Carlos Alberto dos Santos Ferreira, arguido, requereu recurso extraordinário, nos termos do artigo 437 CPP, para fixação de jurisprudência, por entre os Acórdãos da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1993 (acórdão fundamento) e da Relação de Évora de 23 de Abril de 1996 (acórdão recorrido), ambos transitados, haver contradição sobre a questão da legitimidade do assistente, desacompanhado do MP, relativamente ao seu pedido concernente à espécie ou medida da pena.
Este Supremo, por acórdão interlocutório, julgou verificada a oposição. Apenas se pronunciaram o MP e o requerente, ambos no sentido de se negar legitimidade ao assistente, se desacompanhado do MP (se bem que este, por se reportar ao caso concreto, com formulação diferente), para recorrer quando esteja em causa apenas a medida ou espécie da pena.
Colhidos os vistos.
Decidindo:
1 - Mantêm-se os pressupostos relativos a este recurso, havendo efectivamente contradição sobre a mesma questão fundamental entre os acórdos, ambos transitados da Relação e proferidos no domínio da mesma legislação.
Não está em crise a legitimidade do assistente, desacompanhado do MP, no concernente à natureza condenatória ou absolutória da decisão de que recorre nem quanto à divergência sobre a qualificação jurídico-penal operada na mesma decisão.
Questiona-se aquela apenas quando o objecto do recurso for ou onde seja a discordância em relação à espécie ou à medida da pena aplicada.
A solução ali e aqui só terá de ser concordante se a unidade do sistema jurídico o impuser (CC - 9, 1). Caso contrário, e a tal não se opondo os princípios informadores do processo penal (CPP - 4), nada obsta a possam divergir, ainda que frontalmente.
2 - Os tribunais superiores têm adoptado, a este respeito, fundamentalmente, três posições:
Afirmando a legitimidade do assistente;
Negando-a; e Admitindo-a apenas se, in casu, houver um concreto e próprio interesse em agir.
3 - Se a solução dependesse da antinomia justiça pública-vindicta privada ou se, em última instância, o comportamento do assistente se puder, em concreto, reconduzir a essa antinomia, a resposta seria linear, por a nossa lei privilegiar, desde antanho, aquela.
Identicamente, para quem confunda interesse em agir com legitimidade ou nela o considere integrado (mas essa não é a posição da nossa lei - artigo 401-2 CPP) a resposta não sofre dificuldade - só em princípio, pois não só a própria noção de interesse em agir como a eficácia do caso julgado podem ainda assim evidenciar-lhes que aquele goza de uma certa autonomia face a esta.
A questão não se apresenta com essa linearidade.
Em vão, por outro lado, se procurará no direito comparado contributos para o problema (o próprio Fig. Dias indirectamente o reconhece - cf. RDES XIII/140).
Apenas à lei processual penal portuguesa haverá que atender e tendo sempre presente quer a unidade do sistema jurídico quer os princípios informadores daquela disciplina.
4 - No nosso processo penal, a titularidade (exclusiva) da acção penal pertence ao MP (CRP - 221, 1; CPP - 48; Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 1990, in Rev. MP, ano 11, n.º 41, p. 73), ocupando o assistente uma posição de colaborador, cuja actividade é subordinada à daquele (CPP - 69).
O actual CPP veio assinalar, de forma particularmente vincada, que a posição do assistente é, no campo processual penal, a de mero auxiliar do MP.
Todavia, não há que concluir (quod erat demonstrandum) que no exercício da acção penal quis o legislador constitucional incluir toda a problemática relativa à determinação da espécie ou da medida da pena. Uma tal demonstração resolveria imediatamente o problema da interpretação dos artigos 69-1 e 2 c) e 401-1 b) e 2, do CPP que teria de lhe estar subordinada, ou seja, não poderia contrariar a exclusividade cometida ao MP.
Um eventual reconhecimento da legitimidade do assistente no caso sub iudice nada retira (e nada acrescenta, diga-se), em princípio, ao facto de o exercício da acção penal ser «a função própria e mais importante» do MP. E o princípio da legalidade da acção penal não será sequer beliscado se for de perfilhar a tese que mitiga a negativa pela consideração, em concreto, do interesse em agir.
5 - «Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvo as excepções da lei.
Compete em especial aos assistentes:
[...] Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito» [CPP - 69, 1 e 2 c)].
«Têm legitimidade para recorrer:
[...] O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas.
Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.» [CPP - 401, 1 b) e 2.] O processo penal não pode ser entendido como um corpo fechado em que as suas decisões não importem reflexos noutros campos de direito que não os estritamente penais (reflexos a manifestarem-se no próprio processo em curso, mas em matéria não penal, ou em processo de outra natureza).
Por outro lado, e em relação ao problema que ora nos ocupa, não pode o intérprete desligar-se quer da natureza do crime quer da posição que o assistente tomou ao longo do processo, desde logo, se ou não acompanhou a acusação deduzida pelo MP.
6 - A medida da culpa é o limite máximo da medida da pena. Se o assistente tiver ficado vencido quanto à matéria da culpa (considerar a decisão, v. g., que concorreu culposamente para a produção do facto ou para o agravamento das suas consequências) e houver pedido cível deduzido, ao assistente interessa demonstrar que a culpa do arguido deve ser graduada em percentagem superior ou mesmo que é exclusiva ou, inclusive, que foi grosseira. E, a sê-lo, embora tal se vá reflectir no pedido de indemnização pelo dano causado pelo ilícito penal, não sofre dúvida que comporta uma carga «mais» em relação ao que vinha estabelecido, razão por que, nos termos do artigo 72-1 e 2 do CP, provocará um mais forte juízo de censurabilidade que se irá traduzir num agravamento da pena.
Mas o interesse na definição e graduação da culpa não se reduz apenas à responsabilidade civil (CC - 494, 497 e 570, entre outros), importando ainda a outros campos dos quais se destacam a atribuição do direito ao arrendamento e os direitos de família.
7 - O que ficou referido importa, quando o reflexo a ter seja em processo não penal, que se possa considerar indiscutível o decidido por força do caso julgado.
Sobre esta matéria, pronunciou-se recentemente este Supremo em dois Acórdãos (v. um de 27 de Abril de 1995, in B. 446/158; outro de 3 de Junho de 1997, no proc. 816/96, 1.ª Sec.), sendo deles as seguintes considerações:
O CPP87, contrariamente ao CPP29, não disciplina o caso julgado penal salvo no seu reflexo no pedido cível. No que não for contrariado pelo processo penal ter-se-á de se procurar a sua regulamentação no processo civil (a terem-se como revogadas as disposições respectivas do CPP29 pela norma do artigo 2-1, do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Dezembro, como pressupondo a revogação global desse CPP; se, porém, se atentar no artigo 4 do CPP87, muito embora as normas se devam considerar revogadas, é legítimo fazê-las reviver não por si mas nos princípios que as informavam, os quais mantêm uma plena actualidade).
Beleza dos Santos, anotando o Acórdão da RC de 9 de Junho de 1933 (in RLJ, 66/135 e segs.), considerava, como requisitos para que esta excepção se pudesse verificar, simultaneamente a tripla identidade (de objecto, de litigantes, ainda que esta pudesse não ser perfeita, e de fundamentos).
Esta excepção tem uma função negativa, pois impede a renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cavaleiro de Ferreira, in Curso PP, III/36 e segs., e Eduardo Correia, in Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, p. 7).
Mas renovar em relação a quem? Tratando-se de caso julgado sobre questões prejudiciais, no seu reflexo no processo penal, ensinava Cav. de Ferreira (op. cit., p. 57) que não havia demarcação pelos limites subjectivos.
Tratando-se de caso julgado penal, havia divergência em relação à comparticipação (CPP29 - 149 a 151) e daí a necessidade de esses artigos 149 e 150 serem explícitos, decidindo que se verificava a identidade, ainda que ao agente fosse atribuída comparticipação de diversa natureza, não sendo pois extensivo a terceiros (Cav. Ferreira, op. cit., p. 54). Tratando-se de sentença penal absolutória, além daquelas disposições, não se podia deixar de ter presente o artigo 154 (sobre este, além dos autores já citados, cf.
Figueiredo Dias, in RLJ, 107/123), pois que uma tal absolvição não podia resolver interesses diferentes.
Renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cav. de Ferreira e Ed. Correia, embora tendo a identidade do facto como pressuposto do caso julgado material, concebiam-na diferentemente, aquele numa base naturalística e este segundo um critério teleológico), ainda que o objecto do novo processo seja mais restrito do que o facto apreciado na anterior sentença transitada.
Se absolutória por falta de tipicidade ou extinção da acção impede nova acção contra quem quer que fosse (CPP29 - artigo 148).
Em processo civil (CPC - 498, 2), a diversidade de posição processual não obsta à identidade de sujeitos. Em processo penal, é necessário atentar nela, pois que, se implicar postergar o direito de defesa ou tão-só a sua limitação, impede que se verifique este requisito do caso julgado.
Subjacente a toda esta problemática, sempre o princípio que, de uma forma mais explícita, se consagra no processo civil (CPC - 673) - para efeitos de caso julgado só há que atender à parte decisória da sentença (isto sem prejuízo dos seus pressupostos lógico-indispensáveis; sobre a razão de ser do caso julgado, v., por todos, Castro Mendes, in Limites do Caso Julgado em Processo Civil, e A. Varela, in RLJ, 122/250).
Na medida em que estes limites do caso julgado se não verifiquem e em que faleça a correspondência com o seu conteúdo, nada impede que em nova acção se discuta e dirima aquilo que na anterior não se definiu (v. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pp. 285-286).
Todavia, em nada obsta à apreciação dos factos para efeitos meramente civis, e essa, apenas essa, a que o assistente pode vir a pedir, já que importa resolver definitivamente interesses de outra natureza e que obedecem a outras determinantes, se não tiverem ficado resolvidos no processo penal.
8 - A decisão final, em processo penal, pode, pois, afectar o interesse do assistente, máxime em sede de atribuição (e eventual repartição) e graduação (e sua intensidade) da culpa, sendo que a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena e interessa à determinação da espécie da pena.
Se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal se possa considerar vencido [CPP - 401, 1 b) e 2, e 69,1 e 2 c)], tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer.
Este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o Tribunal, concluindo que se não está face a um mero desejo de vindicta privada, nada mais encontrar; como insuficiente é para por aquele se concluir se o MP, nas suas alegações escritas, emitir parecer no sentido de o Tribunal a quo ter usado de uma benevolência que se não justifica na determinação da medida concreta da pena (havia de ter recorrido e no recurso ter pedido a agravação; a reformatio in pejus é proibida - artigo 409 CPP).
9 - Com isto não se esgota a problemática da admissibilidade de recurso do assistente na sua relação com o interesse em agir.
Por exemplo, saber se lhe será lícito, desacompanhado do MP, invocar algum dos vícios do artigo 410-2, do CPP, a fim de, através do reenvio, obter algum dos desideratos antes focados.
Através desse ataque, pode o assistente ter em vista demonstrar alguns dos pontos focados antes e que no seu reflexo não penal possam ter ficado resolvidos em sentido a si desfavorável. Indirectamente, e através do vício que quer ver reconhecido e do qual quer ver declarado o respectivo efeito, está o assistente a atacar a decisão recorrida quanto à espécie e ou à dosimetria da pena.
Mutatis mutandis, ainda aqui, caso a caso, se terá de conhecer da existência ou não de um concreto e próprio interesse em agir.
10 - Diversamente, se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, um seu pedido de agravação da pena (em termos de espécie ou de medida) tem um cunho, ou, pelo menos, aparenta tê-lo, de regresso à vindicta privada, o que de há muito felizmente desapareceu das nossas leis - ainda quando elas admitem a acção directa ou a legítima defesa nunca se as quis como e enquanto sinal de vindicta, mas enquanto acção de justiça dentro de um apertado e rigoroso condicionalismo que concretamente se previu e o qual o agente não deve voluntariamente provocar.
Nestes casos, aparece com uma nitidez, bem demarcada, a ideia - exacta - de que o domínio da acção penal cabe ao MP.
11 - À evolução histórica da posição do assistente na legislação nossa processual penal não só não repugna esta solução como lhe é perfeitamente compatível.
E com o merecido relevo que hoje o capítulo da vitimologia conhece, não só saem mais consolidados certos direitos do assistente como são reforçados com outras faculdades em defesa dos interesses que lhes assiste (v., sobre a matéria, intervenções de Fig. Dias e Labor. Lúcio, in Jornadas de D.
Proc. Penal, CEJ, 1995).
E a solução preconizada está na linha dessa evolução histórica e encontra apoio literal quer no artigo 401-2 (onde se autonomiza o interesse em agir) quer no artigo 69-2 c), ambos do CPP (onde se indica o que minimamente releva para efeito de vencimento - a decisão o afectar; e que se entende por «afectar»? e onde o pode afectar? - não é isso a constatação de que, embora a posição do assistente seja a de auxiliar do MP, se deve reconhecer existirem situações em que a divergência entre ambos deve assumir maior relevo e, por isso, levar a mitigar a tese que lhe recusava, em caso como este, legitimidade para recorrer se desacompanhado?).
12 - A unidade do sistema jurídico (CC - 9, 1) não sofre qualquer desvio com a aceitação de uma tal tese - poder-se-á, inclusive, dizer que a autonomização do interesse em agir a veio reforçar. Importou-se para o processo penal, e aí se o consagrou, um conceito que fora elaborado noutro campo e é face a esta «novidade» que se deve reelaborar a doutrina que outrora fora defendida.
13 - Vêm apontadas três situações das quais se pretende retirar argumento a favor da tese que recusa a legitimidade do assistente para recorrer se desacompanhado do MP.
Trata-se de situações que cremos merecerem ou leitura ou explicação diversa da apontada.
a):
O exercício da acção penal por crimes públicos e semipúblicos pelo assistente não poder ser desacompanhado do MP nem poder importar alteração substancial [CPP-283, 284 e 119 b)] - situação com que se argumenta.
A Lei 43/86 fixou a competência exclusiva do MP para promover o processo penal quanto aos crimes públicos, pelo que o assistente não pode deduzir acusação por este, se desacompanhado do MP, o que pôs termo a uma questão antiga que não era líquida.
Se o MP se tiver abstido por crime público ou semipúblico, o assistente pode requerer a abertura da instrução [CPP - 287,1 b)] e, se não obtiver o desiderato que procura (a pronúncia), não prejudicou a possibilidade de recurso ao cível. Mas, o simples facto de poder requerer a abertura da instrução, no que manifesta relevantemente a sua discordância com o MP, explica-se através do seu interesse em agir. É este - e não outra causa - o que aqui actua.
Mas o estatuto processual do assistente não é afectado por este deduzir ou não acusação pelos factos por que o MP tenha acusado ou só por alguns.
Por alteração substancial dos factos entende-se aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis [CPP - 1-1 f)].
De novo, o interesse em agir se manifesta relevantemente - o assistente pode, nas alegações finais em julgamento (CPP - 360, 1) pretender fazer prevalecer uma qualificação diversa da defendida pelo MP, o que já antes lhe era reconhecido (no debate instrutório - artigo 302-4; na sua acusação - embora acusando pelos mesmos factos que o MP, mas qualificando-os diversamente - artigo 284).
b):
A possibilidade de o MP determinar a competência do tribunal singular nos termos do artigo 16-3 CPP - situação com que se argumenta.
Todavia, é o próprio quem destrói o argumento que daí poderia recolher quando reconhece que nem sequer o próprio tribunal a tal se pode opor.
Trata-se de uma norma excepcional e, como tal (CC-11), não admite aplicação analógica.
Ainda assim, note-se, que, embora sem repercussão na medida da pena, ao assistente se confere o direito de requerer a abertura da instrução [CPP - 287, 1 b)], o que é feito em função do seu interesse em agir e excluindo-se, como se impunha, um mero desejo de vindicta privada - o Acórdão do TC n.º 393/89, de 5 de Outubro, mais não faz que reconhecer que esta realidade não viola qualquer princípio constitucional -, «não é, pois, no domínio da arguição de inconstitucionalidade [...] que a discussão entre os dois sistemas deve ser colocada. É, sim, no domínio das vantagens e desvantagens político-criminais que cada um apresenta para a máxima realização possível das finalidades antinómicas do processo penal que o problema deve ser posto» (in Acs. do TC, 1989-II, p. 1071).
c):
A inadmissibilidade de impugnação do despacho (CPP - 280, 3) em caso de dispensa da pena (CP - 75) ou da respectiva sentença condenatória (CPP - 375, 3) - situação com que se argumenta.
A dispensa de pena é decretada não apenas em função da diminuta culpa do arguido; requer-se ainda que o dano tenha sido reparado e que a tal não se oponham as exigências da sua recuperação e da prevenção geral.
Reparado o dano (e por isso o dano que aqui se considera é o ressarcível pecuniariamente), carece o assistente de interesse em agir. Reconhecer-se aqui a possibilidade de ele interpor recurso seria admitir que ele pudesse perseguir criminalmente por causa cujo efeito não penal já cessara, ou seja, poder exercer-se a vindicta privada.
Mutatis mutandis, vale isto para a situação de isenção de pena, não sem que se assinale um aspecto - é caso em que não existe culpa nem punibilidade.
Ainda quando se pretenda fazer uma leitura diferente haverá então que questionar-se sobre a razão para a existência de uma disposição sobre a não admissibilidade da impugnação - para evitar quaisquer dúvidas, afirmou-se, embora desnecessariamente face ao disposto no artigo 401-2 CPP.
14 - Não se afigura correcto confundir legitimidade processual com interesse em agir.
Tão-pouco nos parece lícito negar ao assistente direito a ver reflectido em outras áreas do direito uma decisão penal naquilo que o caso julgado lhe conferir eficácia e fazê-lo equivaler à «realização de um interesse próprio e particular de vingança pessoal ou represália».
Para evitar um tal significado há que estar atento e, por isso, o Tribunal tem de se debruçar, caso a caso.
Da afirmação de legitimidade não se conclui pela da existência de interesse em agir.
15 - No acórdão recorrido, admitiu-se o recurso do assistente para impugnar quer a espécie da pena (suspensão da execução da pena - medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo) quer a medida concreta da pena.
A correcção desta decisão depende da existência de, no caso, haver um concreto e próprio interesse em agir.
In casu, o recurso do assistente apresenta-se numa dupla vertente que configura associada - discordância quanto à espécie da pena e ao quantum indemnizatório.
Analisada a questão nos termos em que ela aparece transcrita nas conclusões sintetizadas, já a configuração traçada não é tão clara.
Por um lado, o inconformismo sobre o quantum indemnizatório podia ser autonomamente expresso num recurso circunscrito a esta matéria nada tendo que ver com a relativa à discordância na espécie da pena. Não era a conclusão sobre dever ser qualificada como grave a culpa (no que não dissentia) que, no referir dele, ia alterar o montante indemnizatório. Esta matéria tinha mais a ver com outra questão - a, em si, dos próprios danos.
Por outro, mais que discordância sobre o quantum o que existe é a divergência sobre a qualificação jurídico-criminal [imperfeitamente expressa na conclusão da alínea a)] e a que a Relação sancionou - em lugar de condenação por um crime de homicídio por culpa grave julgou haver dois (fl. 10 v.) e daí extraiu a respectiva consequência em termos de espécie e de medida da pena.
Portanto, a questão sub iudice não é influenciada pela jurisprudência obrigatória a firmar.
Ser ou não lícito o procedimento adoptado pela Relação (quanto à alteração em função da diversa qualificação jurídico-penal e do cúmulo que teve de efectuar) é problema que não pode ser conhecido neste recurso, restando ao Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, concluir pela sua inalterabilidade.
Termos em que se acorda:
a) Em manter o acórdão recorrido; e b) Em firmar a seguinte jurisprudência obrigatória:
«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.» Custas pelo recorrente.
Lisboa, 30 de Outubro de 1997. - Carlindo Rocha da Mota e Costa - Manuel António Lopes Rocha (votei a decisão) - Augusto Alves (voto a decisão) - José Damião Mariano Pereira - João Henrique Martins Ramires - Manuel de Andrade Saraiva (votei a decisão) - Joaquim Dias - Luís Flores Ribeiro - Virgílio António da Fonseca Oliveira (vencido, conforme declaração de voto junta) - Norberto José Araújo de Brito Câmara (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Virgílio Oliveira) - Florindo Pires Salpico (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Virgílio Oliveira) - Emanuel Leonardo Dias (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Virgílio Oliveira) - António Sousa Guedes - José Moura Nunes da Cruz - António Abranches Martins - José Pereira Dias Girão - Bernardo Guimarães Fisher Sá Nogueira - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira (vencido, conforme declaração de voto junta) - António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães (vencido, segundo declaração de voto junta) - Manuel Fernando Bessa Pacheco - Álvaro José Guimarães Dias.
Declaração de vencido
Partindo do princípio que parece correcto, de que a decisão que contraria o assistente ou que o afecta só pode ser aquela que contrariar posições processuais por ele assumidas (Prof. Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, p. 425), mostra-se evidente, como bem salienta o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Outubro de 1992, in Colectânea, XVII, t. IV, pp. 272 e segs., que o assistente, ao deduzir acusação ou ao aderir à deduzida pelo MP, não toma posição quanto à espécie e medida da pena aplicável.Daí que seja essencial para a questão da legitimidade uma análise dos fins das penas e tal análise pode consubstanciar-se na douta fórmula do Prof.
Figueiredo Dias, segundo a qual:
«[...] o sistema sancionatório há-de adaptar-se, antes de tudo, à trilogia que se põe na base da concepção do direito penal substantivo: retribuição e prevenção geral da intimidação com fins que justificam e dão sentido às penas, repressão de todos os crimes e punição (castigo) dos agentes respectivos com funções que ao Estado cumpre realizar sem lacunas, por regra em nome de ideias e de exigências transcendentes.» (As Consequências Jurídicas do Crime, p. 30.) Desta forma, sendo que os fins das penas não contemplam o interesse particular do ofendido, nem nos crimes particulares, o assistente, alheio que está às ideias e exigências transcendentes que apenas ao Estado incumbem com a aplicação das penas, não tem legitimidade para, desacompanhado do MP, e em qualquer caso, impugnar a decisão na parte em que esta fixa a medida da pena. - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira.
Declaração de voto
Como se dispõe no n.º 1 do artigo 69.º do CPP, os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei. O princípio geral assim formulado quanto à posição jurídica dos assistentes no processo, como aliás resulta da ressalva da parte final desse n.º 1, recebe na regulamentação das diversas fases do processo fortes derrogações. No n.º 2 do mesmo artigo logo se assinala, nomeadamente, que aos assistentes compete em especial deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a deduza, bem como interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.Permite-se no artigo 284.º, n.º 1, ao assistente a dedução de acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles, prevendo-se no n.º 2, alínea a), que a acusação do assistente possa limitar-se a mera adesão à acusação do Ministério Público. Quanto à acusação particular, o Ministério Público pode acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (artigo 285.º). Pode também o assistente, fora da acusação particular, requerer a abertura da instrução relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, o que tem implícito que tal direito compete ao assistente mesmo quando o Ministério Público se tiver abstido de deduzir acusação. Na fase da instrução e do julgamento, o assistente mantém posição autónoma, constitutiva, face ao Ministério Público, sendo-lhe concedidos os poderes processuais necessários à sustentação da sua posição perante o objecto do processo.
A disciplina da legitimidade e interesse em agir quanto aos recursos consta do artigo 401.º O Ministério Público tem legitimidade para recorrer de quaisquer decisões; o arguido e o assistente podem recorrer das decisões contra eles proferidas; as partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas; aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias ou tiverem de defender um direito afectado pela decisão também podem recorrer. Não pode, porém, recorrer quem não tiver interesse em agir.
Podem, nomeadamente, constituir-se assistentes os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Nas palavras de Figueiredo Dias, «diz-se ofendido, em processo penal, unicamente a pessoa que, segundo o critério que se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade de interesse jurídico-penal por aquela violado ou posto em perigo» (Direito Processual Penal I, p. 505). Trata-se, segundo o mesmo autor, de um conceito estrito, imediato ou típico do ofendido, não abrangendo os lesados. Estes serão abrangidos por um conceito lato de ofendido, em que são consideradas todas as pessoas que, segundo as normas de direito civil, tenham sido prejudicadas em interesses seus juridicamente protegidos (cf.
artigo 74.º, n.º 1). Pode ler-se no mesmo autor: «se, porém, abstrairmos da intervenção de particular no processo penal na veste de civilmente lesado, para considerarmos apenas, como agora nos interessa, a intervenção do particular em matérias especificamente penais, devemos afirmar que só o conceito estrito de ofendido tem cabimento e que todas as orientações amplificadoras se tornam passíveis de severas críticas» (ob. cit., p. 509).
Ainda o mesmo autor, escrevendo embora no domínio do CPP de 1929 e do Decreto-Lei 35007, evidencia «o interesse público (e portanto indisponível) que existe na constituição dos assistentes, o carácter público da colaboração que deles se espera na acusação pública e no auxílio às funções exercidas pelo Ministério Público no processo penal» (p. 516).
Também, com implicações idênticas na natureza jurídica dos assistentes, escreveu Cavaleiro Ferreira: «Em processo penal é de excluir a representação. É absolu-tamente proibida quanto ao réu, como é óbvio. E também não é de admitir quanto à parte acusadora. A intervenção da parte acusadora é mera colaboração consentida numa actuação que ao Estado exclusivamente deve pertencer. Não se trata de prosseguir, por meio da acção penal, um interesse próprio, mas um interesse do Estado. É natural, assim, que, não em atenção aos interesses particulares, mas somente ao interesse público, o Código de Processo Penal indique quais as pessoas que podem exercer a acção penal [...]» [Revista da Ordem dos Advogados, ano 5.º (1945), pp. 35 e segs.; agora in Obra Dispersa, I, 1996, p. 180]. Em obra publicada em 1986 (Curso de Processo Penal, vol. I), colhe-se o mesmo entendimento: «[...] Do mesmo modo e quanto à acusação privada, se é de admitir precisamente um interesse no exercício da acusação, não é legítimo qualquer interesse directo na pretensão punitiva. A acção penal exercida pelo Ministério Público ou por acusação privada é sempre um direito público, acção penal pública. A distinção entre acusação pública e privada não respeita à natureza de acção penal, mas à natureza de órgão que a exerce.» (P. 147.) E mais à frente: «A acção penal é sempre um direito público, isto é, a acção penal é, por sua natureza, acção penal pública e mesmo exercida por particulares não pode considerar-se como exercício de um direito de natureza privada. A acção penal destingue-se, quanto aos sujeitos que a podem exercer - e não quanto à sua natureza -, em acção penal pública e privada.» (P. 156.) A propósito dos poderes penais do assistente, Figueiredo Dias notava que a posição daquele na instrução preparatória se restringia à mera função de colaboração com o Ministério Público a cuja actividade subordinava por completo a sua actuação. Porém, para a instrução contraditória afirmava «o carácter constitutivo autónomo da intervenção dos assistentes» (pp. 519 e 552). E no que concerne ao julgamento e aos recursos, referia, nomeadamente: «Pertencendo aos assistentes um direito independente de formular a acusação, tinha naturalmente a lei de lhes conceder os poderes necessários à sua efectivação, durante a fase do julgamento. A intervenção dos assistentes nesta fase é, assim, como já se vê, plenamente constitutiva, sendo-lhes concedidas as mais amplas possibilidades de tratamento do objecto do processo.» (Ob. cit., 535/536.) Não põe o autor referido, quanto ao recurso do assistente, outra limitação que não seja a que decorria da lei quanto ao despacho de pronúncia (artigo 4.º, § 2.º, n.º 3, e § 4.º, do Decreto-Lei 35007).
São de Cavaleiro Ferreira as seguintes considerações: «[...] a função auxiliar dos assistentes em relação ao MP toma ainda aspectos de autonomia, que não contendem com a natureza fundamental da assistência, na instrução contraditória e na interposição dos recursos.» (Curso, ed. FDL, I, p. 146.) E a propósito do n.º 3 do § 4.º do artigo 4.º do Decreto-Lei 35007 {«compete aos assistentes recorrer [...] da sentença ou despacho que ponha termo ao processo, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito»}, escreveu: «O recurso do assistente contém-se dentro dos limites fixados pela actividade do MP na acusação. O auxílio subordinado do assistente toma apenas um aspecto positivo, não de colaboração, mas de empreendimento autónomo na direcção estabelecida pela acusação pública.
Há como que uma promoção de fiscalização pelo tribunal superior pela actuação da acusação pública no quadro processual fixado pela acusação.» (Ob. cit., p. 148.) As considerações anteriores, com as adaptações necessárias, continuam válidas perante o ordenamento processual actual. Perante o CPP actual dir-se-á que a posição de subordinação ao MP por parte do assistente se verifica apenas, no essencial, durante o inquérito e quanto aos aspectos de não poder acusar sozinho, muito embora essa ausência de poder acabe, na prática, por ser superada com o poder que lhe é conferido de requerer a abertura da instrução.
Na instrução, no julgamento e na fase dos recursos o assistente não está subordinado ao MP, aparecendo a posição processual aí assumida com «carácter constitutivo autónomo». Segundo o Dr. Jorge Fonseca (Direito Processual Penal, gravação das aulas plenárias proferidas ao 5.º ano, ano lectivo de 1986-1987, na FDL), a posição processual do assistente aparece assim definida: «Aliás, pode dizer-se, julgo que será correcto dizer-se, que o artigo 69.º, n.º 1, ou seja, a posição de subordinação do MP acaba por se verificar apenas durante o inquérito e quanto ao aspecto de o assistente não poder acusar sozinho. Em tudo o resto, na instrução, no julgamento e na fase dos recursos, o assistente nunca está subordinado ao MP como qualquer outro sujeito processual, mas, processualmente, em pé de igualdade com o MP. E, por conseguinte, para além de intervir na audiência de julgamento como qualquer outro sujeito processual, tem também o assistente o direito de interpor recurso, como resulta do artigo 69.º, n.º 2, alínea c) [...]» (P. 12.) Também no CPP vigente o assistente é ofendido em sentido estrito, típico, enquanto que a parte civil é lesada [artigos 68.º, n.º 1, alínea a) e 74.º].
O interesse do primeiro é público, enquanto que o da parte civil é privado.
Este último interesse não releva para a compreensão da posição processual do assistente, mesmo quando este, no processo, cumule as duas qualidades.
Para o assistente, os respectivos poderes inserem-se no carácter público do processo penal. Assim, o interesse do assistente é meramente penal, directamente relacionado com o objecto jurídico da tutela penal, com o bem jurídico do tipo penal, pelo que a sua intervenção no processo se conexiona somente com matéria especificamente penal, sendo, pois, um colaborador do tribunal na administração da justiça penal, na declaração «do direito do caso concreto».
Portanto, os particulares, enquanto vítimas, podem intervir no processo penal com dois objectivos claramente distintos: ou com um objectivo meramente civil, para serem indemnizados; ou com um objectivo penal de colaboração com o Estado na efectivação da responsabilidade penal.
Na lição do Prof. Figueiredo Dias «a função essencial do processo penal cumpre-se na decisão sobre se, na realidade, se realizou em concreto um tipo legal de crime e, em caso afirmativo, na decisão sobre a consequência jurídica que dali deriva (Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, assistente da FDC, 1988-1989, p. 14). Ao assistente são concedidos os poderes processuais para colaborar nessa tarefa, situação que explicita preceitos constitucionais, mesmo antes da actual revisão constitucional. Na verdade, como decorria e decorre do artigo 2.º da Constituição, «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático [...] que tem por objectivo a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa», prevendo-se no artigo 9.º, alíneas b) e c), como tarefas fundamentais do Estado, «garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático», «defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais». A democracia participativa que assim se explicita também se justifica no processo penal, temperando a efectivação estatizante do direito penal, o exclusivo do Estado no desenvolvimento da administração da justiça penal. Ao tratar das relações entre o direito processual penal e política criminal, lê-se na obra citada de Figueiredo Dias: «Como linhas de força do actual programa político-criminal apontam-se ainda as ideias de desjudicialização ou diversão, descentralização e desconcentração e, genericamente, de participação das pessoas individuais na reacção formal e sobretudo na informal - nomeadamente da pessoa da vítima [...] Expressão da ideia de diversão ou desjudicialização são o arquivamento no caso de dispensa ou isenção de pena (artigo 280.º) - diversão - simples - e a suspensão provisória do processo (artigo 281.º) - diversão com intervenção. Quanto aos vectores da descentralização e desconcentração não são eles visíveis no novo Código, pois entre nós ainda é pesada a longa tradição centralista e concentradora que vê no Estado central, e só nele, a entidade a quem cabe levar a cabo as tarefas de política criminal. Já relativamente à participação das pessoas individuais na reacção formal, ela é visível, tanto no que diz respeito à posição processual do arguido como à do assistente, na medida em que ambos, enquanto sujeitos processuais, têm uma participação decisiva na declaração do direito ao caso; avulta ainda no Código a possibilidade que quer o arguido quer o assistente detêm de contribuir para a criação de espaços de consenso, potenciadores da realização da aludida finalidade político-criminal de reafirmação da validade da norma violada» (21/22). Deve agora ter-se presente, após a 4.ª revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97 (Diário da República de 20 de Setembro de 1997), que ao ofendido foi reconhecido o direito (com a respectiva garantia) de intervir no processo, nos termos da lei (artigo 32.º, n.º 7), reconhecendo-se-lhe, pois, um direito fundamental com esse conteúdo, não havendo razão para não considerar o conceito de «ofendido» nos termos restritos, típicos, já aludidos.
Pelas razões e princípios expostos, a autonomia do assistente nos recursos impõe-se por si e a respectiva legitimidade não pode ser vista fora do quadro do instituto da assistência, participante do interesse público, colaborante do Estado, razão da atribuição dos amplos poderes que a lei lhe confere, ao contrário da parte civil que desenvolve actividade meramente privada.
Compreende-se assim que ao assistente se conceda o direito de recorrer da decisão final, mesmo que o MP não recorra e o objecto do recurso se cinja à espécie da pena ou medida da pena, por ainda então estar a colaborar na administração da justiça no caso concreto, submetendo a decisão a reexame por um tribunal superior por a mesma, segundo o seu juízo objectivo, não realizar o direito seja em que aspecto for, mesmo no doseamento da pena.
Como dissemos, o assistente está no processo penal por virtude de ofensa ao bem jurídico protegido pelo tipo penal em causa, no qual, aliás, ele é especialmente interessado. Na sua qualidade de assistente, como co-participante na administração da justiça penal, na determinação da justiça penal, na determinação dos «pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena» com a consequente determinação do conteúdo desta, realiza o ofendido um interesse público, tendo por finalidade a busca da solução justa, do direito concreto para o caso. É, pois, em tal quadro que deva entender-se a legitimidade do assistente para os recursos, mormente a legitimidade para o recurso da decisão final, mesmo que o MP não recorra.
Prevê-se no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP que têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente das decisões contra eles proferidas [das decisões que os afectem - artigo 69.º, n.º 2, alínea c)], sem qualquer referência aos tipos de crime (públicos, semipúblicos ou particulares). Seja qual for o tipo de crime, o que está subjacente, em maior ou menor medida, é sempre a tutela jurídica de bens jurídicos fundamentais, emanação do poder político do Estado, que a este cabe em exclusivo como conteúdo da soberania e se efectiva, na aplicação do direito ao caso, através dos tribunais (em sentido estrito). Daí que não pertença ao MP o domínio do processo penal, nomeadamente na sua finalidade de procurar a consequência jurídica adequada, antes convergindo a sua actuação e a do assistente para a decisão final que pertence exclusivamente ao tribunal. O recurso, tendo por objecto a reapreciação da decisão do tribunal inferior, vai desenvolver-se, fundamentalmente, numa relação entre o recorrente e o tribunal superior, pelo que a legitimidade para o recurso e o seu âmbito não podem ser condicionados nem pelo tipo de crime nem pela posição assumida pelo MP ao não interpor recursos. As cláusulas gerais «das decisões que os afectem» e «das decisões contra eles proferidas», quando reportadas ao assistente referem-se a todas as decisões. Se um crime particular não tiver acusação do MP, nem recurso da decisão final por parte deste, não parece curial que o assistente, face à sua posição processual, não possa submeter ao tribunal superior a decisão em toda a sua extensão, incluindo facto criminoso e punição. E se houver recurso em crime público do MP e do assistente parece que a este último, em tal caso, não tem sido oposta pela jurisprudência restrição na discussão dos pressupostos do crime e respectiva consequência jurídica. Ora, a situação não pode ser diversa quando apenas recorre o assistente, pois que, podendo até ter contribuído decisivamente para a delimitação do objecto do processo em desconformidade com a posição do MP [artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP], lhe há-de a lei conceder os poderes necessários para efectivação da sua posição processual, seja na fase do julgamento seja na fase do recurso.
Do exposto decorre não ser legítimo proceder ao preenchimento valorativo das referidas cláusulas gerais relativas ao recurso com arrimo a interesses meramente pessoais, particulares, do assistente, procurando caso a caso direitos individuais pretensamente violados ou em perigo de violação, para só aí encontrar a legitimidade. Tal solução está em gritante contradição com a natureza jurídico-pública do instituto da assistência penal.
A questão da legitimidade para o recurso também não pode ser resolvida com apoio no interesse em agir (artigo 401.º, n.º 2, do CPP), visto serem dois pressupostos de acto processual distintos. O «interesse em agir», também conhecido por «interesse processual» ou «necessidade de tutela jurídica», é o interesse em recorrer ao processo. Traduz-se na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial, de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a acção. Assim, situando-nos no processo civil, o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontre necessite da intervenção do tribunal. O autor pode ser o titular da relação jurídica material litigada e ser consequentemente a pessoa que, em princípio, tem interesse na apreciação judicial dessa relação e não ter, todavia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam a situação, necessidade de recorrer à acção. Inversamente pode suceder que exista necessidade de obter a providência judiciária requerida e, todavia, a pessoa que a requereu não seja o verdadeiro (ou o único) titular da relação litigada, caso em que haverá interesse processual, mas faltará a legitimidade da parte (Antunes Varela, pp. 134 e segs.).
A legitimidade, em termos de processo civil, é «uma posição do autor ou do réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo» (Castro Mendes), conceito delineado para a acção e que encontra no artigo 680.º, n.º 1, do CPC tradução para os recursos («só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido»). Castro Mendes, a propósito, deixou escrito que «vencido» significa afectado objectivamente pela decisão e que, por sua vez «afectado» significava não se haver obtido a decisão mais favorável possível aos seus interesses (DPC, III, 15/16).
Não havendo, como não há, indicação alguma no CPP de que o n.º 2 do artigo 401.º utiliza o conceito de «interesse em agir» com conteúdo diverso daquele que lhe confere a doutrina e jurisprudência civilísticas, a conclusão também a extrair para o processo penal é que tal figura jurídica é distinta da legitimidade e de que, por isso, não pode servir, nem serve, para aferir da legitimidade para recorrer a que se reporta o artigo 401.º, n.º 1, alínea b).
A legitimidade para o recurso por parte do assistente assenta, pois, na medida em que ele aí assume a qualidade de sujeito processual principal, na circunstância de ter ficado vencido, afectado com a decisão, por não se haver proferido a decisão mais favorável (mais justa) aos interesses a que a lei quis proteger com a incriminação e de que ele também é titular ou portador.
Não interessa que o assistente haja deduzido acusação ou que apenas haja aderido à acusação antes formulada pelo MP ou que o objecto do processo se forme em consequência do seu requerimento para a abertura do processo, pois que, em qualquer caso, o assistente assume no processo uma determinada posição em relação à tutela do bem jurídico protegido.
Não é procedente o argumento retirado dos fins das penas para não reconhecer ao assistente um direito autónomo amplo ao recurso para reexame de uma decisão que ele tem por desajustada a tais fins. Na expressão do Código Penal de 1995, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º). Ora, na verdade, quando o assistente recorre de uma decisão, por não concordar com a pena encontrada, tem também em vista tais fins, mormente a protecção dos bens jurídicos, por, no seu entender, a punição concreta não lograr alcançar essas finalidades.
Repare-se ainda que a possibilidade ampla do recurso para o assistente é a que melhor satisfaz o princípio da legalidade, possibilitando o controlo judicial sobre o juízo do MP em não recorrer. Nem se compreenderia que no julgamento o assistente tivesse - como tem - os mais amplos poderes, sem subordinação ao MP, lutando por determinada solução para a questão submetida à apreciação do tribunal, incluindo o aspecto ligado à consequência jurídica do crime, e depois se lhe negasse o direito a ver reapreciada pelo tribunal superior a decisão que se não conformou com a posição tomada e que, numa visão objectiva, o afecta ou prejudica nos interesses jurídico-penais de que também é portador. Não se adapta ao sistema processual penal do instituto da assistência que no julgamento o assistente goze de inteira autonomia dentro do objecto do processo, a par do MP e, depois, no recurso, sem que se descortine razão para isso, passe à posição de subordinado ao MP, vedando-se-lhe, nomeadamente, o poder de ver reapreciada, no duplo grau de jurisdição garantido, a pena imposta.
Aliás, em conformidade com tal solução, que vê a legitimidade do assistente a decorrer de interesses não penais, então não deveria ser admitida, em caso algum, a possibilidade de recorrer em tal qualidade, ou seja, na de portador de interesse jurídico-penal, uma vez que as possibilidades de acesso ao recurso para defesa de interesses privados conexos sempre resultariam de outros preceitos legais [artigo 401.º, n.º 1 alíneas a) e d), do CPP].
Desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, ganhando assim legitimidade, então também não pode colocar-se em dúvida o seu «interesse em agir», o seu «interesse processual», a sua necessidade do processo ou do recurso, pois que a sua pretensão só pode ser resolvida através do processo penal, no caso através do recurso.
Segundo o n.º 2 do artigo 647.º do CPP de 1929 podiam recorrer o réu e a parte acusadora das decisões contra eles proferidas, fórmula legislativa que não difere da adoptada no Código vigente. Conexionando esse preceito legal com o que se dispunha no § 5.º do mesmo artigo (a parte acusadora não poderá recorrer das decisões que tenham condenado o réu em pena igual ou superior àquela que tiver pedido), conclui-se que na expressão «contra eles proferida» se incluia a possibilidade de se discutir a pena, embora com aquela limitação. O Prof. Germano Marques da Silva, a propósito da legitimidade em causa, contém no seu Curso de Processo Penal, III, pp.
315-316, a doutrina assim expressa: «Decisão proferida contra o assistente é a decisão proferida contra a posição que ele tenha sustentado no processo, mas é necessário entender esta posição em termos muito amplos [...] No Código actual o assistente não pede a condenação numa determinada pena e se o fizer daí não resulta qualquer vinculação do tribunal e, por isso, o assistente poderá sempre recorrer de qualquer decisão, mesmo condenatória, por considerar que a pena aplicada foi inferior à que considera ajustada.» Em conclusão: o assistente pode recorrer sempre, mesmo que o MP o não tenha feito, para pedir, nomeadamente, a reapreciação da espécie de pena e da medida de pena por as considerar como traduzindo valoração menos gravosa do que aquela que a justiça do caso impunha.
Declaração de voto
Vencido, dentro da mesma linha de pensamento explicitada pelo Exmo.Conselheiro Costa Pereira.
Toda a questão gira em torno de duas opções fundamentais: uma, a de que o assistente pode, em recurso, questionar a medida da pena aplicada ao arguido, intrometendo-se assim, pretendendo influenciá-lo, no exercício do direito de punir que pertence ao Estado; outra, a de que, ao invés, se lhe impermite, precisamente porque o direito de punir é prerrogativa do Estado, assumir aquela faculdade.
A sobredita questão, diversificada nestas duas alternativas e independentemente da escolha que, por qualquer delas se faça, não se me afigura porém, salvo o devido respeito, dever apontar para (ou consentir em) soluções de compromisso em função de cada caso concreto (e é isso que decorre do decisório do presente aresto), o que levaria a um casuísmo que a natureza e a finalidade de um assento não tornam aceitável.
De resto, a meu ver, a solução do problema, mais que pelo apuramento, in casu, do interesse (subjectivo) em agir, passará pela necessidade de se definirem, no seu alcance e significado, as expressões normativas «decisões que os afectem» [alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º do Código de Processo Penal] ou «contra eles proferidas» [alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Processo Penal] e pelos termos em que, fixados aqueles alcance e significado, tais definições se deverão conjugar com qualquer das apontadas opções (de forma a precisar em que moldes se legitimaria a primeira ou as razões pelas quais se deveria preferenciar a segunda).
Assim sendo e ainda que, em termos absolutos, me incline para a tese adoptada no presente aresto, não a votaria com a condicionante que a acompanha, sobretudo não vinda ela ilustrada com uma especificação concreta das hipóteses que, como excepções à regra que se perfilhou, se poderiam configurar.
Bem me parece, pois, que, nos moldes do que foi decidido, nem as dúvidas existentes sobre esta temática ficam dissipadas nem se adianta solução adequada a superá-las.
Daí este voto.
Relativamente a este acórdão foi formulada uma arguição de nulidade sobre a qual recaiu o acórdão que se segue:
Conclusão, em 12 de Março de 1998, ao Exmo. Conselheiro Relator.
Recurso n.º 1151/96.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:Carlos Alberto dos Santos Ferreira, pretendendo que se revogue a decisão de manutenção do acórdão recorrido, substituindo-se por uma que ordene o reenvio do processo à Relação de Évora, reclamou de nulidade por entender dever ser esta a decidir se os assistentes têm ou não um concreto interesse em agir na parte do recurso restrita à medida da pena e à forma da sua execução, e, subsidiariamente, de irregularidade por entender haver contradição entre aquela decisão e a jurisprudência fixada.
Ouvido o Ministério Público, pronunciou-se o mesmo no sentido de haver a apontada irregularidade.
Colhidos os vistos.
Decidindo:
1 - Foi fixada a seguinte jurisprudência obrigatória: «o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
Foi mantido o acórdão recorrido.
2 - O cerne da questão reside na compatibilização destas duas decisões, e não num jogo de competências como vem requerido, com apoio do Ministério Público.
E isso consta do texto do acórdão proferido e é exactamente isso que autoriza e justifica a decisão de manutenção do acórdão recorrido.
Sabido que o tribunal de recurso terá de, caso a caso, averiguar se o assistente tem interesse em agir e, se concluir pela ausência, negará provimento ao recurso deste - não se trata de improcedência (não se trata de uma decisão de mérito), mas de um reconhecimento posterior (não é proferido em função de exame preliminar, é-lhe posterior) da ausência de interesse em agir, pelo que lhe não era admissível recorrer.
Se o problema fosse de competência, dúvidas não restariam em acompanhar a posição quer do reclamante quer do Ministério Público, face ao que acaba de ficar dito.
Mas não o é, como se disse (antecipadamente respondeu o acórdão a essa questão, donde o nos remetermos para ele).
3 - «No acórdão recorrido, admitiu-se o recurso do assistente para impugnar quer a espécie da pena (suspensão da execução da pena - medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo) quer a medida concreta da pena.
A correcção desta decisão depende da existência de, no caso, haver um concreto e próprio interesse em agir.
In casu, o recurso do assistente apresenta-se numa dupla vertente que configura associada: discordância quanto à espécie da pena e ao quantum indemnizatório.
Analisada a questão nos termos em que ela aparece transcrita nas conclusões sintetizadas já a configuração traçada não é tão clara.
Por um lado, o inconformismo sobre o quantum indemnizatório podia ser autonomamente expresso num recurso circunscrito a esta matéria nada tendo que ver com à relativa à discordância na espécie da pena. Não era a conclusão sobre dever ser qualificada como grave a culpa (no que não dissentia) que, no referir dele, ia alterar o montante indemnizatório. Esta matéria tinha mais a ver com outra questão: a, em si, dos próprios danos.
Por outro, mais que discordância sobre o quantum o que existe é a divergência sobre a qualificação jurídico-criminal [imperfeitamente expressa na conclusão da alínea a)] e a que a Relação sancionou - em lugar de condenação por um crime de homicídio por culpa grave julgou haver dois (fl. 10 v.) e daí extraiu a respectiva consequência em termos de espécie e de medida da pena.
Portanto, a questão sub iudice não é influenciada pela jurisprudência obrigatória a firmar.
Ser ou não lícito o procedimento adoptado pela Relação (quanto à alteração em função da diversa qualificação jurídico-penal e do cúmulo que teve de efectuar) é problema que não pode ser conhecido neste recurso, restando ao Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, concluir pela sua inalterabilidade» (transcrição do n.º 15 do acórdão deste Supremo).
4 - «No acórdão recorrido, admitiu-se o recurso do assistente para impugnar quer [...] In casu, o recurso do assistente apresenta-se numa dupla vertente [...] Analisada a questão nos termos em que ela aparece transcrita nas conclusões sintetizadas já a configuração traçada não é tão clara.» E explicitou-se o porquê:
«Por um lado, o inconformismo sobre o quantum indemnizatório podia ser autonomamente expresso num recurso circunscrito a esta matéria nada tendo que ver com a relativa à discordância na espécie da pena. Não era a conclusão sobre dever ser qualificada como grave a culpa (no que não dissentia) que, no referir dele, ia alterar o montante indemnizatório. Esta matéria tinha mais a ver com outra questão: a, em si, dos próprios danos.
Por outro, mais que discordância sobre o quantum o que existe é a divergência sobre a qualificação jurídico-criminal [imperfeitamente expressa na conclusão da alínea a)] e a que a Relação sancionou - em lugar de condenação por um.
crime de homicídio por culpa grave julgou haver dois (fl. 10 v.) e daí extraiu a respectiva consequência em termos de espécie e de medida da pena.» Foque-se este último parágrafo, pois aí se contém essencialmente a razão dos dois seguintes - mais que discordância sobre o «quantum» o que existe é a divergência sobre a qualificação jurídico-criminal [imperfeitamente expressa na conclusão da alínea a)] e a que a Relação sancionou - em lugar de condenação por um crime de homicídio por culpa grave julgou haver dois (fl. 10 v.) e daí extraiu a respectiva consequência em termos de espécie e de medida da pena.
E, porque assim é, o acórdão proferido retirou a primeira ilação: «a questão sub iudice não é influenciada pela jurisprudência obrigatória a firmar».
Duas questões então poderiam ser colocadas.
A primeira - licitude do comportamento da Relação - vem enunciada no parágrafo imediato embora se afirme dela não se poder conhecer neste recurso:
«Ser ou não lícito o procedimento adoptado pela Relação (quanto à alteração em função da diversa qualificação jurídico-penal e do cúmulo que teve de efectuar) é problema que não pode ser conhecido neste recurso, restando ao Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, concluir pela sua inalterabilidade.» A segunda, porque condicionava a amplitude de conhecimento do acórdão, fora enunciada antes:
«Questiona-se aquela» (legitimidade do assistente) «apenas quando o objecto do recurso for ou onde seja a discordância em relação à espécie ou à medida da pena aplicada.» Sublinhou-se «apenas» e «for ou onde seja» por se tratar de expressões intencionalmente colocadas e a que, certamente por lapso, o reclamante não terá dado a devida atenção.
A oposição julgada existente tinha pressupostos diferentes: é que, em relação ao acórdão recorrido, a situação nascia da diferente qualificação jurídico-penal dos factos (em lugar de condenação por um crime de homicídio por culpa grave a Relação julgou haver dois) e do cúmulo que tal implicou, diversa da do acórdão fundamento (não se questionou a qualificação, implicitamente se a manteve - um só crime).
Daí o que poderia surgir era uma outra interrogação, mas irrelevante para aqui - correcção do julgamento sobre a oposição (não ser directa mas reflexa).
Na medida do que se expusera e do aqui parcialmente repetido, apenas se poderia concluir: «a questão sub iudice não é influenciada pela jurisprudência obrigatória a firmar».
Daí não se tratar de uma questão de competência mas de não influência da jurisprudência obrigatória sobre o acórdão recorrido (problema de compatibilização), razão pela qual necessariamente tinha de ser mantido e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Termos em que se acorda em indeferir o requerido.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Lisboa, 12 de Março de 1998. - Carlindo Rocha da Mota e Costa - José Damião Mariano Pereira - Joaquim Dias - Florindo Pires Salpico - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Luís Flores Ribeiro - João Henrique Martins Ramires - Manuel de Andrade Saraiva - Augusto Alves - Emanuel Leonardo Dias - Manuel António Lopes Rocha - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Bernardo Guimarães Fisher Sá Nogueira - António Sousa Guedes - José Pereira Dias Girão - António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães - Dionísio Manuel Dinis Alves - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - José Moura Nunes da Cruz - Hugo Afonso dos Santos Lopes - António Abranches Martins.
Relativamente a esta última decisão foi formulado pedido de aclaração sobre o qual recaiu o seguinte acórdão:
Conclusão, em 2 de Julho de 1998, ao Exmo. Conselheiro Relator.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Carlos Alberto dos Santos, no recurso para fixação de jurisprudência 1151/96, vem requerer a aclaração do acórdão que indeferiu a arguição de nulidades, tendo concluído que o mesmo se apresenta ambíguo nos seguintes pontos:
1.º Quando afirma que in casu existirá apenas uma oposição indirecta e reflexa, não obstante o caso julgado firmado pelo acórdão que recebeu o presente recurso e a clareza evidente de oposição entre acórdão recorrido e acórdão fundamento;
2.º Quando refere que a apreciação da legitimidade/interesse em agir do assistente - a aferir em função do recurso que ele interpõe da sentença proferida no Tribunal a quo -, pode ser influenciada pela qualificação jurídico-criminal que o Tribunal ad quem vier a fazer dos factos;
3.º Quando diz que o recurso dos assistentes não se limita a discordar da espécie e medida da pena, contendo também a discordância, ainda que imperfeitamente expressa, sobre a qualificação jurídico-criminal dos factos.
II - A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta respondeu no sentido de indeferir o pedido de aclaração.
III - Foram colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.
IV - Aclarar é pôr claro, fazer claro o que não o era. A aclaração não permite, não autoriza, que à sua sombra se pretenda corrigir o que a parte tem como erro de julgamento.
Quanto à 1.ª conclusão, parte-se de um pressuposto errado.
O acórdão que julga existir a oposição não forma caso julgado - é possível ao tribunal vir a declarar findo o recurso por aquela inexistir; permitido, ainda, julgar que a oposição existente não tem a amplitude, a extensão que no acórdão preliminar, em princípio, se fixara.
Quanto à 2.ª conclusão, legitimidade e interesse em agir são pressupostos processuais diferentes.
Possivelmente por não se ter apercebido das consequências que advieram da alteração do CPP de 1929 para o CPP de 1987, confunde-se, no requerimento, estes pressupostos.
Antes, alegava-se em momento posterior ao requerimento de interposição de recurso e por isso era mais fácil, inclusive, o momento de decisão era distinto, ter como legítimo um recorrente e não vir a conhecer do recurso porque, face ao alegado, se deveria negar-lhe o interesse em agir.
Actualmente, motivando-se em simultâneo à interposição do recurso, o tribunal é chamado a pronunciar-se sobre os dois pressupostos no mesmo despacho, sem prejuízo de se reconhecer que nesse despacho há duas partes distintas.
Daí que ao apreciar a legitimidade o julgador não possa ignorar, para efeitos de admissibilidade do recurso, ou mesmo para a possibilidade de conhecer do seu objecto, do interesse em agir que o recorrente demonstre possuir.
Se se ler com atenção o que foi uniformizado, revela-se como patente a distinção aludida.
Quanto à 3.ª conclusão, lendo com atenção, quer o acórdão uniformizador quer o seguinte referente à arguição de nulidade, encontra o reclamante a resposta à sua pseudodúvida.
V - Nestes termos, nada havendo a aclarar, acorda-se em indeferir o pedido de aclaração.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
2 de Julho de 1998. - Carlindo Rocha da Mota e Costa - Augusto Alves - Emanuel Leonardo Dias - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Luís Flores Ribeiro - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Joaquim Dias - Manuel de Andrade Saraiva - João Henrique Martins Ramires - Florindo Pires Salpico - José Damião Mariano Pereira - José Pereira Dias Girão - Bernardo Guimarães Fisher Sá Nogueira - António Sousa Guedes - António Abranches Martins - Hugo Afonso dos Santos Lopes - António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães - Dionísio Manuel Dinis Alves - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - José Moura Nunes da Cruz.
Posteriormente, do Acórdão de 30 de Outubro de 1997, que fixou jurisprudência, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que não conheceu do respectivo objecto.