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Acórdão 276/2006/T, de 7 de Junho

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Texto do documento

Acórdão 276/2006/T. Const. - Processo 877/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Sónia Adriana dos Santos Neves e Vera Lúcia Mocho Marques e mais seis requerentes requereram, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra CEMOBE - Cedência de Mão de Obra, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., e SERVIBANCA - Empresa de Prestação de Serviços, A. C. E., providência cautelar de suspensão de despedimento, aduzindo, em suma, o seguinte: i) os requerentes celebraram com a primeira requerida contratos de trabalho temporário mediante os quais passaram a prestar trabalho a diversas empresas utilizadoras, todas pertencentes ao grupo de sociedades do Banco Comercial Português, sendo que, pelo menos a partir de Fevereiro de 2003, prestaram o seu trabalho à segunda requerida (com excepção de uma requerente, que celebrou contrato de trabalho temporário com a primeira requerida em 29 de Julho de 2003 e, desde então, prestou trabalho à segunda requerida); ii) apesar de os recibos de retribuição serem emitidos pela primeira requerida, os requerentes prestaram trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização da segunda requerida, sem que existisse qualquer contrato de utilização e, mesmo que existisse, o mesmo teria sido celebrado fora dos casos tipificados no artigo 90.º do Decreto-Lei 358/89, de 17 de Outubro; iii) em 1 de Julho de 2004 foi celebrado, entre a primeira e a segunda requeridas, contrato de prestação de serviços mediante o qual a primeira requerida se obrigava a desempenhar determinadas tarefas junto da segunda requerida, sua cliente; iv) porém, tal contrato não é um contrato de utilização de trabalho temporário; v) inexistindo contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a primeira e a segunda requeridas, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei 358/89, e tendo os trabalhadores continuado ao serviço da segunda requerida sem que tivessem celebrado qualquer contrato com esta última que legitimasse essa prestação de trabalho, tem aplicação o disposto no artigo 10.º do referido diploma legal, ou seja, os requerentes são considerados como trabalhadores da segunda requerida, por tempo indeterminado; vi) no dia 3 de Janeiro de 2005, quando se preparavam para reentrar ao serviço nas instalações da segunda requerida, os requerentes foram impedidos de entrar pelo "segurança" e foi lhes comunicado que, por ordens da direcção, os requerentes estavam impedidos de entrar nas instalações da segunda requerida, pois já não trabalhavam para a mesma; vii) tal constitui, no entender dos requerentes, um despedimento ilícito, uma vez que não foi invocada pela entidade empregadora alguma das causas de caducidade do contrato de trabalho, não foi promovido o seu despedimento com justa causa, nem foi sequer instaurado procedimento disciplinar - pelo que requereram que seja decretada a suspensão do despedimento de que foram alvo por parte da segunda requerida.

Mais aduziram os requerentes - para a hipótese de se vir a concluir pela inexistência de vínculo laboral entre eles e a segunda requerida - que: i) considerando se que tinham um contrato de trabalho com a primeira requerida, na medida em que os contratos de trabalho temporário que com ela celebraram não contêm a menção concreta dos factos e circunstâncias que integravam esse motivo e, por outro lado, foram objecto de mais do que duas renovações ou duraram mais do que três anos, pelo que se converteram em contratos de trabalho sem termo, o que foi admitido pela primeira requerida; ii) no dia 3 de Janeiro de 2005 foi comunicado pela primeira requerida aos requerentes que estes já não eram seus trabalhadores, tendo lhes sido recusada a prestação de trabalho por alegadamente a posição de entidade empregadora se ter transmitido para uma outra sociedade denominada REDWARE; iii) tal recusa consubstancia um despedimento de facto ilícito - pelo que requereram subsidiariamente que fosse decretada a suspensão do despedimento de que foram alvo por parte da primeira requerida.

A providência requerida foi liminarmente indeferida, por despacho de 14 de Janeiro de 2005, do juiz do 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, com a seguinte fundamentação:

"Há que apreciar, liminarmente, se o procedimento cautelar instaurado se adequa à situação dada a conhecer pelos requerentes (cf. artigos 234.º-A, n.º 1, e 234.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho e ainda artigo 32.º, n.º 1, corpo, do Código de Processo do Trabalho).

O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de fixação de jurisprudência 1/2003, de 1 de Outubro, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 12 de Novembro de 2003, a pp. 7647 e seguintes, pronunciou se sobre o âmbito de aplicação do procedimento cautelar de suspensão de despedimento. Aí se pondera que 'a concessão da providência cautelar tem de se bastar com uma summario cognitio da situação através de um procedimento - o procedimento cautelar - simplificado e rápido. Ou, por outras palavras, tem de se contentar com a existência de fumus boni juris. A necessidade de celeridade e a natureza provisória de providência cautelar sobrepõem se, necessária e inelutavelmente, a um mais profundo e necessariamente mais moroso apuramento da existência, natureza e dimensão do direito a tutelar, o que só é praticável na acção de que o procedimento cautelar é dependente. Na vigência do CPT de 1981, era entendimento comum, jurisprudencial e doutrinalmente, que o procedimento cautelar de suspensão de despedimento só era admissível quando se verificassem cumulativamente dois pressupostos: a inquestionável existência de um contrato de trabalho entre requerente e requerido e a existência de inequívoco despedimento levado a cabo pela entidade patronal. Daqui a inadmissibilidade da providência nos casos em que as partes questionassem a natureza jurídica do contrato (de trabalho ou de prestação de serviços) ou a qualificação da causa da sua cessação (caducidade ou despedimento)'. Face ao novo Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro, o STJ considera não haver razões para alterar esse entendimento. Segundo o STJ, o facto de no artigo 35.º do Código de Processo do Trabalho se passar a autorizar a produção de outras provas, que não a meramente documental, nos casos em que se invoque um despedimento não antecedido de processo disciplinar, 'apenas facilita a constatação da existência do despedimento e não a indagação sobre se, invocada outra causa para cessação da relação laboral pela entidade empregadora, ela é ou não real e, se o não for, se não se está perante um verdadeiro despedimento que, como tal, seja merecedor da providência cautelar da sua suspensão'. Assim, o STJ adere à jurisprudência contida no acórdão fundamento - do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Março de 2002 - segundo a qual a providência cautelar de suspensão de despedimento 'só pode ser requerida e concedida quando for indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora pôs fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral, por exemplo, por caducidade'.

Daí que o Supremo Tribunal de Justiça tenha uniformizado a jurisprudência no sentido de que 'o trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento'.

No caso dos autos, os requerentes dizem que foram objecto de despedimento, sem justa causa nem antecedência de processo disciplinar, por parte da sua entidade patronal, a segunda requerida. Só que essa é uma conclusão jurídica que retiram a partir de uma situação complexa e controvertida, que descrevem, que se inicia pela celebração de contratos de trabalho temporário entre os requerentes e outra entidade (a primeira requerida), com base nos quais os requerentes foram colocados a prestar trabalho para a segunda requerida. Em parte alguma os requerentes alegam que entre eles e a suposta entidade patronal, a segunda requerida, foi celebrado voluntária e conscientemente um contrato de trabalho, ou que a segunda requerida se assumiu como sua entidade patronal, ou seja, aceitou que entre os requerentes e a segunda requerida vigorava um contrato de trabalho. Assim, também não resulta dos factos alegados pelos requerentes que a recusa da segunda requerida em continuar a receber o seu trabalho constituiu a manifestação de intenção, por parte da segunda requerida, de os despedir, ou seja, de pôr termo a uma relação de trabalho subordinado existente entre ela e os requerentes. Em vez da simples análise sobre se os trabalhadores foram despedidos pela entidade empregadora sem antecedência de processo disciplinar, ou mediante um processo disciplinar nulo, ou sem justa causa, a qual constitui o objecto do procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual (artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), nestes autos os requerentes começam por forçar a indagação de questões prévias e controvertidas, como é a da própria existência de um contrato de trabalho entre os requerentes e a segunda requerida, contra quem é proposto o procedimento cautelar a título principal. Prevendo a eventualidade de a resposta a essa indagação lhes ser desfavorável, então os requerentes apresentam, como questão a investigar subsidiariamente, e que também ela é controvertida, que é a de os contratos de trabalho temporário celebrados com a primeira requerida se terem convertido em contratos de trabalho sem termo e de a declaração de não aceitação de trabalho por parte da primeira requerida constituir um despedimento.

O objecto do litígio apresentado pelos requerentes a este Tribunal não se coaduna com a natureza e o objecto próprios do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, conforme constitui jurisprudência obrigatória fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme se acrescenta no citado acórdão do STJ, 'se não se puderem socorrer do procedimento cautelar de suspensão do despedimento - singular ou colectivo - não deixam os trabalhadores de poder obter uma adequada providência cautelar, através dos procedimentos cautelares - comum e especificados - regulados no Código de Processo Civil, e que, pela natureza do conflito, sejam aplicáveis no foro laboral'. Para tanto terão de alegar os respectivos pressupostos, nomeadamente a ocorrência de 'lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito', que a providência possa adequadamente evitar (artigo 381.º n.º 1, do Código de Processo Civil) - lesão essa que, aliás, neste procedimento cautelar os requerentes não alegaram."

Os requerentes agravaram deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando as respectivas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

"1 - A decisão recorrida, ao interpretar o artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho no sentido segundo o qual a providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser requerida e concedida quando seja indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral, é manifestamente inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - O artigo 39.º do CPT, interpretado de acordo com a Constituição, jamais poderia excluir do seu campo de aplicação relações laborais e despedimentos encapotados igualmente merecedores de uma tutela jurisdicional efectiva e cautelar.

3 - A interpretação do artigo 39.º, n.º 1, do CPT, levada a cabo pelo Tribunal a quo, acaba por criar uma desigualdade de cariz substantivo: Passa a haver trabalhadores de 1.ª, que merecem a tutela cautelar do seu direito, constitucionalmente consagrado, de proibição dos despedimentos sem justa causa, e os outros trabalhadores, que, por terem sido vítimas das manobras fraudulentas da entidade patronal, não são merecedores de tutela cautelar.

4 - Tal interpretação da lei desemboca, inelutavelmente, numa clara violação do direito à igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da CRP.

5 - O Tribunal da Relação de Lisboa deverá, pois, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, desaplicar a norma resultante da errónea interpretação que foi dada ao artigo 39.º, n.º 1, do CPT pelo Tribunal a quo.

6 - Nem se diga, como faz o Tribunal a quo, que tais trabalhadores não ficam desprotegidos uma vez que 'se não se puderem socorrer do procedimento cautelar de suspensão de despedimento - singular ou colectivo -, não deixam de poder obter uma adequada providência cautelar, através dos procedimentos cautelares - comum e especificados - regulados no Código de Processo Civil e que, pela natureza do conflito, sejam aplicáveis no foro laboral'.

7 - Com efeito, em tais casos, não é possível invocar o perigo de lesão, uma vez que, como vai sendo uma constante na nossa jurisprudência, '[s]e essa cessação foi ilegal, então o direito do requerente já sofreu a lesão que tinha que sofrer, não sendo concebível, pela própria natureza das coisas, o perigo de ocorrerem novas violações'.

8 - Mal andou a decisão recorrida quando refere: 'Em parte alguma os requerentes alegam que entre eles e a suposta entidade patronal, a segunda requerida, foi celebrado voluntária e conscientemente um contrato de trabalho, ou que a segunda requerida se assumiu como a sua entidade patronal, ou seja, aceitou que entre os requerentes e a segunda requerida vigorava um contrato de trabalho.'

9 - Bastará atentar ao alegado pelos ora agravantes nos artigos 111.º e seguintes da petição de providência cautelar apresentada, para facilmente concluir que os agravantes, contrariamente ao que é afirmado na decisão recorrida, não se limitaram a invocar uma conclusão jurídica.

10 - Invoca ainda a decisão recorrida: '[...] também não resulta dos factos alegados pelos requerentes que a recusa da requerida em continuar a receber o seu trabalho constituiu a manifestação de intenção, por parte da segunda requerida, de os despedir, ou seja, de pôr termo a uma relação de trabalho subordinado existente entre ela e os requerentes'.

11 - Bastaria atentar no alegado pelos agravantes nos artigos 137.º e seguintes da petição de providência cautelar, máxime no alegado pelos agravantes no artigo 139.º, para que o Tribunal a quo se desse conta da falta de pertinência da questão suscitada.

12 - Ao julgar manifestamente improcedente a petição de providência cautelar requerida pelos agravantes, a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação do disposto no artigo 234.º-A do Código de Processo Civil.

13 - Com efeito, a decisão recorrida não poderia ter julgado a providência cautelar inevitavelmente vetada ao fracasso antes de ouvidas as requeridas e produzida prova sumária dos factos alegados.

14 - Por outro lado, a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente a petição de providência cautelar, acolhendo a tese segundo a qual a providência cautelar só pode ser requerida e concedida quando for indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora pôs fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral, não permitindo a produção de prova sobre os factos invocados pelos agravantes, procedeu a uma errada interpretação dos artigos 35.º e 39.º, n.º 1, do CPT, violando as referidas normas legais."

A este recurso foi negado provimento pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Julho de 2005, com a seguinte fundamentação:

"Afigura-se-nos que a decisão recorrida não merece qualquer censura, sendo acertada.

Na verdade, como refere, na contra alegação, a recorrida CEMOBE, dos factos articulados pelos requerentes, 'para que o Tribunal possa apreciar se existiu ou não um despedimento sem justa causa, terá de se debruçar previamente sobre a questão da validade ou invalidade dos contratos de trabalho temporário celebrados entre os requerentes e a requerida CEMOBE e sobre o vínculo jurídico existente entre esta e a segunda requerida (SERVIBANCA).

Nos termos em que os requerentes configuram a situação jurídica controvertida, é impossível ao Tribunal apreciar a questão do despedimento, sem resolver previamente as questões relacionadas com o trabalho temporário.

Só apreciando estas questões será possível averiguar quem é efectivamente a entidade patronal dos requeridos, se existiu ou não um despedimento em sentido próprio e se o mesmo ocorreu com ou sem justa causa.

O procedimento cautelar de suspensão do despedimento é o meio próprio para o trabalhador reagir contra um despedimento ilícito e obter um reconhecimento provisório do seu direito.

Este procedimento só tem razão de ser e só é, portanto, aceitável nos casos de cessação do contrato de trabalho em que se discuta a justa causa (ou a falta dela).

Como procedimento cautelar, obedece aos mesmos requisitos gerais dos procedimentos cautelares previstos no Código de Processo Civil, ou seja, tem de existir a aparência do direito invocado (fumus boni juris) e tem de ser feita a prova do periculum in mora.

Com base nestes elementos, o juiz fará um juízo de mera probabilidade de existência do direito invocado (summaria cognitio).

Este juízo de mera probabilidade incide unicamente sobre o facto de saber se o trabalhador foi despedido com ou sem justa causa, não se coadunando com a resolução de outras questões atinentes à relação laboral.

No âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento não cabe, pois, discutir questões inerentes à qualificação do contrato existente [entre] as partes, à forma de cessação dessa relação, à falta de motivação do contrato e à sua conversão em contrato sem termo (cf. Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, 2000, p. 84).

Para que se possa recorrer a este meio processual, é necessário pressupor a existência de um contrato de trabalho e de uma efectiva situação de despedimento, com exclusão das situações emergentes da simples caducidade do contrato de trabalho ou da nulidade do mesmo (neste sentido, António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, p. 351).

Este é, de resto, o entendimento jurisprudencial unânime (a título exemplificativo, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Janeiro de 1980, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 297, p. 402; Acórdão da Relação de Évora de 11 de Julho de 2000, Colectânea de Jurisprudência, 2000, t. IV, p. 287; Acórdão da Relação de Lisboa, Colectânea de Jurisprudência, t. III, p. 54; Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2003, recurso n.º 9089/02 - 4.ª Secção, e Acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Janeiro de 2004, recurso n.º 7471/03 - 4.ª Secção).

E nem se argumente que o disposto no artigo 35.º do CPT, quanto aos meios de prova admissíveis no âmbito deste procedimento, pode indiciar uma interpretação contrária.

Os meios de prova consentidos pelo citado artigo 35.º destinam-se exclusivamente a fundar a verosimilhança de um despedimento, nos casos em que o mesmo não foi precedido de processo disciplinar.

Não foi intenção do legislador permitir a discussão da natureza da relação jurídica existente entre requerente(s) e requerido(s), mas tão somente permitir a produção de meios de prova complementares nos casos em que o despedimento não seja precedido de processo disciplinar (neste sentido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo pleno da Secção Social do STJ em 1 de Outubro de 2003 - Jurisprudência 1/2003, processo 3073/2002, 4.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, de 12 de Novembro de 2003).

Deste modo, para que o Tribunal conheça do pedido de suspensão do despedimento são necessárias, à partida, três condições sine qua non, ou seja, é necessário i) que tenha havido um verdadeiro despedimento; ii) que se saiba, sem quaisquer dúvidas, quem praticou o acto qualificável como despedimento, e, finalmente, iii) que seja líquida a existência de um contrato de trabalho entre o despedido e a entidade que despede (neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Janeiro de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 473, p. 556).

O procedimento cautelar de suspensão do despedimento é inadequado para nele se averiguar a verificação destas condições.

No caso vertente, é notório que as mesmas não se verificam, não sendo possível, por isso, realizar um juízo indiciário sobre se ocorreu ou não um despedimento sem justa causa.

Desde logo, não é linear que exista um contrato de trabalho sem termo entre os requerentes e as requeridas, dependendo tal questão da apreciação da validade dos contratos de trabalho temporário celebrados.

Por outro lado, não se descortina qual das duas requeridas terá procedido efectivamente ao alegado despedimento.

Nem, tão pouco, é líquido que tenha ocorrido efectivamente um despedimento.

De salientar que, quanto à segunda requerida, não é sequer alegado qualquer facto susceptível de consubstanciar um despedimento por parte desta.

Assim, é indiscutível que a apreciação do alegado despedimento dos requeridos depende da discussão de questões várias, que se reconduzem, em última análise, à questão da apreciação da validade dos contratos de trabalho celebrados entre as partes.'

Estas considerações correspondem aos dados existentes nos autos, bem como à doutrina e à jurisprudência, que pensamos serem maioritárias sobre a questão, acolhidas no citado Acórdão, proferido no processo 3073/2002 da 4.ª Secção do STJ, de 1 de Outubro de 2003, que uniformiza a jurisprudência (Jurisprudência 1/2003).

Alegam ainda os recorrentes que a decisão recorrida, na interpretação que fez do artigo 39.º, n.º 1, do CPT, violou as normas dos artigos 13.º - Princípio da igualdade, 20.º - Negação do acesso ao direito e aos tribunais, e 53.º - Segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa -, todos da Constituição da República Portuguesa.

Também esta alegação, a nosso ver, é desprovida de fundamento.

Em síntese, diremos apenas o seguinte:

No caso, não existe violação do princípio da igualdade, porquanto não se pode equiparar a situação de alguém que intenta uma providência cautelar de suspensão de despedimento, ancorado na existência de indiscutido contrato de trabalho subordinado e de indiscutido despedimento, com a situação dos requerentes, em que a natureza do contrato e a existência de despedimento são discutíveis e que exigiriam discussão e apreciação prévias, que não são compagináveis com a natureza da providência cautelar referida, que tem natureza provisória e 'tem de se bastar com uma summaria cognitio da situação através de um procedimento - o procedimento cautelar - simplificado e rápido', como refere o citado acórdão do STJ uniformizador da jurisprudência.

De qualquer modo, aos recorrentes não estava vedado o eventual recurso a outros procedimentos cautelares previstos na legislação processual civil, por força do disposto no artigo 47.º do Código de Processo do Trabalho e, genericamente, pela alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do mesmo Código.

Finalmente, podem os recorrentes instaurar acção declarativa, em que poderão também discutir as referidas questões prévias da existência e natureza do contrato, bem como da qualificação dos actos dos requeridos - se os mesmos se traduzem em despedimento -, por forma a poderem defender, eficazmente, os seus eventuais direitos.

Não se verifica, assim, a violação do princípio constitucional da igualdade.

Simplesmente, as situações em que os requerentes fundamentam a providência cautelar não são lineares, são complexas e dependem de apreciação e decisão de questões prévias fundamentais, que não cabem na natureza daquela providência cautelar.

Aliás, os requerentes contrataram tais situações e não outras (que denotassem claramente a celebração de contratos de trabalho subordinado), não se podendo agora queixar da situação para a qual também deram o seu contributo.

As considerações precedentes valem igualmente para se dizer que a decisão recorrida não negou aos recorrentes o acesso ao direito e aos tribunais e, assim, também não se verifica a violação do artigo 20.º da CRP.

Finalmente, a alegação da violação do artigo 53.º da CRP - "Segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa" - não tem qualquer consistência, porquanto a decisão recorrida não apreciou nem decidiu as questões fundamentais da natureza do contrato e da sua existência, bem como se foi praticado o despedimento, que, como já se referiu, são questões prévias que ultrapassam e não cabem no âmbito da providência cautelar de suspensão de despedimento, tendo-se o M.mº Juiz limitado a considerar inadequada a providência cautelar que foi instaurada, pelo que a indeferiu liminarmente.

Pelo exposto, improcedem as conclusões do recurso."

É contra este acórdão que pelas requerentes Sónia Adriana dos Santos Neves e Vera Lúcia Mocho Marques vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º, 20.º, n.º 5, e 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro (CPT), interpretada no sentido de que a providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser requerida e concedida quando seja indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral.

Neste Tribunal, as recorrentes apresentaram alegações, no termo das quais formularam as seguintes conclusões:

"1 - O artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação que lhe foi dada pelo [Tribunal] recorrido, segundo a qual a providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser requerida quando seja indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral, sem que seja dada a oportunidade às requerentes de provarem a existência de contrato de trabalho e de verosimilhança com despedimento ilícito, é manifestamente inconstitucional por violação dos artigos 20.º, 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - O acesso ao direito e aos tribunais postula uma tutela jurisdicional cautelar e efectiva.

3 - O acórdão recorrido, ao alvitrar uma outra via processual - procedimentos cautelares comuns - que também está fechada, acaba por consentir numa denegação do ordenamento jurídico.

4 - Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT, afastando do seu âmbito de protecção trabalhadores cuja entidade patronal não reconhece como tal (quando nem sequer lhe foi dada a oportunidade de o reconhecer, nem às recorrentes de provar a existência da alegada relação laboral), entidade patronal essa que, sem invocar qualquer causa de cessação, recusa a prestação de trabalho (sem sequer ser dada oportunidade às requerentes de provar a verosimilhança de tal recusa como despedimento ilícito), o Tribunal recorrido violou o artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa.

5 - O princípio da igualdade postula que todos os trabalhadores mereçam tratamento igual.

6 - O princípio da segurança no trabalho e da proibição de despedimentos sem justa causa vale para todos os trabalhadores e não apenas para aqueles que contratem situações que denotem claramente a celebração de contratos de trabalho subordinado.

7 - Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT no sentido segundo o qual só merecem protecção cautelar os trabalhadores que tenham celebrado claramente contratos de trabalho subordinado viola o princípio da igualdade, da segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa, constitucionalmente consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.

8 - Uma interpretação do artigo 39.º, n.º 1, conforme à Constituição impunha que o Tribunal recorrido concedesse provimento ao agravo e revogasse a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que viabilizasse o procedimento cautelar de suspensão do despedimento."

A recorrida SERVIBANCA - Empresa de Prestação de Serviços, A. C. E., contra-alegou, concluindo:

"1 - É sabida a ampla e vasta discussão que se tem gerado em torno do princípio da igualdade, sendo certo que é, de longe, o princípio constitucional mais debatido na doutrina e na jurisprudência.

2 - De forma lapidar definiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 433/87, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 371, que a igualdade 'consiste em tratar por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o que essencialmente for diferente. A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento de distinções; proíbe, isso sim, as distinções arbitrárias ou sem fundamento bastante'.

3 - No que se refere à interpretação dada ao artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, quer pelo acórdão recorrido, quer mesmo pelo Acórdão de fixação de jurisprudência 1/2003, de 1 de Outubro de 2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 12 de Novembro de 2003, seguido de perto pelos M.mºs Julgadores das instâncias, não existe qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto a situação dos recorrentes não é comparável com a de alguém que intenta uma providência cautelar de suspensão de despedimento, ancorado na existência de indiscutido contrato de trabalho subordinado e indiscutido despedimento.

4 - Não existiu, também, qualquer violação do artigo 20.º da Constituição, dado que sempre a mesma poderia ser obtida através da propositura da acção declarativa, que seria o meio adequado para fazer valer o direito invocado.

5 - Não se vislumbra, ainda, qualquer violação do artigo 53.º da Constituição, dado que a decisão recorrida não apreciou quaisquer questões relacionadas com o alegado despedimento, muito pelo contrário, a decisão recorrida julgou inadequado o procedimento cautelar de suspensão de despedimento, razão pela qual confirmou o indeferimento liminar proferido pelo M.mº Juiz da 1.ª instância.

6 - Assim, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido sustentar que foi violado o princípio constitucional da segurança no emprego."

Por seu turno, a recorrida CEMOBA - Cedência de Mão de Obra, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., também apresentou contra-alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - É jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça que o procedimento cautelar de suspensão do despedimento só pode ser requerido se for inequívoca a existência de um contrato de trabalho, de um despedimento em sentido próprio e a certeza de quem praticou o acto qualificável como despedimento.

2 - O procedimento cautelar de suspensão do despedimento não é o meio adequado para nele se aferir qualquer destas circunstâncias, na medida em que pressupõe um juízo sumário que não se coaduna com a investigação de tais questões.

3 - Não existe identidade entre a situação em que é indiscutível a existência de um contrato de trabalho, um despedimento e a entidade que o levou a cabo e a situação das recorrentes.

4 - O facto de não puderem recorrer àquele procedimento cautelar em concreto não impedia as recorrentes de fazerem valer os seus direitos através de outros meios processuais ao seu dispor.

5 - A interpretação feita pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação do n.º 1 do artigo 39.º do CPT apenas levou a concluir que o meio usado pelas recorrentes não era o meio adequado para fazer valer o direito que pretendiam ver reconhecido.

6 - Tal interpretação não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente os constantes dos artigos 13.º, 20.º e 53.º"

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de uniformização de jurisprudência, de 1 de Outubro de 2003 (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 262, de 12 de Novembro de 2003, p. 7647), cuja doutrina as decisões das instâncias afirmaram seguir, contém uma desenvolvida explanação sobre a figura da providência cautelar de suspensão do despedimento, desde a sua introdução no nosso ordenamento jurídico, pela Lei 48/77, de 11 de Julho, passando à sua consagração no Código de Processo do Trabalho de 1981 (aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro), ao alargamento ao despedimento colectivo (pelo artigo 25.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e à cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador ao posto de trabalho (pelo artigo 9.º do Decreto-Lei 400/91, de 16 de Outubro), até à sua regulação pelo Código de Processo do Trabalho de 1999 (aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, aplicável ao caso dos presentes autos), no âmbito do qual surgiram as divergências jurisprudenciais a que se visou pôr cobro.

Não cabe, obviamente, no âmbito do presente recurso a reedição dos argumentos em que se basearam as correntes jurisprudenciais em confronto, mas apenas registar que, de acordo com a formulação final da jurisprudência assim uniformizada, acolhida pela decisão ora recorrida, "o trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento". Sublinhou-se esta expressão final porque ela se afasta de algumas formulações de acórdãos inseridos nessa corrente, que aparentavam bastar-se com o questionamento, pelo requerido, da existência de um contrato de trabalho e de um despedimento, para afastar a admissibilidade do recurso à providência cautelar de suspensão de despedimento. O que resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência é que o procedimento em causa pode ser usado sempre que a causa expressamente invocada pela entidade patronal para a cessação do contrato de trabalho seja o despedimento, mas ainda quando, apesar de o requerido não apelidar de laboral a relação mantida com o requerente e ou não apelidar de despedimento o acto pelo qual procede à cessação da relação, "se configure a verosimilhança de um despedimento". Isto é: se, apesar de a entidade requerida afirmar, por exemplo, que o contrato que a liga ao requerente não é um contrato de trabalho, mas antes um contrato de prestação de serviço, ou, reconhecendo tratar-se de um contrato de trabalho, sustentar que foi diversa da do despedimento a sua causa de cessação (por exemplo, a caducidade), basta que ao tribunal se configure a verosimilhança de um despedimento para que o uso da providência cautelar de suspensão de despedimento seja admitido.

2.2 - Feita esta precisão, cumpre apreciar se a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido viola, como sustentam as recorrentes, o direito de acesso aos tribunais, o princípio da igualdade e a garantia da segurança no emprego, consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º, 13.º e 53.º da CRP.

2.2.1 - Em conformidade com o preceituado no artigo 20.º da CRP, "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos" (n.º 1), e "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo" (n.º 4).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem salientado (cf., entre outros, o Acórdão 440/94) que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: a) o direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas.

Aceitando-se que "a tutela jurisdicional efectiva postula a adopção de um sistema de providências cautelares que acautele o efeito útil da acção, impedindo uma lesão grave e dificilmente reparável do direito ou interesse legalmente protegido que se pretende defender em tribunal" (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, p. 203), não menos certo é que, embora vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efectiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, "o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há-de resultar de uma perspectiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles conflituantes entre si" (Acórdão 63/2003).

Estes princípios implicam que, no caso dos presentes autos, às recorrentes devesse ser conferida a faculdade, não só de accionarem judicialmente as suas pretensões, mas também de lançarem mão de meio cautelar que assegurasse o efeito de eventual provimento da acção principal, mas já não que fosse constitucionalmente imposto que tivessem acesso a um específico meio cautelar, que, segundo o critério normativo acolhido pelas instâncias, era inaplicável ao presente litígio.

Ora, o que as instâncias entenderam, em consonância com o referido acórdão uniformizador de jurisprudência, foi que, sendo inadmissível, no caso, o procedimento cautelar específico da suspensão de despedimento, regulado nos artigos 34.º a 40.º do Código de Processo do Trabalho, às requerentes estava aberta a possibilidade de utilização do procedimento cautelar comum, regulado nos artigos 32.º e 33.º do mesmo Código.

Não se evidenciando que este procedimento cautelar comum seja imprestável para a consecução da tutela efectiva das pretensões das recorrentes, não se pode dar por verificada a alegada afectação do direito de acesso aos tribunais.

2.2.2 - Do que já se referiu resulta também a não violação do princípio da igualdade.

Na verdade, mostra-se materialmente fundada a diferenciação de meios cautelares postos pelo legislador à disposição dos interessados, em conformidade com a diversidade das situações subjacentes: o procedimento cautelar específico da suspensão de despedimento, nos casos em que "o despedimento seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento"; e o procedimento cautelar comum, nos casos em que o requerido não invoque o despedimento como causa de cessação da relação que o vinculava ao requerente, nem ao tribunal se configure a verosimilhança de um despedimento.

Não é constitucionalmente desconforme que, para além de diferenças de tramitação processual, os critérios decisórios não sejam coincidentes: naquela primeira situação, para o deferimento da providência basta que o tribunal constate que não foi instaurado procedimento disciplinar, que este é nulo ou que há probabilidade séria de inexistência de justa causa (artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), enquanto que no segundo grupo de situações se segue o critério geral de que a providência deve ser decretada quando haja probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, a menos que o prejuízo que da providência resultar para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (n.os 1 e 2 do artigo 387.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho).

Considera-se, assim, não ocorrer violação do princípio da igualdade.

2.2.3 - Também não ocorre violação do princípio da segurança no emprego.

Este princípio não impede a existência de despedimentos, desde que fundados em razões constitucionalmente atendíveis. Aliás, no caso, não está em causa a licitude, em termos substantivos, da cessação das relações que ligavam as recorrentes às recorridas, mas apenas os meios adjectivos postos à disposição daquelas para defesa dos seus interesses e interesses legítimos. Ora, esses meios, como já se apurou, não se revelam insuficientes para assegurar uma tutela jurisdicional efectiva das pretensões das recorrentes e a diferenciação de meios processuais mostra-se constitucionalmente aceitável.

Improcedem, assim, na totalidade, as alegações das recorrentes.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro, interpretado no sentido de que a providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser utilizada quando o despedimento seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento; e, em consequência,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 2 de Maio de 2006. - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1494122.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-07-11 - Lei 48/77 - Assembleia da República

    Ratifica, com emendas, o Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro, que proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

  • Tem documento Em vigor 1981-09-30 - Decreto-Lei 272-A/81 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo do Trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-02-27 - Decreto-Lei 64-A/89 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Aprova o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, incluindo as condições de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-17 - Decreto-Lei 358/89 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Define o regime jurídico do trabalho temporário exercído por Empresas de Trabalho Temporário.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-16 - Decreto-Lei 400/91 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DA CESSAÇAO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INADAPTAÇÃO DO TRABALHADOR. O PRESENTE DIPLOMA ENTRA EM VIGOR 60 DIAS APOS A SUA PUBLICAÇÃO.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-11-09 - Decreto-Lei 480/99 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo do Trabalho.

  • Tem documento Em vigor 2003-11-12 - Jurisprudência 1/2003 - Supremo Tribunal de Justiça

    O trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento. Os meios de prova consentidos pelos artigos 35.º e 43.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, destinam-se a fundar a verosimilhança necessária para a concessão da providência cautelar de suspensão de despedimento (...)

Aviso

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