de 26 de Junho
1. Face às diversas formas de poluição a que estão sujeitos os géneros alimentícios, a defesa da saúde do consumidor tem constituído preocupação permanente da Administração, levando não só à actualização da legislação em vigor e das respectivas estruturas funcionais, como ainda à publicação de novos diplomas e organização de serviços que possam responder a situações que afectem a qualidade dos alimentos.2. Com efeito, não se trata apenas dos perigos resultantes da contaminação microbiana e de outros agentes vivos, nem dos riscos que podem advir do uso desmedido dos chamados aditivos alimentares. Está também em causa a utilização de substâncias químicas, drogas e medicamentos, com fins profilácticos, curativos e outros, susceptíveis de deixar resíduos nos seus órgãos e tecidos e, portanto, nas matérias-primas ou alimentos procedentes desses animais.
Tais resíduos, ao atingirem determinados níveis de concentração, podem ter efeitos bastante nocivos para o consumidor de alimentos de origem animal. A situação é agravada pelo facto de a acção nefasta dos resíduos contidos nos produtos alimentares não se manifestar de imediato, mas sim a longo prazo, por efeito cumulativo.
3. A falta ou insuficiência de dispositivos legais que disciplinem a utilização de inúmeras substâncias, drogas ou medicamentos assume tal importância que há consciência de não se poder protelar por mais tempo a publicação de medidas legislativas apropriadas, seguindo o exemplo do que neste assunto tem sido adoptado em vários países, entre os quais os da CEE.
Reconhece-se a complexidade da matéria em causa e as dificuldades de solucionar alguns problemas a ela inerentes, pois em países com melhores estruturas nem sempre tem sido fácil, na prática, aplicar os mecanismos indispensáveis para eficaz verificação, por parte da Administração, de determinadas substâncias, designadamente de medicamentos de uso veterinário.
4. Ao aprovar o presente diploma, o Governo está convicto de que muito de positivo irá resultar em defesa da saúde do consumidor e, ao mesmo tempo, constituir o ponto de partida e o estímulo para melhorar a utilização e o apetrechamento das estruturas ligadas ao sector, por forma a propiciar a adopção de iniciativas mais aperfeiçoadas resultantes de novos conceitos ou dos progressos técnicos registados.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
1 - O disposto no presente diploma destina-se a regular a utilização de substâncias químicas, drogas ou medicamentos susceptíveis de deixar resíduos nos tecidos e órgãos dos animais e, por consequência, nos géneros alimentícios por eles produzidos e destinados ao consumo humano, sem prejuízo do estabelecido no Regulamento da Comercialização e Utilização de Aditivos nos Alimentos para Animais, aprovado pelo Decreto-Lei 259/82, de 6 de Julho.2 - O presente diploma e as portarias publicadas para efeitos do disposto no artigo 5.º aplicam-se a:
a) Animais das espécies bovina, ovina, suína, caprina e equina, bem como aves, coelhos, espécies cinegéticas criadas em cativeiro e abelhas;
b) Carne dos mamíferos e aves referidos na alínea anterior que não tenha sofrido qualquer tratamento destinado a assegurar a sua conservação, com excepção do frio;
c) Leite das fêmeas das espécies bovina, ovina e caprina em estado de saúde normal;
d) Ovos de aves, frescos ou conservados, para consumo em natureza ou para utilização nas indústrias de alimentação humana;
e) Mel.
Artigo 2.º
(Definições)
Para os efeitos do disposto neste decreto-lei e portarias publicadas ao abrigo do artigo 5.º, entende-se por:a) Resíduos - as substâncias estranhas, compreendendo os metabolitos e outras resultantes da actividade bioquímica e os agentes terapêuticos ou profilácticos, prejudiciais à saúde humana e que estejam presentes nos animais ou nos seus produtos, por motivo de tratamento, alimentação, promoção do crescimento e engorda ou da contaminação por exposição acidental;
b) Tolerância - a concentração máxima de resíduos admitida nos géneros alimentícios derivados dos animais;
c) Intervalo de segurança - o tempo mínimo que deve decorrer entre o momento da última administração ou aplicação a um animal de qualquer das substâncias susceptíveis de deixarem resíduos e o momento do abate, da ordenha, da postura do ovo ou da colheita do mel, cujos produtos se destinam ao consumo.
Artigo 3.º
(Condições de utilização)
1 - A utilização em animais de substâncias hormonais de efeitos estrogénico, androgénico e gestogénico, bem como de antibióticos, quimioterápicos, antiparasitários e tranquilizantes, só é autorizada nas seguintes condições:a) Quando tenham sido oficialmente aprovados, tendo em vista o seu uso profiláctico e curativo e, no caso das hormonas, para efeitos de sincronização do ciclo oestral, da indução do parto, da interrupção da gestação, da melhoria da fertilidade ou da preparação dos dadores e dos receptadores de embriões;
b) Quando tenham sido observados os intervalos de segurança oficialmente definidos;
c) Quando sejam prescritas por médico veterinário no exercício legal da sua actividade;
d) Desde que a administração ou aplicação das mesmas substâncias ou produtos seja supervisionada por médico veterinário, a quem caberá ainda proceder ao registo das doses ou quantidades utilizadas, datas da sua administração ou aplicação e ao reconhecimento dos animais tratados.
2 - Aos desinfectantes e pesticidas de uso veterinário só se aplica o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do presente artigo.
3 - A utilização de substâncias ou produtos de efeito hormonal destinados a promover o crescimento ou engorda dos animais fica condicionada a autorização específica para cada substância, nos termos que venham a ser estabelecidos em portaria.
4 - O cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 deste artigo apenas será exigível após a publicação dos diplomas que venham a regulamentar esta matéria.
Artigo 4.º
(Proibições)
Fora das condições previstas no artigo 3.º do presente diploma e do que, na parte aplicável, se encontra estabelecido no Regulamento da Comercialização e Utilização de Aditivos nos Alimentos para Animais, é proibido:a) Comercializar, aplicar ou administrar em animais o etinilestradiol, os estilbenos e seus derivados, respectivos sais e ésteres, assim como tirostáticos;
b) Abater ou ordenhar os animais para obtenção, respectivamente, de carne ou de leite para consumo humano e utilizar para o mesmo fim os ovos ou o mel sem que sejam respeitados os intervalos de segurança que, para cada substância, se encontrem oficialmente estabelecidos;
c) Comercializar, com destino ao consumo directo ou à indústria, carne, leite, ovos e mel que contenham resíduos em teores que ultrapassem as tolerâncias oficialmente admitidas para os referidos géneros alimentícios.
Artigo 5.º
(Regulamentação específica)
A aplicação do disposto no presente diploma aos géneros alimentícios - carne, leite, ovos e mel - será regulamentada em cada caso por portaria do Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação, mediante proposta conjunta do Instituto de Qualidade Alimentar e da Direcção-Geral da Pecuária, ouvidos a Direcção-Geral de Saúde e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Artigo 6.º
(Programas de vigilância)
O Instituto de Qualidade Alimentar, a Direcção-Geral da Pecuária e a Direcção-Geral de Saúde deverão estabelecer, com a colaboração das direcções regionais de agricultura, programas de vigilância de resíduos na carne, no leite, nos ovos e no mel.
Artigo 7.º
(Métodos para detecção de resíduos)
Quando não exista regulamentação nacional que contemple os métodos de análise e os procedimentos a adoptar na detecção de resíduos nos géneros alimentícios, serão os mesmos estabelecidos por portaria do Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação, sob proposta do Instituto de Qualidade Alimentar, depois de ouvidos a Direcção-Geral de Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e o Instituto Nacional de Investigação Agrária e de Extensão Rural.
Artigo 8.º
(Tolerâncias de resíduos)
1 - As tolerâncias de resíduos admitidas nos géneros alimentícios de origem nacional ou importados, de que trata o presente decreto-lei, serão as fixadas em listas anexas às portarias a que se refere o artigo 5.º 2 - As tolerâncias de resíduos admitidas quando se trate de pesticidas serão fixadas nos termos do número anterior, depois de ouvida a Comissão de Toxicologia dos Pesticidas.
Artigo 9.º
(Outras competências)
1 - O Instituto de Qualidade Alimentar, a Direcção-Geral da Pecuária e a Direcção-Geral de Saúde deverão assegurar o cumprimento do presente diploma, no domínio das suas competências.2 - Compete à Direcção-Geral da Pecuária a aprovação e autorização para venda das substâncias ou produtos para uso em medicina veterinária, bem como a definição dos respectivos intervalos de segurança, sendo, no caso dos pesticidas de uso veterinário, ouvida a Comissão de Toxicologia dos Pesticidas.
3 - Compete também à Direcção-Geral da Pecuária a aprovação dos rótulos de pesticidas de uso veterinário.
Artigo 10.º
(Sanções)
1 - As infracções ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º e na alínea a) do artigo 4.º constituem contra-ordenações puníveis com coima até 500000$00, se outras sanções lhes não couberem.2 - A competência para a aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao director do Instituto de Qualidade Alimentar.
Artigo 11.º
(Entrada em vigor)
O presente diploma entra em vigor 180 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de Janeiro de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - António Manuel Maldonado Gonelha - Manuel José Dias Soares Costa - António d'Orey Capucho - Joaquim Ferreira do Amaral.
Promulgado em 7 de Junho de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 8 de Junho de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.