Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/98
1 - Decorrido um ano e meio sobre a criação do Quadro de Acção para a Recuperação de Empresas em Situação Financeira Difícil (QUARESD), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/96, de 4 de Julho, constata-se que a situação então existente que determinou a sua criação se alterou significativamente. A conjuntura macroeconómica, então ainda marcada por numerosas incertezas quanto ao crescimento da economia, modificou-se positivamente. Em três anos sucessivos - 1995, 1996 e 1997 - o produto cresceu acima da média da União Europeia, tudo indicando que o mesmo acontecerá em 1998. O desemprego diminuiu. O défice orçamental, a dívida pública e os preços iniciaram uma trajectória descendente sustentada que colocam Portugal entre os países que melhor atingiram os critérios de convergência fixados para a criação do euro.
A melhoria do ambiente macroeconómico repercutiu-se, favoravelmente, no tecido empresarial, nomeadamente pela sensível redução dos custos do capital, cujo valor diminuiu em mais de um terço desde Outubro de 1995.
Decresceu, naturalmente, o número de empresas que, há dois anos, apresentavam sintomas de crise financeira. Em consequência desta nova situação, entende o Governo que deixou de fazer sentido a existência de um quadro específico - o QUARESD vocacionado para atender às empresas em situação financeira difícil. Em relação a muitas delas a experiência de aplicação do QUARESD confirmou que a sua revitalização terá de depender cada vez menos de apoios ou incentivos concedidos aos empresários e gestores responsáveis por aquelas situações financeiras difíceis. Assim, ter-se-á de atender a novas dinâmicas de organização e gestão dos activos daquelas empresas, feitas por empresários, quadros ou sociedades que, no respeito pelas regras de mercado, as venham adquirir para as reestruturarem através, nomeadamente, de processos de fusão ou concentração. Por outro lado, todas as empresas que deixarem de poder exercer, de qualquer forma, a sua função social de produtoras de bens e serviços capazes de serem colocados, com proveitos, no mercado devem ser apresentadas à falência.
Simultaneamente, o esgotamento do QUARESD, com a criação do Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial (SIRME), que esta resolução consagra, exprime também uma nova realidade para que a economia portuguesa caminhe, aceleradamente, permitindo que as empresas estejam preparadas desde o início para o impacte do euro.
Na verdade, com a plena participação de Portugal na União Económica e Monetária (UEM) perderão rapidamente eficácia todos os instrumentos macroeconómicos (política cambial, monetária e até orçamental) que tradicionalmente foram usados para criar às empresas melhores condições de competitividade.
Embora dependendo de um conjunto muito diversificado de factores onde outras políticas públicas continuarão a ter um papel importante (formação e qualificação dos recursos humanos; política energética;
desburocratização da Administração Pública; promoção de ambiente macroeconómico são e estável; políticas regionais activas; melhoria de todas as infra-estruturas de comunicações), os factores de competitividade dependerão de forma acentuada das condições microeconómicas em que operam as empresas portuguesas.
Alcançado um ambiente macroeconómico estável e são, no quadro da UEM, o equilíbrio da nossa economia dependerá, cada vez mais, da boa saúde e do sucesso das nossas empresas.
A partir do 2.º semestre, se não conseguirmos construir uma boa microeconomia, viremos a sofrer consequências na nossa economia.
Daí que seja objectivo primordial da política económica contribuir para acelerar um movimento de revitalização e modernização do tecido empresarial absolutamente indispensável a enfrentar, com sucesso, os desafios do euro.
Neste sentido, a criação do SIRME dá, também, um sinal inequívoco na orientação da política económica do Governo.
Através da criação de dois novos instrumentos - Fundo para a Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial e Fundo para a Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial em Regiões de Monoindústria - lança-se um novo sistema de incentivos que vem, também, a agregar outros instrumentos já disponíveis, tanto no domínio dos incentivos financeiros, como fiscais, como de formação e de base regional ou local e que constituam efectivos estímulos a empresários, quadros e sociedades com credibilidade, que apresentem índices inequívocos de saúde financeira e queiram mobilizar a sua capacidade de risco na aquisição e gestão, ou apenas na gestão, de activos cuja rendibilidade actual apresente sinais de crise.
Assim sendo, a actuação deste novo sistema de incentivos orientar-se-á para uma lógica de revitalização e modernização do tecido empresarial (e não de recuperação) incentivando a intervenção de quem tenha provas dadas com sucesso (e não apoiará ou premiará o continuado fracasso empresarial) e estimulando o nascimento, a maturação e o fortalecimento de processos empresariais sãos, não intervindo nunca numa lógica de prolongamento artificial da vida da empresa.
O novo sistema de incentivos terá as seguintes linhas de força:
a) Alargamento do leque de entidades candidatas a utilização do Sistema, já que ele se dirige a todas as empresas sólidas, com condições económicas e financeiras para liderarem processos de reestruturação e revitalização do tecido empresarial (incluindo as dirigidas a empresas em situação financeira difícil);
b) Criação de um instrumento de reestruturação empresarial especificamente dirigido a zonas cujas populações activas são fortemente dependentes de uma só empresa ou de empresas de uma mesma actividade;
c) Redefinição das missões dos poderes públicos e dos seus organismos, bem como o redimensionamento do seu papel.
2 - O Sistema de Garantias do Estado a Empréstimos Bancários (SGEEB), não obstante os recursos disponibilizados pelo Governo, não foi um instrumento eficaz, operativo e credível, quer para o sistema financeiro, quer para as próprias empresas que a ele pretenderam recorrer, mantendo-se porém em vigor para todos os casos já abrangidos, bem como eventualmente para aqueles que se possam justificar.
Como é sabido, para além de procedimentos com excesso de morosidade e rigidez, considera-se que o SGEEB - sendo um sistema de garantia do Estado a créditos concedidos a empresas em situação financeira difícil - gerou no sistema financeiro um sentimento de falta de confiança, que levou, ao contrário do que se pretendia, a uma penalização das próprias empresas que a ele se pretenderam candidatar.
Tal realidade não nega a importante colaboração que se gerou entre as instituições públicas responsáveis pela gestão do QUARESD e o sistema financeiro na montagem de complexas operações de reestruturação empresarial, a qual deve ser mantida e desenvolvida na gestão do novo sistema de incentivos agora criado.
É essencial, no novo quadro, relançar igualmente a participação de outras instituições financeiras, como é o caso das sociedades de capitais de risco e das sociedades de investimento, que se mantiveram praticamente afastadas do lançamento de projectos de reestruturação empresarial no âmbito do QUARESD, apesar de serem indiscutivelmente as entidades promotoras mais experientes e credenciadas nesse domínio.
Conta-se mobilizar para a promoção de uma boa parte de operações de reestruturação empresarial um significativo número de empresas em boa situação, detentoras de capacidade de gestão, o que permitirá, por via de aquisição, revitalizar empresas em dificuldades e, sempre que for caso disso, a adopção e a preparação atempada, por via administrativa, das medidas e providências previstas na recuperação judicial de empresas, acelerando-se os processos falimentares através da iniciativa de credores públicos, sempre que se constatar a inviabilidade de revitalização.
Este tipo de operações beneficia já de incentivos fiscais, criados pelo Decreto-Lei 14/98, de 28 de Janeiro.
A aquisição de capital social de empresas em situação difícil por parte de quadros ou trabalhadores (MBI e MBO), a que já se vem assistindo no âmbito de alguns processos de reestruturação em curso, constitui outro mecanismo de reestruturação empresarial que o Governo considera importante apoiar e estimular no quadro da autorização legislativa concedida nos termos do n.º 8 do artigo 43.º da Lei 127-B/97, de 20 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1998, tendo sido nesta data aprovado o respectivo diploma regulamentador, estando ainda em revisão o regime jurídico do FUNGEPI.
De igual modo se procede à aprovação de diplomas sobre sociedades de gestores judiciais (SGJ), sociedades de liquidatários judiciais (SLJ) e sociedades gestoras de empresas (SGE), reconhecendo e dignificando a actividade dos profissionais especializados em operações de reestruturação empresarial.
Complementarmente à criação destes instrumentos e como base de incentivos financeiros à sua utilização, constituir-se-á o Fundo para a Modernização e Reestruturação do Tecido Empresarial, sob a forma jurídica de SGPS, com um capital de 10 milhões de contos, a subscrever na fase de arranque pelo Estado e institutos públicos, prevendo-se o seu posterior aumento para 20 milhões de contos, os quais podem, nos termos da legislação aplicável, tomar participações e conceder empréstimos e garantias no quadro de operações de reestruturação empresarial.
3 - Pretendendo-se o recurso, predominantemente, à iniciativa privada como motor de processos de reestruturação empresarial, prevê-se que, em zonas marcadas por situações de monoindústria ou de monoempresa, imperativos de desenvolvimento regional imponham, numa 1.ª fase, incentivos mais significativos e orientados para a preparação e concretização das respectivas operações de reestruturação.
A mobilização de esforços de todos os agentes económicos locais e das próprias autarquias poderá levar, designadamente, à constituição de sociedades de garantia mútua e de desenvolvimento regional.
Para assegurar um apoio mais efectivo ao lançamento destas operações constituir-se-á também, em moldes semelhantes aos anteriores, o Fundo para a Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial em Regiões de Monoindústria, dotado de um capital de 3,5 milhões de contos.
4 - Reconhecendo-se embora o esforço desenvolvido pelo Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas (GACRE) no atendimento de empresas em dificuldades, considera-se conveniente proceder à extinção daquela estrutura e à atribuição ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) da competência para a recepção, instrução e aprovação de pedidos de apoio. Neste processo dever-se-ão ter em conta as possibilidades de combinação de outros instrumentos específicos da revitalização e modernização do tecido empresarial com os que, nesta data, são aprovados e ainda outros geridos por aquele Instituto, fazendo-o de forma articulada.
5 - Neste sentido, o IAPMEI deve preparar o quadro de um Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial (SIRME).
6 - Por sua vez, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) deve formular medidas que procurem assegurar a criação de oportunidades e alternativas de emprego, no quadro das soluções de revitalização e modernização, em articulação com o IAPMEI.
7 - A articulação do quadro instituído pelo QUARESD com o SIRME implica que os projectos entrados no GACRE e já deferidos, de acordo com o disposto no Decreto-Lei 127/96, de 10 de Agosto, sejam remetidos à Direcção-Geral do Tesouro para os efeitos que decorrem da garantia do Estado a empréstimos bancários, sendo os demais, em instrução, remetidos ao IAPMEI, que prosseguirá essa instrução à luz das várias alternativas que agora se instituem, para além do próprio SGEEB. Para essa articulação será criada junto do Ministério da Economia, como estrutura de projecto, uma auditoria para a reestruturação empresarial que integrará representantes dos Ministérios das Finanças, da Economia, do Trabalho e da Solidariedade e, sempre que necessário, dos Ministérios da Justiça e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - Aprovar a participação do Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro, do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no capital do FRME - Fundo para a Revitalização e Modernização do Tecido Empresarial, SGPS, com o capital social de 10 000 000 000$, representado por 10 000 000 de acções, com o valor nominal de 1000$, nela subscrevendo, respectivamente, 9 000 000, 500 000 e 500 000 acções.
2 - Aprovar a participação do Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro, do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no capital social do FRMERMI - Fundo para a Modernização e Reestruturação do Tecido Empresarial em Regiões de Monoindústria, SGPS, com o capital social de 3 500 000 000$, representado por 3 500 000 acções, com o valor nominal de 1000$, nela subscrevendo, respectivamente, 3 000 000, 250 000 e 250 000 acções.
3 - Articular igualmente os instrumentos disponíveis, como sejam, entre outros, os da formação profissional, as iniciativas de desenvolvimento local (IDL), as iniciativas locais de emprego (ILE), o Regime de Incentivos a Microempresas (RIME), o que será garantido através de uma profunda coordenação entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, o Instituto do Emprego e Formação Profissional e os respectivos organismos gestores.
4 - Mandatar os Ministros das Finanças, da Economia e do Trabalho e da Solidariedade para, em conjunto, praticarem todos os actos que julguem necessários, úteis e convenientes à constituição e funcionamento dos fundos referidos nos números anteriores.
5 - Cometer ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento a preparação do quadro em que se inserirá a prestação de apoios por parte do Fundo para a Revitalização e a Modernização do Tecido Empresarial e do Fundo para a Revitalização e a Modernização do Tecido Empresarial para as Regiões de Monoindústria e a celebração de acordos quadro de colaboração com os fundos referidos no número anterior e com as instituições financeiras, designadamente sociedades de capitais de risco e sociedades de investimento, que manifestem interesse em participar na concretização de projectos de revitalização e modernização do tecido empresarial, bem como a recepção, instrução e aprovação dos pedidos de apoio ou de aplicação dos incentivos à celebração de contratos de consolidação financeira e de reestruturação empresarial ou de aquisição de capital social por quadros e trabalhadores.
6 - Extinguir o Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas (GACRE), criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/96, de 4 de Julho.
7 - Os projectos entrados no GACRE ao abrigo do Sistema de Garantia do Estado a Empréstimos Bancários (SGEEB) serão remetidos à Direcção-Geral do Tesouro ou ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, consoante os casos.
Presidência do Conselho de Ministros, 19 de Fevereiro de 1998 - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres