Acórdão 532/98
Processo 757/98
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I - A proposta de referendo
1 - O Presidente da República vem, ao abrigo do disposto no artigo 115.º, n.º 8, da Constituição e nos artigos 26.º e 29.º, n.º 1, da Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei 15-A/98, de 3 de Abril), requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de referendo aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 36-B/98, publicada em suplemento ao Diário da República, 1.ª série, de 30 de Junho de 1998.
A proposta de realização de referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, aprovada, em 29 de Junho de 1998, pela Resolução da Assembleia da República n.º 36-B/98 (publicada no suplemento ao Diário da República, 1.ª série-A, n.º 148, de 30 de Junho de 1998, distribuído em 7 de Julho) é do teor seguinte:
«Resolução da Assembleia da República n.º 36-B/98
Proposta de realização de referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 256.º da Constituição, apresentar a S. Exa. o Presidente da República a proposta de realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, compreendendo duas perguntas:
1 - a) A primeira, dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados em território nacional, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?'
b) A segunda, dirigida aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?'
2 - Os boletins de voto destinados aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das Regiões Autónomas só conterão a pergunta de alcance nacional prevista na alínea a) do n.º 1.
Aprovada em 29 de Junho de 1998.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.»
2 - Tomaram a iniciativa de propor a realização de referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas:
Deputados do PSD, com o projecto de resolução 89/VII, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 55, de 30 de Maio de 1998;
Deputados do PS, com o projecto de resolução 93/VII, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 62, de 25 de Junho de 1998;
Deputados do CDS-PP, com o projecto de resolução 95/VII, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 62, de 25 de Junho de 1998.
Tais projectos de resolução são do teor seguinte:
O do PSD:
«A Assembleia da República apresenta a S. Exa. o Presidente da República a proposta de realização do referendo obrigatório sobre a regionalização, compreendendo duas questões:
a) Uma de alcance nacional, em que todos os cidadãos eleitores regularmente recenseados, residentes no território nacional ou no estrangeiro, sejam chamados a pronunciar-se, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas tal como se encontram previstas na lei aprovada na Assembleia da República?'
b) Uma outra, relativa a cada área regional, em que sejam chamados a pronunciar-se os cidadãos eleitores recenseados na respectiva área geográfica, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto da região administrativa prevista na lei aprovada na Assembleia da República para a sua área de recenseamento?'»
O do PS:
«A Assembleia da República propõe a S. Ex.ª o Presidente da República a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, previsto no artigo 256.º da Constituição, compreendendo duas perguntas:
a) A primeira, dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados em território nacional, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?'
b) A segunda, dirigida aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?'»
O do CDS-PP:
«A Assembleia da República propõe a S. Ex.ª o Presidente da República a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, compreendendo duas perguntas:
a) A primeir, dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados, sejam residentes em território nacional, na União Europeia ou em qualquer outro país estrangeiro, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?'
b) A segunda, dirigida aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril, com a seguinte formulação:
'Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?'»
Os projectos de resolução tiveram o seguinte destino:
a) O projecto de resolução do PSD foi rejeitado;
b) O projecto de resolução do CDS-PP, entenderam os próprios proponentes ter ficado prejudicado;
c) Quanto ao projecto apresentado pelos deputados do PS (projecto de resolução 93/VII), foi apresentada uma proposta de aditamento, para figurar como n.º 2 da resolução assim redigida:
«Os boletins de voto destinados aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões autónomas só conterão a pergunta de alcance nacional, prevista na alínea a) do n.º 1.»
Tal projecto foi, com este aditamento, submetido à votação e aprovado.
II - Apreciação da proposta do referendo
3 - O direito do caso:
3.1 - Compete ao Presidente da República submeter a referendo, «nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica», a questão da instituição em concreto das regiões administrativas [artigos 134.º, alínea c), e 256.º, n.os 1, 2 e 3, da Constituição].
É que a instituição em concreto das regiões administrativas, «com aprovação da lei de instituição de cada uma delas», depende não apenas desta lei de criação, como também «do voto favorável expresso da maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance nacional e relativa a cada área regional» (artigo 256.º, n.º 1, da Constituição).
Claro é que a lei de criação das regiões não é, ela mesma, referendável. Referenda-se, isso sim, o modelo, incluindo o mapa e o essencial do regime que nessa lei é estatuído e que tem, depois, de reflectir-se na concreta instituição das regiões. É esse modelo, incluindo o mapa e o essencial desse regime que têm de ser sufragados pelos cidadãos eleitores, pois é o voto favorável expresso da maioria dos cidadãos eleitores que autoriza o legislador a instituir em concreto as regiões.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão 709/97 (publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 20 de Janeiro de 1998) o seguinte:
«Efectivamente, a instituição em concreto das regiões administrativas depende, ex vi do n.º 1 do artigo 256.º da Constituição, da lei de criação e do voto favorável resultante de um referendo de alcance nacional ao qual, forçosamente, não podem, de todo em todo, ser estranhos os parâmetros acarretados por aquela criação (ou, dizendo de outro modo, os elementos que globalmente configuram as regiões) com a consequente definição, quer do território que a cada uma cabe, quer dos respectivos poderes, quer da composição, competências e funcionamento dos seus órgãos, quer, por fim, das diferenciações de regime que aquela lei de criação eventualmente venha a estabelecer. E daí que se possa concluir que, na realidade das coisas, se é certo que a lei de criação das regiões administrativas não é, qua tale, referendável, menos certo não é que o regime que nela é estatuído - e que terá de ser reflectido na concreta instituição das regiões - terá de ser directamente sufragado pelos cidadãos ou, o que é o mesmo, terá de ser directamente legitimado, não podendo o legislador prescrever em sentido diverso do que resultou da consulta popular.»
A consulta directa aos cidadãos eleitores há-de ser de alcance nacional e de alcance regional ou local, o que significa que há-de também cingir-se «a cada área regional» (artigo 256.º, n.º 1, da Constituição). Mas, quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes no referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas se não pronunciar favoravelmente em relação à pergunta de alcance nacional sobre tal instituição em concreto, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeito (artigo 256.º, n.º 2, da Constituição). (Doravante, utilizar-se-á indiferentemente referendo, consulta directa ou consulta referendária.)
No referendo participam os cidadãos eleitores recenseados no território nacional, que se pronunciam a título vinculativo, por decisão do Presidente da República, sob proposta da Assembleia da República (artigo 256.º, n.º 3, da Constituição).
As questões a formular nos referendos hão-de ser formuladas «com objectividade, clareza e precisão para permitir respostas de sim ou não, num número máximo de perguntas a fixar pela lei, a qual determinará igualmente as demais condições de formulação e efectivação de referendos» (artigo 115.º, n.º 6).
No caso particular da instituição em concreto das regiões administrativas, como se trata de uma consulta referendária obrigatória, as perguntas, que só podem ser duas, estão, no essencial, predeterminadas pela própria Constituição.
A averiguação do cumprimento daquelas exigências não pode, por isso, deixar de estar condicionada por essa circunstância.
Os referendos não podem ser convocados, nem efectuar-se «entre a data da convocação e da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, bem como de Deputados do Parlamento Europeu» (artigo 115.º, n.º 7).
São chamados a participar no referendo cidadãos residentes no estrangeiro, regularmente recenseados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 121.º (isto é, tendo «em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional»), quando o mesmo recaia sobre «matéria que lhes diga também especificamente respeito» (artigo 115.º, n.º 12).
A proposta de referendo (consulta directa) sobre a instituição em concreto das regiões administrativas cabe à Assembleia da República (artigo 256.º, n.º 3, da Constituição), sem prejuízo de, como se verá, o Governo poder tomar a iniciativa da proposta (artigo 247.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo).
A proposta de referendo sobre a criação em concreto das regiões administrativas, uma vez aprovada pela Assembleia da República, é por esta remetida ao Presidente da República, que a submeterá, obrigatoriamente, a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade [cf. artigos 134.º, alínea c), e 256.º, n.º 3, da Constituição].
O Tribunal Constitucional verificará, então, a constitucionalidade e a legalidade do referendo proposto, «incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral» [artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição] «e o mais» que, relativamente à realização do referendo, «lhe for cometido por lei» (cf. artigo 11.º da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
O processo relativo à realização do referendo é regulado pela lei orgânica que disciplina o respectivo regime (artigo 105.º da Lei do Tribunal Constitucional).
3.2 - A Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei 15-A/98, de 3 de Abril) começa por dispor no artigo 1.º, n.º 1, que ela «rege os casos e os termos da realização do referendo de âmbito nacional previstos no artigo 115.º da Constituição». E, no n.º 2 do mesmo artigo 1.º, acrescenta que «regula ainda as condições e os termos das consultas directas para a instituição em concreto das regiões administrativas previstas no artigo 256.º da Constituição».
A iniciativa da proposta de referendo da Assembleia da República pode ser dos deputados, dos grupos parlamentares ou do Governo. Se for dos deputados ou dos grupos parlamentares, toma a forma de projecto de resolução; será uma proposta de resolução, aprovada pelo Conselho de Ministros, se tal iniciativa for do Governo (artigo 14.º).
Os projectos e propostas de resolução de referendo são discutidos e votados nos termos do regimento da Assembleia da República (artigo 12.º, n.º 1). Uma vez aprovados, tomam a forma de resolução, que é publicada no Diário da República, 1.ª série-A, no dia seguinte ao da sua aprovação (artigo 13.º).
A resolução a votar em Plenário da Assembleia da República integra as perguntas a formular e a definição do universo eleitoral da consulta (artigo 12.º, n.º 2). A aprovação faz-se à pluralidade de votos, não contando as abstenções para o apuramento da maioria (artigo 12.º, n.º 3).
Publicada no Diário da República a resolução contendo a proposta de referendo, o Presidente da República submete-a ao Tribunal Constitucional, «para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral» (artigo 26.º).
O processo de fiscalização acha-se regulado nos artigos 29.º a 33.º
No que especialmente respeita ao referendo relativo à instituição em concreto das regiões administrativas, a Lei do Referendo contém, como se disse, regras especiais, que constam dos artigos 245.º a 251.º
As regras especiais do referendo relativo à instituição em concreto das regiões administrativas são, no que agora importa, as seguintes:
a) O referendo tem natureza obrigatória (artigo 245.º), o que decorre do facto de a instituição em concreto das regiões administrativas depender não apenas da lei de criação, mas também da prévia realização do referendo.
b) O referendo tem por objecto a instituição em concreto das regiões administrativas (artigo 246.º).
É o que também resulta do que prescreve o artigo 256.º, n.º 1, da Constituição.
c) A decisão de convocação cabe ao Presidente da República, sob proposta da Assembleia da República, o que não prejudica o direito de iniciativa do Governo perante a Assembleia (artigo 247.º).
É o que, desde logo, decorre do artigo 256.º, n.º 3, da Constituição, como já se viu acima.
d) O Tribunal Constitucional verifica previamente a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral (artigo 248.º), como logo resulta do artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição.
e) O referendo compreende duas questões, uma de alcance nacional, outra relativa a cada área regional (artigo 249.º, n.º 1).
Tal é imposto pelo artigo 256.º, n.º 1, da Constituição.
Estas perguntas - para além de terem de ser formuladas com objectividade, clareza e precisão para respostas de sim ou não, nos termos atrás apontados - não podem sugerir, directa ou indirectamente, o sentido das respostas, nem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas (artigo 7.º, n.os 2 e 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo).
f) Tais questões (duas) serão idênticas em todo o território nacional, devendo constar de um único boletim de voto (artigo 242.º, n.º 2); fora das áreas regionais a instituir, porém, o referendo integra apenas a questão de alcance nacional (artigo 242.º, n.º 3). Ou seja: nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira os eleitores apenas se pronunciarão sobre a pergunta de alcance nacional.
g) Quanto à questão de alcance nacional, têm direito de voto os cidadãos eleitores nos termos gerais (artigo 250.º), e, quanto à questão relativa a cada área regional, os cidadãos eleitores nelas recenseados apenas se pronunciam quanto à instituição em concreto da região onde residem (artigo 250.º).
3.3 - As regiões administrativas são autarquias locais que apenas podem instituir-se no continente (artigo 236.º, n.º 1, da Constituição). São, assim, «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das respectivas populações» (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). Os seus órgãos são uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos (a assembleia regional) e um órgão executivo colegial (a junta regional), responsável perante a assembleia (artigos 239.º, n.º 1, e 259.º da Constituição).
Mais precisamente: a assembleia regional é «o órgão deliberativo da região e é constituída por membros eleitos directamente e por membros, em número inferior ao daqueles, eleitos pelo sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt, pelo colégio eleitoral formado pelos membros das assembleias municipais da mesma área designados por eleição directa» (artigo 260.º da Constituição). A junta regional é «o órgão executivo colegial da região» (artigo 261.º da Constituição).
Junto de cada região pode haver «um representante do Governo, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias existentes na respectiva área» (artigo 262.º).
As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, que define «os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma» (artigo 235.º da Constituição).
3.4 - As regiões administrativas foram criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril. São oito, assim designadas:
a) Região de Entre Douro e Minho;
b) Região de Trás-os-Montes e Alto Douro;
c) Região da Beira Litoral;
d) Região da Beira Interior;
e) Região da Estremadura e Ribatejo;
f) Região de Lisboa e Setúbal;
g) Região do Alentejo;
h) Região do Algarve. (Artigo 2.º)
A Região de Entre Douro e Minho abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos de Viana do Castelo, de Braga, do Porto, de Aveiro e de Viseu:
a) Distrito de Viana do Castelo: Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira;
b) Distrito de Braga: Amares, Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Esposende, Fafe, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e Vila Verde;
c) Distrito do Porto: Amarante, Baião, Felgueiras, Gondomar, Lousada, Maia, Marco de Canaveses, Matosinhos, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel, Porto, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia;
d) Distrito de Aveiro: Espinho e Castelo de Paiva;
e) Distrito de Viseu: Cinfães. (Artigo 3.º)
A Região de Trás-os-Montes e Alto Douro abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos de Vila Real, de Bragança, de Viseu e da Guarda:
a) Distrito de Vila Real: Alijó, Boticas, Chaves, Mesão Frio, Mondim de Basto, Montalegre, Murça, Peso da Régua, Ribeira de Pena, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Vila Real;
b) Distrito de Bragança: Alfândega da Fé, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Vimioso e Vinhais;
c) Distrito de Viseu: Lamego, Armamar, Tabuaço e São João da Pesqueira;
d) Distrito da Guarda: Meda e Vila Nova de Foz Côa. (Artigo 4.º)
A Região da Beira Litoral abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos de Aveiro, de Viseu, de Coimbra e de Leiria:
a) Distrito de Aveiro: Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Arouca, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mealhada, Murtosa, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Ovar, São João da Madeira, Santa Maria da Feira, Sever do Vouga, Vagos, Vale de Cambra;
b) Distrito de Viseu: Carregal do Sal, Castro Daire, Mangualde, Moimenta da Beira, Mortágua, Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, Penedono, Resende, Santa Comba Dão, São Pedro do Sul, Sátão, Sernancelhe, Tarouca, Tondela, Vila Nova de Paiva, Viseu e Vouzela;
c) Distrito de Coimbra: Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares;
d) Distrito de Leiria: Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande. (Artigo 5.º)
A Região da Beira Interior abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos da Guarda e de Castelo Branco:
a) Distrito da Guarda: Aguiar da Beira, Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Gouveia, Guarda, Manteigas, Pinhel, Sabugal, Seia e Trancoso;
b) Distrito de Castelo Branco: Belmonte, Castelo Branco, Covilhã, Fundão, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão. (Artigo 6.º)
A Região da Estremadura e Ribatejo abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos de Leiria e de Santarém:
a) Distrito de Leiria: Alcobaça, Alvaiázere, Ansião, Batalha, Bombarral, Caldas da Rainha, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Óbidos, Peniche, Pombal e Porto de Mós;
b) Distrito de Santarém: Abrantes, Alcanena, Almeirim, Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Constância, Coruche, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourém, Rio Maior, Salvaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha. (Artigo 7.º)
A Região de Lisboa e Setúbal abrange os seguintes municípios de Lisboa e de Setúbal:
a) Distrito de Lisboa: Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Cascais, Lisboa, Loures, Lourinhã, Mafra, Oeiras, Sintra, Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira;
b) Distrito de Setúbal: Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal. (Artigo 8.º)
A Região do Alentejo abrange a área dos seguintes municípios, incluídos nos distritos de Beja, de Portalegre e de Évora, e dos municípios do distrito de Setúbal não incluídos na região administrativa de Lisboa e Setúbal:
a) Distrito de Beja: Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Mértola, Moura, Odemira, Ourique, Serpa e Vidigueira;
b) Distrito de Évora: Alandroal, Arraiolos, Borba, Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo, Mora, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Vendas Novas, Viana do Alentejo e Vila Viçosa;
c) Distrito de Portalegre: Alter do Chão, Arronches, Avis, Campo Maior, Castelo de Vide, Crato, Elvas, Fronteira, Gavião, Marvão, Monforte, Nisa, Ponte de Sor, Portalegre e Sousel;
d) Distrito de Setúbal: Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines. (Artigo 9.º)
A Região do Algarve abrange a área dos seguintes municípios, incluídos no distrito de Faro: Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António. (Artigo 10.º)
A lei quadro das regiões administrativas consta da Lei 56/91, de 13 de Agosto. Aí se prevêem, como órgãos representativos da região, a assembleia regional e a junta regional (artigo 3.º).
A assembleia regional é constituída por deputados regionais, em número variável em função do número de habitantes da região (artigo 22.º). As suas competências são as indicadas no artigo 25.º
A junta regional, órgão executivo da região, é constituída por um presidente e por vogais em número variável em função do número de habitantes da região (artigo 26.º). As suas competências são as indicadas no artigo 31.º
Nos artigos 40.º e 42.º prevê-se a existência de um governador civil regional e de vice-governadores civis regionais, junto de cada região administrativa, sendo as competências daquele as indicadas no artigo 41.º, e cumprindo aos vice-governadores coadjuvar o respectivo governador no exercício das suas funções (artigo 42.º).
As regiões administrativas têm património e finanças próprios (artigo 34.º), podendo cobrar taxas (artigo 39.º). As suas receitas são as indicadas no artigo 38.
4 - A aplicação do direito ao caso. - A proposta de referendo (consulta directa) foi aprovada pela Assembleia da República - que, como se viu, é o órgão constitucionalmente competente para o efeito -, tendo a iniciativa cabido a deputados, o que está conforme à Constituição e à lei (artigo 256.º, n.º 3, da Constituição e artigo 247.º, n.º 1, da Lei Orgânica do Regime do Referendo).
Observou-se, quanto à proposta de referendo, o que se dispõe nos artigos 10.º a 14.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo: a iniciativa, que foi dos deputados, obteve a maioria dos votos expressos. Ao que acresce que a resolução aprovada integra as perguntas a formular no referendo (duas) e define o respectivo universo eleitoral - que é constituído por todos os cidadãos eleitores recenseados no território nacional, quanto à pergunta de alcance nacional, e apenas pelos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril, no que toca à pergunta de alcance regional -, para além de ter sido publicada na 1.ª série do Diário da República.
A matéria sobre que incidem as perguntas que se querem submeter a referendo - a instituição em concreto das regiões administrativas - está, obrigatoriamente, sujeita a referendo, como decorre do artigo 256.º, n.os 1 e 3, da Constituição e do artigo 246.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, que, assim, são observados.
O referendo proposto recai sobre a instituição em concreto das regiões administrativas. E recai só sobre essa matéria. Está, assim, cumprido o artigo 256.º da Constituição, pelo que se dá também satisfação às exigências do artigo 6.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo.
São duas as perguntas que se propõem: uma, de alcance nacional, dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados em território nacional; outra, relativa a cada área regional, dirigida aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril. Tais perguntas são idênticas em todo o território nacional e devem constar de um único boletim de voto.
Deste modo, a proposta satisfaz as exigências do artigo 256.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 249.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo. Cumpre, especificamente, o disposto no n.º 3 deste artigo 249.º, pois que os boletins de voto destinados aos cidadãos eleitores recenseados fora das áreas regionais a instituir, que, tendo em conta o universo eleitoral definido na proposta, são apenas os recenseados nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, só conterão a pergunta de alcance nacional - aquela que, sendo dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados em território nacional, os interroga sobre se concordam com a instituição em concreto das regiões administrativas criadas pela Lei 19/98.
As perguntas formuladas, que, no essencial, se acham predeterminadas pela própria Constituição, satisfazem os requisitos de objectividade, clareza, precisão e dilematicidade enunciados no artigo 115.º, n.º 6, da Constituição e no artigo 7.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo, naquela medida em que esses preceitos são aplicáveis no caso. Satisfazem-no em medida bastante para o fim tido em vista.
Na verdade, perguntar aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional se «concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas» é interrogá-los sobre se estão de acordo com que se ponham a funcionar as regiões administrativas criadas pela Lei 19/98, de 28 de Abril, cujos órgãos e competências se acham definidos na Lei 56/91, de 13 de Agosto, como decorre do qualificativo «em concreto» dessa fórmula. E perguntar aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma dessas regiões se «concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral» é interrogá-los sobre se pretendem que a região onde se inscreve a sua área de residência seja posta em funcionamento.
As perguntas só têm, efectivamente, os sentidos que se lhes apontou. E esses sentidos, para além de adequados ao fim visado pela consulta, são facilmente compreendidos, na sua extensão, pelo comum dos eleitores, sem perigo de equívocos ou de erro que tenha significado.
É certo que a cabal compreensão destas perguntas pressupõe um conhecimento mínimo das mencionadas leis e, mais especificamente, da Lei 19/98. Isto, porém, não lhes retira a objectividade, a clareza ou a precisão exigidas pela Constituição e pela lei.
Não pode, de facto, ignorar-se que, como se sublinhou no Acórdão 288/98 (Diário da República, 1.ª série-A, de 18 de Abril de 1998) para uma hipótese em que valiam de pleno as exigências do artigo 115.º, n.º 6, da Constituição, «a clareza da pergunta se há-de conjugar com a sua objectividade e precisão, o que implica uma maior complexidade e a utilização de terminologia rigorosa, para se evitar posteriormente a existência de equívocos quanto às soluções propugnadas, por a pergunta abranger situações não pretendidas ou consentir leituras ambíguas». Nem esquecer-se que as perguntas não podem ser precedidas «de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas» (artigo 7.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo). E há-de ainda ter-se presente que, como se viu, as perguntas têm de ser formuladas para uma resposta de «sim» ou «não», segundo uma lógica que - nos dizeres do Acórdão 360/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 701) - «é manifestamente dilemática, bipolar ou binária, ou seja: que pressupõe uma definição maioritariamente unívoca da vontade popular, num ou noutro dos sentidos possíveis da resposta à questão cuja resolução é devolvida directamente aos cidadãos».
Este o quadro em que as perguntas são formuladas.
Haverá, então, que concluir que elas permitem obter dos eleitores respostas conscientes. E isso é o que, verdadeiramente, importa. Será, obviamente, necessário que, durante a campanha, os eleitores sejam esclarecidos de que é das concretas regiões administrativas criadas pela Lei 19/98, com os órgãos e poderes definidos pela Lei 56/91, que se está a falar - não das regiões administrativas que cada um idealize, nem do princípio da regionalização em si mesmo. Mas a campanha é para isso mesmo: para esclarecer os eleitores, desfazendo equívocos que ainda subsistam não obstante a informação que tem havido sobre a matéria.
Como decorre do que acaba de dizer-se, as referidas perguntas satisfazem os referidos artigos 115.º, n.º 6, da Constituição, e 7.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, ainda sob um outro ponto de vista: estão formuladas para respostas de «sim» ou «não», e não são precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas. E mais: não induzem o sentido das respostas.
À pergunta de alcance nacional são chamados a responder apenas os cidadãos eleitores recenseados em território nacional, e não também os cidadãos eleitores regularmente recenseados no estrangeiro.
É esta, porém, uma solução que bem se compreende e que está de harmonia com o que se dispõe no artigo 115.º, n.º 12, da Constituição: este prevê, é certo, a possibilidade de os cidadãos regularmente recenseados no estrangeiro participarem no referendo, apenas quando o referendo recaia «sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito».
Ora, não tendo esses cidadãos a sua vida organizada no território nacional, antes residindo no estrangeiro, não pode razoavelmente afirmar-se que a instituição em concreto das regiões administrativas tenha a ver especificamente com a situação desses cidadãos. E isso, por mais fortes que sejam «os laços de efectiva ligação à comunidade nacional», a que se faz apelo no artigo 121.º, n.º 2, da Constituição.
É que o tratamento jurídico dessa matéria não é susceptível de ter - usando palavras do citado Acórdão 288/98 - «uma particular incidência relativamente aos interesses da emigração portuguesa». E só uma tal possibilidade justificaria a abertura do universo eleitoral, prevista no citado artigo 115.º, n.º 12.
No tocante ainda ao universo eleitoral - questão que este Tribunal tem de apreciar [artigo 223.º, n.º 1, alínea f), da Constituição] -, os cidadãos eleitores recenseados nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira apenas são chamados a votar a pergunta de alcance nacional (cf. o n.º 2 da resolução) - o que cumpre o disposto no artigo 249.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo, que dispõe que «fora das áreas regionais a instituir, o referendo integra apenas a questão de alcance nacional».
Quanto à pergunta de alcance regional, ela está destinada a ser respondida por cada um dos cidadãos eleitores recenseados no restante território nacional (isto é, pelos cidadãos eleitores residentes no território continental), mas apenas relativamente à região em que cada um deles estiver recenseado. Deste modo, cumpre-se o disposto no artigo 250.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, que prescreve que «sem prejuízo do exercício do direito de sufrágio nos termos gerais quanto à questão de alcance nacional, participam no sufrágio, quanto à questão relativa a cada área regional, os cidadãos eleitores nela recenseados, de acordo com a distribuição geográfica definida pela lei quadro das regiões administrativas». E, desse modo, cumpre-se também o artigo 256.º, n.º 3, da Constituição, que prescreve que o referendo relativo à instituição em concreto das regiões administrativas terá lugar «nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica» - a Lei Orgânica do Regime do Referendo.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional:
1.º Decide considerar que:
a) A proposta de consulta directa constante da Resolução da Assembleia da República n.º 36-B/98 foi aprovada pelo órgão constitucionalmente competente para o efeito, nos termos do artigo 256.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;
b) Essa proposta de consulta referendária respeitou as formalidades especificadas nos artigos 10.º a 14.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, aprovada pela Lei 15-A/98, de 3 de Abril;
c) A matéria sobre que incide a consulta está, obrigatoriamente, sujeita a referendo, nos termos do artigo 256.º, n.os 1 e 3, da Constituição e do artigo 246.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
d) O referendo proposto recai sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, através de duas perguntas (uma de alcance nacional, outra de alcance regional), que, sendo idênticas em todo o território nacional, hão-de constar de um único boletim de voto, de harmonia com o que se prescreve nos artigos 256.º, n.º 1, da Constituição e no artigo 249.º, n.º 1, da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
e) Essas perguntas - a de alcance nacional, a ser respondida pelos cidadãos eleitores recenseados no território nacional; a de alcance regional, a ser respondida apenas pelos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões a instituir - acham-se formuladas para respostas de sim ou não, sem serem precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas - tudo em conformidade com o que preceituam os artigos 115.º, n.º 6, e 256.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 7.º, n.os 2 e 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
f) A pergunta de alcance nacional acha-se formulada com objectividade, clareza e precisão e não sugere, directa ou indirectamente, o sentido da resposta - tudo em conformidade com o que preceituam os artigos 115.º, n.º 6, e 256.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 7.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
g) A pergunta de alcance regional acha-se formulada com objectividade, clareza e precisão e não sugere, directa ou indirectamente, o sentido da resposta - tudo em conformidade com o que preceituam os artigos 115.º, n.º 6, e 256.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 7.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
h) A restrição da participação na consulta proposta aos cidadãos residentes em território nacional cumpre os requisitos do universo eleitoral definido no artigo 115.º, n.º 12, da Constituição;
i) Cumpre o disposto no artigo 249.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo (e, assim, no artigo 256.º, n.º 3, da Constituição) o facto de os cidadãos eleitores recenseados nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira apenas serem chamados a votar a pergunta de alcance nacional;
j) Finalmente, está conforme ao preceituado no artigo 250.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo (e, assim, no artigo 256.º, n.º 3, da Constituição) o facto de a pergunta de alcance regional dever ser respondida pelos cidadãos eleitores residentes no território continental apenas relativamente à região em que cada um deles estiver recenseado;
2.º Consequentemente, decide ter por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo proposto na mencionada Resolução da Assembleia da República n.º 36-B/98.
Lisboa, 29 de Julho de 1998. - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Guilherme da Fonseca - Vítor Nunes de Almeida - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida [vencido quanto às alíneas f) e g) do n.º 1 e quanto ao n.º 2 da decisão] - Maria Helena Brito [vencida quanto às alíneas f) e g) do n.º 1 e quanto ao n.º 2 da decisão, pelo essencial dos fundamentos constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Luís Nunes de Almeida] - Paulo Mota Pinto [vencido, nos termos da declaração de voto que junto, quanto às alíneas f) e h) do n.º 1 e, consequentemente, quanto ao n.º 2] - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Artur Maurício (vencido nos termos da declaração de voto da Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma, a cujos fundamentos integralmente adiro) - José Manuel Cardoso da Costa [com declaração de voto, relativamente à alínea h) do n.º 1 da decisão].
Declaração de voto
Votei vencido, por entender que não se deveria ter por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo, já que as perguntas se não encontram formuladas com objectividade e clareza.
Assim, quanto à pergunta de alcance nacional, acompanho, no essencial, as considerações constantes da declaração de voto da Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma, acentuando que, no meu entender, impondo a Constituição a referência à instituição em concreto das regiões administrativas, e sendo esse um conceito seguramente pouco claro, quando em si mesmo considerado, inteiramente se justificaria a explicitação do seu alcance no caso vertente, através de expressa referência à Lei 19/98. Na verdade, destinando-se o referendo a sufragar «o modelo, incluindo o mapa e o essencial do regime que nessa lei é estatuído», como se afirma - e bem - no acórdão que obteve vencimento, mal se compreende que a pergunta não esclareça os eleitores sobre o verdadeiro objecto do referendo, deixando apenas implícito o que poderia - e deveria - ser explícito. Destarte, a pergunta facilmente induz em erro os eleitores, sobretudo aqueles que, sendo favoráveis à instituição de regiões administrativas, discordam do modelo, do mapa ou do regime entretanto adoptados; aliás, a mera leitura da comunicação social permite concluir que já se radicou a falsa ideia que tais eleitores, para serem coerentes com as suas convicções, devem votar afirmativamente na primeira pergunta e negativamente na segunda, o que inviabiliza a ideia de que a campanha, neste caso, poderá vir a esclarecer os eleitores quanto a este ponto.
No que se refere à pergunta de alcance regional, entendi que o eleitor médio pode ser confundido pelo facto de se não identificar a «região administrativa que em concreto lhe é proposta», ao contrário do que, de certo modo, era sugerido no relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 65, de 1 de Julho de 1998). É que, como se afirmou no mencionado relatório e parecer, a que nada julgo ser necessário acrescentar:
«Não parece que tal opção viesse contrariar o princípio da identidade da pergunta consagrado no artigo 249.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo. A pergunta manter-se-ia idêntica em todo o território continental, sendo certo que na área correspondente a cada uma das oito regiões propostas se identificaria em concreto a designação da região proposta. É que, de facto, adoptar uma formulação genérica para designar oito realidades diferentes não parece ser o melhor caminho para respeitar neste caso concreto os princípios da objectividade, clareza e precisão a que, nos termos constitucionais, deve obedecer qualquer pergunta referendária. [...]» - Luís Nunes de Almeida.
Declaração de voto
Votei vencido as alíneas f) e h) do n.º 1 e, consequentemente, a decisão constante do n.º 2, pelas razões que passo a expor:
1 - As questões submetidas a referendo devem, nos termos dos artigos 115.º, n.º 6, da Constituição e 7.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo, ser formuladas com objectividade, clareza e precisão, para respostas de sim ou não e sem sugerirem, directa ou indirectamente, o sentido das respostas. Tenho por seguro que estes requisitos das perguntas a referendar não podem deixar de aplicar-se com igual rigor à consulta sobre a instituição em concreto das regiões administrativas.
Isto, desde logo, pela sua razão de ser, que consiste na garantia de condições de genuinidade democrática da manifestação da vontade popular num referendo, evitando que esta resulte falseada por uma errónea visualização das questões (assim, Maria Benedita Urbano, O Referendo, Coimbra, 1998, p. 207). Como verdadeira concretização de um princípio geral de garantia da correcta expressão da vontade popular, a exigência de objectividade, clareza e precisão da pergunta haveria, a meu ver, de ser feita ainda que não estivesse expressamente contida na Constituição. Como escrevi na declaração de voto aposta ao Acórdão deste Tribunal n.º 288/98 (publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 91, de 18 de Abril de 1998): «Trata-se, a meu ver, de exigências que, não tendo a ver com as matérias submetidas ao referendo, são, todavia, cruciais para assegurar a correcção e a idoneidade democrática do procedimento referendário. Os princípios da inteligibilidade ou compreensibilidade e clareza e o princípio da objectividade da pergunta visam permitir aos eleitores a sua leitura e compreensão acessível e sem ambiguidades, evitando 'que a vontade expressa dos eleitores seja falsificada pela errónea representação das questões' e eliminando a possível sugestão de respostas, directa ou implícita (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, anotação X ao artigo 118.º). Exige-se, assim, a minoração, na medida do possível, do risco de leituras e entendimentos da questão pelos seus destinatários, que possam - directa ou implicitamente, por interrogações ou ambiguidades que suscitem no eleitor - apontar para uma das respostas alternativas. Sendo esta a finalidade precípua das referidas exigências, impõe-se concluir que elas devem ser apreciadas a partir justamente do ponto de vista dos destinatários [...]».
É certo que a consulta directa sobre a instituição em concreto das regiões administrativas é constitucionalmente obrigatória (artigo 256.º), tendo, designadamente, de ser formuladas duas perguntas, respectivamente sobre a matéria da instituição em concreto das regiões administrativas e sobre cada região que tenha sido criada. Todavia, afigura-se-me impossível deduzir do texto da Constituição qualquer «predeterminação» da formulação da pergunta: a meu ver, a Constituição apenas determina a obrigatoriedade da consulta e de perguntas sobre certas matérias, mas não vincula a qualquer formulação verbal das questões.
Ainda, todavia, que se entendesse que é necessária a inclusão, na questão de alcance nacional, da expressão «instituição em concreto das regiões administrativas», tal condicionamento não poderia nunca significar uma menor exigência quanto à clareza, objectividade e precisão da pergunta, sendo certo que se podem conceber inúmeras perguntas que incluam tal expressão («instituição em concreto das regiões administrativas») e que - por outras palavras que empreguem ou simplesmente pelo modo como estão formuladas - não sejam claras, objectivas ou precisas. Considero, aliás, verdadeiramente absurdo que a Constituição pudesse obrigar a uma consulta popular com perguntas que não tivessem de satisfazer aquelas exigências de objectividade, clareza e precisão. Se, portanto, fosse necessária a inclusão na pergunta de alcance nacional da expressão «instituição em concreto das regiões administrativas», sempre se deveria entender - por aplicação do n.º 6 do artigo 115.º da Constituição (por remissão do artigo 256.º, n.º 3) ou por força de princípios gerais tendentes a garantir a correcta expressão da vontade popular - que a inclusão na pergunta dos termos necessários para assegurar uma sua formulação objectiva, clara e precisa é, não só constitucionalmente possível, como indispensável.
2 - Posto isto, entendo que a pergunta de alcance nacional em análise não obedece minimamente à exigência constitucional e legal de precisão.
Tal pergunta é imprecisa, quer no seu sentido jurídico (como resulta de não se deduzir da sua formulação se se referenda o regime jurídico, o mapa das regiões ou o modelo de regionalização), quer, de forma decisiva, numa apreciação a partir do ponto de vista de um seu «destinatário normal». Não posso, pois, concordar com a afirmação de que a pergunta de alcance nacional só tem, efectivamente, o sentido (aliás, claramente) apontado no acórdão, e que é o de se referir às regiões definidas (designadamente, no que toca aos seus órgãos, competências e limites), na Lei 19/98, de 28 de Abril. E menos ainda creio que esse sentido possa ser facilmente compreendido, na sua extensão, pelo comum dos eleitores, sem perigo de equívoco ou de erro.
Antes pelo contrário, considero que o sentido com que a pergunta é (e será) naturalmente entendida é o de se referir à instituição em concreto ou concretização das regiões administrativas, sem dúvida, mas não necessariamente das regiões e nos termos previstos na referida Lei 19/98.
Este é, a meu ver, o equívoco contido na primeira pergunta, verdadeiramente fatal, por tornar objectivamente possível um logro na expressão da vontade popular e na interpretação dos resultados da consulta (de «verdadeira fraude», «obscuridade política», e «armadilha» se tem igualmente falado a seu propósito - v., por exemplo, as referências nos jornais Público, de 14 de Julho de 1998, p. 9, e 24 horas, de 25 de Julho de 1998, p. 9).
É certo que está claramente excluído pela pergunta qualquer sentido que se refira à aprovação do princípio abstracto da regionalização, em si mesmo. Todavia, a simples referência à «instituição em concreto das regiões administrativas» não torna a pergunta precisa, pois «instituição em concreto» será naturalmente entendido tão-só como «concretização». Ora, cabe obviamente perguntar: concretização de quais regiões? Entender que na expressão «instituição em concreto» se contém uma espécie de remissão implícita (pois nada a explicita) para o modelo aprovado pela Lei 19/98, e, com base nisso, defender a precisão da pergunta, é, a meu ver, impossível. Ao contrário do que se aceitou no acórdão, tal remissão não «decorre do qualificativo 'em concreto' dessa fórmula» constitucional, pois, na pergunta em análise, esse qualificativo refere-se claramente à «instituição» das regiões - significando «instituição em concreto», portanto, «concretização» -, e não às concretas regiões previstas numa determinada lei (problema, este, que não me parece assumir a mesma gravidade na pergunta de alcance regional, quer por esta se referir à região administrativa da área de recenseamento eleitoral de cada cidadão - e, portanto, remeter para uma sua individualização -, quer porque resultaria corrigido, na sequência da primeira pergunta, se nesta se contivesse, como julgo que seria necessário, uma referência ao modelo de regionalização constante da lei).
Nem sequer é viável defender que a equivocidade resulta simplesmente da utilização da expressão «instituição em concreto», imposta pela Constituição (na qual, aliás, tal expressão surge enquadrada com a aprovação da lei das regiões - artigo 255.º - e com o processo de instituição de cada uma). A equivocidade resulta, isso sim, de não se fazer na pergunta a mais leve referência ao modelo de regionalização aprovado pela Assembleia da República ou à Lei 19/98, como seria exigido para se poder considerar que a pergunta é precisa, enquanto relativa à «instituição em concreto das regiões administrativas» aprovadas por essa lei (e como se fazia, aliás, no projecto de resolução 89/VII, apresentado pelo PSD). Repita-se, aliás, que ainda que a equivocidade da pergunta decorresse logo da expressão «instituição em concreto», sempre seria também constitucionalmente imposto que essa expressão fosse acompanhada dos complementos necessários para tornar a pergunta precisa.
Considero, portanto, surpreendente que uma pergunta onde a remissão para o modelo de regionalização aprovado pela Assembleia da República está, no mínimo, escondida (se está de todo presente) possa ser considerada clara e precisa, justamente no sentido (efectivamente precisado no acórdão) de se referir a esse modelo concreto. Em face da questão de alcance nacional, há, como se disse, que perguntar: «instituição em concreto», concretização, de quais regiões? Ora, o simples cabimento desta pergunta e a dúvida que se pode gerar perante ela, suscitada pela expressão «instituição em concreto das regiões administrativas» desacompanhada de qualquer outra, possibilita (como já está a possibilitar) uma verdadeira exploração política e a confusão dos eleitores, quanto a estar em causa simplesmente a concretização das regiões administrativas (do número de regiões e com os limites, os órgãos e os poderes que a cada um aprouverem), mas não do modelo já aprovado pela Assembleia da República.
Para comprovar isto, basta atentar nos diversos equívocos que o sentido da primeira pergunta já tem suscitado: assiste-se à defesa da resposta afirmativa à primeira pergunta, por quem, todavia, expressamente se afirma contra o modelo de regionalização aprovado pela Assembleia da República (v., por exemplo, A Capital, de 25 de Julho de 1998, p. 14, e o Público, do mesmo dia, p. 52); ou à previsão de que o voto «sim» à primeira pergunta e «não» à segunda seja frequente, «pela coerência que demonstra» e por ser «claríssimo» (v. Diário de Notícias, de 26 de Julho de 1998, p. 10) - quando claro e preciso, para o acórdão, é antes que a primeira pergunta se refere já também ao modelo, e, portanto, ao mapa das regiões aprovado pela Lei 19/98 (existindo, pois, uma verdadeira relação de inclusão entre resposta afirmativa à primeira e à segunda pergunta - no sentido de que, suposto um eleitor coerente, a resposta a esta última decorre já da resposta afirmativa à primeira e o voto «não» à segunda pergunta implica a resposta negativa à primeira questão). Ou basta também interrogarmo-nos sobre como deve votar quem é a favor da tese da regionalização em si mesma (em abstracto), mas não deste modelo, aprovado pela Lei 19/98: segundo a interpretação da primeira pergunta, considerada clara e precisa, pelo acórdão, «não» à primeira pergunta; segundo o que julgo ser o sentido da pergunta que primeiramente é apreendido por um destinatário normal, «sim» a essa pergunta (e «não» à segunda).
Com estes fundamentos, considerei que a pergunta de alcance nacional não respeita a exigência de precisão formulada na Constituição e na lei.
3 - A verificação da constitucionalidade do universo eleitoral do referendo proposto, nos termos da alínea h) do n.º 1 da decisão, suscitou-me igualmente reservas. Designadamente, apesar de ficar com dúvidas quanto ao sentido da fórmula constante do artigo 115.º, n.º 12, da Constituição e reproduzida no artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo - matérias que digam «também especificamente respeito» aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro -, não concordo com a exigência de que a matéria do referendo «tenha a ver especificamente com a situação desses cidadãos». Reproduzindo o que escrevi na declaração de voto aposta ao citado Acórdão 288/98, «tenho por seguro que: a) não se prevê a participação destes cidadãos em todos os referendos nacionais, como resulta da formulação e da própria localização sistemática das referidas normas; b) não se requer um interesse específico apenas dos cidadãos não residentes, distinguindo-se a fórmula empregue, por exemplo, da do interesse específico exigido para a delimitação dos poderes legislativos das Regiões Autónomas (trata-se de matérias que digam também especificamente respeito aos cidadãos não residentes em Portugal). E parece-me mesmo excessiva a exigência de que a matéria do referendo 'tenha a ver com a específica situação dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro', ou de uma 'particular incidência relativamente aos interesses da emigração portuguesa'. Em face da formulação legal, dever-se-á ponderar seriamente a hipótese de, nas matérias que digam 'também especificamente respeito' aos cidadãos não residentes se incluírem ainda aquelas que são susceptíveis de interessar a estes ao mesmo título que aos cidadãos que residem em Portugal, ou simplesmente as que não respeitem a um interesse específico destes cidadãos residentes».
Assim sendo, e porque está em causa uma reforma administrativa e política de elevada importância para o País, entendo que seria de exigir o chamamento dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro a participar no presente referendo, respondendo à pergunta de alcance nacional, na qual são igualmente chamados a pronunciar-se cidadãos não residentes em cada uma das regiões a instituir (embora residentes no território nacional), como é o caso dos cidadãos residentes nas Regiões Autónomas. - Paulo Mota Pinto.
Declaração de voto
1 - Votei vencida por entender que a primeira pergunta da consulta referendária sobre a regionalização, quando se limita à expressão «instituição em concreto das regiões», não atinge a objectividade, a clareza e a precisão exigidas conjugadamente pelos artigos 256.º, n.º 1, e 115.º, n.º 6, da Constituição.
Sendo a consulta referendária obrigatória quanto à instituição em concreto das regiões, decorre do próprio artigo 256.º, n.º 1, da Constituição a definição do objecto da consulta popular. A instituição em concreto das regiões é o objecto da referida consulta, enquanto contraposta à sua criação em abstracto pela lei de criação das regiões.
Há, assim, desde logo no plano do objecto jurídico imposto pelo artigo 256.º da Constituição, um sentido complexo para a designada instituição em concreto. A instituição em concreto das regiões não adquire o sentido constitucionalmente pretendido senão em contraposição à criação legal das regiões, prevista no artigo 255.
2 - Do objecto do referendo previsto no artigo 256.º, n.º 1, da Constituição está excluída a própria criação das regiões. Desse objecto apenas faz parte o momento da criação, o mapa regional e, como pressuposto da decisão popular, o conteúdo essencial de um certo modelo de regionalização. É, assim, esse objecto que tem de ser transposto inequivocamente para as perguntas referendáveis.
Ora, aceitando que a expressão «instituição em concreto» pretende já revelar este sentido no próprio texto constitucional, é altamente duvidoso que a sua simples transposição para pergunta de um referendo, não apoiada em quaisquer outros elementos linguísticos, confira a tal pergunta a clareza e a precisão suficientes (quanto ao sentido do próprio artigo 256.º, n.º 1, da Constituição). E a clareza e a precisão são critérios essenciais a que se tem de subordinar qualquer referendo (obrigatório ou facultativo), exprimindo condições de legitimidade das manifestações de democracia directa num Estado de direito democrático, impostas, entre nós, pelo artigo 115.º, n.º 6, da Constituição.
Deste modo, o facto de, por si só, a expressão «instituição em concreto» não revelar a complexidade de sentido dos artigos 255.º e 256.º, n.º 1, conjugadamente, permite que a pergunta referendária sugira leituras que a interpretam como incidindo sobre o «se», em absoluto, da criação de regiões, independentemente do momento, do mapa e do conteúdo essencial do modelo. Tais leituras estarão, a meu ver, dentro do sentido possível das palavras, não sendo expressamente excluídas pelo enunciado das perguntas.
3 - Por outro lado, uma eventual interpretação do texto constitucional como potencialmente equívoco, na medida em que é o produto de uma revisão constitucional baseada num consenso complexo, é de rejeitar, em absoluto, como pressuposto da legitimidade da equivocidade da pergunta de um referendo obrigatório.
Nunca um referendo, ainda que obrigatório, poderia vincular legitimamente um Estado de direito democrático se a questão sujeita a referendo fosse assumidamente equívoca. E se o equívoco fosse o propósito do legislador constitucional, a norma constitucional não vincularia em qualquer dos sentidos que admitisse.
Se o texto constitucional permitisse, simultaneamente, a leitura de um referendo à própria regionalização em absoluto e de um referendo ao momento, ao mapa e modelo concreto, estaria impossibilitada a fixação do objecto obrigatório do referendo, seriam inatingíveis as clareza e precisão exigidas e tornar-se-ia ilegítimo vincular os cidadãos a qualquer uma das consequências arbitrariamente escolhida em consonância com a preferência por um dos sentidos possíveis. O resultado jurídico do referendo seria imprevisível.
4 - A contraposição desta proposta de questão referendária à da interrupção voluntária da gravidez, em que o Tribunal Constitucional não encontrou obstáculos de clareza e precisão, parece-me, aliás, nítida.
Com efeito, na pergunta que questionou a concordância com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, durante um certo prazo e em determinadas condições, estavam contidos todos os elementos linguísticos e de sentido que permitiriam aos cidadãos prever o efeito jurídico das suas respostas. A pergunta era suficientemente clara e precisa porque nada se escondia quanto às consequências para os cidadãos de uma resposta afirmativa ou negativa. Estava-se, para além do mais, perante uma questão vivencial, cuja formulação foi antecedida por uma tomada de consciência histórica e cultural do sentido do problema. Diferentemente, a instituição de um modelo de regionalização não constitui matéria de experiência imediata nem se filia na tradição portuguesa, correspondendo a uma reforma inovadora e profunda do Estado.
Eis, em suma, as razões pelas quais concluí pela inconstitucionalidade da primeira pergunta proposta, que considero insuficientemente adequada ao objecto constitucional do referendo em causa e carente da objectividade, da clareza e da precisão requeridas (artigos 256.º, n.º 1, e 115.º, n.º 6, da Constituição).
5 - No que se refere à segunda pergunta, remeto para o conteúdo essencial das razões expendidas na declaração de voto do Exmo. Conselheiro Luís Nunes de Almeida. - Maria Fernanda Palma.
Declaração de voto
Tal como no Acórdão 298/98, não acompanhei a fundamentação sufragada pelo Tribunal quanto ao ponto a que se refere a alínea h) do n.º 1 da decisão, a saber, o relativo ao «universo eleitoral» da consulta, com a sua restrição aos cidadãos residentes no território nacional: as razões da minha discordância, relativamente a essa fundamentação, são as que sucintamente constam do n.º 4 da declaração de voto que juntei àquele acórdão.
Assim, também no caso agora em apreço, dada a natureza da matéria ou da questão versada pelo referendo (ou consulta), entendi que a Assembleia da República podia, igualmente, ter alargado aquele universo aos cidadãos residentes no estrangeiro - até porque a sua participação sempre seria restrita àqueles que mostrem «a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional» (cf. a remissão do n.º 12 do artigo 115.º para o n.º 2 do artigo 121.º da Constituição). - José Manuel Cardoso da Costa.