termos e através da aplicação da fórmula acolhida nos n.os 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto;

A opção pela primeira aposentação e, consequentemente, pela percepção da correspondente pensão, já revista por aplicação da fórmula referida no n.º 4 do artigo 80.º do Estatuto, proporcionará, em princípio, a contabilização de todo o tempo de serviço - em moldes de alguma forma discutíveis, matéria em que não se entrará nesta sede prestado pelo aposentado, quer no âmbito das funções que levaram à primeira aposentação, quer no que toca ao exercício das funções posteriores à primeira aposentação, até à data da cessação de funções a título definitivo;

O mesmo já não sucederá se o aposentado optar pela segunda aposentação, já que, neste caso, resulta claro da lei que só relevará, para o cálculo da pensão a receber, o tempo de serviço prestado no exercício deste segundo cargo ou destas segundas funções;

Se o aposentado optar pela segunda aposentação, terá de prescindir da primeira - e da pensão que auferia a esse título -, sendo que, para cálculo da pensão a receber por via da segunda aposentação, não releva o tempo - qualquer que ele seja, pouco ou muito significativo - de serviço prestado antes do exercício das funções que propiciaram a segunda aposentação.

O Provedor de Justiça tece, depois, algumas considerações sobre o alcance do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, referindo, nomeadamente, uma recomendação (de que juntou cópia) que o seu antecessor naquele cargo dirigira ao governo em 23 de Maio de 2000, aduzindo a este propósito:

"Precisamente na medida em que a Caixa Geral de Aposentações, na aplicação do normativo [o n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação] às situações concretas, seguiria uma interpretação literal da norma, com isso alcançando-se situações absurdas que decerto não terão estado na mente do legislador, dirigiu o meu antecessor, com data de 23 de Maio de 2000, ao governo, uma recomendação (com o n.º 15/B/2000), no sentido de, por via interpretativa ou, se caso fosse, através de alteração da lei, apenas não poder ser contado para efeitos da segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo.

No documento em causa, de que se junta cópia, recomendou-se igualmente a adopção de medidas tendo em vista a alteração do normativo em causa, no sentido de se prever um regime excepcional para as situações dos pensionistas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 362/78, de 28 de Novembro, e dos pensionistas de invalidez que conseguiram, posteriormente, reabilitar-se e ingressar novamente na função pública. Tal recomendação nunca viria a ser acatada pelo então governo, nem pelos que lhe sucederam.

No entanto, e através de despacho com data de 26 de Junho de 2003, cujo teor me foi dado a conhecer por comunicação de 27 de Junho de 2003, o então Secretário de Estado do Orçamento viria a acatar a recomendação, apenas na parte respeitante à interpretação a conferir ao n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto, nos seguintes termos: 'No que respeita à interpretação do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, no sentido de apenas não poder ser contado para efeitos de segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo, é meu entendimento o de que, de facto, sem prejuízo da correcção jurídica e possível defesa da interpretação que tem vindo a ser seguida pela Caixa Geral de Aposentações, uma interpretação mais conforme à Constituição aponta para que se adopte a recomendação do Sr. Provedor de Justiça. Assim, e uma vez que tal interpretação cabe na letra do referido artigo 80.º, n.º 2, entendo que doravante, nas situações ainda não consolidadas na ordem jurídica, poderá passar a ser seguida, sem necessidade de qualquer alteração legislativa.'

Ao que foi possível apurar, tal orientação estará a ser seguida, na prática, pela Caixa Geral de Aposentações."

Em seguida, o requerente discorre sobre o sentido da norma do artigo 63.º, n.º 4, da CRP, considerando que "o referido preceito constitucional, embora remetendo para a lei o cálculo das pensões de velhice e invalidez, desde logo determina e impõe que, para esse cálculo, seja contabilizado todo o tempo de trabalho, mesmo que prestado em diferentes regimes".

Após proceder a citações de doutrina e de jurisprudência (o Acórdão 1016/96), o Provedor de Justiça sustenta que "[É] manifesto que as normas contidas no artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, acima transcritas, na situação concreta em que o aposentado opta pela segunda aposentação se optar pela primeira aposentação, a revisão da pensão permite, na prática, à partida, a contagem de todo o tempo de serviço -, não possibilitam que seja contabilizado, para efeitos de atribuição de uma pensão de aposentação, todo o tempo de serviço prestado pelo trabalhador, até ao limite de 36 anos, ao arrepio do que se encontra estabelecido na acima identificada norma da lei fundamental."

E, depois de citar também o Acórdão 411/99 deste Tribunal, o requerente termina do seguinte modo:

"[N]ão pode deixar de concluir-se que a não contagem da integralidade do tempo de serviço na situação em que o aposentado opta pela segunda aposentação, que resulta inequívoca dos n.os 1 e 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, reforçada pela sua conjugação com os n.os 3 e 4 do mesmo normativo, é claramente violadora do mencionado artigo 63.º, n.º 4, da Constituição, na medida em que contraria o princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado naquela disposição constitucional."

3 - Notificado para responder, querendo, sobre o presente pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos e solicitou que, caso o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade, utilize a faculdade de limitação dos seus efeitos "apenas a partir do momento da declaração dessa inconstitucionalidade, atendendo a que a atribuição de outros efeitos produziria insegurança jurídica, poria em causa a equidade no tratamento dos destinatários das normas e o interesse público relacionado com os encargos do pagamento das pensões, já que o regime actualmente em vigor permite a opção de regimes por parte dos particulares".

4 - Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo vice-presidente do Tribunal, por delegação do Presidente, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da mesma lei, e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.

II - Fundamentação. - 5 - Da fundamentação do requerimento do Provedor de Justiça e, designadamente, dos respectivos intróito e pedido final resulta que constitui seu objecto a apreciação da constitucionalidade das normas constantes quer do n.º 1 (que concede ao trabalhador o direito de optar pela "segunda aposentação") quer do n.º 2 (que determina que, nesse caso, não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação) do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, embora conjugadas entre si.

Assim, objecto do presente pedido de declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade é a norma, reportada aos n.os 1 e 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, segundo a qual, quando o aposentado, que tenha voltado a exercer funções públicas, findo este novo período, opte pela aposentação correspondente ao mesmo período, não é de considerar, para cômputo da nova pensão, o tempo de serviço anterior à primeira aposentação.

6 - Aos aposentados é, em regra, proibido o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas (artigo 78.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, alterado, por último, pelo Decreto-Lei 179/2005, de 2 de Novembro). A essa regra excepcionavam-se e excepcionam-se: i) na redacção originária do preceito: o exercício de funções "em regime de mera prestação de serviços, nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º, e nos demais casos permitidos por lei, quer directamente, quer mediante autorização do Conselho de Ministros; ii) na redacção do Decreto-Lei 215/87, de 19 de Maio: "a) quando exerçam funções em regime de prestação de serviços nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º; b) quando haja lei que o permite; c) quando, sob proposta do membro do Governo que tenha poder hierárquico ou tutela sob a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, o Primeiro-Ministro, por despacho, o autorize, constando no despacho o regime jurídico a que ficará sujeito e a remuneração atribuída", e iii) na redacção actual: "a) quando haja lei que o permita; b) quando, por razões de interesse público excepcional, o Primeiro-Ministro expressamente o decida, nos termos dos números seguintes".

Quando ocorram os casos excepcionais em que o exercício de funções por aposentados é admissível, colocam-se os problemas de determinar: i) o modo de remuneração desse exercício, enquanto o mesmo perdurar, e ii) a repercussão desse segundo período de exercício de funções em sede de pensão de aposentação.

A primeira questão é regulada pelo subsequente artigo 79.º, que dispõe que aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas é mantida a pensão de aposentação e: i) "abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração" (redacção originária); ii) "abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade em que prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, autorizar montante superior, até ao limite da mesma remuneração" (redacção do Decreto-Lei 215/87); iii) "abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida" (redacção do Decreto-Lei 179/2005). Relativamente ao preceituado neste artigo 79.º, o Tribunal Constitucional já emitiu duas decisões: pelo Acórdão 386/91 foi essa norma julgada inconstitucional por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição (versão emergente da revisão de 1989), "mas somente na medida em que permite que o montante da pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração que competir ao permitido desempenho de outras funções públicas por parte do mesmo aposentado, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração", e pelo Acórdão 258/2002 não foi julgado inconstitucional "o segmento normativo do artigo 79.º do Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, que - consentindo embora a redução da remuneração global devida a um aposentado que for autorizado a exercer outra função pública -, garanta ao aposentado a percepção do quantitativo que competir a essa função pública".

À segunda questão enunciada respeita o artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, cujos n.os 1 e 2 (que mantêm inalterada a redacção originária) são questionados pelo presente pedido de declaração de inconstitucionalidade, preceito a que a Lei 30-C/92 aditou os n.os 3 e 4, como logo de início se referiu.

O regime configurado na redacção actual do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação aplica-se de acordo com os seguintes parâmetros:

1) Do ponto de vista do âmbito pessoal de aplicação, aos aposentados que: i) voluntariamente venham a exercer um novo cargo; ii) tiverem, pelo exercício desse novo cargo, direito de inscrição na Caixa;

2) Do ponto de vista do funcionamento do mecanismo de aposentação nele definido, prevê-se, como regime regra ("salvo nos casos em que a lei especial permita a acumulação das pensões"), que o aposentado: i) opte pela aposentação que já possuía; ii) opte pela aposentação correspondente ao novo cargo e ao tempo de serviço nele prestado;

3) A opção pela aposentação correspondente ao "primeiro ciclo" de vida laboral, isto é, pela "primeira aposentação", implica a revisão da pensão (embora o texto do n.º 3 mencione "divisão da pensão", do contexto e da nova epígrafe resulta que o que está em causa é a revisão da pensão) que a esta corresponde, nos termos e através da aplicação da fórmula acolhida nos n.os 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação;

4) A opção pela aposentação correspondente ao "segundo ciclo" de vida laboral, isto é, pela "segunda aposentação", implica que, no cômputo da nova pensão, não seja considerado o tempo de serviço anterior à primeira aposentação, nos termos do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação.

Em suma, enquanto na redacção originária do preceito, cingido aos seus n.os 1 e 2, se dispunha, de acordo com o princípio da impossibilidade de cumulação de pensões, que, findo o novo período de exercício de funções por aposentado, este tinha de optar entre uma das duas pensões (pela correspondente ao primeiro período de actividade, sem qualquer revisão que atendesse ao segundo período de actividade, ou pela correspondente ao segundo período de actividade, sem que para o cálculo desta fosse de considerar o tempo de serviço anterior à primeira aposentação), já o aditamento, pela Lei 30-C/92, dos n.os 3 e 4 veio alterar substancialmente a situação, determinando que, quando o aposentado optasse por manter a primeira aposentação, havia lugar à revisão dessa pensão, ao contrário do que sucedia anteriormente.

Nos termos do n.º 4, o montante da (primeira) pensão "revista" será igual à pensão auferida à data do respectivo requerimento "multiplicada pelo factor resultante da divisão de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensão inicial".

7 - O parâmetro constitucional invocado pelo requerente centra-se no actual n.º 4 do artigo 63.º da CRP: "Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado." Esta regra foi introduzida na revisão constitucional de 1989, como n.º 5 do artigo 63.º da CRP, tendo transitado para o n.º 4 pela revisão constitucional de 1997.

Este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre o sentido e alcance desta prescrição constitucional.

Fê-lo, primeiro, de modo incidental, no Acórdão 1016/96, onde, apesar de não ter tomado conhecimento do objecto do recurso, em que estava em causa uma pretensa recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade da norma do artigo 80.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, teceu algumas considerações sobre o sentido do então n.º 5 do artigo 63.º da CRP, que interessa reter: "é uma norma portadora de um sentido inovador (que naturalmente não teria se se limitasse a remeter para a lei), consubstanciado no aproveitamento integral do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, o que implica o direito de acumulação dos tempos de trabalho que tenham sido prestados, mesmo que em regimes distintos, respeitado que seja o limite máximo de 36 anos".

Por outro lado, no Acórdão 411/99, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, desenvolvendo para o efeito uma argumentação que começou por analisar a génese e o alcance da norma constitucional do artigo 63.º, n.º 4, da CRP:

"A aprovação da referida norma constitucional foi fruto de uma proposta do Partido Socialista, no âmbito da revisão constitucional de 1989, a qual gerou grande controvérsia. Justificando a alteração proposta, afirmou um deputado socialista que 'a ponte que hoje falta entre os vários sectores de actividade deve ser lançada no sentido de todo o tempo de trabalho contribuir - nos termos da lei - para o cômputo das pensões de aposentação ou reforma. Não vemos razão para que um tipo de trabalho seja, neste domínio, sobrevalorizado em relação a outro' (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 23-RC, de 7 de Julho de 1988, p. 654).

Um outro deputado do grupo parlamentar socialista pronunciou-se no sentido de 'dever ser evidente que uma norma deste tipo não implica homogeneidades lesivas, por exemplo, dos trabalhadores da função pública que têm regime próprio. Esta norma é uma norma de máximo aproveitamento - aquilo a que se poderia chamar em bom rigor uma norma de economia de tempos, mas não uma norma que impulsione ou vincule a homogeneidade de regimes, designadamente homogeneidade lesiva da situação específica dos trabalhadores da função pública'.

Afirmou-se ainda na discussão parlamentar que a Constituição passaria a admitir, após a alteração, uma intercomunicabilidade de regimes de aposentação (entre a função pública e o sector privado). 'A questão é que [a intercomunicabilidade] faz-se em termos que permitem manter a identidade de dois regimes; os regimes são diferentes, pode-se transitar de um regime para o outro, há aproveitamento integral do tempo de serviço prestado e, digamos, dos tempos não só de trabalho como dos tempos equivalentes que tenham sido vividos num regime e noutro. Não há perda de tempo, por assim dizer, é essa a preocupação fundamental. Daqui não deve emanar nenhuma preocupação de homogeneidade de regimes, isto é, de unificação, por esta razão, de regimes. Mas é preciso deixar isso claro.' (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 81-RC, de 9 de Março de 1989, p. 2388).

A alteração constitucional de 1989 pretendeu, assim, promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido e desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos.

É ainda hoje essa a intenção, que se encontra claramente manifestada no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição (versão de 1997): 'Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.'"

Em seguida, o Tribunal averiguou se a remissão para a lei, operada pelo n.º 4 do artigo 63.º da CRP, conferia ao legislador credencial para introduzir restrições ao princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de cálculo das pensões de velhice e de invalidez:

"Quando o texto constitucional remete para 'os termos da lei', fá-lo para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições. A utilização da expressão 'todo o tempo de trabalho', em conjugação com o segmento 'independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado', impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, sem restrições que afectem o núcleo essencial do direito.

Como o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplica-se-lhe o regime destes - constante do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa -, por força da extensão operada pelo artigo 17.º da Constituição.

A admitir-se a solução propugnada pela recorrente, a norma constitucional ficaria esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria afectado no seu núcleo essencial. Tal consequência está vedada pelo n.º 3 do artigo 18.º da lei fundamental.

Se a lei fraccionar o tempo de trabalho para efeitos de aposentação - assim eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado -, já não será todo o tempo de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas uma parte dele.

Tal solução implicaria interpretar a Constituição de acordo com a lei e não interpretar a lei de acordo com a Constituição, como se impõe."

Também a doutrina tem assinalado que, com a introdução do preceito constitucional em causa, se "pretende salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos da segurança social" (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 340).

Em anotação às alterações introduzidas pela revisão constitucional de 1989, José Magalhães (Dicionário da Revisão Constitucional, Mem Martins, 1989, p. 103) assinala, quanto ao n.º 5 do artigo 63.º, que: "Inovadoramente, veio estabelecer-se que 'todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado'(n.º 5). A consagração desta regra tem importantíssimas consequências: a) o regime previsto é aplicável qualquer que seja o vínculo laboral ou o sistema contributivo; b) embora se aluda a 'todo o tempo de trabalho', o cálculo das pensões deve, como é próprio do direito à segurança social, abranger não apenas os períodos de actividade laboral em sentido estrito mas também os períodos equivalentes, em que, não tendo sido prestado trabalho, tenha havido contribuição ou a mesma seja, por lei, dispensável (v. g., desemprego, salários em atraso); c) a nova norma implica uma tal articulação entre os diversos sistemas de protecção social que faculte aos interessados pensões unificadas ou a cumulação de todos os regimes (somando benefícios emergentes do regime geral com prestações dos outros regimes: da função pública, dos regimes especiais aplicáveis a certos grupos de trabalhadores, bem como aos profissionais inscritos em regime de seguro social voluntário); d) não decorre da nova disposição constitucional a obrigação da instituição de um sistema único contributivo, nem de integração dos sistemas de protecção (cuja necessidade de harmonização flui, porém, já da Constituição); e) a garantia instituída implica que o valor das pensões unificadas nunca possa ser inferior ao da soma das pensões a que o beneficiário teria direito em cada um dos regimes a que pertenceu, nem pode prejudicar o direito de acumulação com pensões de natureza distinta (v. g., por doenças profissionais ou acidentes de trabalho), com carácter complementar (v. g., complemento de cônjuge, subsídio de grande inválido) ou resultantes da inscrição em esquemas complementares geridos por associações de socorros mútuos, empresas seguradoras, fundos de pensões ou outras entidades; f) a lei deve assegurar que o cálculo abranja todo o tempo de trabalho, quer tenha sido prestado sucessivamente, quer simultaneamente em regimes distintos; g) refere-se 'o cálculo' das pensões e não o cômputo a que aludia o acordo PSD/PS."

8 - Delineado o regime legal pertinente (supra, n.º 6) e enunciado o parâmetro constitucional relevante (supra, n.º 7), segue-se apurar se as normas impugnadas violam o n.º 4 do artigo 63.º da CRP.

O sistema que resulta da conjugação das normas dos n.os 1 e 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação implica que o trabalhador que opte por uma "segunda aposentação" veja, no cálculo da respectiva pensão, ser eliminada uma parcela do tempo de serviço prestado. Existe, neste caso, um afastamento em relação à ideia de um aproveitamento integral do tempo de serviço para efeitos de cálculo do montante da pensão, quando se refira essa integralidade ao somatório aritmético dos dois ciclos de vida laboral.A questão que se coloca neste processo de fiscalização abstracta consiste em saber se essa opção pela "segunda aposentação", no quadro das (duas) alternativas que emergem do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, considerado este no seu conjunto, significa que a escolha por parte do interessado dessa "segunda aposentação" se traduz num frustrar do princípio subjacente ao n.º 4 do artigo 63.º da CRP. A considerar-se que não - a considerar-se que, nesse quadro, tal opção pela "segunda aposentação" não frustra os objectivos dessa disposição constitucional -, à ideia de que se não está em tal hipótese a aproveitar a integralidade (a soma aritmética) do tempo de serviço correspondente aos dois ciclos laborais não se segue, como consequência, um juízo de desconformidade constitucional relativamente a essa alternativa fornecida pelo artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação. Tudo depende do sentido que, interpretativamente, se fixar à norma constitucional, sendo certo que é através da interpretação que se estabelece a "mensagem normativa" relevante para alcançar o sentido do texto: "[t]odo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado" (artigo 63.º, n.º 4, da CRP). É nesta indagação de um sentido (normativo) que se encerra o significado profundo da interpretação jurídica, enquanto "actividade racional que confere significado a um texto legal (ou) actividade intelectual respeitante à determinação da mensagem normativa contida num texto" (Aharon Barak, Purposive Interpretation in Law, Princeton, 2005, p. 3), e é esta determinação interpretativa de qual o sentido do texto que incumbe a este Tribunal, enquanto órgão superior da justiça constitucional.

Ora, a este respeito - e adianta-se a conclusão que será seguidamente explicitada -, entende-se que o sentido do artigo 63.º, n.º 4, da CRP não é o de inviabilizar a possibilidade de uma opção voluntária do aposentado por um cálculo mais vantajoso do montante da pensão, quando esta escolha foi exercida num quadro legal que comportava, alternativamente, a possibilidade de se optar por uma outra forma de cálculo (o da pensão fixada nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação) que permitia a consideração de todo o tempo de trabalho prestado. E - note-se - que, atento o momento em que é exercida (não antecipadamente, mas apenas após o vencimento das duas "pensões" possíveis), nenhuma dúvida de constitucionalidade suscita o reconhecimento da disponibilidade, pelo respectivo titular, de qualquer uma das pensões.

Na verdade, o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.

Antes com ele se pretendeu designadamente evitar, como resulta da discussão parlamentar referida no relatório do Acórdão 411/99, que, no cômputo da pensão de aposentação que um trabalhador receba ao concluir a sua vida laboral, existam parcelas de tempo de serviço que não sejam contabilizadas. Trata-se, portanto, de um princípio que não foi gizado para situações como a que ora se nos depara, em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns, ou regra) em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos subperíodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões. Em tal caso, o preceito constitucional em questão impede que no cômputo do tempo de trabalho a proceder seja desconsiderado qualquer daqueles subperíodos, assim se realizando, para efeitos de cálculo de pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho.

Na hipótese excepcional que nos ocupa, tal objectivo há-de ter-se por realizado quando ao trabalhador é atribuída uma primeira pensão de aposentação. Simplesmente, este resolve depois regressar à vida activa, o que lhe é permitido fazer com manutenção da anterior pensão. E, findo este outro ciclo, o tempo de trabalho prestado é (nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 80.º) susceptível de ser considerado numa actualização da anterior pensão, assim se realizando o aproveitamento, ainda que em moldes diferenciados, do tempo de trabalho correspondente ao segundo ciclo laboral. Mas, como se disse, este sistema comporta uma alternativa, que redunda num plus. Tal plus corresponde à concessão ao trabalhador da possibilidade de, caso assim o entenda (decerto que porque isso lhe seja mais favorável), optar por um diferente sistema de cálculo de pensões que o leva a prescindir, de forma voluntária, sublinhe-se, da relevância do tempo de serviço prestado anteriormente à primeira aposentação.

Em face disso, seria anómalo - ou, no mínimo, paradoxal - que, em nome da obediência a um princípio constitucional de cariz protectivo, se viesse a eliminar o relevo reconhecido à autonomia da vontade do trabalhador quando esta surge ordenada para a obtenção de um regime que lhe é presumivelmente mais favorável (pois só assim se explica, aparentemente, que o interessado opte pela segunda aposentação).

Como atrás se explicitou (supra, n.º 6), o Estatuto da Aposentação faz associar consequências jurídicas distintas às diversas opções feitas pelo trabalhador: num caso, a revisão da primeira pensão de aposentação ("melhorada" através da ponderação prevista no n.º 4 do artigo 80.º); no outro caso, além do recebimento de uma pensão seguramente mais elevada que a correspondente à "primeira aposentação", a ausência de contabilização do tempo de serviço prestado anteriormente a esta primeira aposentação.

Interessa ainda recordar que, como também já se assinalou, o trabalhador aposentado que inicie - voluntariamente, repete-se - um novo "ciclo de vida laboral" mantém, durante esse período, a pensão que auferia em virtude de ter exercido funções num "primeiro ciclo de vida laboral".

Há que assinalar, desde logo, que existem, por assim dizer, dois "momentos volitivos" nesta situação: o primeiro, consistente no reingresso na vida activa, com manutenção da pensão auferida e, parcialmente, com acumulação da remuneração correspondente às novas funções; o segundo momento, correspondente à opção em sede de cálculo da pensão de aposentação, por uma ou outra das soluções que a lei permite.

Na lógica do sistema - e com aproveitamento integral do tempo de trabalho -, a solução regra é, quanto a este último, a correspondente à "primeira alternativa": o trabalhador aposentado que reiniciou funções terá, no final, direito a uma pensão em que são contabilizados em certos termos o tempo de serviço e os descontos efectuados no "segundo ciclo" da sua vida activa.

Simplesmente, entendeu o legislador permitir - acrescentar como alternativa a esta possibilidade - uma situação diversa, à margem da lógica global do sistema, concedendo ao trabalhador a faculdade de optar por uma aposentação baseada apenas no tempo de serviço correspondente ao "segundo ciclo" de vida laboral. Tal opção será feita pelo trabalhador, ao que tudo indica, dentro de uma lógica de "escolha racional", se tal corresponder a uma melhoria - da sua situação em relação ao outro termo da alternativa.

Por outras palavras, o aposentado que reinicie funções - no exercício das quais, reitera-se, continua a auferir a pensão correspondente ao "primeiro ciclo de vida laboral" - é confrontado com a seguinte alternativa: optar por uma fórmula de cálculo de pensões que respeita o princípio do aproveitamento integral do tempo de serviço e que incorpora, no cálculo da pensão, o "segundo ciclo" da sua actividade laboral; escolher apenas a pensão correspondente ao exercício de funções neste "segundo ciclo" de vida laboral, na qual já não é contabilizado o tempo de serviço correspondente ao "primeiro ciclo".

No regime do segundo termo desta opção - cuja existência não decorre de qualquer imposição constitucional, em particular do n.º 4 do artigo 63.º da CRP - ocorre uma espécie de neutralização do tempo de serviço prestado anteriormente à primeira aposentação (e que foi contabilizado no cômputo da pensão que a esta corresponder). A este respeito, o n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação é taxativo: "não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação".

A questão que se coloca traduz-se em saber se, em nome do respeito pelo preceituado no n.º 4 do artigo 63.º da CRP, o legislador fica de todo em todo inibido de consagrar, nos termos em que isso resulta do artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, medidas de conteúdo aparentemente mais favorável ao trabalhador que, ademais, só são aplicáveis por sua iniciativa ou com o seu acordo.

Ora, a tal respeito, entende-se que ao legislador não está vedado proceder assim e consideramos, por isso mesmo, não se justificar (particularmente, como aqui sucede, em sede de fiscalização abstracta, na qual as normas objecto são encaradas na sua mais ampla potencialidade interpretativa e não, como acontece na fiscalização concreta, já moldadas por uma determinada interpretação), a inviabilização de um regime como o decorrente do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, nas duas opções dele resultantes. Na verdade, o legislador, através do quadro normativo ora em análise, permite ao aposentado: i) voltar a exercer funções; ii) cumular a pensão que auferia com o vencimento correspondente às novas pensões, e, enfim, iii) optar, se acaso entender que isso lhe é vantajoso, por uma pensão calculada apenas com base no tempo de serviço prestado no "segundo ciclo" de vida laboral.

Perante este cenário, entende-se que o respeito pelo princípio constitucional do aproveitamento integral do tempo de serviço não impede o legislador de estabelecer uma possibilidade que depende de uma escolha do trabalhador e que lhe é mais favorável que aqueloutra que, essa sim, se refere (e dá pleno cumprimento) ao princípio consignado no n.º 4 do artigo 63.º da CRP. Pois, como se afirmou, o que se pretendeu, com a consagração deste princípio pela Lei Constitucional 1/89, foi impedir que, nas situações comuns, existissem parcelas da vida activa dos trabalhadores que, no final, não fossem contabilizadas para efeitos de cálculo do montante da pensão (estipulando-se, por exemplo, que o tempo de serviço no sector privado não contaria para aqueles que se aposentassem pelo exercício de funções públicas). Mas afigura-se não se ter querido impedir que, em situações de todo em todo excepcionais, se concedesse ao trabalhador a faculdade de escolher uma solução mais vantajosa, ainda que com "perda" ou "inutilização" de anos de serviço, por tal não ser requerido pela ratio da norma em questão.

Trata-se, portanto - e esta é a conclusão a que se chega -, com o regime decorrente do artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, de oferecer uma outra alternativa, para além daquela que satisfaz integralmente o "princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho". A norma em causa, entendida com este sentido, não fere esse princípio constitucional.

Anote-se, lateralmente, que o invocado Acórdão 411/99 recaiu sobre realidade distinta da ora em causa. Tratava-se de processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da interpretação, acolhida na decisão judicial então recorrida, da norma do artigo 80.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, na redacção anterior à Lei 30-C/92, interpretação essa segundo a qual o requerimento de uma segunda pensão extinguia ope legis o direito a auferir a primeira, sem que ao interessado fosse facultada a alternativa de requerer a "revisão" desta tendo em conta o segundo período de exercício de funções. Nessa interpretação, julgada inconstitucional pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, nenhum dos termos da alternativa facultada ao interessado assegurava a relevância integral do tempo de serviço prestado. Diversamente, no presente processo, atendendo decisivamente às alterações introduzidas pela Lei 30-C/92, o regime regra assegura o respeito do princípio consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da CRP, e a alternativa que é facultada ao interessado, embora não acate em rigor esse princípio, só será, naturalmente, por ele utilizada se se revelar mais favorável que aquele primeiro regime.

IV - Decisão. - 9 - Em face do exposto, acorda-se em não declarar a inconstitucionalidade das normas do artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção da Lei 30-C/92, de 28 de Dezembro.

Lisboa, 21 de Junho de 2006. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Benjamim Silva Rodrigues - Gil Galvão - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Votei vencida o presente acórdão por discordar da decisão do Tribunal Constitucional, pelas razões seguintes.

Assim, entendo, tal como o Provedor de Justiça, que o artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação contradiz o artigo 63.º, n.º 4, da Constituição, do qual resulta que no cálculo das pensões de velhice e invalidez seja contabilizado todo o tempo de trabalho, mesmo que prestado em diferentes regimes. E considero também que aqueles preceitos contrariam o princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelos trabalhadores.

A minha convicção não foi enfraquecida pela argumentação do acórdão que assenta na ideia de que, compreendendo a lei uma faculdade de opção entre duas hipóteses de aposentação (para trabalhadores que exerçam cargos distintos e que obtiveram direito à aposentação no fim do primeiro ciclo de trabalho e de contribuições) e respeitando uma dessas hipóteses o princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado, tanto bastará para estar cumprida a imposição constitucional.

Uma tal argumentação admite, quanto a mim, duas coisas dificilmente sustentáveis. Em primeiro lugar, que a lei possa oferecer como opção uma fórmula para aposentação que não cumpre as imposições constitucionais, funcionando, assim, as referidas imposições como um modo supletivo de regulamentação de que todos se poderiam desembaraçar em certas circunstâncias; em segundo lugar, o acórdão pressupõe que o trabalhador pode ter vantagens em optar por uma pensão que não contabilize todo o tempo de serviço prestado, justificada pelo cargo exercido já aposentado. Ora, uma tal "vantagem", sem dúvida matematicamente concebível, só existiria à custa de uma ficção de resultado empobrecedor derivada da imputação do tempo de serviço prestado após a primeira aposentação na base de cálculo dessa primeira pensão. Deste modo, um trabalhador que opte pela segunda pensão sem a contagem integral do tempo de serviço teve de se confrontar com o resultado economicamente diminuído da contabilização total do tempo de serviço relativamente a uma pensão de aposentação fundamentada no primeiro ciclo produtivo e contributivo.

A interpretação da Constituição como se o princípio da contagem integral do tempo de serviço não se relacionasse com a verdadeira carreira contributiva corresponde, no meu parecer, a uma leitura minimalista e restritiva do texto constitucional. Este pretende, na verdade, que todo o tempo de serviço, mesmo que prestado em diferentes actividades, seja contabilizado no cálculo das pensões a que o trabalhador tenha direito. Ora, como se pressupõe, na presente legislação, que se justifique uma pensão pelas funções que o trabalhador prestou no segundo ciclo, mantendo-se, naturalmente, o princípio da impossibilidade de acumulação de pensões, cria-se uma situação legal em que é reconhecido um direito a uma pensão sem respeito pela contagem integral do tempo de serviço. Não há, neste sistema, qualquer plus, como se afirma no acórdão, isto é, um acréscimo de direitos, mas antes uma fórmula que não considera a imputação de todo o tempo de serviço no direito adquirido à obtenção de uma pensão de aposentação.

A fórmula legal impõe que a pensão com contagem integral do tempo de serviço seja calculada em função do sector de actividade e não independentemente dele, como prescreve a Constituição. Com efeito, só o tempo prestado no primeiro sector de actividade absorve o tempo de serviço posteriormente prestado, emprestando-lhe ultra-activamente a base de cálculo. É, pois, na desadequação entre o tempo de serviço e a base de cálculo que se trai a verdade do esforço contributivo e a justiça na atribuição da pensão, uma e outra conjugadamente impostas pela citada norma constitucional. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1508877.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1978-11-28 - Decreto-Lei 362/78 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Estabelece normas relativas a pensões de aposentação dos funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas.

  • Tem documento Em vigor 1987-05-29 - Decreto-Lei 215/87 - Presidência do Conselho de Ministros

    Adopta diversas medidas no campo da desgraduação normativa e de desconcentração de competências. Os membros das comissões de gestão a que alude o nº 1 do artigo 3 do Decreto Lei nº 572/76, de 20 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei nº 240/77, de 8 de Junho, são nomeados por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e da Agricultura, Pescas e Alimentação. As concessões de prospecção, pesquisas, desenvolvimento e exploração de petróleo bem como a transmissão e prorrogação nomeadamente as previ (...)

  • Tem documento Em vigor 1989-07-08 - Lei Constitucional 1/89 - Assembleia da República

    Segunda revisão da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-28 - Lei 30-C/92 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 1993.

  • Tem documento Em vigor 2005-11-02 - Decreto-Lei 179/2005 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Altera o Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72 de 9 de Dezembro, definindo as condições de exercício de funções públicas ou de trabalho remunerado por aposentados, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas.

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