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Acórdão 641/2005/T, de 31 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 641/2005/T. Const. - Processo 767/2004. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, João Manuel Peres Alves da Costa, ora recorrido, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a Sociedade Vicra Desportiva, Lda., ora recorrente, pedindo a condenação desta última a restituir-lhe o trabalho e as funções de repórter e redactor, a reconhecer o carácter remuneratório de determinadas prestações, bem como a insusceptibilidade de ser reduzido o respectivo montante, e ainda a pagar-lhe certas quantias a título de sanção pecuniária compulsória, diferenças salariais, retribuições e danos patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora. Por sentença do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa de 16 de Julho de 2001, foi a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada nos termos constantes de fls. 418 e 419.

2 - Inconformada, a ré, ora recorrente, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe negou provimento por Acórdão de 9 de Outubro de 2002.

3 - Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 16 de Junho de 2004, constante de fls. 1359 e seguintes, decidiu "conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte relativa à condenação dos juros de mora, os quais são devidos em relação às remunerações em dívida desde o vencimento de cada uma das prestações, e em relação à indemnização por danos não patrimoniais desde a sentença da 1.ª instância". O Supremo Tribunal de Justiça sustentou assim, para o que agora releva, a sua decisão:

"2 - Da admissibilidade, ou não, da gravação da audiência [...] E não se diga, como a recorrente, que a interpretação jurisprudencial no sentido da inadmissibilidade da gravação da prova, no domínio do CPT/81, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais, podendo mesmo afectar a garantia constitucional da utilização de um processo equitativo.

Em relação ao primeiro dos princípios invocados, importa ter presente que a interpretação normativa acolhida trata de igual modo todas as partes que estejam na mesma situação: isto é, em processo laboral, ao qual seja aplicável o CPT/81, independentemente das partes, não é admissível a gravação da prova, ou ainda que se tenha procedido à mesma, tal constitui um acto inútil, não vinculando o tribunal superior a reapreciar a prova com base nessa gravação.

Daí que não se possa falar em tratamento discriminatório, ou até arbitrário, por parte do tribunal, sendo certo que a violação do princípio da igualdade não pode resultar 'da comparação entre os resultados de uma interpretação normativa tida por correcta pelo interessado, mas tão-só da comparação, relativamente a cada uma dessas interpretações, do tratamento dado às diversas categorias de destinatários, postergando diferenciações de tratamento não materialmente fundadas'.

De igual modo, não se pode ter por violado o princípio de acesso aos tribunais, ou de utilização de um processo equitativo, uma vez que de tais princípios não pode decorrer o direito das partes a recorrerem de toda e qualquer decisão judicial.

Ademais, o facto de, nas situações jurídicas em causa, não ser admissível a gravação da audiência não impede, como já se deixou implícito supra, que a decisão da matéria de facto possa vir a ser alterada (cf. os artigos 712.º, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, do CPC).

De resto, no domínio do diploma em causa (CPT/81), sempre que as partes têm a faculdade de requerer que a matéria de facto, que seja julgada por três juízes, ou seja, com intervenção do tribunal colectivo (cf. o artigo 63.º do CPT).

Improcede, por consequência, a alegada inconstitucionalidade, na interpretação que considera inadmissível a gravação da prova no domínio do CPT de 1981 [...]

3 - Da categoria profissional do autor/recorrido [...] Concluindo nós, como concluímos, que a ré retirou ilegitimamente ao autor as funções de redactor e repórter que ele vinha exercendo, daí decorre, como consequência, a reconstituição da situação que existiria caso esse acto ilegítimo não fosse praticado, ou seja, o autor colocado novamente nas funções de redactor e repórter, e, referente ao período em que foi retirado das funções, a reposição da situação como se tivesse exercido as mesmas funções.

Ao fim e ao cabo, trata-se de colocar o autor na mesma situação que existiria se não houvesse o acto ilegítimo da ré, em equiparação com os outros trabalhadores da ré que tinham isenção de horário de trabalho (cf. o artigo 562.º do CC).

Por isso, a comparação do autor, a fazer-se, deverá ser com aqueles outros trabalhadores que se encontravam em regime de isenção de horário de trabalho e não, como faz a recorrente, com a daqueles trabalhadores sem isenção de horário de trabalho em que o autor foi ilegitimamente colocado.

De outro modo, estaria a 'premiar-se' o comportamento ilegítimo de uma entidade patronal, que não sofreria as consequências dos seus actos.

O que se deixa afirmado vale por dizer, mutatis mutandis, em relação às restantes remunerações acessórias que a ré retirou ao autor, por virtude de o colocar na 'secção de agenda'."

4 - Novamente inconformada, veio a ora recorrente, "ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional", interpor recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das seguintes normas:

"a) A norma extraída da conjugação do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, com a do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação de que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código de Processo do Trabalho de 1981, por o regime do mesmo Código rejeitar tal gravação; esse conjunto normativo, na interpretação acolhida no douto acórdão recorrido, viola os princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais (artigos 13.º e 20.º, n.º 1, da Constituição), podendo ainda afectar a garantia constitucional de utilização de um processo equitativo;

b) O artigo 39.º, n.º 1, da lei de regime do contrato de trabalho (LCT de 1969), bem como os artigos 11.º, n.º 1, e 14.º da mesma lei, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, que postula que o recorrido tem direito aos valores que este receberia a título de isenção de horário de trabalho como se tivesse efectivamente assim desempenhado o trabalho, considerando que esses artigos, com a interpretação referida, violam o princípio constitucional de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;

c) O artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da mesma LCT, conjugado com o disposto nos artigos 39.º e 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, bem como o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei 409/71, normas repetidas na cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do contrato colectivo de trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa Diária e o Sindicato dos Jornalistas de 1993, na interpretação que postula que a entidade patronal não podia baixar, ao autor recorrido, a 'retribuição' paga a título de trabalho nocturno; tal interpretação viola não só o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º da Constituição como o princípio constitucional de 'a trabalho igual, salário igual' consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;

d) O artigo 21.º, n.º 1, conjugado com o disposto nos artigos 82.º, n.º 1, e 39.º, n.º 1, da LCT, lidos à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea b), do contrato colectivo de trabalho celebrado em 1993, com a interpretação dada pelo acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a ré diminuir a retribuição do autor no montante atribuído a subsídio de deslocação. Tal conjunto normativo, na interpretação acolhida, viola o princípio constitucional de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;

e) A norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, em conjugação com os artigos 39.º e 82.º, n.º 1, da mesma LCT, lida à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, no que toca ao subsídio de 'fecho de edição'. A norma em causa nessa referida interpretação viola o princípio constitucional de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;

f) O artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, conjugado com os artigos 39.º e 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, lido à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, com a interpretação de que a recorrente não podia baixar a 'retribuição ao autor', pagar a 'título de pagamento extra-recibo'; as normas em causa, na interpretação acolhida, violam não só o disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), da Constituição como o princípio constitucional de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;"

5 - Notificada para o efeito, a recorrente apresentou as respectivas alegações, que concluiu, para o que agora importa, da seguinte forma:

"XXII - A norma extraída da conjugação do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 com a do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação acolhida no douto acórdão recorrido de que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código de Processo do Trabalho, por o regime do mesmo Código rejeitar tal gravação, viola os princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais (artigos 13.º e 20.º, n.º 1, da Constituição), podendo ainda afectar a garantia constitucional de utilização de um processo equitativo e, implicitamente, o princípio da prevalência da interpretação das leis segundo a Constituição, o princípio da proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica [...]

XXXI - Consequentemente, o artigo 39.º, n.º 1, da lei de regime do contrato de trabalho (LCT de 1969), bem como artigos 11.º, n.º 1, e 14.º do Decreto-Lei 409/71 - lei de duração do trabalho (LDT) -, implementado pelo artigo 24.º do contrato colectivo de trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa Diária e o Sindicato dos Jornalistas de 1993 (CCT), na interpretação acolhida no acórdão recorrido, que postula que o autor tem direito aos valores que este receberia a título de isenção de horário de trabalho, como se tivesse efectivamente assim desempenhado o trabalho, não estando efectivamente sujeito àquele regime e beneficiando de um horário normal de trabalho, viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição [...]

XXXVII - O artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da mesma LCT, conjugado com o disposto nos artigos 39.º e 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, bem como o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei 409/71 (LDT), normas repetidas na cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do CCT, na interpretação do douto acórdão recorrido, que postula que a entidade patronal não podia baixar ao autor recorrido a 'retribuição' paga a título de trabalho nocturno, viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição [...]

XL - O artigo 21.º, n.º 1, conjugado com os artigos 82.º, n.º 1, e 39.º, n.º 1, da LCT, lido à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea b), do contrato colectivo de trabalho celebrado em 1993, com a interpretação dada pelo acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a ré 'diminuir a retribuição' do autor no montante atribuído a subsídio de deslocação, viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição [...]

XLV - A norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, em conjugação com os artigos 39.º e 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, lida à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, no sentido da impossibilidade de a ré 'diminuir a retribuição' do autor no montante atribuído a subsídio de fecho de edição, viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição [...]

XLIX - O artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, conjugado com os artigos 39.º e 82.º, n.º 1, do mesmo diploma, lido à luz da cláusula 36.ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, com a interpretação dada pelo douto acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a ré 'diminuir a retribuição' do autor no montante pago a 'título de pagamento extra-recibo', viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

L - Como consequência necessária e implícita das inconstitucionalidades atrás enunciadas, o artigo 70.º, n.º 1, do CCT de 1982, conjugado com o artigo 63.º, n.º 2, do CCT de 1993, na interpretação dada pelo douto acórdão recorrido no sentido de que o autor tem direito às retribuições com base nos valores pagos antes de entrar em baixa prolongada (1 de Outubro de 1993), é inconstitucional por violação do princípio constitucional da igualdade e, em particular, do princípio de 'a trabalho igual, salário igual', consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição."

6 - O recorrido apresentou igualmente alegações, pugnando pela improcedência do recurso no que respeita às questões a que se referem as alíneas b) a f) do requerimento de interposição de recurso, mas reconhecendo razão à recorrente quanto à que consta da alínea a) do mesmo.

7 - Admitindo a hipótese de não poder conhecer de parte do recurso, a relatora inicial do presente processo fez notificar o seguinte despacho:

"2 - O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' [alínea b) citada], e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.os 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 11 de Janeiro de 1995, de 31 de Janeiro de 1995 e de 16 de Maio de 1996).

É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cf., nomeadamente, os Acórdãos n.os 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 1 de Agosto de 1994, de 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido 'suscitada durante o processo' [citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º], como se disse, o que significa que há-de ter sido colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (n.º 2 do artigo 72.º da Lei 28/82).

3 - Ora, é plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do recurso interposto relativamente às questões colocadas nas alíneas b) a f) do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, atrás transcrito, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, porque da leitura dessas alíneas resulta que a recorrente está a questionar a constitucionalidade do resultado da aplicação dos preceitos que indica, ou seja, a constitucionalidade da decisão que os aplicou, e não das próprias normas aplicadas;

Em segundo lugar, porque, ainda que assim não fosse, a verdade é que a descrição feita nas referidas alíneas não traduz o sentido com que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou os referidos preceitos, o que sempre impediria o conhecimento do recurso.

Com efeito, quando a recorrente se refere ao reconhecimento de que o autor da acção tinha direito a determinados valores 'a título de isenção de horário de trabalho' - alínea b) - ou à conclusão de que não poderiam ser-lhe retiradas as retribuições pagas a título de trabalho nocturno - alínea c) -, subsídio de deslocação - alínea d) -, subsídio de 'fecho de edição' - alínea e) - ou de 'pagamento extra-recibo' - alínea f) -, está a omitir que o Supremo Tribunal de Justiça justificou tais decisões por ter considerado que "a ré/recorrente t[inha] colocado ilegitimamente o autor a desempenhar as funções na 'secção de agenda', assim não respeitando o seu 'direito ao lugar' ", nos termos constantes do acórdão recorrido.

Não pode, pois, dizer-se que o acórdão recorrido tenha simplesmente decidido que a ora recorrente estava impossibilitada de diminuir a retribuição do ora recorrido nos montantes em causa, não obstante ele não prestar o trabalho correspondente; o que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou foi, antes, a impossibilidade de retirar tais quantias na sequência de um acto ilícito da recorrente.

Note-se, aliás, que a recorrente não incluiu no objecto do recurso de constitucionalidade as normas com base nas quais o acórdão recorrido concluiu que o trabalhador tinha sido 'colocado ilegitimamente a desempenhar' funções diversas das que deviam considerar-se compreendidas no seu contrato de trabalho.

4 - Relativamente às alíneas c) a f) do requerimento de interposição de recurso, acresce que a recorrente inclui nos 'conjuntos normativos' cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, para cujo conhecimento o Tribunal Constitucional não é competente, pelas razões constantes do seu Acórdão 172/93 (Diário da República, 2.ª série, de 18 de Junho de 1993) ou, mais recentemente, nos Acórdãos n.os 637/98 e 284/99 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

5 - Finalmente, a recorrente aponta, nas conclusões das suas alegações, o '24.º do contrato colectivo de trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa Diária e o Sindicato dos Jornalistas de 1993 (CCT)' (cf. a conclusão XXXI) e 'o artigo 70.º, n.º 1, do CCT de 1982, conjugado com o artigo 63.º, n.º 2, do CCT de 1993' (cf. a conclusão L).

Ora, conforme vem sendo afirmado por este Tribunal, o requerimento de interposição de recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas (cf. o artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 69.º da Lei 28/82, conjugado com o n.º 1 do artigo 75.º-A desta última), sem prejuízo de esse objecto, assim delimitado, vir a ser restringido nas conclusões das alegações (cf. o citado artigo 684.º, n.º 3). O que a recorrente não pode fazer é, nas alegações, ampliar o objecto do recurso antes definido (neste sentido, cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 366/96 e 589/99 (Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 10 de Maio de 1996 e de 20 de Março de 2000).

Assim, ainda que não ocorresse o obstáculo referido no número anterior, sempre não poderia conhecer-se do recurso nesta parte.

6 - Assim, notifiquem-se as partes, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil, para se pronunciarem, querendo, sobre os obstáculos ao conhecimento de parte do objecto do recurso que foram apontados."

8 - A recorrente veio então tomar posição sobre os obstáculos ao conhecimento de parte do objecto do recurso nele apontados. Em síntese, esclareceu não se ter nunca conformado com a decisão de ter sido ilícita a colocação do autor, ora recorrido, no desempenho de funções diferentes daquelas que, como foi julgado, lhe deveriam ter sido atribuídas; e que só não tinha incluído tal questão no recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional por este não abranger a apreciação de inconstitucionalidades atribuídas às próprias decisões judiciais, como era o caso. E disse ainda manter a posição de que estão reunidas as condições necessárias para que o Tribunal Constitucional conheça da totalidade do objecto do recurso, mas reconhecer que a questão mais relevante é a que colocou na alínea a) do requerimento de interposição.

O recorrido não se pronunciou.

9 - Tendo havido mudança de relator, por vencimento, cumpre formular a decisão do Tribunal Constitucional.

II - Fundamentação. - 10 - Em primeiro lugar, há que considerar que, pelas razões constantes do despacho da relatora inicial supra-transcrito no n.º 7, não postas em causa pela resposta da recorrente, não se conhece do recurso relativamente às questões definidas nas alíneas b) a f) do requerimento de interposição do recurso. Fica assim o objecto limitado à questão referida às normas dos artigos 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 e 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei 329-A/95, aditado pelo Decreto-Lei 180/96, cujo teor é o seguinte:

"Artigo 63.º

Instrução, discussão e julgamento da causa pelo juiz singular

1 - A instrução, a discussão e o julgamento são feitos perante o juiz singular, e a este pertence, exclusivamente, o julgamento da matéria de facto, excepto quando as partes requeiram, no prazo estabelecido para oferecer a prova, a intervenção do tribunal colectivo.

Artigo 24.º

Registo das audiências

É imediatamente aplicável aos processos de natureza civil, pendentes em quaisquer tribunais na data da entrada em vigor do presente diploma, o disposto no Decreto-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro, no que respeita ao registo de audiências."

A recorrente entende que a "interpretação acolhida no douto acórdão recorrido de que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código de Processo do Trabalho, por o regime do mesmo Código rejeitar tal gravação, viola os princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais (artigos 13.º e 20.º, n.º 1, da Constituição), podendo ainda afectar a garantia constitucional de utilização de um processo equitativo e, implicitamente, o princípio da prevalência da interpretação da lei segundo a Constituição, o princípio da proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica" (itálico aditado). Ou seja, a recorrente questiona, unicamente, a constitucionalidade da inadmissibilidade da gravação da prova no domínio do Código de Processo do Trabalho de 1981. E, sendo assim delimitado o âmbito do recurso por quem tem a obrigação de o fazer, apenas a esta questão tem o Tribunal Constitucional de responder, não lhe sendo legítimo ampliar o objecto do pedido.

Aliás, de outro modo, construir um diverso objecto do recurso por referência às vicissitudes do presente processo não deixaria de suscitar a dúvida sobre se dele poderia conhecer-se. Na verdade, é discutível, desde logo, que uma questão cujo pressuposto seja exclusivamente a interpretação do direito ordinário quanto ao âmbito temporal de vigência do novo Código de Processo do Trabalho, nos termos dos artigos 24.º do Decreto-Lei 329-A/95 e 63.º do Código de Processo do Trabalho, possa ser considerada de constitucionalidade normativa. Mas, ainda que assim não fosse, se se questionasse uma determinada dimensão material relativa ao impedimento da gravação da prova apenas porque, tendo essa gravação sido admitida na 1.ª instância, houve uma alteração da posição do tribunal de recurso, o que ofenderia o princípio da confiança, então sempre seria de considerar que um tal modo de colocar a questão conduziria ao não conhecimento do objecto do recurso. É que, nesse caso, excluída do âmbito do recurso qualquer referência aos preceitos legais relativos a um eventual caso julgado, estaríamos, quando muito, perante uma violação da Constituição pela decisão judicial, o que, não sendo uma questão de constitucionalidade normativa, conduziria ao não conhecimento do objecto do recurso.

11 - Delimitado, porém, nos termos supra-referidos, o objecto do recurso, há que começar por excluir uma possível objecção ao seu conhecimento. Com efeito, a utilidade do julgamento deste recurso de constitucionalidade poderia, à partida, ser questionada, uma vez que, embora o Supremo Tribunal de Justiça tenha julgado irrelevante - por entender não ter cabimento a gravação da prova - o facto, mencionado no acórdão da Relação, de "a recorrente não [ter] proced[ido] a qualquer transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda", tal facto, a verificar-se uma decisão no sentido da inconstitucionalidade da interpretação contestada, poderia colocar a questão de saber se a improcedência do recurso nas instâncias não teria tido um fundamento alternativo - impossibilidade de gravação da prova e, em qualquer caso, falta de cumprimento de determinado ónus processual.

A questão da gravação da prova e da sua transcrição sofreu uma evolução legislativa na última década. Assim, a versão inicial do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, preceito aditado pelo Decreto-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro, impunha ao recorrente que pretendesse utilizar a gravação da prova para impugnar a decisão de facto perante a 2.ª instância que procedesse à transcrição das passagens que entendesse relevantes para o efeito. Este ónus foi mantido pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, mas eliminado pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, passando então o recorrente apenas a ter de assinalar, pela forma ali indicada, os depoimentos gravados que lhe interessem. Este último diploma entrou em vigor antes de ser proferida a sentença da 1.ª instância, e portanto antes de ser interposto o recurso para o Tribunal da Relação, contendo regras relativas à aplicação no tempo das alterações que introduziu.

Não cabendo, todavia, ao Tribunal Constitucional, interpretando tais regras, determinar o regime aplicável ao modo de utilização da gravação da prova para impugnação da decisão de facto (na eventualidade de vir a existir um juízo de inconstitucionalidade sobre a interpretação que considerava ser inadmissível a gravação da prova), a possibilidade de tal transcrição poder ser considerada desnecessária nas instâncias justifica que o Tribunal Constitucional conheça do objecto do recurso.

Vejamos, então.

12 - Como o Tribunal Constitucional já observou, em termos que aqui se reiteram, não viola por si só nenhum preceito constitucional - e nomeadamente o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição - um regime processual que não determine a gravação da prova realizada na audiência final. Nomeadamente, já fez essa apreciação confrontando as hipóteses de intervenção do tribunal colectivo para apreciar a prova com a alternativa da sua gravação, justamente do ponto de vista do recurso relativo à decisão de facto (cf., por exemplo, o Acórdão 233/2001, in Diário da República, 2.ª série, de 4 de Julho de 2001). E essa apreciação tanto vale em si mesma como quando confrontada com um regime que venha substituí-lo por outro que comporte aquela gravação, nomeadamente por uma alegada infracção do princípio da igualdade (cf., a este propósito, o Acórdão 86/2004, in Diário da República, 2.ª série, de 19 de Março de 2004) decorrente da comparação de regimes sucessivos.

O Tribunal Constitucional também já frisou em inúmeras ocasiões que, salvo em matéria penal (n.º 1 do artigo 32.º da Constituição), não resulta da Constituição a imposição de um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à decisão sobre a matéria de facto (cf., por exemplo, além do já citado Acórdão 233/2001, o Acórdão 415/2001, in Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2001, e a jurisprudência nele referida). Como se escreveu no Acórdão 261/2002 (Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 2002), sendo certo que, "impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais [...], terá de admitir-se que 'o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos' (cf., a este propósito, os Acórdãos n.os 31/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., p. 463, e 340/90, loc. cit., 17.º vol., p. 349). Como a lei fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões".

O reconhecimento da ampla liberdade de conformação da liberdade do legislador ordinário no que toca à definição das condições de admissibilidade de recurso sempre foi acompanhado, todavia, com a advertência de que isso "não significa que o legislador possa estabelecer arbitrariamente limitações ao direito ao recurso em determinados processos ou situações, impondo um regime de desfavor não legitimado por justificação objectiva plausível", como escreve Lopes do Rego, a propósito da jurisprudência constitucional nesta matéria ("O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil", sep., Coimbra, 2001, p. 765).

Não merece, assim, em princípio, censura constitucional, como aliás já decorre do que atrás se observou, uma norma que, ao não permitir o registo da prova produzida em audiência, indirectamente restrinja o âmbito do recurso em matéria de facto, tal como não viola a Constituição, igualmente em princípio, uma norma que venha pura e simplesmente vedar o recurso.

Assim sendo, configurado o recurso como o foi, nesta parte, delimitado pelo respectivo requerimento de interposição, há que considerar não violar qualquer princípio constitucional "a norma extraída da conjugação do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 com a do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação de que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código de Processo do Trabalho de 1981, por o regime do mesmo Código rejeitar tal gravação".

III - Decisão. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta de justiça.

Lisboa, 16 de Novembro de 2005. - Gil Galvão (relator) - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração de voto da Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, para que remeto) - Artur Maurício.

Declaração de voto

Na qualidade de primitiva relatora, pronunciei-me no sentido de ser concedido provimento ao recurso, na parte em que dele se conheceu, pelas seguintes razões:

1 - Entendi que a definição do objecto do recurso deveria ter em conta a interpretação que, em concreto, foi dada pelo tribunal recorrido às normas dos artigos 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 e 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei 329-A/95, aditado pelo Decreto-Lei 180/96.

Sucedeu, no caso presente, que a intervenção do tribunal colectivo tinha sido requerida pelo autor (a fl. 125) e deferida pelo tribunal de 1.ª instância, pelo despacho de fl. 127; verificando-se, todavia, que o mesmo autor prescindiu dessa intervenção (cf. o requerimento de fl. 147), foi o tribunal que determinou, oficiosamente, que se procedesse a gravação da audiência (cf. a acta de julgamento de 8 de Março de 2000, a fl. 148), gravação essa que veio a ser realizada.

O tribunal de 1.ª instância considerou, assim, que valia para o processo de trabalho o regime então definido pelo Decreto-Lei 329-A/95, sendo, portanto, admissível a gravação da audiência final e cabendo o julgamento da matéria de facto ao tribunal singular.

Quando o Tribunal da Relação de Lisboa veio afastar a utilização da gravação, é óbvio que era irreversível a não intervenção do colectivo para julgamento da matéria de facto - a não ser que o julgamento viesse a ser anulado, naturalmente.

Ao confirmar tal afastamento, o Supremo Tribunal de Justiça veio assim a considerar que a circunstância de já ter ocorrido o julgamento da matéria de facto e de já não ser possível requerer a intervenção do colectivo não impedia a recusa de utilização da gravação da audiência, porque dos preceitos em apreciação decorria que, no domínio do Código de Processo do Trabalho de 1981, era inadmissível a gravação da prova.

Nestes termos, a questão de constitucionalidade que está em causa neste recurso consiste em saber se viola ou não a Constituição interpretar as normas constantes do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 em conjunto com o n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95, apenas na medida em que impedem a utilização da gravação da audiência em 1.ª instância, oficiosamente determinada e realizada, simultaneamente excluindo a possibilidade de requerer a intervenção do tribunal colectivo.

2 - Justamente porque o objecto do recurso deveria ser definido desta forma, considerei que se tornava necessário recordar o significado que tem para as partes a decisão de determinar a gravação da audiência.

É indiscutível que o regime previsto no Código de Processo do Trabalho de 1981 não previa a gravação da prova produzida em audiência de julgamento. Diferentemente, estabelecia que as partes pudessem requerer, "no prazo estabelecido para oferecer a prova", que o julgamento da matéria de facto fosse feito por um tribunal colectivo, como se viu (n.º 1 do artigo 63.º, atrás transcrito). Esse prazo vinha previsto no artigo 60.º e estava ligado ao prazo para a apresentação de reclamação contra a especificação e o questionário, ou para a correspondente decisão.

Como se sabe, as questões da gravação da prova ou da intervenção do tribunal colectivo para apreciação da mesma andaram (e andam) sempre ligadas na legislação de processo civil.

Com efeito, e embora não se excluam, sempre foram apresentadas (nomeadamente por razões de exequibilidade prática e de limitação de meios) como compensação uma da outra. Assim, desde que a gravação da prova foi introduzida nas acções em que o julgamento de facto era ou podia ser feito por tribunal colectivo, que o legislador as colocou em alternativa: cf. o artigo 646.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, nas redacções que lhe foram sendo dadas pelo Decreto-Lei 39/95, 329-A/95 ou 183/2000, ou, sem agora tomar posição quanto a saber quando tal possibilidade foi introduzida no processo de trabalho, o artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho de 1999.

Ao determinar a gravação da audiência, o tribunal de 1.ª instância considerou, manifestamente, que valia para o processo de trabalho o regime então definido pelo Decreto-Lei 329-A/95, sendo, portanto, admissível tal gravação e cabendo o julgamento da matéria de facto ao tribunal singular.

Na sequência do processamento seguido - em particular, do julgamento de facto por tribunal singular e da gravação da prova produzida em audiência -, ao alegar no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, a fl. 427, a ré remeteu para os locais próprios da gravação para sustentar a impugnação da decisão sobre vários pontos da matéria de facto.

Contou, assim, naturalmente apoiado na decisão de determinar a gravação, que o tribunal de 2.ª instância podia rever a decisão de facto utilizando o registo da prova efectuada. Ora, sabe-se que a amplitude dos poderes do Tribunal da Relação ao apreciar e eventualmente alterar a decisão de facto da 1.ª instância é muito diferente consoante os depoimentos produzidos em audiência forem ou não gravados (a gravação é a forma de registo que agora releva). Para o verificar, basta confrontar as sucessivas redacções que foram sendo dadas ao artigo 712.º do Código de Processo Civil desde que entrou em vigor o citado Decreto-Lei 39/95 com a que tinha imediatamente antes desse momento.

Era, pois, legítimo que a recorrente, quando decidiu recorrer da sentença da 1.ª instância e quando definiu o objecto do recurso, contasse com a possibilidade de ampla revisão da decisão de facto pelo Tribunal da Relação.

3 - É indiscutível que o Tribunal Constitucional já julgou, por diversas vezes, que não viola por si só nenhum preceito constitucional e nomeadamente o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição - um regime processual que não determine a gravação da prova realizada na audiência final; e que o fez, também para avaliar da efectividade do recurso relativo à decisão de facto, comparando as hipóteses de intervenção do tribunal colectivo para apreciar a prova com a alternativa da sua gravação, nomeadamente considerando a sucessão de regimes diferentes (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 233/2001 e 86/2004, citados no acórdão).

Note-se, aliás, que quer o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa quer o acórdão recorrido referem que o Código de Processo do Trabalho de 1981 não previa a possibilidade de gravação da prova mas reconhecia às partes o direito de requerer que o julgamento de facto fosse feito com intervenção do tribunal colectivo.

4 - É igualmente indiscutível a existência de uma grande margem de liberdade de conformação do regime dos recursos, e a não exigência constitucional de um duplo grau de jurisdição, salvo em matéria penal, nos termos igualmente constantes do acórdão e da jurisprudência nele citada.

Aceita-se, portanto, que, em princípio, e considerada em si mesma, não viole a Constituição uma norma que restrinja o âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, ou que até o impeça.

Pode é suceder que, num caso concreto, tal norma venha a ser interpretada e aplicada de forma a lesar de forma inaceitável a confiança que as partes justificadamente depositaram na aplicação de um outro regime, à luz do qual conformaram a sua actuação processual, e, por essa via, a defesa dos seus interesses substanciais em jogo na acção.

5 - No fundo, foi essa a razão determinante do julgamento de inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), da norma que mandava aplicar às acções pendentes os novos valores que fixava para as alçadas, retirando a possibilidade de recurso em casos em que, tendo em conta a lei vigente à data da respectiva propositura, seria possível recorrer (Acórdão 287/90, in Diário da República, 2.ª série, de 20 de Fevereiro de 1991).

O Tribunal, considerando, nomeadamente, a tradição legislativa de ser relevante, para o efeito, o valor das alçadas que vigorava nesse momento da propositura da acção, entendeu então que era inaceitável, do ponto de vista constitucional, que o legislador procedesse a uma "afectação de expectativas com que se não possa razoavelmente contar - por ser extraordinariamente onerosa e excessiva" e "arbitrária - isto é [...] não [...] ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".

E considerou também constitucionalmente tutelada a posição da parte que confia na "estabilidade de uma decisão judicial não impugnada" cujo objecto tinha sido o de definir determinada regra de tramitação - no caso, fora deferida pela 1.ª instância a prorrogação do prazo para recorrer, vindo o tribunal de 2.ª instância a julgar intempestivo o recurso interposto dentro da prorrogação, que considerou ilegal (Acórdãos n.os 39/2004 e 44/2004, ambos publicados no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Fevereiro de 2004).

Com efeito, escreveu-se no citado Acórdão 44/2004 que "não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos [...], venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade processual do arguido".

É certo que se tratava, então, de um recurso interposto em processo de natureza penal; mas essa diferença apenas impede que se faça também apelo ao n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. Não obsta a que se considere valer para o caso presente a justificação que então conduziu a que, pela razão apontada, se tenha concluído pela violação dos "princípios da segurança jurídica e da confiança", consagrados no artigo 2.º da Constituição.

Para além disso, no Acórdão 559/98 (Diário da República, 2.ª série, de 12 de Novembro de 1998), também se julgou inconstitucional a norma (constante do artigo 27.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro) segundo a qual se aplicava às acções pendentes a eliminação da moratória forçada em caso de execução que incidisse sobre bens comuns do casal, mas por dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, decorrente da nova redacção do artigo 1696.º do Código Civil, quando aplicada num momento processual em que ao cônjuge do executado já não era processualmente possível requerer a separação de bens; note-se, aliás, que a mesma norma foi julgada não inconstitucional no Acórdão 508/99 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Março de 2000) justamente porque esse momento ainda não tinha sido ultrapassado.

Destes julgamentos se conclui que o Tribunal Constitucional julgou por diversas vezes ser constitucionalmente inadmissível a lesão de expectativas que as partes em processo pendente justificadamente depositaram na aplicação de um determinado regime que as beneficiava, por infracção do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

6 - Ora, entende-se que o mesmo julgamento se devia proferir no presente recurso. Com efeito, as normas que constituem o seu objecto foram aplicadas numa interpretação inadmissivelmente lesiva da expectativa que a recorrente, baseada em decisão - não impugnada - da 1.ª instância, adquiriu no sentido de que, se viesse a ficar vencida e a recorrer para a Relação, poderia ser amplamente revista a decisão sobre a matéria de facto, por ter sido registada a prova produzida em audiência.

Tal expectativa assentou, aliás, numa decisão judicial que optou por uma determinada interpretação do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95 no contexto de uma controvérsia sobre a sua aplicabilidade aos processos laborais regulados pelo Código de Processo do Trabalho de 1981. O acórdão recorrido dá conta dessa mesma controvérsia, deixando bem claro que a 1.ª instância escolheu uma das duas soluções então discutidas nos tribunais.

Era, pois, absolutamente justificada a confiança depositada nas implicações dessa escolha, ou seja, na possibilidade de a gravação da prova efectuada em 1.ª instância vir a ser usada em recurso.

Para além disso, repete-se, a decisão de determinar a gravação não só não foi impugnada (é, aliás, pelo menos discutível que a ora recorrente sequer pudesse pô-la em causa) como também implicou o afastamento da possibilidade de requerer a intervenção do tribunal colectivo para julgar a matéria de facto. A interpretação que veio a prevalecer das normas que constituem o objecto deste recurso de constitucionalidade lesou, assim, duplamente as legítimas expectativas da recorrente.

E, finalmente, não se vê que valor constitucionalmente superior ao interesse da recorrente poderá determinar a irrelevância da sua expectativa.

7 - Considero, finalmente, que as normas impugnadas, do mesmo passo e pelas mesmas razões que lesam o princípio da confiança, põem igualmente em causa a garantia do "processo equitativo" que desde a revisão constitucional de 1997 figura expressamente no artigo 20.º da Constituição, no seu n.º 4.

8 - Nestes termos, teria julgado inconstitucional, por violação conjugada dos princípios da confiança, inerente ao princípio do Estado de direito, e do direito a um processo equitativo, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma resultante da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 63.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 e do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, na medida em que impede a utilização da gravação da prova produzida em audiência, em 1.ª instância, oficiosamente determinada, simultaneamente excluindo a possibilidade de requerer a intervenção do tribunal colectivo para o julgamento da matéria de facto, assim concedendo provimento ao recurso. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1465212.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1971-09-27 - Decreto-Lei 409/71 - Ministério das Corporações e Previdência Social

    Estabelece o novo regime jurídico da duração do trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-02-15 - Decreto-Lei 39/95 - Ministério da Justiça

    Revê, em ordem a consagração da regra da gravação sonora, sem inviabilizar o recurso a meios audiovisuais ou a outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, varias matérias em sede dos Códigos de Processo Civil (aprovado pelo Decreto Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961), e das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto Lei 44329, de 8 de Maio de 1962). Dispõe, nomeadamente, quanto ao registo dos depoimentos, aos procedimentos cautelares, aos processos especiais e sumário, adiamento da (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-10 - Decreto-Lei 183/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, estabelecendo nalgumas situações a possibilidade da citação por via postal simples; prevê um novo regime legal de prestação de depoimento pelo surdo, mudo ou surdo mudo; desonera as secretarias judiciais das tarefas de liquidação, emissão de guias e contabilidade da taxa de justiça inicial e subsequente ao longo do Processo, e dispõe também quanto ao adiamento da audiência por falta de testumunha, de advogado, de peritos ou consultores técnicos. Altera ainda o Decreto-Lei (...)

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