de 4 de Julho
A excessiva exploração dos recursos vivos do globo tem conduzido a um progressivo empobrecimento da fauna e da flora. Estima-se que nos últimos 3 séculos tenham sido aniquiladas, em relação à fauna, cerca de 400 espécies e que na actualidade se encontram ameaçadas de extinção mais de 1200. As perspectivas são ainda mais graves quanto à flora, pois se avalia que estão em vias de desaparecimento perto de 25000 espécies.Impõe-se, portanto, que sejam tomadas medidas conjugadas, a nível nacional e internacional, com o objectivo de proteger eficazmente a fauna e a flora selvagens.
Um dos factores que constitui grave ameaça para determinadas espécies é o largo mercado que aquelas e os produtos seus derivados encontram, designadamente como animais e plantas de estimação, abafos, decoração, adorno, etc.
Para contrariar tal situação, foi assinada em Washington em 1972 a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, aprovada para ratificação por Portugal pelo Decreto 50/80, de 23 de Julho, que condiciona e regulamenta o comércio daquelas espécies.
As obrigações decorrentes da ratificação da Convenção impõem, contudo, que sejam adoptadas medidas que a permitam pôr em prática, de modo que o nosso país dê um contributo eficaz para a conservação dos recursos vivos ameaçados, justificando-se, pois, a adopção de um regime de fiscalização mais actuante e adequado aos interesses a prosseguir.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º De harmonia com a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, aprovada para ratificação pelo Decreto 50/80, de 23 de Julho, fica sujeito ao regime de licenciamento prévio, previsto no presente diploma e legislação complementar, o comércio dos espécimes das espécies inscritas nos anexos I, II e III da referida Convenção, bem como outras que constarão de portaria a publicar pelo Ministro da Qualidade de Vida.
Art. 2.º - 1 - O anexo I da Convenção compreende todas as espécies ameaçadas de extinção que são ou poderão ser afectadas pelo comércio, o qual só poderá ser autorizado em circunstâncias excepcionais de modo a não pôr ainda mais em perigo a sobrevivência dos espécimes das referidas espécies.
2 - O anexo II da Convenção compreende todas as espécies que, apesar de actualmente não estarem ameaçadas de extinção, o poderão vir a estar se o comércio dos espécimes dessas espécies não estiver sujeito a regulamentação restritiva que evite uma exploração incompatível com a sua sobrevivência.
3 - O anexo III da Convenção compreende todas as espécies indígenas em relação às quais se considere necessário impedir ou restringir a sua exploração.
4 - A portaria referida no artigo 1.º compreenderá os espécimes de todas as espécies aprovadas pelo Ministro da Qualidade de Vida, ouvida a Autoridade Científica.
5 - A portaria referida no número anterior poderá ser alterada pelo Ministro da Qualidade de Vida, ouvida a Autoridade Científica, inserindo novas espécies ou retirando espécies inscritas.
Art. 3.º - 1 - Para efeito da aplicação da referida Convenção e deste diploma, o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza é a Autoridade Administrativa Nacional e a Autoridade Científica.
2 - Se tal se revelar conveniente, poderá ser designado outro ou outros organismos como Autoridade Administrativa Nacional e Autoridade Científica.
3 - Mediante diplomas emanados dos órgãos competentes, poderão as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira designar as respectivas autoridades administrativas regionais.
4 - A Autoridade Administrativa Nacional e a Autoridade Científica reunirão, pelo menos, uma vez por ano com as autoridades administrativas regionais para coordenação de acções e uniformização de critérios de apreciação de processos, de licenciamento e dos respectivos relatórios.
5 - Junto do órgão de chefia do organismo designado como Autoridade Científica, é criado o Conselho Consultivo de Peritos.
6 - A estrutura, a composição, as atribuições e as competências do Conselho Consultivo de Peritos serão estabelecidas por portaria do Ministro da Qualidade de Vida.
Art. 4.º Compete à Autoridade Administrativa Nacional:
a) Emitir licenças e certificados e conceder autorizações para o comércio e movimento dos espécimes das espécies constantes dos anexos I, II e III da Convenção e da portaria referida na parte final do artigo 1.º;
b) Emitir etiquetas e marcas destinadas à identificação de qualquer espécime;
c) Proceder ao registo das licenças, certificados e autorizações concedidas e utilizadas para o comércio e movimento dos espécimes das espécies referidas na alínea a) deste artigo, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo VII e do n.º 6 do artigo VIII da Convenção;
d) Criar e manter um registo dos cientistas, especialistas e instituições científicas para os efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º;
e) Elaborar os relatórios periódicos referidos no n.º 7 do artigo VIII da Convenção;
f) Comunicar com o secretariado da Convenção e com as outras Partes contratantes;
g) Preparar as propostas a serem submetidas às reuniões das conferências das Partes ou remetidas ao secretariado da Convenção;
h) Participar nas conferências das Partes;
i) Divulgar os objectivos e disposições consagrados na Convenção;
j) Aplicar as coimas.
Art. 5.º São igualmente da competência das autoridades administrativas regionais os poderes conferidos nas alíneas a), d), i) e j) do artigo anterior.
Art. 6.º Compete à Autoridade Científica:
a) Zelar para que o comércio dos espécimes das espécies inscritas nos anexos I, II e III da Convenção e das constantes da portaria referida na parte final do artigo 1.º não prejudique a sobrevivência das respectivas espécies;
b) Dar parecer, para efeito de licenciamento, sobre todas as operações de comércio dos espécimes referidos na Convenção e na portaria referida na alínea anterior;
c) Dar parecer sobre os relatórios elaborados pela Autoridade Administrativa Nacional, nos termos da alínea e) do artigo 4.º;
d) Dar parecer sobre a alteração do anexo III da Convenção e da portaria referida nas alíneas a) e b), se se mostrar necessário inscrever novas espécies ou retirar espécies inscritas;
e) Elaborar as propostas de emendas aos anexos I e II da Convenção para os efeitos do seu artigo XV;
f) Participar na identificação dos espécimes de espécies protegidas.
Art. 7.º Ficam sujeitas ao regime de registo prévio previsto no Decreto-Lei 353-F/77, de 29 de Agosto, independentemente do valor declarado, as operações de comércio referidas no artigo 1.º, sendo aquele registo precedido obrigatoriamente pelo regime de licenciamento consagrado neste diploma.
Art. 8.º Os boletins de registo prévio emitidos para as operações de comércio dos espécimes das espécies objecto deste diploma não poderão ser concedidos, para efeitos de desalfandegamento, por prazo superior ao da validade das licenças ou certificados concedidos pelas autoridades administrativas.
Art. 9.º Não estão dispensadas do regime de licenciamento previsto no presente diploma a importação, exportação e reexportação de quaisquer dos espécimes inscritos nos anexos da Convenção e na portaria referida na parte final do artigo 1.º, ainda que transportados na bagagem pessoal dos viajantes.
Art. 10.º - 1 - O desalfandegamento dos espécimes constantes do anexo I da Convenção apenas poderá processar-se na sede e nas delegações urbanas da Alfândega de Lisboa.
2 - O desalfandegamento dos espécimes constantes dos anexas II e III da Convenção e dos da portaria referida no artigo anterior apenas poderá processar-se na sede e nas delegações urbanas de Lisboa e do Porto e nas sedes das Alfândegas de Ponta Delgada e do Funchal.
3 - Poderão ser designadas, ouvida a Autoridade Administrativa Nacional e a Autoridade Científica, outras estâncias aduaneiras para o desalfandegamento dos espécimes.
Art. 11.º A estância por onde se processar o desalfandegamento dos espécimes não pode proceder ao respectivo desembaraço aduaneiro sem a apresentação dos documentos referidos na alínea a) do artigo 4.º do presente diploma.
Art. 12.º Os modelos das licenças e certificados concedidos ao abrigo do presente diploma serão aprovados por portaria do Ministro da Qualidade de Vida.
Art. 13.º - 1 - As licenças e certificados referidos na alínea a) do artigo 4.º serão requeridos pelos interessados, mediante o preenchimento, em triplicado, de impressos de modelo próprio, destinando-se os exemplares A e B ao requerente e o C à entidade emissora.
2 - Os exemplares A e B devem ser apresentados pelo interessado ou seu representante aquando do desalfandegamento na respectiva alfândega, devendo aquela entidade, após o necessário averbamento, proceder à devolução do exemplar A ao interessado e do exemplar B à entidade emissora, para efeito do registo a que se refere a alínea c) do artigo 4.º Art. 14.º - 1 - Constituem receita das autoridades administrativas as importâncias pagas pelos interessados para cobertura dos encargos decorrentes da emissão das licenças e certificados.
2 - As taxas a cobrar serão fixadas por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Qualidade de Vida.
Art. 15.º O prazo de validade das licenças e certificados concedidos pelas autoridades administrativas não pode ser superior a 6 meses, contados da data da emissão.
Art. 16.º - 1 - O disposto nos artigos 1.º e 2.º não se aplica ao trânsito de espécimes no território nacional, desde que os mesmos permaneçam sob fiscalização aduaneira.
2 - Ficam ainda dispensados do regime de licenciamento do presente diploma:
a) A exportação ou reexportação de espécimes adquiridos até 11 de Março de 1981;
b) Os espécimes de uso doméstico ou que sejam objecto de uso pessoal adquiridos até 11 de Março de 1981;
c) Os empréstimos, donativos ou trocas entre cientistas, especialistas e instituições científicas de espécimes de herbário, outros espécimes preservados, secos ou incrustados, e de plantas vivas, desde que estejam referenciadas por marcas ou etiquetas emitidas pelas autoridades administrativas;
d) O movimento dos espécimes adquiridos antes de 11 de Março de 1981 ou criados em cativeiro ou reproduzidos artificialmente que façam parte de um parque zoológico, de um circo ou de uma colecção ou exposição itinerante.
3 - Aos espécimes de uso doméstico ou que sejam objecto de uso pessoal adquiridos a partir de 11 de Março de 1981 não se aplica igualmente o disposto nos artigos 1.º e 2.º, excepto:
a) No caso de espécimes de uma espécie inscrita no anexo I da Convenção, desde que tenham sido adquiridos por residentes no território nacional, fora do País e importados posteriormente;
b) No caso de espécimes inscritos no anexo II da Convenção, desde que tenham sido adquiridos fora do País, por residentes no território nacional, num Estado que exija a prévia concessão de uma licença de exportação e em cujo meio selvagem se realizou a captura, abate ou recolha e que sejam importados posteriormente.
Art. 17.º - 1 - As infracções ao disposto nos artigos 1.º, 2.º, 7.º, 9.º e 13.º constituem contra-ordenações e são puníveis com coimas:
a) De 500000$00 a 3000000$00, no caso de espécimes de espécies inscritas no anexo I da Convenção;
b) De 100000$00 a 1500000$00, no caso de espécimes de espécies inscritas no anexo II da Convenção;
c) De 25000$00 a 300000$00, no caso de espécimes de espécies inscritas no anexo III da Convenção e na portaria referida na parte final do artigo 1.º 2 - Os montantes das coimas referidas no número anterior serão actualizados por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Qualidade de Vida.
3 - A tentativa e negligência são puníveis.
Art. 18.º Para além das coimas previstas no artigo anterior e nos termos da legislação aplicável, poderão ser estabelecidas como sanções acessórias ao infractor a interdição do exercício da profissão ou actividade e a apreensão dos espécimes introduzidos no País em contra-ordenação com o disposto no presente diploma, competindo às autoridades administrativas dar-lhes o destino que entenderem por mais conveniente.
Art. 19.º - 1 - As funções de fiscalização, para efeitos deste diploma, competem especialmente às autoridades administrativas em colaboração com as autoridades policiais e aduaneiras.
2 - As autoridades administrativas são as competentes para o processamento das contra-ordenações e aplicação das sanções previstas nos artigos 17.º e 18.º 3 - Na falta de pagamento voluntário das coimas, os autos de notícia levantados serão enviados ao representante do ministério público competente para promover a execução nos termos dos artigos 89.º e seguintes do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
4 - As autoridades com atribuições de fiscalização aduaneira deverão participar às autoridades administrativas do local onde se verificou a ocorrência o conhecimento de factos que julguem constituir infracções ao disposto no presente diploma.
Art. 20.º - 1 - A receita das coimas previstas no artigo 17.º tem a seguinte distribuição:
a) 10% para o autuante;
b) 50% para a autoridade administrativa do local onde se verificou a infracção;
c) 40% para o Estado.
2 - A parte das receitas a atribuir ao autuante não pode exceder 45% do respectivo vencimento anual, revertendo o excedente para o organismo ou corporação a que pertencer.
Art. 21.º Os exemplares das licenças e certificados referidos no presente diploma são modelo exclusivo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P.
Art. 22.º As disposições do presente decreto-lei não prejudicam a aplicação da legislação em vigor em matéria aduaneira, de higiene pública, ciência veterinária e de quarentena das plantas e animais.
Art. 23.º Em tudo o mais que não vier previsto no presente diploma aplica-se o disposto na Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, aprovada para ratificação pelo Decreto 50/80, de 23 de Julho.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Maio de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Ernâni Rodrigues Lopes - Manuel José Dias Soares Costa - Joaquim Ferreira do Amaral - António d'Orey Capucho.
Promulgado em 15 de Junho de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 20 de Junho de 1984.
Pelo Primeiro-Ministro, Carlos Alberto da Mota Pinto, Vice-Primeiro-Ministro.