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Acórdão 550/2013, de 1 de Outubro

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Sumário

Nega provimento ao recurso interposto do despacho que não admitiu a reclamação à decisão de admissão das listas apresentadas pelo Grupo de Cidadãos Eleitores «Isaltino Oeiras Mais à Frente» à Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Oeiras e confirma a decisão recorrida; nega provimento ao recurso interposto da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que considerou elegível o primeiro candidato da lista apresentada pelo Partido Social Democrata à Câmara Municipal de Oeiras, Francisco Maria Moita Flores, e confirma a decisão recorrida; nega provimento ao recurso interposto da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que considerou inelegível Isaltino Afonso de Morais, primeiro candidato da lista apresentada por aquele Grupo de Cidadãos Eleitores à Assembleia Municipal de Oeiras, e confirma a decisão recorrida

Texto do documento

Acórdão 550/2013

Processo 824/13

Plenário

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I - Relatório

Recurso interposto por Pedro Filipe Fidalgo Marques

Pedro Filipe Fidalgo Marques, na qualidade de primeiro candidato da lista apresentada pelo grupo de cidadãos denominado "MMS - Movimento Mudança Sustentável" à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, apresentou reclamação da decisão do 1.º Juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras que admitiu a candidatura das listas apresentadas pelo Grupo de Cidadãos Eleitores denominado "Isaltino Oeiras Mais à Frente" para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal de Oeiras.

Por decisão de 23 de agosto de 2013, a referida reclamação foi indeferida, nos seguintes termos:

«A fls. 463 Pedro Filipe Fidalgo Marques (primeiro candidato da lista apresentada pelo "MMS") reclama do despacho de admissão da candidatura das listas "IOMAF" para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal.

De acordo com o n.º 1 do artigo 29.º da Lei Orgânica 1/2001, das decisões relativas à apresentação de candidaturas podem reclamar os candidatos [...] à eleição para o órgão da autarquia.

Não sendo o reclamante candidato à Câmara Municipal ou Assembleia Municipal, não tem legitimidade para apresentar a reclamação.

Motivo por que não se admite a reclamação.

...»

Desta decisão recorreu Pedro Filipe Fidalgo Marques, na qualidade de primeiro candidato da lista apresentada pelo grupo de cidadãos denominado "MMS - Movimento Mudança Sustentável" à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

«1 - Em 23 de agosto de 2013, o recorrente entregou no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, reclamação eleitoral relativa às listas de proponentes do grupo de cidadãos Isaltino Oeiras Mais à Frente (IOMAF) alegando, em suma, que as mesmas não cumpriam os requisitos previstos no artigo 19.º, n.º 3 da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica 1 de 2001 de 14 de agosto porque os proponentes dessas listas não subscreveram qualquer declaração de propositura da qual resultasse inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante aquando das recolhas das assinaturas.

2 - Por douto despacho, proferido nesse mesmo dia 23 de agosto, o Tribunal "a quo" não admitiu a reclamação em virtude do então reclamante não ser candidato à Câmara Municipal ou Assembleia Municipal, nos termos do artigo 29.º, n.º 1 da LEOAL.

3 - Ainda assim, o estipulado no artigo 32.º dessa LEOAL confere legitimidade ao recorrente para recorrer da decisão que admitiu a lista IOMAF às eleições autárquicas de 2013, por ser candidato e primeiro proponente de um grupo de cidadãos eleitores concorrentes à eleição no círculo eleitoral de Oeiras de que a Câmara Municipal e a Assembleia municipal fazem parte.

4 - Os proponentes da lista IOMAF não subscreveram qualquer declaração de propositura da qual resultasse inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante, conforme se pode verificar nas fotos que se anexam a este recurso como doc. 1 a doc. 8.

5 - Nessas fotografias verifica-se que as folhas de recolha de assinaturas se encontraram a circular avulsas, sem qualquer referência à lista de candidatos, de mão em mão, pelos cidadãos que ali se abeiravam.

6 - No artigo 19.º, n.º 3 da LEOAL está inequivocamente expresso que os propoentes de uma qualquer lista devem ter conhecimento da lista de candidatos dela constante.

7 - Tal princípio está inclusive constitucionalmente consagrado no artigo 37.º, n.º 1 da Constituição (CRP).

8 - É jurisprudência deste Tribunal Constitucional que na declaração de subscrição de propositura de uma lista os proponentes têm de manifestar uma vontade inequívoca de apresentar a lista de candidatos nela constante conforme consta nos acórdãos 446/2009 e 447/2009, ambos proferidos em 14 de setembro de 2009.

9 - Conforme é expressamente referido nesses dois acórdãos, "... o art 19.º, n.º 3 da LEOAL pretende que inexista qualquer tipo de dúvida, no que concerne às declarações de apoio e, assim, ou nome dos candidatos consta do documento onde se encontra exarada a assinatura dos proponentes ou, então esse documento deve remeter, de forma clara e expressa para a referida lista."

10 - Por fim, o mandatário da lista IOMAF não tem domicílio em Oeiras nem escolheu domicílio na sede deste município estando a ser notificado em Algés, o que contraria o disposto no artigo 22.º, n.º 2 da LEOAL.

Termos em que deve este recurso ser considerado procedente, por provado, devendo este Tribunal Constitucional proferir acórdão que não admita a sufrágio às eleições autárquicas agendadas para o próximo dia 29 de setembro de 2013, a lista IOMAF concorrente à Câmara Municipal e Assembleia Municipal do concelho de Oeiras, por preterição das formalidades legais e constitucionais, nomeadamente os artigos 19.º, n.º 3 e 22.º, n.º 2 da LEOAL e 37.º, n.º 1 da CRP.»

Respondeu o Grupo de Cidadãos Eleitores denominado "Isaltino Oeiras Mais à Frente", pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Recurso interposto pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente", relativo à admissão da candidatura de Francisco Moita Flores

O Mandatário da candidatura apresentada pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" à Câmara Municipal de Oeiras apresentou no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras impugnação da candidatura de Francisco Maria Moita Flores, primeiro candidato da lista apresentada pelo Partido Social Democrata à referida Câmara Municipal.

Por decisão de 13 de agosto de 2013, o Juiz do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras julgou a referida impugnação improcedente e declarou elegível o candidato Francisco Maria Moita Flores.

O Mandatário do Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" reclamou desta decisão, reclamação que foi indeferida por despacho proferido em 19 de agosto de 2013.

Recorreu então o Mandatário do referido Grupo de Cidadãos Eleitores para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

«I) Ao ter renunciado ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Santarém em outubro de 2012, o cidadão Francisco Maria Moita Flores está legalmente impedido, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, de candidatar-se a qualquer câmara municipal (por isso, também à Câmara Municipal de Oeiras) nas eleições que se realizem no quadriénio subsequente à renúncia, concretamente nas próximas eleições autárquicas marcadas para 29 de setembro de 2013;

II) O n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005 não visa evitar a "fraude" que resultaria de o renunciante ao terceiro mandato invocar que não teria afinal cumprido três mandatos consecutivos, pois é absolutamente irrelevante que, no decurso do terceiro mandato (como também no decurso do segundo ou do primeiro), o cidadão tenha efetivamente exercido o mandato durante os respetivos quatro anos ou tenha suspendido o mandato antes do seu termo ou até o tenha perdido;

III) A tese de que o n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005 só tem por objetivo prevenir eventuais situações de fraude à lei, impedindo que um presidente de câmara ou um presidente de junta de freguesia, ao atingir o período de limitação legal dos mandatos, venha a contornar a regra que estabelece um obstáculo à sua candidatura no quadriénio seguinte, utilizando o expediente da renúncia ao mandato, foi acolhida no Acórdão 261/2006 do Tribunal Constitucional sem que este se apercebesse que o pressuposto de que partiu não tem qualquer acolhimento na lei;

IV) Com efeito, a renúncia nunca pode ser um "expediente fraudulento" à regra dos n.os 1 e 2 porque os n.os 1 e 2 não têm como pressuposto da inelegibilidade (o n.º 1)/proibição de assunção de funções (o n.º 2) a efetiva conclusão do terceiro mandato consecutivo;

V) Quando a Lei 46/2005 se refere a «três mandatos consecutivos» tal referência é independente da circunstância de o titular em causa ter efetivamente concluído esses três mandatos; relevante é apenas o facto de ter sido eleito em três ciclos eleitorais (mandatos) consecutivos para o cargo de presidente de câmara;

VI) O que o n.º 1 do artigo 1.º da Lei 46/2005 impede não é que possa ser reeleito presidente de câmara quem tenha exercido esse cargo durante 12 anos consecutivos; o que nele se proíbe é a eleição de alguém para o quarto mandato consecutivo no cargo de presidente de câmara, ou seja, de quem já foi eleito (só isso, eleito) para três mandatos consecutivos;

VII) É pois absolutamente irrelevante que, no decurso do terceiro mandato, ou também no decurso do segundo ou do primeiro, o cidadão tenha suspendido o mandato antes do seu termo ou até o tenha perdido (não o tendo concluído, pois);

VIII) A renúncia ao cargo no decurso do terceiro mandato é pois um facto que já não tem qualquer relevância para efeito da inelegibilidade prevista no n.º 1; essa inelegibilidade já resulta pois da terceira eleição para um terceiro mandato consecutivo como presidente de câmara;

IX) Quando no n.º 2 do artigo 1.º se refere «depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior», a lei não está a pressupor que o cidadão em causa tenha efetivamente exercido (concluído) um mandato de quatro anos;

X) O que o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 46/2005 estabelece é que, depois de o terceiro mandato consecutivo ter sido concluído (pelos próprios ou pelos seus legais substitutos), não podem os ex-titulares do cargo assumir aquelas funções ao abrigo do disposto nos mecanismos legais de substituição (cf. n.º 1 do artigo 79.º da Lei 169/99,) durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato permitido;

XI) Para a conclusão do mandato é irrelevante que o titular do cargo tenha deixado de o exercer antes da sua conclusão;

XII) É por isso que a renúncia ao cargo de presidente da câmara só pode (utilmente) acarretar a inelegibilidade do renunciante, nos termos do n.º 3, se se verificar no primeiro ou no segundo mandato, mas nunca no terceiro;

XIII) A proibição de candidatura imposta ao renunciante aplica-se, não apenas nas eleições imediatas, mas também nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia, pelo que, não obstante a inutilidade da distinção - a não ser que as eleições imediatas não ocorressem no quadriénio subsequente a renúncia... o que não se vê como poderia suceder - a fórmula legal visa impor a inelegibilidade em todas as eleições que ocorram no quadriénio subsequente à renúncia; não é pois a prevenção de uma alegada fraude ao n.º 1 que determina a existência do n.º 3;

XIV) Na exceção prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 46/2005, ao referir-se também (para além dos que «estiverem a cumprir» aos que «tiverem cumprido» um terceiro (ou número superior) mandato na data da entrada em vigor da lei, está a referir-se àqueles que foram titulares do cargo de presidente de câmara entre outubro e 31 de dezembro de 2005, isto é, no curto período de tempo que, pertencendo já ao mandato 2005-2009, decorreu ainda antes da entrada em vigor da Lei 46/2005;

XV) Significa isto que a circunstância de o titular em causa só ter exercido o mandato durante cerca de dois meses, não impede que já tenha contado também, obviamente, aquela eleição de 2005 para um mandato consecutivo, a que, por força da referida exceção, se poderia ainda somar a eleição para o mandato consecutivo de 2009-2013;

XVI) O que mostra, igualmente, que quando a Lei 46/2005 se refere a «três mandatos consecutivos» tal referência é independente da circunstância de o titular em causa ter efetivamente concluído esses três mandatos; relevante é apenas o facto de ter sido eleito em três ciclos eleitorais (mandatos) consecutivos para o cargo de presidente de câmara;

XVII) As normas dos n.os 1 e 2 não pressupõem, portanto, que o titular em causa tenha efetivamente exercido o terceiro mandato até ao seu termo ou sequer durante todo o tempo;

XVIII) Em suma e em conclusão: quando a renúncia ao cargo de presidente de câmara municipal ocorra no terceiro mandato consecutivo, a sanção da inelegibilidade prevista no n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005 é absolutamente inútil, pois a inelegibilidade já resulta do n.º 1 do mesmo artigo 1.º;

XIX) O âmbito do pressuposto estabelecido na norma do n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005 (os titulares dos «órgãos referidos nos números anteriores») coincide totalmente (por força da remissão nele operada) com o âmbito do pressuposto das normas dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo;

XX) Assim, se os n.os 1 e 2 forem interpretados no sentido de que a inelegibilidade (prevista no n.º 1) e a proibição de assunção de funções de presidente (prevista no n.º 2) para o quarto mandato consecutivo dizem respeito ao cargo de presidente de qualquer câmara, então a proibição de candidatura nas eleições subsequentes recai sobre o cidadão que tenha renunciado a ser titular do órgão presidente-de-câmara;

XXI) Em contrapartida, se os n.os 1 e 2 forem interpretados no sentido de que a inelegibilidade/proibição de assunção de funções só dizem respeito ao cargo de presidente de uma certa câmara, isto é, aquela câmara de que o renunciante foi presidente durante três mandatos consecutivos, então a proibição de candidatura nas eleições subsequentes só recai sobre o cidadão que tenha renunciado a ser titular do órgão presidente-dessa-câmara;

XXII) Se esta segunda alternativa for verdadeira, então a renúncia a que se refere o n.º 3 só pode suceder no terceiro mandato, pois essa câmara é aquela em que ocorre a circunstância ou vicissitude (o ter sido eleito para um terceiro mandato consecutivo) que determina a inelegibilidade/proibição do exercício de funções;

XXIII) Efetivamente, no decurso do primeiro ou do segundo mandato do presidente daquela câmara não se encontra ainda verificado o pressuposto previsto no n.º 3: não se trata de um órgão referido nos números anteriores, isto é, a câmara municipal em que o presidente foi eleito para o terceiro mandato consecutivo;

XXIV) Porém, a renúncia ocorrida no decurso do terceiro mandato consecutivo nunca tem a virtual idade de impor, por si só (isto é, autonomamente), a inelegibilidade nas eleições subsequentes;

XXV) Com efeito, se estamos no decurso do terceiro mandato consecutivo daquele cidadão como titular do órgão em causa, então é totalmente inútil que a renúncia lhe imponha a inelegibilidade prevista no n.º 3: a inelegibilidade para o quarto mandato consecutivo já resultava da circunstância ou vicissitude apontada (a eleição para um terceiro mandato consecutivo);

XXVI) Em suma: se a renúncia ocorrida no primeiro ou no segundo mandato não desencadeia o efeito previsto no n.º 3 porque o renunciante não é titular do «órgão referido no número anterior», então o disposto no n.º 3 só se aplica se a renúncia ocorrer no terceiro mandato, caso em que a inelegibilidade já decorre do próprio n.º 1, pelo que o n.º 3 é inútil;

XXVII) É por isso que, sob pena de ilogicidade, titular de um dos «órgãos referidos nos números anteriores», só pode ser, no caso do município, o cidadão titular do cargo de presidente de qualquer câmara municipal; isto é, que a inelegibilidade prevista no n.º 1 do artigo 1.º da Lei 46/2005 tem um âmbito funcional e não meramente territorial;

XXVIII) E se é assim, a renúncia ao cargo de presidente de câmara municipal só expõe, per se, o renunciante à sanção prevista no n.º 3, se essa renúncia ocorrer durante o primeiro ou o segundo mandato;

XXIX) A renúncia opera o efeito previsto no n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005 relativamente a qualquer câmara municipal, isto é, trata-se de uma inelegibilidade de âmbito funcional e não meramente territorial;

XXX) Sendo esta a norma jurídica que se extrai do n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005, esta norma não é inconstitucional pois não viola nem o n.º 3 do artigo 50.º, nem os n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição;

XXXI) A circunstância de se tratar de uma inelegibilidade que visa garantir a isenção e a independência do exercício do respetivo cargo, bem como o facto de se tratar de uma restrição temporária (pelo mínimo que seria possível, isto é o período correspondente a um mandato/ciclo eleitoral) e que não se estende a outros cargos políticos eletivos, limitou-se ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, declarar o cidadão Francisco Maria Moita Flores inelegível, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, para o cargo de presidente da Câmara Municipal de Oeiras nas eleições de 29 de setembro de 2013.»

Respondeu o Mandatário da lista apresentada pelo Partido Social Democrata à Câmara Municipal de Oeiras, pugnando pelo indeferimento do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

Recurso interposto pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente", relativo à não admissão da candidatura de Isaltino Afonso de Morais

Na sequência de impugnação deduzida pelo mandatário das candidaturas apresentadas pelo Partido Social Democrata, o Juiz do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, por decisão de 13 de agosto de 2013, julgou inelegível Isaltino Afonso de Morais, o primeiro candidato da lista apresentada pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" à Assembleia Municipal de Oeiras. O Mandatário do Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" reclamou desta decisão e, a qual foi indeferida por despacho proferido em 19 de agosto de 2013.

Recorreu então o Mandatário do referido Grupo de Cidadãos Eleitores para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

«A) A Decisão/sentença e respetiva manutenção pelo juiz "a quo" viola de forma flagrante as seguintes disposições legais:

Da CRP: os artigos 1.º,2.º, 18.º n.os 2 e 3, 27.º n.º 2, 29.º n.º 5, 30.º n.os 4 e 5, 32.º, 48.º, 49.º, 50.º n.os 1 e 3 e 165ºn.º 1 b);

Da LEOAL: os artigos 221.º n.º 5 e 6 e 117.º n.º 1 f);

Do Cod. Proc. Penal: artigo 449.º n.º 4;

Do CEPMPL: artigo 3.º

Da lei 34/87, de 16 de julho: artigo 13.º,

Pelo que deve ser revogada admitindo-se a candidatura do cidadão cabeça de lista do IOMAF à Assembleia Municipal de Oeiras nas próximas eleições autárquicas;

B) Tal como foi alegado na Reclamação oportunamente apresentada, as disposições invocadas na Decisão/Sentença não eram aplicáveis ao caso, o que representava - e representa - uma nulidade já que os fundamentos estavam em oposição com a decisão (cf. artigo 668.º do CPC): Porém, e com surpresa para quem reclamou, o Juiz em causa veio reconhecer que tais disposições não eram aplicáveis e que se tratava de um erro de escrita, tendo agora corrigido esse erro para o artigo 221.º n.º 5, "erro" esse repetido em pelo menos três vezes designadamente na fundamentação de direito e na parte decisória, o que evidentemente altera sobremaneira os fundamentos do Contraditório, pois afinal a decisão era baseada noutra norma que se tinha considerado não aplicável e consequentemente noutros pressupostos que agora são apresentados (cf. antepenúltimo parágrafo da penúltima página do despacho de indeferimento da Reclamação:

"Revista a construção jurídica antes descrita: ora se se considerar que o dito "erro" era causa de nulidade, e sendo certo que o poder de revisão estava esgotado (artigo 666.º n.º 1 do CPC) então a Decisão/sentença deve continuar a considerar-se nula.

C) O Recorrente invocou a aplicação da doutrina do muito bem fundamentado Acórdão desse douto Tribunal Constitucional (adiante designado por TC) N.º 473/2009, Processo 771/09, 2.ª Secção in www.dgsi.pt ou no site do próprio TC, relativo ao caso da decisão de inelegibilidade do Sr. Avelino Ferreira Torres, que se considera que se deve aplicar inteiramente ao caso, por maioria de razão, pois embora as situações não sejam idênticas mas o que se invocou foi a sua aplicação por maioria de razão já que o Dr. IM aqui em causa não foi condenado por nenhum crime de responsabilidade pelo exercício de cargo e não foi condenado na perda do mandato: ora se no caso do Sr. Avelino Ferreira Torres, condenado por crimes de responsabilidade no exercício do cargo e na perda de mandato o Tribunal considerou elegível esse candidato - e portanto não levantou questões relativas à posse do cargo e à indução em erro dos eleitores - então por maioria de razão deveria considerar elegível o Dr. IM.

D) O próprio juiz "a quo" reconhece (cf. pag. 9 da Decisão penúltimo parágrafo) que não ocorre "nenhuma inelegibilidade formal em consequência da lei ou pena acessória" razão pela qual entende criar uma nova inelegibilidade, que chamou "material" e que decorre do facto do candidato previsivelmente não poder comparecer à data da tomada de posse: Ora, desde logo resulta claro que se trata de uma nova sanção penal, incidindo sobre os direitos políticos de um cidadão inadmissível a todos os títulos e desde logo por incompetência para o efeito do juiz pois, sendo sanção penal, a inelegibilidade só pode ser decretada pelo próprio Tribunal Penal que profere a condenação, no âmbito do processo penal e com todas as garantias que lhe são próprias (cf. arts. 27.º-2 e 32.º da Constituição e artigo 499.º-4 Código de Processo Penal) - neste exato sentido, António Cândido de Oliveira, in "Crimes de Responsabilidade dos Eleitos Locais", p. 16.

E) O decretamento da inelegibilidade escapa à competência do Juiz a quem é cometido a "supervisão" do processo eleitoral autárquico, que pode (e deve), naturalmente, declarar inelegível um qualquer candidato que se encontre em condições de inelegibilidade ditada por um Tribunal Criminal, mas não pode, todavia, fazer as vezes do Tribunal penal e exercer a função que lhe é constitucionalmente confiada, a de aplicar sanções pela prática de crimes: Nem a sentença da 1.ª instância nem o Acórdão que condenou o Dr. IM determinaram a inelegibilidade do candidato, mas o Mm. Juiz "a quo" decidiu decretar, ex novo, uma inelegibilidade que a lei não prevê: Ao fazê-lo o Tribunal a quo, intervindo em processo eleitoral, extrapolou a sua esfera de competência, violando do mesmo passo a reserva de jurisdição material dos Tribunais Penais e o princípio do juiz natural, com dignidade constitucional, o que gera vício de nulidade absoluta, que deverá determinar a sua revogação.

F) Como se disse no processo crime em causa o candidato não foi objeto de condenação na sanção de inelegibilidade nem a estatuída no artigo 13.º da Lei 27/96 nem qualquer outra pelo que a sua penalização neste momento, no âmbito deste processo eleitoral, com a sanção de inelegibilidade traduz-se, em substância, numa dupla e sucessiva penalização criminal do candidato pelos factos que já foram objeto do processo crime, o que representa uma flagrante afronta ao princípio ne bis in idem que goza de tutela constitucional no artigo 29.º-5 da Constituição, motivo pelo qual a decisão recorrida deve igualmente ser revogada.

G) Mesmo no caso de condenação por um crime previsto na Lei 34/87, tal facto não pode ser fundamento de inelegibilidade mesmo que o tribunal a tenha decretado o que não só não é o caso como o candidato IM não foi condenado por nenhum desses crimes tal como tem sido o sentido uniforme do TC que tem elaborado abundante jurisprudência - em consonância com a doutrina - segundo a qual o sentido do artigo 30.º, n.º 4, da C.R.P., proíbe ao legislador ordinário a possibilidade de criar um sistema de punição complexa, no seio do qual a lei possa fazer corresponder automaticamente à condenação pela prática de determinado crime, e como seu efeito, a perda de direitos.

H) A este propósito, como se disse no Acórdão 239/08 (pub. em D.R. 1.ª série, de 15 - 5- 2008) "... Por estas razões a inelegibilidade prevista no artigo 13.º, da lei.º 27/96, de 1 de agosto, não pode ser encarada como um efeito necessário da condenação pela prática de um crime previsto na Lei 34/87, de 16 de julho"

Aplicando ao caso "sub judice" do Dr. IM nada do que aqui é referido é sequer minimamente mencionado: ainda que entendendo que o Juiz "a quo" não tem competência para tal e que nem sequer está em causa o mesmo tipo de crime (no exercício de funções), porque o Dr IM no foi condenado por tal, não há sequer um juízo que avalie os factos praticados, e faça a adequada e necessária ponderação da sujeição do Dr IM a tais medidas que só de manifesta condenação penal!

I) Respigando ainda outro acórdão do TC (N.º 224/90):

Este Tribunal tem-se, porém, pronunciado pela inconstitucionalidade, por violação do citado artigo 30.º, n.º 4, de normas quem impõem a perda daqueles direitos como efeito necessário da condenação por certas infrações. Assim:

No Acórdão 165/86, de 20 de abril (no Diário da República, 1.ª série, de 3 de junho de 1986»;

No Acórdão 255/87, de 26 de junho (no Diário da República, 2.ª série, de 10 de agosto de 1987),

No Acórdão 282/86, de 21 de outubro (no Diário da República, 1.ª série, de 11 de novembro de 1986),

No Acórdão 284/89, de 9 de março (no Diário da República, 2.ª série, de 12 de junho de 1989);

E que, conforme se acentuou neste último acórdão, «com tal preceito constitucional [o n.º 4 do artigo 30.º] pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos [..]».

J) Ainda por todos o Ac. n.º 274/90 desse TC clarifica que a perda de mandato só é admissível no caso dos crimes de responsabilidade pelo que "a contrario" nunca pode ser admissível em crimes de outra natureza:

"Ora, dessa interpretação conjugada parece resultar que esta última disposição constitucional, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos resultantes da condenação em crime de responsabilidade, se apresenta como norma especial relativamente à regra geral constante do artigo 30.º, n.º 4.

Na verdade, a perda do mandato apresenta-se como uma característica historicamente ligada, de forma indissolúvel, ao próprio conceito de crime de responsabilidade [neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., pp, 85 e 86: «Tendo em conta a densificação histórica do conceito, é possível defini-lo com recurso às seguintes características: [...] existe uma conexão entre esta responsabilidade criminal e a responsabilidade política, transformando-se a censura criminal necessariamente numa censura política (com a consequente demissão ou destituição como pena necessária)»].

Assim sendo, porque a perda do mandato é inerente à própria ideia de condenação em crime de responsabilidade, não repugna aceitar que ela se configure, in casu, como efeito automático da condenação. Por isso, o artigo 120.º, n.º 3, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos da condenação em tal espécie de crimes não podia deixar de ter em vista a perda do mandato, tendo o acrescento efetuado em 1989 sido introduzido apenas com a intenção de dissipar quaisquer dúvidas que, porventura, existissem".

Daqui resulta claro que sempre o TC limitou a perda de direitos políticos a crimes de responsabilidade, o que no é o caso sub judice do Dr. IM;

K) Por último cita-se, porque consagra a proibição da perda dos direitos políticos como estruturante do Estado de Direito Democrático e da Constituição, o Ac. n.º 16/84 que é bem elucidativo:

"No fundo, n.º 4 do artigo 30.º da Constituição deriva, em linha reta, dos primordiais princípios definidores da atuação do Estado de Direito democrático que estruturam a nossa Lei Fundamental, ou sejam: os princípios do respeito pela dignidade humana (artigo 1.º); e os de respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2.º) - cf. Prof. Jorge Miranda, «O artigo 1.º e o artigo 2.º da Constituição», in Estudos Sobre a Constituição, vol. 2.º, pp. 9 e segs.

Daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade - vid. José de Sousa e Brito, «A lei Penal na Constituição», in Estudos Sobre a Constituição, vol. 2, p. 199.

Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios, fulgurando o condenado como um proscrito, o que constituiria um flagrante atentado contra o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana".

L) No caso "sub judice" o juiz "a quo" ao criar uma nova pena por efeito da aplicação de pena anterior, está a criar um efeito necessário subsequente ou acrescido daquela pena que a lei no prevê, o que equivale a um efeito automático de pena anterior, ditada por outro tribunal, implicando a perda de direitos políticos pelo que viola a todos os títulos o disposto no artigo 30.º n.º 4 da CRP, e até o disposto no artigo 3.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) que impõe o respeito pelos princípios constitucionais, bem como os seus direitos e interesses jurídicos, máxime face ao disposto nos seus n.os 1 e 2.: Trata-se inclusive de uma nova moldura penal, que a ser aplicada e mantida pelo TC, abre um precedente muitíssimo inovador: o de tribunais incompetentes em matéria penal poderem acrescentar qualquer sanção acessória penal que entendam a condenações anteriores em processos já transitados em julgado: o que por muito genial que possa parecer, não é só proibido por lei, mas em si mesmo violador da CRP, para não falar de todos os princípios estruturantes de um Estado de Direito, democrático e da sociedade ocidental em que nos inserimos nos seus mais diversos ordenamentos jurídicos em vigor.

M) Daí que não colhe o argumento de que o artigo 30.º n.º 5 da CRP de que seria aplicável como "limitação inerente ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução" pois é óbvio que o sentido da condenação não foi a condenação do cidadão IM nos seus direitos políticos nem tal é uma limitação do sentido da sua condenação nem se trata de uma exigência da execução da pena: bem pelo contrário o respetivo Código (CEPMPL) proíbe mesmo tal limitação como atrás se disse.

N) A este propósito cabe aqui realçar o que foi dito no Acórdão desse douto TC, n.º 12/84, bem ao contrário do raciocínio do juiz "a quo": Os que não podem eleger não podem igualmente ser eleitos. Quem não pode o mais não pode o menos. A capacidade eleitoral passiva depende da capacidade eleitoral ativa. Só é elegível quem é eleitor. Este aparece a respeito quer da eleição do Presidente da República (artigo 125.º), quer da Assembleia da República (artigo 153.º), as mais importantes eleições políticas, no já a respeito das eleições regionais e locais (vide Jorge Miranda, «O Direito Eleitoral na Constituição», in Estudos sobre a Constituição, 2.º Vol. p. 473). E lógico, porém, que se lhe terá de aplicar. Com efeito, não faria sentido que, nas eleições para o poder local, pudesse ser eleito quem não pudesse eleger. Seria um absurdo, que a lei não poderia consentir (deve partir-se do princípio de que a lei não consagra absurdos).

O) E, tal como já foi referido, a própria lei estabelece no artigo 117.º n.º 1, alínea f) da LEOAL a possibilidade dos presos votarem desde que no estejam privados de direitos políticos: Claramente a lei pretendeu que os presos no sejam privados de direitos políticos expecto quando tal condenação for expressamente prevista na lei e na condenação expressa, o que não sucedeu nem é o caso: Daqui resulta claro que a Decisão do Juiz "a quo" representa uma flagrante violação do artigo 30.º n.º 4 da CRP, do CEPMPL e da própria LEOAL, pelo que deve ser revogada.

P) Além do referido acima verifica-se que a inelegibilidade afronta um direito político constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 50.º n.º 1, sendo que o artigo 50.º n.º 3 só admite as inelegibilidades expressas da lei, ao contrário da Decisão tomada: com efeito, a inelegibilidade temporária traduz-se na perda de um direito político, constitucionalmente qualificado como direito, liberdade e garantia (artigo 50.º, n.º 1, da C.R.P.) e, o facto de ela ser circunscrita ao ato eleitoral referente a um mandato completo, abrangendo qualquer órgão autárquico, não deixa de configurar uma perda de um direito, uma vez que a interdição à participação eleitoral passiva nesses atos é definitiva e irremediável.

Q) Atente-se que é matéria reservada da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias. E a reserva abrange quer um regime eventualmente mais restritivo do que o preexistente quer um regime eventualmente ampliativo; a reserva abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia, e não apenas as bases gerais dos regimes jurídicos. Gomes Canotilho escreve: Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos por lei. Articulando o artigo 18.º/2 com outros preceitos da Constituição (arts. 165.º/2, 167.º e 168.º), a exigência da forma de lei para a restrição de direitos, liberdades e garantias tem o seguinte alcance jurídico-constitucional: (1) exige-se a intervenção de um ato legislativo (e não de qualquer outro ato normativo com a forma de lei da AR para a limitação de direitos, liberdades e garantias (artigo 168.º/1-c); (2) a restrição pode, porém, ser efetivada por decreto-lei autorizado do Governo (artigo 168.º/1, 2, 3 e 4), devendo este decreto-lei estar em conformidade com a lei de autorização (cf. arts. 115.º/2 e 168.º/2); (3) existem outros direitos, liberdades e garantias que só podem ser restringidos por lei da AR (alude-se nesta hipótese a "reserva de lei do parlamento" incluindo-se aqui todos os direitos cuja regulamentação é de reserva absoluta de competência legislativa da AR (cf. artigo 167.º-a, d, f, l, e m)"

R) No caso em apreço ao estabelecer-se uma restrição ao direito eleitoral passivo, poderá dizer-se que se viola-se também o «direito de sufrágio», previsto no artigo 49.º da Constituição (na sua dimensão da capacidade eleitoral passiva), e o «direito de participação na vida pública», consagrado no artigo 48.º, bem como viola o princípio da confiança ínsito na ideia de "Estado de direito democrático" a que se refere o artigo 2.º da Constituição, uma vez que aplica uma sanção que não tem previsão legal, alterando as regras vigentes: ora, como se sabe, o regime próprio dos direitos, liberdades e garantias não proíbe de todo em todo a possibilidade de restrição, por via da lei do exercício dos direitos, liberdades e garantias e submete tais restrições a vários e severos requisitos. Além da verificação de certos pressupostos materiais, enunciados no n.º 2 do artigo 18.º, a validade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias depende ainda de três requisitos quanto ao caráter da própria lei: deve revestir caráter geral e abstrato (artigo 18.º, n.º 3, 1.ª parte); a lei não pode ter efeito retroativo (artigo 18.º, n.º 3, 2.ª parte); a lei deve ser uma lei da Assembleia da República ou, quando muito, um decreto-lei autorizado [artigo 165.º, n.º 1, alínea b)].

S) Daqui resulta claro que só a lei - geral e abstrata e pela AR ou com autorização legislativa - e não o tribunal poderia restringir o direito político essencial do cidadão IM se candidatar, pelo que o juiz "a quo" usurpou os poderes da AR e do Governo ao criar uma restrição a esse direito político, pelo que a Decisão deve ser revogada.

T) No caso em apreço não há lugar à aplicação do artigo 50.º n.º 3 da Constituição mas sim do no 1, já que não está em causa a liberdade de escolha dos eleitores nem a isenção e independência do exercício do cargo que a lei e só a lei determine: esses são os casos da lei 34/87 de 16 de julho que não se aplica ao caso de IM, como se viu, porém o juiz "a quo" entende que se impõe a consagração de uma inelegibilidade porque "é suscetível de induzir os cidadãos em erro na escolha do seu representante, afetando seriamente aquilo que a figura das inelegibilidades visa salvaguardar: a liberdade de escolha dos eleitores": este é o fundamento para a criação de uma gravíssima restrição a um direito fundamental estruturante do estado democrático de ser eleito: a mera possibilidade, não demonstrada, nem fundamentada, de limitar a liberdade de escolha dos eleitores? Mas alguém acha que os eleitores em Oeiras não conhecem o Dr. IM? Como é possível considerar que os eleitores não sabem escolher os seus representantes e no sabem quem é e o que sucedeu ao Dr. IM: A este propósito já se juntou o comprovativo de que em 12 segundos relativamente ao Dr. IM originaram-se 83200 resultados o que elucida, à saciedade, como os eleitores têm pleno conhecimento da situação e por isso estão plenamente cientes da opção a fazer no seu voto.

U) Aliás, o Dr. IM não está a exercer qualquer cargo e nem sequer pode influenciar o ato eleitoral, pelo que, tal como foi admitido no Acórdão.º 12/84: "Como já se acentuou, a inelegibilidade resultante do exercício de certas funções relativas a determinados cargos pertence àquela categoria de inelegibilidades que visam antes de mais preservar o eleitor da influência, que certos cidadãos poderão exercer sobre eles, pelo facto de deterem determinado estatuto profissional (vide Isaltino Morais, Ferreira de Almeida e Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada, p. 296)": esse o alcance das inelegibilidades - o exercício de certas funções que possam influenciar o eleitorado, estabelecendo a lei os casos expressos dessas inelegibilidades (curiosamente o próprio Dr. IM é citado no acórdão referido): Resulta do exposto que não existe qualquer perigo de indução em erro ou de influenciar o eleitorado que o juiz pretende supostamente prevenir mas sim de respeito pelo direito de se informar que não está em causa - antes está amplamente noticiado - violando para isso - nessa suposta prevenção, um direito constitucionalmente consagrado e fundamental do Estado de Direito: não pode ser!

V) Também não colhe a referência à "isenção e independência do exercício dos respetivos cargos" do mesmo artigo, porque o Dr. IM não exerce qualquer cargo e pretende apenas candidatar-se a membro da Assembleia Municipal - cargo não executivo e de mera representação: tal preceito reporta-se a condenações de crimes de responsabilidade no exercício de cargos conforme dispõe a lei no 34/87, e, no caso em apreço não há condenação nos termos da lei 34/87, e, mesmo nesse caso a inelegibilidade só pode ser decretada pelo período de tempo que abranja um mandato completo, o que não se verifica no caso em apreço pois como o próprio juiz refere a condenação foi por 2 anos e já se iniciou, pelo que nunca abrangeria os 4 anos do mandato, sendo que como se disse, as datas para o meio da pena 22.04.2014 - dois terços 21.08.2014, sendo claramente admissível que possa haver lugar à liberdade condicional a partir de seis meses (cf. artigo 61.º e seguintes do Código Penal) ou seja a partir de outubro de 2013: Daqui resulta que mesmo no caso de crimes de responsabilidade - que como se sabe no é o caso - a inelegibilidade só pode ser decretada se o período da pena abranger um mandato completo sendo manifesto que tal não é o caso pelo que nunca a inelegibilidade poderia ser decretada, mesmo no caso bem mais gravoso de condenação por crimes de responsabilidade no exercício de cargos, daí decorrendo que, também por maioria de razão a inelegibilidade não poderia ter sido decretada no caso sub Júdice.

W) O Juiz "a quo" acaba por defender a tese da inelegibilidade na argumentação da parte contrária: no artigo 221.º n.º 5, mas sem qualquer razão: o que o artigo 221.º n.º 5 proíbe é o exercício de funções autárquicas durante o período do respetivo cumprimento:

Basta ler este preceito para compreender, porque a lei é taxativa, que o sentido desta norma não é criar uma inelegibilidade definitiva e muito menos da capacidade eleitoral passiva, mas apenas uma incompatibilidade enquanto durar o impedimento, à semelhança das outras incompatibilidades dos números anteriores. E, o n.º 6 desse artigo reforça esta conclusão ao referir "enquanto a incompatibilidade durar" criando um sistema de substituições para prevenir o caso dessa incompatibilidade.

X) E que, incompatibilidade não é o mesmo de inelegibilidade: a esse propósito veja-se o comentário de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis (in LEOAL anotada e comentada, 2001) no comentário a este artigo: "A incompatibilidade, por definição, é uma impossibilidade - de exercício de dois mandatos diferentes. Ela não impede, contudo - como sucede com a inelegibilidade (v. artigos 6.º e 7.º) - a apresentação de candidatura e, portanto, a elegibilidade à atribuição do mandato. Apenas é impedido, repete-se, o exercício simultâneo de dois cargos ou funções públicas": daqui resulta claro que não colhe a tese de que é inelegível quem porventura tenha uma incompatibilidade no momento- que não se sabe qual é- de uma tomada de posse, bem pelo contrário o que a lei prevê claramente é que esse impedimento só existe enquanto durar a incompatibilidade, mas logo que tal incompatibilidade termine o candidato eleito toma posse do lugar e deixa de funcionar o regime de substituição.

Y) No caso sub judice, como se viu, o que é previsível é que o período do cumprimento da pena privativa da liberdade possa ser convolada em liberdade condicional ao fim de seis meses, isto é em outubro de 2013, sendo certo que o início do mandato (chamada posse pelo juiz que mais no é do que um termo em que o eleito aceita o início do mandato) só é determinado com os resultados definitivos das eleições o que pode suceder meses depois, muito provavelmente só em novembro, dando possibilidade do cidadão em causa assumir o seu mandato nessa altura, razão pela qual nem sequer colhem os juízos de probabilidade do juiz "a quo" nem colhe a interpretação distorcida e contra legem do juiz "a quo" do artigo 221.º n.º 5 da LEOAL, para pura e simplesmente restringir um direito fundamental, pelo que se impõe a revogação da respetiva decisão.

Z) Efetivamente, e para terminar, apela-se a V. Exas. para este aspeto decisivo que perpassa por toda a decisão recorrida: como é possível uma ponderação de valores inerente à aplicação da justiça, em que o juiz "a quo" com base em juízos de probabilidade e em interpretações que ele próprio considera discutíveis na resposta à Reclamação (cf. antepenúltimo parágrafo da penúltima página do despacho de indeferimento da Reclamação: "Revista a construção jurídica antes descrita, entende este Tribunal que a mesma poderá ser objeto de discordância quanto à solução jurídica adotada..."), ponha em causa um direito, liberdade e garantia estruturante da Constituição e do Estado de Direito Democrático?

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão

A Decisão/sentença do Juiz de Comarca no âmbito do processo eleitoral viola as disposições atrás citadas e interpreta de forma errada e distorcida a Constituição, bem como as diversas disposições legais invocadas pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça a elegibilidade do cidadão Dr. Isaltino de Morais, como é de Direito e assim se fazendo inteira Justiça!»

Respondeu o Mandatário eleitoral do Partido Social Democrata, sustentando que deverá ser mantida a decisão recorrida.

II - Fundamentação

1 - Do recurso interposto por Pedro Filipe Fidalgo Marques

Tem sido entendimento reiterado da jurisprudência do Tribunal Constitucional que a interposição de recurso das decisões relativas à apresentação de candidaturas pressupõe que tenha havido reclamação prévia, nos termos do artigo 29.º da LEOAL, reclamação essa que, tendo em vista a obtenção de decisão final sobre a questão, deve anteceder a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.

No que respeita à legitimidade para apresentação desta reclamação prévia, estabelece o referido artigo 29.º da LEOAL que "Das decisões relativas à apresentação de candidaturas podem reclamar os candidatos, os seus mandatários, os partidos políticos, as coligações ou os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores concorrentes à eleição para o órgão da autarquia, até quarenta e oito horas após a notificação da decisão, para o juiz que tenha proferido a decisão".

Do mesmo modo o artigo 32.º da LEOAL dispõe que «Têm legitimidade para interpor recurso os candidatos, os respetivos mandatários, os partidos políticos, as coligações e os primeiros proponentes dos grupos de cidadãos eleitores concorrentes à eleição no círculo eleitoral respetivo».

O Tribunal Constitucional tem afirmado que só tem legitimidade para recorrer das decisões do juiz da comarca relativas à apresentação de candidaturas à eleição de órgão autárquico, quem for concorrente à eleição do órgão em causa (cf. neste mesmo sentido os Acórdãos do TC n.os 267/85 e 271/85, a propósito de norma semelhante à do atual artigo 32.º da LEOAL).

Assim, neste último acórdão, entendeu o Tribunal Constitucional, a respeito do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei 701-B/76, que dispunha que «têm legitimidade para interpor o recurso os candidatos, os respetivos mandatários, os partidos políticos ou os primeiros proponentes do grupo de cidadãos eleitores concorrentes à eleição para o órgão da autarquia», o seguinte:

«Ainda que do teor literal do preceito em causa pudessem resultar dúvidas quanto à questão de saber se o facto de se ser concorrente à eleição constitui requisito de legitimidade para recorrer, relativamente aos candidatos, mandatário e partidos políticos, a verdade é que o sentido da norma não pode ser outro. É que quem não concorre a dada eleição não é parte no processo a ela atinente, nem nele pode ter, em princípio, qualquer interesse.

Assim sendo, só pode recorrer das decisões proferidas em processo respeitante à eleição de determinado órgão autárquico quem concorreu a essa eleição.»

Mais recentemente, e também sobre a legitimidade para a interposição do recurso previsto no artigo 32.º da LEOAL, o Tribunal Constitucional manteve esta orientação no acórdão 437/2005, onde se escreveu o seguinte: «[...] o artigo 32.º da LEOAL dispõe que têm legitimidade para interpor recurso os candidatos, os respetivos mandatários, os partidos políticos, as coligações e os primeiros proponentes dos grupos de cidadãos eleitores concorrentes à eleição no círculo eleitoral respetivo. E o artigo 10.º da mesma lei preceitua que o território da respetiva autarquia local constitui, para efeito da eleição dos respetivos órgãos autárquicos, um único círculo eleitoral. Deste modo, pelo menos para este efeito, o território de cada freguesia constitui um círculo eleitoral distinto do respetivo círculo municipal [...]».

Assim, transpondo a referida jurisprudência para a legitimidade para reclamar da decisão de aceitação de uma candidatura, é forçoso concluir que, não concorrendo o Grupo de Cidadãos Eleitores, denominado "MMS - Movimento Mudança Sustentável", às eleições para a Câmara Municipal de Oeiras e para a Assembleia Municipal de Oeiras, não tem o primeiro candidato da lista apresentada por esse Grupo de Cidadãos Eleitores à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, legitimidade para reclamar do despacho de admissão da candidatura das listas apresentadas pelo grupo de cidadãos denominado "Isaltino Oeiras Mais à Frente" àqueles órgãos autárquicos.

Consequentemente, deverá improceder o recurso interposto por Pedro Filipe Fidalgo Marques, na qualidade de primeiro candidato da lista apresentada pelo MMS - "Movimento Mudança Sustentável" à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, devendo manter-se a decisão recorrida.

2 - Do recurso interposto pelo mandatário do grupo de cidadãos eleitores denominado "Isaltino Oeiras Mais À Frente" da decisão que considerou elegível o primeiro candidato da lista apresentada pelo PSD à Câmara Municipal de Oeiras, Francisco Maria Moita Flores

Segundo o Recorrente, ao ter renunciado ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Santarém, em outubro de 2012, quando aí exercia o segundo mandato consecutivo, para o qual havia sido eleito nas eleições autárquicas de 11-10-2009, o cidadão Francisco Maria Moita Flores está legalmente impedido, nos termos do n.º 3, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 29 de agosto, de candidatar-se a qualquer câmara municipal (por isso, também à Câmara Municipal de Oeiras) nas eleições que se realizem no quadriénio subsequente à renúncia, concretamente nas próximas eleições autárquicas marcadas para 29 de setembro de 2013.

Fundamentando tal entendimento, sustenta o Recorrente que, contrariamente à tese acolhida no Acórdão 261/2006 do Tribunal Constitucional, o n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, não tem por objetivo prevenir eventuais situações de fraude à lei, impedindo que um presidente de câmara ou um presidente de junta de freguesia, ao atingir o período de limitação legal dos mandatos, venha a contornar a regra que estabelece um obstáculo à sua candidatura no quadriénio seguinte, utilizando o expediente da renúncia ao mandato, pois é absolutamente irrelevante que, no decurso do terceiro mandato (como também no decurso do segundo ou do primeiro), o cidadão tenha efetivamente exercido o mandato durante os respetivos quatro anos ou tenha suspendido o mandato antes do seu termo ou até o tenha perdido.

Ainda de acordo com o Recorrente, o âmbito do pressuposto estabelecido na norma do n.º 3, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 29 de agosto (os titulares dos «órgãos referidos nos números anteriores»), coincide totalmente (por força da remissão nele operada) com o âmbito do pressuposto das normas dos n.os 1 e 2, do mesmo artigo, pelo que, se os n.os 1 e 2 forem interpretados no sentido de que a inelegibilidade (prevista no n.º 1) e a proibição de assunção de funções de presidente (prevista no n.º 2) para o quarto mandato consecutivo dizem respeito ao cargo de presidente de qualquer câmara, então a proibição de candidatura nas eleições subsequentes recai sobre o cidadão que tenha renunciado a ser titular do órgão "presidente-de-câmara". Em contrapartida, continua o Recorrente, se os n.os 1 e 2 forem interpretados no sentido de que a inelegibilidade/proibição de assunção de funções só dizem respeito ao cargo de presidente de uma certa câmara, isto é, aquela câmara de que o renunciante foi presidente durante três mandatos consecutivos, então a proibição de candidatura nas eleições subsequentes só recai sobre o cidadão que tenha renunciado a ser titular do órgão "presidente-dessa-câmara".

Segundo o Recorrente, a renúncia opera o efeito previsto no n.º 3, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 29 de agosto, relativamente a qualquer câmara municipal, tratando-se de uma inelegibilidade de âmbito funcional e não meramente territorial.

Cumpre apreciar.

Como é sabido, a Lei 46/2005, de 29 de agosto, veio estabelecer limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, dispondo, no seu artigo 1.º o seguinte:

«Artigo 1.º

Limitação de mandatos dos órgãos executivos das autarquias locais

1 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.

2 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.

3 - No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.»

Como refere o Recorrente, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão 261/2006, já se pronunciou sobre questão em tudo idêntica à que está em causa nos presentes autos. Escreveu-se nesse acórdão:

«Subjacente à limitação de mandatos ou ao número de mandatos que a mesma pessoa pode exercer sucessivamente está - como se dizia na exposição de motivos da Proposta de Lei 4/X, que deu origem à Lei 46/2005 - "o objetivo de fomentar a renovação dos titulares dos órgãos, visando-se o reforço das garantias de independência dos mesmos, e prevenindo-se excessos induzidos pela perpetuação no poder".

Ora, sendo objetivo da Lei 46/2005 estabelecer limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, a norma do n.º 3 do artigo 1.º pretende prevenir eventuais situações de fraude à lei e nomeadamente impedir que um presidente de câmara ou um presidente de junta de freguesia, ao atingir o período de limitação legal dos mandatos, venha a contornar a regra que estabelece um obstáculo à sua candidatura no quadriénio seguinte, utilizando o expediente da renúncia ao mandato.

Deste modo se evita que a renúncia pudesse funcionar como mecanismo de evasão ao princípio da limitação dos mandatos.»

Ainda segundo o referido Acórdão, a "renúncia ao mandato anterior" não configura fundamento de inelegibilidade para os órgãos das autarquias locais, face ao disposto nos artigos 6.º e 7.º da LEOAL.

Tendo em consideração esta jurisprudência, e sendo certo que o candidato em causa renunciou no decurso do segundo mandato de presidente da Câmara Municipal de Santarém, não se verifica o pressuposto previsto no artigo 1.º, n.º 3, da Lei 46/2005, de 29 de agosto.

Por outro lado, mesmo que se entenda, a exemplo do Recorrente, que a renúncia de mandato, independentemente de acontecer no decurso do primeiro, do segundo ou do terceiro mandatos, acarreta a consequência prevista na aludida norma, isto é, impede o renunciante de candidatar-se nas eleições imediatas e nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia, tal entendimento só poderia valer para o caso concreto na hipótese de se entender que o âmbito da inelegibilidade prevista nos n.os 1 e 2, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 29 de agosto, se refere a toda e qualquer autarquia e não apenas àquela em que tenha sido exercido o mandato em causa.

Ora, em decisão recente o Tribunal Constitucional (cf. Acórdão 480/2013, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), entendeu que a limitação à renovação sucessiva de mandatos de titulares de órgãos executivos autárquicos prevista dos n.os 1 e 2, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 19 de agosto, deve ser interpretada no sentido «de que os presidentes de câmara municipal e os presidentes de junta de freguesia que tenham cumprido três mandatos sucessivos numa determinada autarquia não se poderão candidatar, no quadriénio seguinte, para exercerem tais funções nessa mesma autarquia, não estando, no entanto, impedidos de se candidatar a qualquer outra autarquia».

Deste modo, e uma vez que a interpretação dos n.os 1 e 2, do artigo 1.º, da Lei 46/2005, de 29 de agosto, delimitará o âmbito de aplicação do n.º 3 deste artigo, forçoso é concluir que esta última norma se aplica apenas nos casos em que o candidato que renunciou ao mandato pretenda candidatar-se à mesma autarquia em que tenha ocorrido a renúncia de mandato.

Não sendo esse o caso dos presentes autos, tal norma não tem aplicação, pelo que o recurso deverá improceder.

3 - Do recurso interposto pelo mandatário do Grupo de Cidadãos Eleitores denominado "Isaltino Oeiras Mais à Frente", da decisão que considerou inelegível o candidato Isaltino Afonso de Morais

3.1 - A decisão reclamada, confirmada pela decisão recorrida, julgou inelegível Isaltino Afonso de Morais - o primeiro candidato da lista apresentada pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" à Assembleia Municipal de Oeiras - com fundamento no disposto no artigo 221.º, n.º 5, da LEOAL. De acordo com a decisão recorrida, estando o referido candidato a cumprir pena de prisão efetiva e não se afigurando, de acordo com a certidão de liquidação da pena e respetivo despacho de homologação, que a liberdade venha a ser decretada até à data da eleição e data da respetiva tomada de posse, tal circunstância é suscetível de induzir os cidadãos em erro na escolha do seu representante, afetando seriamente aquilo que a figura das inelegibilidades visa salvaguardar: a liberdade de escolha dos eleitores.

Assim, ainda de acordo com a referida decisão, pese embora não ocorra nenhuma inelegibilidade formal em consequência da lei ou de pena acessória, em razão da existência de uma incompatibilidade absoluta, prevista no referido artigo 221.º, n.º 5, da LEOAL, não suscetível de afastamento pelo candidato até à data da previsível tomada de posse, ocorre uma verdadeira inelegibilidade material, presente, atual e futura.

A decisão reclamada, confirmada pela decisão recorrida, entendeu, assim, que "em razão da necessidade de execução da pena de prisão derivada da condição de recluso, a qual constituindo incompatibilidade absoluta, não sendo suscetível de ser afastada pelo candidato, se traduz numa verdadeira inelegibilidade material por afetar a liberdade de escolha dos eleitores", concluindo pela inelegibilidade do cidadão Isaltino Afonso de Morais.

3.2 - A conexão estabelecida na decisão recorrida entre o disposto no artigo 221.º, n.º 5, da LEOAL e o conceito de inelegibilidade, mormente os interesses ou valores que as inelegibilidades visam salvaguardar, com destaque para a liberdade de escolha dos eleitores, não é isenta de dúvidas. Com efeito, a simples leitura do citado preceito evidencia que o mesmo não é aplicável em sede de admissão de candidaturas - a fase do procedimento eleitoral a que respeita a decisão recorrida (cf. o artigo 16.º e ss. da LEOAL).

O citado artigo 221.º, sob a epígrafe "Incompatibilidades com o exercício do mandato", dispõe o seguinte nos seus n.os 5 e 6:

«5 - É igualmente incompatível com o exercício de funções autárquicas a condenação, por sentença transitada em julgado, em pena privativa de liberdade, durante o período do respetivo cumprimento.

6 - Quando for o caso e enquanto a incompatibilidade durar, o membro do órgão autárquico é substituído pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista.»

Resulta, deste modo, claro que a «incompatibilidade» aqui considerada respeita exclusivamente a autarcas em funções, ou dito de outro modo, que a pessoa condenada em pena privativa da liberdade já tenha iniciado as funções autárquicas e se encontre a exercê-las. O fim legal prosseguido é justamente o de fazer cessar tal exercício, pelo menos temporariamente, e determinar a substituição do membro do órgão autárquico "pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista".

Por outro lado, o fundamento das incompatibilidades em sentido próprio é a prevenção de conflitos de interesses. As mesmas consistem na proibição legal do exercício de certo cargo ou função por alguém que exerça simultaneamente um outro cargo ou que detenha um interesse ou esteja ligado a um interesse em conflito, atual ou potencial, com os interesses associados àquele cargo ou função e que a proibição visa tutelar (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. V (Atividade constitucional do Estado), 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 67). Por isso, ressalvados os casos de inelegibilidades especiais decorrentes de incompatibilidades de cargos (é o que acontece quando, à partida, quem seja titular de certo cargo fique impedido de disputar uma eleição), "as incompatibilidades proprio sensu não obstam à eleição, apenas obstam à acumulação de cargo: o eleito está validamente eleito, o que tem é de escolher aquele dos cargos [ou das funções] que pretende, de facto, exercer" (v. idem, ibidem).

E há, na verdade, diferenças entre o regime das situações de incompatibilidade enumeradas nos n.os 1,2 e 3 do artigo 221.º da LEOAL e o regime da «incompatibilidade» estatuída no n.º 5 do mesmo artigo. Nas primeiras, o cidadão em causa tem de optar por uma das funções em conflito, sendo tal opção definitiva em todos os casos, com exceção das funções autárquicas deliberativas - assembleia de freguesia ou assembleia municipal - em que apenas é exigida a suspensão (cf. o n.º 4 do mesmo artigo). Já na segunda situação inexiste qualquer necessidade de escolha; diferentemente, o legislador proíbe desde logo o exercício de funções e determina a substituição temporária de quem esteja a cumprir pena privativa de liberdade (cf. o n.º 6).

Esta solução - que é menos intrusiva do que a perda de mandato dos membros dos órgãos autárquicos fundada em faltas injustificadas e dispensa toda a discussão e tramitação conexa com tal sanção (cf. o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), da Lei 27/96, de 1 de agosto - regime jurídico da tutela administrativa) - limita-se a salvaguardar a capacidade funcional dos órgãos autárquicos: com o artigo 221.º, n.os 5 e 6, da LEOAL o legislador legitima a suplência - a substituição ope legis e com caráter transitório do titular originariamente designado pelo suplente - e afasta o regime sancionatório da perda de mandato. Porém, não é isso que está em causa no caso sub iudicio, uma vez que ainda nem sequer estão designados - e muito menos investidos - os titulares do órgão autárquico que poderia relevar.

3.3 - Num segundo ângulo de análise, o tribunal recorrido, enfatizando as circunstâncias de o cidadão Isaltino Afonso de Morais se encontrar a cumprir pena de prisão efetiva e de não se afigurar, de acordo com a certidão de liquidação da pena e respetivo despacho de homologação, que a liberdade venha a ser decretada até à data da eleição e data da respetiva tomada de posse, equaciona a situação daquele candidato em termos de inelegibilidade material. «Material», desde logo, porque não expressamente prevista nos artigos 6.º e 7.º da própria LEOAL; mas, também, por contraposição à inelegibilidade prevista no artigo 13.º da Lei 27/96, de 1 de agosto (a "condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei 34/87, de 16 de Julho, [-os crimes de responsabilidade de titular de cargo político em especial -] implica a sua inelegibilidade nos atos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico").

Estas inelegibilidades legalmente previstas configuram verdadeiras restrições ao direito de acesso a cargos públicos de natureza eletiva - um direito, liberdade e garantia de participação política - e, como tais, devem ser entendidas restritivamente e estão sujeitas ao regime específico do artigo 18.º da Constituição (cf. o artigo 50.º da Constituição e, entre vários, os Acórdãos deste Tribunal n.os 364/91, 25/92, 382/2001, 515/2001, 448/2005, 443/2009, 462/2009 e, por último, 480/2013, todos disponíveis, assim como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt/). Na área do exercício do poder local eletivo a axiologia da inelegibilidade assenta, particularmente, na isenção e independência de quem exerce cargos eletivos e, simultaneamente, na expressão livre do voto periodicamente exercido e, como tal, servindo para aferir o comportamento do eleito, sancionando-o se for caso disso (veja-se, neste sentido, os Acórdãos n.os 533/89 e 364/91, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

3.4 - Contudo, o mesmo direito de acesso não impede a existência de determinados requisitos estatutários para o exercício de determinados cargos (idade, habilitações académicas, etc.), desde que necessários e adequados à natureza do cargo, podendo tais requisitos estar previstos na própria Constituição, de modo expresso ou implícito, ou na lei, por efeito de remissão constitucional.

Mais: como todo e qualquer direito, liberdade e garantia, também o direito em análise não pode deixar de estar sujeito a operações de delimitação (negativa) do respetivo âmbito de proteção - na medida em que a proteção constitucional não abrange todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada um desses direitos -, sendo, ao invés, de admitir "uma interpretação das normas constitucionais que permita restringir à partida o âmbito de proteção da norma que prevê o direito fundamental, excluindo os conteúdos que possam considerar-se de plano constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando não estão expressamente ressalvados na definição textual do direito" (cf. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 20102, p. 267). O que, como sublinha Vieira de Andrade, tem consequências (v. ibidem, p. 267 e seguinte):

«Essa delimitação substancial justifica-se, desde logo, pela vantagem prática de evitar que venha a considerar-se como uma situação de conflito de direitos aquela em que o conflito é apenas aparente: não tem sentido fazer uma ponderação, que pressupõe a consideração de dois valores, quando estamos perante um comportamento que não pode, em caso algum, considerar-se constitucionalmente protegido, pois que, não existindo à partida um dos direitos, a solução só pode ser a da afirmação total do outro.»

Acresce que, como o mesmo Autor nota (v. ibidem, p. 273 e seguinte):

«Se é mais ou menos fácil saber qual o bem jurídico ou a esfera da realidade que o preceito visa abranger através de um direito fundamental, já é muitas vezes difícil determinar os contornos da respetiva proteção, sobretudo quando o seu exercício se faça por modos atípicos ou em circunstâncias especiais, que afetam, de uma maneira ou de outra, valores comunitários ou outros direitos constitucionalmente protegidos.

[...Nesses casos podemos não estar] propriamente perante uma situação de conflito entre o direito invocado e outros direitos ou valores, por vezes expressos através de deveres fundamentais: é o próprio preceito constitucional que não protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui do respetivo programa normativo a proteção [n]esse tipo de situações.

E a diferença é importante [...], já que, a entender-se que não há conflito, a solução do problema não tem que levar em linha de conta o direito invocado, porque ele não existe naquela situação.»

Por outro lado, estando em causa apenas a delimitação do âmbito de proteção normativa de um qualquer direito, liberdade e garantia, não é aplicável o disposto no artigo 18.º da Constituição. Com efeito,

«Os limites materiais, que definem o âmbito ou esfera normativa de cada um dos direitos fundamentais, decorrem da interpretação dos preceitos constitucionais que os preveem, sendo que estes, em regra, utilizam para o efeito conceitos indeterminados ou mesmo cláusulas gerais - a tarefa de delimitação do direito por interpretação desses conceitos cabe [...] a todos os aplicadores da constituição e, em última instância, aos juízes, delimitação que, aliás, em face do texto da norma, tanto pode saldar-se numa interpretação enunciativa, como numa "interpretação restritiva" (uma redução teleológica) ou mesmo numa "interpretação ampliativa" (uma extensão teleológica).» (cf. Vieira de Andrade, ob. cit., p. 272).

3.5 - Revertendo ao caso sub iudicio, justifica-se, pelo exposto, indagar se a situação de privação de liberdade em consequência do cumprimento de pena de prisão em que se encontra o cidadão Isaltino Afonso de Morais, o primeiro candidato da lista apresentada pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" à Assembleia Municipal de Oeiras, pode - ou deve - considerar-se, de per si, impeditiva de o mesmo se candidatar às eleições a realizar em 29 de setembro de 2013. Por outras palavras, se a mencionada situação constitui um facto impeditivo de o cidadão em causa se candidatar no âmbito daquele ato eletivo; ou, se a mesma situação apenas poderia relevar como facto impeditivo, desde que expressamente prevista na lei, em especial a LEOAL.

Para o efeito, importa cotejar o direito em causa - como referido, o direito de acesso a cargos públicos de natureza eletiva - com a situação dos indivíduos condenados em pena de prisão efetiva e que se encontrem a cumpri-la prevista no artigo 30.º, n.º 5, da Constituição.

Este preceito - que se segue a um outro (o n.º 4) que, relativamente à generalidade das penas criminais, proíbe como "efeito necessário" das mesmas "a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos" - respeita à situação especial dos condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade e estatui o seguinte:

«Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução.»

Há aqui, sem dúvida, uma garantia constitucional conformadora desde logo da relação presidiária: na medida que o princípio geral é o da manutenção de todos os direitos e com um âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos - o preso continua a ser um cidadão -, restrição de tais direitos deve estar prevista na lei (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. VI ao artigo 30.º, p. 505). Mas, ao mesmo tempo, todos os direitos de que o preso é titular são igualmente delimitados negativamente em razão da própria privação da liberdade. Isto é, o respetivo conteúdo não se sobrepõe nem tão pouco prevalece sobre a execução da pena de prisão, considerando incluído no âmbito de tal execução todas as consequências práticas que resultam do confinamento a um espaço fechado. Na medida em que a situação de privação de liberdade seja praticamente incompatível com o exercício de um direito, este último surge limitado, porque não se sobrepõe nem tem de ser conciliado com a situação de reclusão. O direito em causa sofre nessa mesma medida uma limitação, e não uma restrição. É este também o sentido que se retira da anotação de Gomes Canotilho e Vital Moreira: o princípio geral é o da manutenção dos direitos - a titularidade dos mesmos e a legitimidade para os exercer - por parte de quem esteja preso, salvo naturalmente as limitações "que, com observância dos princípios da necessidade e da adequação, são justificadas pela própria execução da pena (limites à liberdade de correspondência, de expressão, de reunião, de manifestação entre outras)" (cf. Autores cits, ibidem).

Por outro lado, a mencionada «compatibilidade prática» não pode ser entendida em termos exclusivamente naturalísticos ou de praticabilidade física ou material. Está em causa a possibilidade prática de exercício de direitos, pelo que tal «possibilidade» é necessariamente prática e jurídica. Ou seja, o que importa averiguar é se o exercício do direito considerado pelo recluso é possível em vista dos mesmos fins e com idêntico alcance - numa palavra, com o mesmo sentido - com que tal direito é exercido pelos cidadãos em geral. Deste modo, há que operar com um critério prático-jurídico na concretização da cláusula geral contida na parte final do artigo 30.º, n.º 5, da Constituição.

3.6 - O direito em causa no presente processo é o direito de sufrágio passivo» ou direito de ser eleito para cargos políticos. Como referido no Acórdão 480/2013, trata-se de um direito, liberdade e garantia de participação política estreitamente relacionado com o princípio democrático em que não está em causa apenas - nem fundamentalmente - uma mera expressão da individualidade privada face ao poder público, mas o específico modo de estruturação e conformação desse mesmo poder público, enquanto poder democrático. A democracia implica eleições como modo de designação dos titulares do poder, o que só é possível se houver pessoas que possam ser eleitas. Mas as próprias eleições assumem uma dimensão institucional e procedimental que não pode ficar - e não fica - obnubilada na apreciação do modo como as pessoas privadas de liberdade exercem os seus direitos de participação (cf., por exemplo, o modo de exercício do direito de voto por presos regulado no artigo 119.º da LEOAL).

3.7 - In casu discute-se concretamente a admissibilidade da candidatura de um cidadão que se encontra preso: será a candidatura do cidadão Isaltino Afonso de Morais, o primeiro candidato da lista apresentada por um Grupo de Cidadãos Eleitores à Assembleia Municipal de Oeiras, compatível (no sentido anteriormente apontado) com a situação de prisão efetiva em que o mesmo cidadão presentemente se encontra?

Este Tribunal entende que não.

Com efeito, a situação de reclusão, por tudo o que implica em termos de limitação de liberdade pessoal, em especial de comunicação e de deslocação, não se mostra praticamente compatível com a apresentação de candidatura a membro de uma assembleia municipal (referindo-se a uma incapacidade eleitoral passiva dos condenados a quem seja aplicada pena ou medida privativa da liberdade, v. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. VII (Estrutura constitucional da democracia), Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 138).

Importa, na verdade, considerar que o recluso está ab initio impedido de fazer campanha eleitoral em condições idênticas às dos demais candidatos e de aceder ao local de instalação do órgão de modo a ocupar o seu lugar e assumir funções como membro do mesmo. Por isso mesmo, a sua candidatura, a ser admissível, nunca poderia ter um sentido e alcance idêntico ao dos candidatos que não sofressem tais limitações.

3.8 - Saliente-se, antes de mais, que tais impedimentos se verificam no momento em que a candidatura tem de ser apreciada, não se encontrando nos autos minimamente indiciada a possibilidade de os mesmos serem removidos até à data de realização das eleições - 29 de setembro de 2013 - ou, mesmo, até ao momento em que deva ter lugar a instalação dos órgãos eleitos a que se refere o artigo 225.º da LEOAL.

Concebendo a campanha eleitoral, enquanto "conjunto de operações políticas e materiais a cargo das candidaturas, tendo por destinatários - e também como sujeitos ativos - os cidadãos eleitores", como o "momento por excelência da competitividade democrática" (assim, v. Jorge Miranda, Manual ..., T. VII cit., pp. 273 e 274), facilmente se vê como a impossibilidade jurídica de um dado candidato nela participar atenta não apenas contra a liberdade do próprio, mas também - e talvez principalmente - contra o direito ao esclarecimento por parte dos eleitores e contra a própria lógica e sentido do «jogo democrático». Quanto a este último aspeto, pense-se no que aconteceria na hipótese absurda de todos os cabeças de lista serem presos...De resto, o estatuto do candidato constante dos artigos 8.º e 9.º da LEOAL destina-se justamente a garantir a participação dos candidatos na campanha eleitoral. Admitir candidatos que à partida se sabe que estão impedidos de participar em tal campanha seria manifestamente contraditório.

Mais grave ainda: admitir candidatos que à partida se sabe que estão impedidos de comparecer ao ato de instalação do órgão a que se candidatam não pode deixar de pôr em causa a própria seriedade da candidatura e, consequentemente, também a transparência do processo eleitoral. Com efeito, tratar-se-ia, em tal hipótese de uma «candidatura de fantasia», sem viabilidade, suscetível de confundir os eleitores (sobre o princípio da seriedade das candidaturas, enquanto afloramento de uma ideia geral de boa fé, v. Jorge Miranda, Manual ..., T. VII cit., pp. 243 e 244).

Em suma, a candidatura a cargo eletivo encontra-se funcionalizada à participação na campanha eleitoral e à possibilidade de, uma vez eleito, ocupar o cargo. Uma candidatura que, à partida e por razões alheias à vontade do eventual candidato, não pode concorrer com as demais em pé de igualdade no quadro da campanha eleitoral nem conduzir no caso da obtenção dos sufrágios necessários à ocupação do cargo em disputa, surge necessariamente descaracterizada no confronto com as demais e, seguramente, não se encontra em pé de igualdade perante as mesmas nem perante os eleitores. Por isso, o sentido objetivo de tal candidatura também não pode considerar-se idêntico ao sentido das demais.

Uma vez que tal diferenciação, tratando-se da candidatura de um cidadão a cumprir pena privativa da liberdade, é uma consequência inelutável das limitações, sobretudo em termos de liberdade de expressão e de liberdade de deslocação, decorrentes da própria situação de reclusão num estabelecimento prisional, verifica-se que a impossibilidade de concorrer à eleição para cargos públicos releva como limitação inerente à execução da pena de prisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 5, da Constituição.

Face ao exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

III - Decisão

Pelo exposto decide-se:

a) Negar provimento ao recurso interposto por Pedro Filipe Fidalgo Marques, na qualidade de primeiro candidato da lista apresentada pelo Grupo de Cidadãos Eleitores, denominado "MMS - Movimento Mudança Sustentável" à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, do despacho que não admitiu a reclamação à decisão de admissão das listas apresentadas pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" à Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Oeiras e, em consequência, confirmar a decisão recorrida;

b) Negar provimento ao recurso interposto pelo Mandatário do Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que considerou elegível o primeiro candidato da lista apresentada pelo Partido Social Democrata à Câmara Municipal de Oeiras, Francisco Maria Moita Flores, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida;

c) Negar provimento ao recurso interposto pelo Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino Oeiras Mais à Frente" da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que considerou inelegível Isaltino Afonso de Morais, o primeiro candidato da lista apresentada por aquele Grupo de Cidadãos Eleitores à Assembleia Municipal de Oeiras, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Lisboa, 12 de setembro de 2013. - Pedro Machete - Maria João Antunes [votei a decisão constante da alínea b), pelas razões do Ac. n.º 261/2006; quanto à alínea a) votei no sentido do não conhecimento do recurso interposto por falta de legitimidade] - Maria de Fátima Mata-Mouros - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita [vencida, quanto à alínea c) da Decisão, nos termos da declaração de voto anexa]. - João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração que junto) - Joaquim de Sousa Ribeiro (ver declaração).

Declaração de voto

Divergi da decisão expressa na alínea c) da Decisão do presente acórdão, pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.

A questão que cumpre decidir no quadro da competência conferida a este Tribunal no âmbito do regime do contencioso eleitoral previsto na Lei 1/2001, de 14 de agosto (in casu, nos termos do previsto no artigos 31.º e seguintes daquela Lei) é a de saber se um cidadão, que se encontra a cumprir pena de prisão, pode ser tido como candidato elegível na fase de verificação de candidaturas e de apreciação da elegibilidade dos candidatos.

A cláusula geral ínsita no n.º 5 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa consagra, como regra, que «Os condenados a quem seja aplicada pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais [...]» ressalvando todavia «as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução».

Admite-se, por isso, que com fundamento em tal cláusula geral, o estatuto do cidadão condenado ao qual seja aplicada uma pena privativa de liberdade implique, por força da sua condição, limites ao exercício de certos direitos fundamentais cuja titularidade lhe é reconhecida, incluindo o direito de participação na vida pública e o direito de acesso a cargos públicos (direito de sufrágio passivo).

Existindo habilitação constitucional para o efeito (cf. artigo 50.º, n.º 3, da Constituição) verifica-se que o legislador, na Lei 1/2001, de 14 de agosto, não consagrou de modo expresso, nesta matéria, qualquer inelegibilidade relacionada com a cláusula geral constante do artigo 30.º, n.º 5, da Lei Fundamental - tendo todavia explicitado um limite nesta matéria em sede de «Incompatibilidades com o exercício do mandato» (cf. artigo 221.º, n.º 5 da Lei 1/2001, de 14 de agosto) considerado «incompatível com o exercício de funções autárquicas a condenação, por sentença transitada em julgado, em pena privativa de liberdade, durante o período do respectivo cumprimento» e ainda que o tenha feito, admite-se, para dar resposta à questão em fase subsequente à realização do acto eleitoral.

Tendo em conta a natureza do direito fundamental (individual) de participação política em causa - direito de sufrágio passivo - e, também, o seu significado no contexto institucional mais amplo do exercício da democracia representativa, entendemos que a explicitação do limite (e da medida do limite) ao exercício do direito em causa, tendo em conta os valores envolvidos, designadamente os previstos no artigo 50.º, n.º 3, da Constituição - ainda que por referência a uma fase inicial do procedimento eleitoral e, assim, anterior ao acto eleitoral -, sempre caberia ao legislador, e não ao intérprete pelo que, na circunstância de inexistir tal explicitação expressa, há que dar prevalência, nesta fase do procedimento eleitoral, ao direito de participação política em causa mesmo considerando que tal direito, por razões de impossibilidade objectiva, não possa ser exercido na sua plenitude face aos demais titulares de idêntico direito.

Pelo exposto - e sem prejuízo da aplicação, sendo caso disso em momento posterior, do disposto no artigo 221.º, n.º 5, da Lei 1/2001, de 14 de agosto - nos pronunciámos no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Lisboa, 12 de setembro de 2013.

Maria José Rangel de Mesquita

Declaração de voto

No terceiro recurso apreciado neste acórdão está em discussão se os reclusos em cumprimento de pena estão impedidos de se candidatar às eleições autárquicas.

O artigo 50.º da Constituição, reconhece no seu n.º 1, a todos os cidadãos, «o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos», acrescentando o n.º 3 que «no acesso a cargos eletivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos».

Este direito de acesso a cargos públicos de natureza eletiva pertence à categoria dos direitos, liberdades e garantias de participação política (estando, por isso, em termos sistemáticos, enquadrado no Título II (Direitos, liberdades e garantias), Capítulo II (Direitos, liberdades e garantias de participação política), constituindo uma "expressão do direito de participação da vida pública, maxime política" (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 675) e beneficiando do regime de proteção previsto no artigo 18.º da CRP.

O referido direito tem, sobretudo, uma dimensão negativa, proibindo discriminações constitucionalmente ilegítimas (por motivos ideológicos, raciais, sociais, políticos, etc.) - cf. artigo 13.º, n.º 2, da Constituição - tratando-se, assim, sobretudo de um direito de igualdade no acesso, não garantindo, como é evidente, de forma positiva, o efetivo acesso a cargos públicos (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 676).

Contudo, o direito de acesso a cargos públicos não impede a existência de determinados requisitos estatutários para o exercício de determinados cargos (idade, habilitações académicas, etc.), desde que necessários e adequados à natureza do cargo, podendo tais requisitos estar previstos na própria Constituição, de modo expresso ou implícito, ou na lei, por efeito de remissão constitucional.

No caso de se estar perante o direito de acesso a cargos públicos de natureza eletiva, como acontece no presente caso, as restrições ao mesmo traduzem-se em incapacidades eleitorais e em inelegibilidades (sendo que tais restrições só poderão ter lugar nos casos expressamente previstos na Constituição, conforme decorre do artigo 18.º, n.º 2).

O citado n.º 3, do artigo 50.º, da Constituição, aditado pela LC n.º 1/89, reconhece expressamente a possibilidade de a lei estabelecer inelegibilidades, mas impõe que as mesmas sejam «necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos». Neste mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. Constituição da República Portuguesa, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 678) referem que esta norma «vem expressamente reconhecer a possibilidade de a lei estabelecer inelegibilidades, mas impõe uma clara vinculação teleológica do legislador - garantia da liberdade de escolha dos eleitores e isenção e independência no exercício de cargos eletivos - além de realçar o princípio de proibição do excesso ("inelegibilidades necessárias"). A regra é a de que todo o eleitor pode ser eleito, pelo que as exceções têm de ser justificadas. Neste sentido, o princípio é o da elegibilidade, ou seja, (1) a capacidade de um cidadão se candidatar a um cargo eletivo, ser eleito e aceitar a eleição (elegibilidade em sentido restrito) e, além disso, (2) a possibilidade de manter e exercer o cargo (mandato) durante o período de tempo constitucional ou legalmente estabelecido (elegibilidade em sentido amplo). As restrições à elegibilidade tanto podem localizar-se em sede de incapacidade justificativa de ineligibilidade consequente (incapacidade eleitoral segundo a lei civil, privação de direitos políticos na sequência judicial condenatória) como em sede de ineligibilidade (idade, nacionalidade).»

Na área do exercício do poder local eletivo a axiologia da inelegibilidade assenta, particularmente, na isenção e independência de quem exerce cargos eletivos e, simultaneamente, na expressão livre do voto periodicamente exercido e, como tal, servindo para aferir o comportamento do eleito, sancionando-o se for caso disso (veja-se, neste sentido, os Acórdãos n.os 533/89 e 364/91, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Por outro lado, e conforme tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional, na apreciação das inelegibilidades é necessário ter em conta que estamos perante uma restrição ao direito fundamental de participação política e, consequentemente, uma compressão (ou limite negativo) da capacidade eleitoral passiva dos cidadãos visados, restrição essa que tem por fundamento ou justificação decisiva, basicamente, a preservação da independência do exercício dos cargos eletivos autárquicos e a garantia de que os respetivos titulares desempenham esses cargos com isenção, desinteresse e imparcialidade.

Assim, o artigo 5.º da LEOAL estabelece que são elegíveis para os órgãos das autarquias locais todos os cidadãos portugueses eleitores, consagrando, como regra geral, a elegibilidade, enquanto decorrência da universalidade da capacidade eleitoral passiva.

Nos artigos 6.º e 7.º da referida LEOAL preveem-se, por sua vez, as exceções à referida regra, estabelecendo-se inelegibilidades gerais (impostas para todas as autarquias e órgãos - artigo 6.º) e inelegibilidades especiais (limitadas aos órgãos dos círculos onde os visados exercem funções ou jurisdição).

O regime das inelegibilidades não se confunde com as "incompatibilidades com o exercício do mandato" previstas no artigo 221.º da LEOAL. Estas incompatibilidades, como resulta da epígrafe do artigo, pressupõem que tenha existido a eleição de um cidadão para um determinado órgão autárquico (o que implica necessariamente que tal cidadão tenha podido apresentar-se como candidato em eleições anteriores) e que, uma vez eleito, se verifique uma circunstância impeditiva do exercício do respetivo mandato.

Ou seja, estar-se-á perante uma incompatibilidade com o exercício do mandato, nos termos previstos neste artigo 221.º, quanto seja possível constatar a verificação simultânea de dois requisitos: que tenha havido eleição de um cidadão para determinado cargo e que se verifique, em relação a esse cidadão, após ter sido eleito, uma das situações enumeradas no mencionado artigo.

Uma dessas situações é a que se encontra prevista no n.º 5 deste artigo 221.º, no qual se dispõe que «É igualmente incompatível com o exercício de funções autárquicas a condenação, por sentença transitada em julgado, em pena privativa de liberdade, durante o período do respetivo cumprimento.»

Contudo, a apreciação do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 221.º da LEOAL e, concretamente, no seu n.º 5, não pode assentar num juízo de prognose efetuado no momento da admissão de candidaturas e reportado à previsível verificação dos aludidos requisitos no momento em que virá a ser exercido o cargo, designadamente, e no que para caso interessa, num juízo de prognose quanto à previsibilidade ou não de um cidadão que, no momento da apresentação da candidatura, se encontra em cumprimento de pena de prisão efetiva, ainda se encontre nessa situação no momento do exercício do cargo a que se candidata.

Desde logo, e embora tal juízo, no caso concreto, se tenha baseado num elemento objetivo (certidão da liquidação de pena e respetivo despacho de ponderação), não deixa de assentar na previsão de um facto futuro, cuja ocorrência é incerta (pense-se, em abstrato, por exemplo, na possibilidade de a pena de prisão efetiva não ter a duração prevista na liquidação em virtude de amnistia, perdão ou indulto - cf. artigos 127.º e 128.º do Código Penal -, ou por força de um recurso de revisão - cf. artigos 449.º e ss. do Código de Processo Penal).

A isto a acresce que se o legislador ordinário pretendesse que quem se encontrasse a cumprir pena privativa da liberdade no momento de apresentação da candidatura a determinado órgão autárquico, sendo previsível, de acordo com a liquidação de pena e respetivo despacho de homologação, que se mantivesse em tal situação no momento do exercício do cargo, estivesse impedido de se candidatar ao mesmo, deveria ter incluindo tal situação no elenco das inelegibilidades previstas nos artigos 6.º e 7.º da LEOAL, definindo clara e expressamente os pressupostos em que deveria assentar tal inelegibilidade.

Note-se ainda que, tendo a LEOAL, no artigo 6.º, consagrado dois tipos de inelegibilidades gerais, umas aplicáveis em razão da função que os cidadãos exercem (artigo 6.º, n.º 1) e outras em função de circunstâncias pessoais impostas a esses cidadãos (artigo 6.º, n.º 2), em termos sistemáticos, seria este o local adequado para consagrar esta "inelegibilidade" (sem prejuízo de se poder colocar a questão de saber se tal "inelegibilidade" decorrente do cumprimento da pena privativa da liberdade seria conforme com a Constituição).

Contudo, não tendo o legislador, de forma clara e expressa, optado por consagrar nos termos expostos a aludida situação no elenco das inelegibilidades previstas nos referidos artigos 6.º e 7.º da LEOA, não poderá o intérprete aplicar a norma do artigo 221.º, n.º 5, da LEOAL, destinada a regular os casos e incompatibilidade com o exercício do mandato (o que pressupõe, conforme se disse, que quem se encontre sujeito a essa norma tenha já sido eleito), fazendo daí decorrer uma inelegibilidade eleitoral (antecipando, para o momento da verificação dos requisitos da apresentação de candidaturas um juízo legalmente previsto para um momento posterior à eleição).

E o facto do n.º 5, do artigo 30.º, da Constituição, permitir que os direitos fundamentais dos condenados a quem sejam aplicadas penas ou medidas de segurança privativas da liberdade possam sofrer as limitações inerentes às exigências próprias da condenação, não permite concluir, sem uma intervenção do legislador ordinário, pela incapacidade eleitoral passiva dos reclusos.

Refere a doutrina que essas limitações só valem quando operadas por via legal, não podendo ser a administração a defini-las (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, na ob. cit., pág. 505, Damião da Cunha, em "Constituição Portuguesa Anotada", Tomo I, pág. 690, da 2.ª ed., da Coimbra Editora, e Anabela Miranda Rodrigues, em "Novo olhar sobre a questão penitenciária", pág. 92-93, da 2.ª ed., da Coimbra Editora).

Há, contudo, que neste campo das limitações inerentes às exigências próprias da condenação que estabelecer uma distinção. Entre essas limitações existem aquelas que resultam duma impossibilidade física de exercício de alguns direitos fundamentais em que não é necessária a intervenção do legislador ordinário, uma vez que elas já se encontram compreendidas nas restrições aos direitos fundamentais resultantes da necessidade de cumprimento de uma pena de prisão e aquelas que resultam de uma ponderação dos interesses ligados à execução da pena (v.g. manutenção da ordem e da segurança no estabelecimento prisional) em contraposição aos direitos fundamentais, a qual deve ser efetuada nos termos exigidos pelo disposto no artigo 18.º, da Constituição.

Ora se a limitação do direito de propaganda eleitoral é inerente à situação de reclusão, não necessitando por isso, duma consagração expressa do legislador, já a incapacidade eleitoral passiva do recluso não resulta de uma qualquer impossibilidade física inerente à situação de perda da liberdade, pelo que apenas pode resultar de uma opção legislativa parlamentar nesse sentido (artigos 18.º e 165.º, n.º 1, b), da Constituição), não podendo essa opção ficar à mercê da administração eleitoral como ocorreu no presente caso.

Este acórdão limita-se a enunciar uma série de razões que aconselhariam o legislador a optar pela inelegibilidade dos reclusos em cumprimento de pena, efectuando uma ponderação entre direitos conflituantes bem reveladora que não estamos perante uma mera limitação naturalmente inerente às exigências próprias da condenação, mas perante uma autêntica restrição de direitos.

Mas não tendo o legislador feito essa opção, respeitando as exigências do artigo 18.º, da Constituição, não pode o intérprete concluir pela sua aplicação.

Com efeito, conforme tem entendido o Tribunal Constitucional em jurisprudência reiterada, em matéria de inelegibilidades, ou seja, de situações que limitam o direito constitucionalmente reconhecido de participação na vida política «não é lícito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas que se configurariam como restrições de um direito político», sendo certo que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral tem acentuado que as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contêm enumerações taxativas e não meramente exemplificativas» (cf. Acórdão 735/93, e ainda, neste mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos n.os 515/2001 e 448/2005, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), ou, como se esclareceu no recente acórdão 400/2013, "trata-se de domínio de reserva de lei parlamentar, pelo que é exigível ao legislador uma particular clareza na expressão da sua vontade - a que deverá corresponder, por parte do intérprete, uma especial contenção na imputação de sentidos menos certos ou evidentes.".

Assim, a interpretação de normas respeitantes a inelegibilidades pressupõe que não se possa ampliar, por via interpretativa, o respetivo âmbito de aplicação, sendo, pelo contrário, de entender que, com respeito pelas regras interpretativas das normas jurídicas, se deverá optar pelo sentido interpretativo que conduza ao primado do exercício do direito constitucionalmente consagrado.

Não tendo o legislador determinado a perda da capacidade eleitoral passiva para aqueles que se encontram em cumprimento de pena de prisão não podem os órgãos de administração eleitoral concluir pela ilegibilidade dos reclusos, pelo que revogaria a decisão recorrida.

Por esta razão divergi da solução dada ao recurso interposto da decisão que não admitiu a candidatura de Isaltino Afonso Morais.

João Cura Mariano

Declaração

Não é fácil identificar, com precisão, o alcance próprio do disposto no n.º 3 do artigo 1.º da Lei 46/2006, de 29 de agosto, e a intenção legislativa que presidiu a essa estatuição.

A dúvida fundamental prende-se com a questão de saber se a designação dos sujeitos à limitação à renovação sucessiva de mandato como os "titulares dos órgãos referidos nos números anteriores" importa ou não uma remissão para a previsão estabelecida no n.º 1 do artigo 1.º (em sentido afirmativo, João Amaral e Almeida, "A interpretação da Lei 46/2005, de 29 de agosto: uma questão exclusivamente jurídica", Direito regional e local, n.º 21, 2013, 21 s., para quem «a extensão deste pressuposto da norma do n.º 3 do artigo 1.º coincide totalmente por força daquela remissão com a extensão do pressuposto da norma do n.º 1 do mesmo artigo» (pág. 28). A ver-se naquele inciso a descrita remissão, como aparentemente a letra da lei inculca, da previsão do n.º 3 fazem também parte as situações descritas nos números anteriores, referidas, não aos órgãos, mas aos titulares (ou, com mais rigor, aos que foram titulares, pois deixam de o ser a partir da renúncia) dos cargos de presidentes de câmara municipal ou de junta de freguesia. O que significa que, no que diz respeito à remissão para o n.º 1, só releva, nesta ótica, a renúncia de quem foi eleito "para três mandatos consecutivos", ou seja, a renúncia ao cargo de quem o está a exercer por um terceiro mandato consecutivo.

Foi esta a interpretação seguida no Acórdão 261/2006, no qual se pode ler que «[...] sendo objectivo da Lei 46/2005 estabelecer limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, a norma do n.º 3 do artigo 1.º pretende prevenir eventuais situações de fraude à lei e nomeadamente impedir que um presidente de câmara ou um presidente de junta de freguesia, ao atingir o período de limitação legal dos mandatos, venha a contornar a regra que estabelece um obstáculo à sua candidatura no quadriénio seguinte, utilizando o expediente da renuncia ao mandato».

Aplicando esta jurisprudência, o presente Acórdão conclui que não se verifica o pressuposto previsto no artigo 1.º, n.º 3, tendo em conta que o candidato em causa renunciou no decurso do segundo mandato de presidente da Câmara Municipal de Santarém.

Todavia, tal interpretação tem contra si o facto de acarretar a total inutilidade do n.º 3, em face do disposto no n.º 1: prevendo esta última norma a eleição para três mandatos consecutivos, uma terceira eleição basta, sem mais, para impedir a renovação sucessiva no quadriénio subsequente, independentemente de o terceiro mandato ser ou não levado até ao fim. Ou seja, o renunciante ao cargo, no terceiro mandato, já está impedido de se recandidatar por força do n.º 1, pelo que ao n.º 3 seria, nesta interpretação, sonegado qualquer alcance próprio, nem sequer de índole clarificadora, pois nenhuma dúvida razoável existe quanto ao referido alcance do n.º 1.

Ora, o critério do legislador razoável, a que o intérprete está obrigado (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) contém também o imperativo da preservação, na medida do possível, da utilidade das normas. E uma outra interpretação é possível, simultaneamente compaginável com a letra da lei (ou até, como veremos, mais conforme com a letra da lei) e respeitadora de alcance próprio atribuível ao n.º 3.

Nesta outra interpretação, "referidos nos números anteriores" é uma designação reportável apenas aos órgãos e não às situações predicadas, nos números anteriores, aos titulares, ou ex-titulares, dos cargos neles exercidos. Será uma forma elíptica (ou alternativa e não repetitiva) de denominar os órgãos autárquicos - câmara municipal ou junta de freguesia - em que os impedidos de renovação desempenharam os cargos de presidente. Só esta interpretação, que exclui da referência qualquer remissão para vicissitudes atinentes aos titulares e à sua situação de exercício do cargo, permite - há que acentuá-lo - inserir numa previsão legal de renúncia um segmento retirado do que se dispõe "nos números anteriores". De facto, o plural abarca o n.º 2 do artigo 1.º, norma em que se prevê a conclusão de três mandatos, situação obviamente incompatível com a hipótese de renúncia a que se refere o n.º 3.

Nesta linha interpretativa, é a situação da anterior renúncia ao cargo que impõe, só por si, a inelegibilidade, como limite adicional à renovação sucessiva de mandatos. Em qualquer dos três mandatos consecutivos legalmente possíveis, e não necessariamente no terceiro, uma renúncia ao cargo de presidente dos órgãos em causa opera como causa autónoma de inelegibilidade para um mandato sucessivo.

Sendo distinta a causa do impedimento, distinta também terá que ser a razão que o justifica. Esta pode ver-se na intenção de criar um desincentivo, uma contramotivação, a uma decisão de renúncia que não deve ser tomada de ânimo leve, atenta a perturbação que sempre gera no regular desenvolvimento da gestão autárquica.

Tudo ponderado, e pelas razões expostas, é para esta segunda interpretação que propendo, pelo que não acompanho a parte da fundamentação que se apoia na doutrina do Acórdão 261/2006.

Mas esta conclusão deixa de pé uma questão ulterior, respeitante à extensão do impedimento. Há que determinar ainda se o renunciante fica impedido de se candidatar a presidente de toda e qualquer câmara ou junta de freguesia, ou se o impedimento incide apenas sobre a renovação do concreto cargo anteriormente exercido, em certa e determinada câmara ou junta de freguesia.

Diga-se que também não acompanho o Acórdão quando tem como consequência forçosa da orientação que fez vencimento no Acórdão 480/2013 o entendimento de que o n.º 3 «se aplica apenas nos casos em que o candidato que renunciou ao mandato pretenda candidatar-se à mesma autarquia em que tenha ocorrido a renúncia de mandato». Reconheço, todavia, que é mais consentânea com a valoração efetuada no sobredito Acórdão - a que está subjacente uma ligação dos limites à renovação sucessiva de mandatos a certo território autárquico e a certa comunidade de eleitores - a posição que atribui ao n.º 3, no seu âmbito próprio, tal como aos restantes números do artigo 1.º, uma eficácia limitativa restrita à autarquia em que se verificou a ocorrência que determina a proibição.

Eis porque acompanho a decisão, também no que se refere ao candidato Moita Flores, não obstante divergir, nos pontos acima expostos, da fundamentação do Acórdão.

Joaquim Sousa Ribeiro

207260195

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1116007.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-09-29 - Decreto-Lei 701-B/76 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais, nomeadamente: capacidade eleitoral, organização do processo eleitoral, campanha eleitoral, eleição, ilícito eleitoral.

  • Tem documento Em vigor 1986-06-03 - Acórdão 165/86 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 37.º, n.º 1, do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril (a condenação de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente por crime de ultraje à bandeira nacional, deserção, falsidade, infidelidade no serviço, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança produz a demissão, qualquer que seja a pena imposta), por violação do artigo 30.º, n.º 4, da (...)

  • Tem documento Em vigor 1986-11-11 - Acórdão 282/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do corpo dos artigos 160.º do Código da Contribuição Industrial e 130.º do Código de Transacções, na parte em que determinam a suspensão dos direitos emergentes da inscrição dos técnicos de contas, por infracção do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, do § único dos artigos 160.º do Código da Contribuição Industrial e 130.º do Código do Imposto de Transacções, por ofensa do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição e dos artigos (...)

  • Tem documento Em vigor 1987-07-16 - Lei 34/87 - Assembleia da República

    Determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções que lhes são aplicáveis.

  • Tem documento Em vigor 1996-08-01 - Lei 27/96 - Assembleia da República

    ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DA TUTELA ADMINISTRATIVA A QUE FICAM SUJEITAS AS AUTARQUIAS LOCAIS E ENTIDADES EQUIPARADAS, BEM COMO O RESPECTIVO REGIME SANCIONATÓRIO. SAO CONSIDERADAS ENTIDADES EQUIPARADAS A AUTARQUIAS LOCAIS AS ÁREAS METROPOLITANAS, AS ASSEMBLEIAS DISTRITAIS E AS ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS DE DIREITO PÚBLICO E A TUTELA ADMINISTRATIVA CONSISTE NA VERIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS LEIS E REGULAMENTOS POR PARTE DOS ÓRGÃOS E DOS SERVIÇOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS E ENTIDADES EQUIPARADAS, QUE PODE ASSUMI (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2001-01-04 - Lei 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 2005-08-29 - Lei 46/2005 - Assembleia da República

    Estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-28 - Lei 46/2006 - Assembleia da República

    Proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde.

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