Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril (LTC), a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória".
Para dar por verificados os pressupostos de que o artigo 82.º da LTC faz depender a possibilidade de instauração de um processo com fundamento na repetição do julgado, o requerente sustentou que a referida dimensão normativa foi julgada já materialmente inconstitucional, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, através do Acórdão 714/2014, tendo o juízo de inconstitucionalidade neste formulado sido subsequentemente reiterado no Acórdão 828/2014, assim como nas Decisões Sumárias n.º 804/2014 e 59/2015.
2 - Notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, a Assembleia da República, através da respetiva Presidente, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
3 - Apresentado o memorando a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º da LTC, aplicável por força do disposto no artigo 82.º da mesma Lei, e após debate, cumpre elaborar acórdão nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 63.º
II - Fundamentação
4 - Nos termos do n.º 3 do artigo 281.º da Constituição, o Tribunal aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.
Para verificação dos requisitos previstos naquele preceito constitucional e no artigo 82.º da LTC, o requerente indica os Acórdãos n.º 714/2014 e 828/2014 e as Decisões Sumárias n.º 804/2014 e 59/2015.
Os Acórdãos n.os 714/2014 e 828/2014, bem como a Decisão Sumária n.º 59/2015, julgaram inconstitucional a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Por seu turno, a Decisão Sumária n.º 804/2014, pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 857.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição".
Embora recorrendo a fórmulas decisórias não inteiramente coincidentes, quer as Decisões Sumárias n.º 804/2014 e n.º 59/2015, quer o Acórdão 828/2014 remeteram para a orientação fixada no Acórdão 714/2014, dando por reproduzidos os fundamentos com base nos quais este julgou inconstitucional o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória».
5 - Conforme resulta do conjunto de decisões a que acaba de aludir-se, o problema da constitucionalidade da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", foi pela primeira vez suscitado perante este Tribunal no âmbito do processo em que foi proferido o Acórdão 714/2104.
Procedendo ao enquadramento da questão a decidir, o Tribunal, no referido Acórdão 714/2014, começou por confrontar o regime subjacente à norma sob fiscalização com a solução que, precedendo-o, fora feita constar do artigo 814.º do anterior Código de Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, cujo n.º 2 havia sido declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, através do Acórdão 388/2013, quando interpretado "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual fo[ra] aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição".
Neste julgamento, estando em causa "o problema de saber em que termos e com que alcance pode[ria] o desenvolvimento do procedimento de injunção - maxime o prévio confronto do executado com uma exigência institucional, formal e cominada à satisfação do crédito invocado e a sua inércia quanto à apresentação de defesa perante esse ataque - ser tido como aceitação - ou, pelo menos, como reconhecimento tácito da ausência de litígio - idóneo a repercutir-se, como valor negativo, na limitação dos meios de oposição à execução", o Tribunal, entendeu que, tal como havia sido considerado no Acórdão 437/2012, «a equiparação entre a "sentença judicial" e o "requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória", enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução, traduzia uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo "de forma célere e simplificada"».
Reconhecendo embora que a solução consagrada no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, não coincidia integralmente com aquela que anteriormente constava do artigo 814.º do Código de Processo Civil, o Tribunal, no referido Acórdão 714/2014, considerou, no entanto, que, por se manter inalterada, por força da remissão operada pelo artigo 857.º, n.º 1, para o artigo 729.º, ambos daquele primeiro diploma legal, a regra da "equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado", a ampliação dos meios de defesa produzida pelos n.os 2 e 3 do aludido artigo 857.º - e a consequente atenuação, por essa via, do efeito preclusivo da defesa perante a execução - não constituía uma modificação suficientemente relevante para "dar resposta aos fundamentos do juízo positivo de inconstitucionalidade relativo ao regime anterior".
Pronunciando-se sobre o significado em concreto atribuível ao alargamento dos fundamentos de defesa resultante do regime de 2013 - que passou a prever a possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes ao prazo para dedução de oposição no processo de execução, quer em caso de justo impedimento à oposição (artigo 857.º, n.º 2), quer quando existam exceções dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (artigo 857.º, n.º 3) -, o Tribunal concluiu que a persistência em qualquer caso da «regra de equiparação do requerimento de injunção objeto da aposição de fórmula executória ao título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado», fazia permanecer inalterados os «aspetos relativos ao regime específico da injunção com fundamento nos quais o Tribunal concluíra, no passado, pela inconstitucionalidade de solução legal semelhante».
De acordo com a posição sufragada no referido aresto, «o alargamento dos meios de defesa à falta de pressupostos processuais, à existência de exceções de conhecimento oficioso e a factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, desde que supervenientes ao prazo para oposição» não teve o efeito de «sanar as diferenças incontornáveis entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença», isto é, as diferenças que se fazem sentir no modo como, num e noutro caso, «ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor e, de outra banda, na probabilidade e grau de intervenção judicial no processo».
Na concretização de tal ponto de vista, escreveu-se no Acórdão 714/2014 o seguinte (cf. II. Fundamentação, 8.1):
«[...] no tocante ao primeiro aspeto, enquanto que, tratando-se de sentença, o devedor é chamado à ação através de citação (artigo 219.º, n.º 1, do NCPC), no primeiro caso o requerimento de injunção é-lhe comunicado por via de notificação (artigos 12.º e 12.º-A do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro), sendo por conseguinte menores as garantias de cognoscibilidade do respetivo conteúdo». Como se referiu no Acórdão 529/2012:
«[E]sta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistirá num sibiimputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções - o Balcão Nacional de Injunções - e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um "processo justo" é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cf. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cf. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.»
Como salientam Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira - os dois Autores anteriormente citados -, «o exercício efetivo do contraditório em sede de injunção pressupõe que o requerido tome conhecimento do procedimento e dos efeitos preclusivos associados à falta de oposição. Ora, tal não é assegurado pela notificação pela via postal registada e/ou simples para um ou mais locais que podem não corresponder à morada ou sede do requerido nem pelo conteúdo da notificação» (ob. cit., p. 328)».
Já as diferenças relativas à probabilidade e grau de intervenção judicial no processo foram abordadas, no citado Acórdão 714/2014, nos termos seguintes (cf. II. Fundamentação, 8.2):
«No que se refere à intervenção judicial, enquanto a sentença é produto, por definição, de um procedimento judicial, sendo um ato materialmente judicial, a injunção tem um caráter não jurisdicional. A intervenção judicial apenas ocorre se for apresentada oposição pelo requerido mas, nesse caso, o processo segue os termos da ação declarativa especial (cf. artigo 17.º do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro). Esta regra apenas conhece a exceção do artigo 14.º, n.º 4 do regime referido, que prevê a possibilidade de reclamação para o juiz em caso de recusa pelo secretário judicial de aposição de fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou à finalidade do procedimento de injunção. Como se referiu no Acórdão 399/95, «[a]ssumindo o processo de formação deste tipo específico de título executivo índole essencialmente tabeliónica (trata-se de verificar a regularidade formal de papéis e levá-los, por via postal, ao conhecimento de alguém), é natural que o legislador, em homenagem aos objetivos de simplificação da atividade jurisdicional que motivaram a injunção, não tenha sobrecarregado a atividade do juiz com mais esse encargo. Daí, a sua entrega ao secretário judicial [...]».
Ora, como realçou o Acórdão 176/2013, as «exigências de eficácia do sistema de execução, e o relevo que reconhecidamente assumem para a dinâmica económica e o tráfego comercial, não consentem que, a partir de uma fase não jurisdicional, sujeita a um controlo meramente formal da competência do secretário judicial, em que se prescinde "de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria" (Lebre de Freitas, ob. cit., p. 182-183), se funde mais uma mera aparência da existência de um crédito e se opere efeito preclusivo para o qual não houve advertência. Em substância, essa ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que caracteriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual.»
Concluindo, com base na descrita ordem de considerações, pela subsistência, no âmbito da norma sob fiscalização, dos aspetos relativos ao regime específico da injunção que haviam justificado a censura constitucional da norma constante do n.º 2 do artigo 814.º do anterior Código de Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro - isto é, as "restrições do direito de defesa em sede de execução e da obtenção de pronúncia judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido pelo credor prévias à aposição da fórmula executória" -, o Acórdão 714/2014 julgou inconstitucional «o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória».
6 - Através de fórmulas decisórias no essencial coincidentes, o juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão 714/2014 foi, conforme já se mencionou, reiterado no Acórdão 828/2014, assim como nas Decisões Sumárias n.º 804/2014 e 59/2015, todos tendo reproduzido os fundamentos seguidos no primeiro.
Apesar de nenhuma destas decisões ter integrado na dimensão interpretativa julgada inconstitucional qualquer elemento extraído da circunstância, comum a todos eles, de a norma sob fiscalização ter sido recusada aplicar no âmbito do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada de tribunal de 1.ª instância, aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, nem ter feito expressamente depender a ratio decidendi subjacente ao juízo formulado do facto de estar em causa a aplicação do «artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória» no âmbito daquele tipo de procedimentos, o certo é que, conforme se retira do contexto aplicativo em que o Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre tal dimensão normativa, foi essa a hipótese subsuntiva em concreto verificada.
Considerados os limites do caso julgado que se forma no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade - isto é, aqueles que resultam da circunstância de tal fiscalização versar "sobre uma norma, tal como foi aplicada ou desaplicada na decisão recorrida", na "sua incidência limitada ao caso concreto" (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, p. 941), com mera eficácia inter partes (cf. artigo 80.º, n.º 1, da LTC) -, daqui resulta que o juízo de inconstitucionalidade formulado em todas as decisões indicadas pelo Ministério Público, justamente por não ter produzido efeitos senão no âmbito do caso concreto a cada uma delas subjacente, apenas atingiu e afetou a norma do «artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória» na dimensão aplicativa resultante da sua conjugação com o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada de tribunal de 1.ª instância, aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro.
Na medida em que elenca os fundamentos de oposição invocáveis em qualquer execução que se funde em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o âmbito de aplicação da norma constante artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», é, todavia, mais vasto.
7 - De acordo com o artigo 7.º do Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, a injunção a que se reporta o regime atualmente constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, é uma "providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro".
Em razão da diferente natureza da relação obrigacional subjacente, o procedimento de injunção obedece assim, a dois distintos pressupostos: i) um, tendo por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, de acordo com o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada de tribunal de 1.ª instância, aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, e publicado em anexo; ii) outro, tendo por objetivo conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, que transpôs para o ordenamento interno a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho de 2000, e pelo Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, diploma que, com exceção dos respetivos artigos 6.º e 8.º (cf. artigo 13.º, n.º 1), revogou e substitui aquele primeiro, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais.
Uma vez que, ao contrário do que sucede no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral afeta a própria vigência da norma julgada inconstitucional, tendo por efeito a sua eliminação da ordem jurídica (artigo 282.º da Constituição), cabe verificar se a declaração promovida pelo Ministério Público deverá ocorrer nos exatos termos em que é peticionada - isto é, incidindo sobre a dimensão normativa censurada, em toda a extensão em que a mesma o foi, de acordo com a fórmula decisória adotada nas decisões indicadas para aquele efeito - ou, pelo contrário, deverá sofrer a restrição decorrente do contexto aplicativo subjacente a essas decisões. Nesta segunda hipótese, a declaração de inconstitucionalidade apenas afetará a norma constante artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória» no âmbito dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada de tribunal de 1.ª instância sujeitos ao regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, e publicado em anexo.
8 - A amplitude com que a norma extraída do artigo 814.º do anterior Código de Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei 226/2008, foi declarada inconstitucional pelo Acórdão 388/2013 não foi objeto de acolhimento unânime.
De acordo com a posição expressa em votos de vencido exarados no referido aresto, a declaração de inconstitucionalidade dessa norma, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, deveria ter salvaguardado «o regime relativo a "obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro" (cf. o artigo 7.º do Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro) - um regime próprio das transações entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração».
Assumindo a necessidade de autónoma ponderação da questão neste âmbito específico, para saber se, também aí, a regra em causa comporta um nível de indefesa contrário às exigências colocadas pelo artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, partiu-se, sob tal perspetiva, da consideração de que, ao contrário dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias resultantes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000 - cujo objetivo é o de «procurar racionalizar e agilizar um «contencioso de massa», obstando a que os tribunais se convertam em «agentes» ou «serviços de cobrança» de empresas que negoceiam com milhares de consumidores (v. o preâmbulo do Decreto-Lei 269/98, na sua redação originária)» -, aqueles que se destinam a exigir o cumprimento de prestações abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, visam dar concretização ao «objetivo definido no artigo 5.º, n.º 1, da Diretiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos no pagamento nas transações comerciais».
No desenvolvimento de tal posição, escreveu-se, na declaração de voto aposta no Acórdão 388/2013 (para a qual remetem outras declarações de vencimento apostas no aludido aresto), o seguinte:
«Como refere o preâmbulo do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro - o diploma que transpõe a citada Diretiva - "o incumprimento pode também ser financeiramente atraente devido à lentidão dos processos de indemnização. A diretiva exige que o credor possa obter um título executivo num prazo máximo de 90 dias sempre que a dívida não seja impugnada. O presente diploma facilita ao credor a obtenção desse título". Recorde-se que as «transações comerciais» em causa, na medida em que respeitam sempre ao relacionamento entre «empresas» tal como definidas no artigo 3.º, alínea b), do Decreto-Lei 32/2003, são transações entre profissionais, ou seja, entre entidades a quem incumbem especiais deveres de lealdade e de informação.
Como referido no Acórdão deste Tribunal n.º 176/2013 [...], o artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil operacionaliza um efeito preclusivo da defesa perante a execução. Todavia, as exigências de eficácia do sistema de execução e o relevo que reconhecidamente assumem para a dinâmica económica e o tráfego comercial - e são estes os objetivos claramente visados pelo legislador - nem sempre justificam que, a partir de uma fase não jurisdicional, sujeita a um controlo meramente formal da competência do secretário judicial em que se prescinde de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria, se assuma a existência de um crédito e se opere efeito preclusivo para o qual não houve advertência, já que o nível de organização e informação não são iguais para todos os devedores.
É, na verdade, diferente a posição do consumidor final que pontualmente incumpre um determinado contrato da posição do operador que contrata com outras empresas no exercício da sua atividade profissional. Se em relação ao primeiro, a ausência de uma advertência quanto aos efeitos da não oposição ao requerimento de injunção pode criar uma situação de indefesa, dado considerar-se inexigível o conhecimento do efeito preclusivo; em relação ao segundo, já o conhecimento de tal efeito não pode deixar de ser exigível, atenta a condição de profissional em que intervém.
Nestes termos, apenas não se encontra fundamento idóneo a justificar materialmente a restrição do direito de defesa em sede de execução e da obtenção de pronunciamento judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido pelo credor prévias à aposição da fórmula executória no âmbito das relações de particulares entre si ou com «empresas»; mas já não no âmbito do relacionamento comercial entre «empresas», tal como definidas no artigo 3.º, alínea b), do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro ("qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular")».
9 - Conforme resulta das decisões preferidas no âmbito da fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», fundou-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos, convergentes na solução impugnada: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.
É precisamente a este último elemento que, de acordo com a perspetiva oposta à posição maioritariamente sufragada no Acórdão 388/2013, deverá ser atribuído um sentido e um alcance diferenciados consoante o requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória tenha sido obtido no âmbito de um procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, de acordo com o regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, e publicado em anexo, ou haja resultado de um procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, e, ulteriormente, pelo Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, que revogou parcialmente o primeiro.
Apesar de a notificação a efetuar ao requerido ter, em ambos os referidos procedimentos, o conteúdo legalmente determinado no artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro - e se esgotar por isso, quanto à advertência dos efeitos preclusivos verificáveis, na indicação de que, "na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar Ação executiva", sem qualquer referência à limitação dos meios de defesa oponíveis ao credor no caso de tal possibilidade ser efetivada -, considera-se que tal circunstância não constitui fundamento suficiente para tornar aquela limitação contrária ao princípio da proibição da indefesa sempre que o título se houver formado no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias resultantes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro.
De acordo com tal posição, no âmbito do cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, a particular qualidade ou condição em que nelas intervêm como credor/requerente e devedor/requerido, retirará ao efeito preclusivo dos meios de defesa oponíveis ao primeiro, em caso de ulterior execução, aptidão suficiente para, mesmo na ausência da correspondente advertência prévia, tornar aquela preclusão contrária ao princípio consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. E isto porque, ao contrário do que sucede no âmbito dos procedimentos de injunção que tem por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, de acordo com o regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, aqueles que se destinam a exigir o cumprimento de prestações abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, têm a especificidade de se aplicarem apenas a remunerações de transações comerciais - isto é, a relações estabelecidas entre «empresas», tal como definidas no artigo 3.º, alínea b), do Decreto-Lei 32/2003 -, pressupondo, por isso, a intervenção de entidades a quem incumbem especiais deveres de informação e relativamente às quais não é consequentemente possível considerar-se inexigível o conhecimento do efeito preclusivo dos meios de oposição à execução, de forma a tornar relevante, perante o princípio da proibição da indefesa, a ausência da correspondente advertência prévia.
10 - No contexto da «procura de vias de simplificação processual e desjudicialização como resposta ao aumento exponencial de ações de reconhecimento e cobrança de dívidas, intentadas sobretudo por grandes empresas comerciais, com padrões de contratualização abrangendo múltiplos consumidores» (cf. Acórdão 434/2011), o Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, tendo por objetivo a criação em tal domínio de um tipo de ação correspondente a uma versão simplificada do modelo da ação sumaríssima, em consonância com a frequente simplicidade das pretensões subjacentes, comummente caracterizadas pela não oposição dos demandados (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro).
No que particularmente diz respeito ao procedimento de injunção - instituído, conforme se sabe, pelo Decreto-Lei 404/93, de 10 de dezembro -, o regime introduzido pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, teve por finalidade incentivar a respetiva utilização enquanto meio destinado a facultar aos credores de obrigações pecuniárias a obtenção de títulos executivos de forma mais simples e célere (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro).
Prosseguindo o sentido das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, no domínio do processo de injunção, o Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, veio alargar o respetivo âmbito de aplicação à obrigação de pagamento decorrente de transações comerciais entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, tornando-o aí independente do valor da prestação pecuniária em causa (artigos 2.º, 3.º, alínea a), e 7.º, todos do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro).
Fora do âmbito desta tipologia contratual, o recurso ao procedimento de injunção, apesar de originariamente limitado aos contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, passou a ser admitido para contratos de "valor não superior à alçada da Relação" (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei 107/2005, de 1 de julho) - fixada, então, em (euro) 14 963,94 (cf. artigo 24.º da Lei 3/99, de 13 de janeiro, na redação conferida pelo artigo 3.º do anexo ao Decreto-Lei 323/2001, de 17 de dezembro) - e, depois disso, para contratos de "valor não superior a (euro) 15.000" (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na versão resultante do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto).
Considerado o sentido das sucessivas alterações de que foram sendo objeto, quer as disposições preambulares do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, quer o Regime a ele anexo, verifica-se que o âmbito de aplicação do procedimento de injunção foi progressivamente alargado, passando a abranger pretensões de pagamento de valores até 15.000 euros ou superiores, desde que estejam em causa transações comerciais, nos termos definidos no Decreto-Lei 32/2003 de 17 de fevereiro (cf. Acórdão 760/2013, II-Fundamentação, 5).
11 - De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no referido diploma, confere ao credor o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
Por força da referida disposição, a faculdade de recorrer ao procedimento de injunção é conferida ao credor de qualquer pagamento que deva ser efetuado como remuneração de transações comerciais (cf. artigo 2.º, n.º 1).
As transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, são transações de dois tipos: i) transações entre "empresas", isto é, entre entidades que, não sendo entidades públicas, desenvolvam uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares [cf. artigo 3.º, alínea d)]; e ii) transações entre empresas e uma entidade pública, sendo esta devedora da obrigação de pagamento (artigo 5.º, n.º 1).
12 - Quando confrontado com o procedimento de injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, o procedimento de injunção para cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, apresenta duas particularidades essenciais: i) a primeira, relativa ao âmbito subjetivo de aplicação do regime, resulta da circunstância de o procedimento de injunção que tem por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais apenas poder ser instaurado contra devedores que assumam a qualidade de empresa ou de entidade pública; ii) a segunda, relativa ao âmbito objetivo de aplicação dos regimes em confronto, decorre do facto de a injunção poder ser instaurada independentemente do valor da dívida, ao contrário do procedimento de injunção previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, que apenas pode ser instaurado para conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a (euro)15.000.
Identificadas as diferenças fundamentais entre as duas modalidades que o procedimento de injunção pode assumir de acordo com a respetiva tipificação legal, cumpre seguidamente verificar se e em que medida poderá cada uma delas justificar a resolução em termos divergentes da questão consistente em saber se a equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado, atualmente constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, comporta um nível de indefesa contrário às exigências colocadas pelo artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
13 - Perante a amplitude com que, na alínea d) do artigo 3.º do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, é definido o conceito de empresa, o argumento segundo o qual a particular qualidade ou condição de quem é admitido a intervir, na posição de requerido, no âmbito dos procedimento de injunção para cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais deverá justificar uma diferente apreciação, no confronto com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, do efeito preclusivo dos meios de defesa oponíveis ao credor no âmbito da execução ulteriormente instaurada, poderá não ser inteiramente convincente.
Com efeito, a circunstância de, no âmbito daquele tipo de procedimentos, poder figurar como requerido tanto uma empresa constituída sob a forma de sociedade anónima, como uma pessoa singular que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, parece inviabilizar a possibilidade de reconduzir o devedor da obrigação exequenda a uma categoria unitária e fechada, integrada por um conjunto de elementos que dispõem de um nível de organização e informação necessariamente equivalente ou paritário e relativamente a todos os quais deve por essa razão poder ser considerado indiferenciada e invariavelmente inexigível o conhecimento, efetivo e prévio, do efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor no âmbito da execução ulteriormente instaurada.
Porque o pressuposto de que parte não é de verificação automática e necessária, o argumento em que se baseia a perspetiva oposta à posição maioritariamente sufragada no Acórdão 388/2013 não parece, pois, decisivo para afastar as execuções precedidas de procedimento de injunção para cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, da conclusão de que o efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor, resultante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, na medida em que não é acompanhado da correspondente advertência prévia, coloca os devedores contra os quais venha a ser instaurada execução fundada em requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória numa posição incompatível com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Mas ainda que assim não se entenda - e se considere, por consequência, que, no âmbito dos procedimentos de injunção para cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, a particular condição de quem neles é admitido a intervir, ao tornar menos relevante a ausência da referida advertência prévia, faz diminuir o nível de incompatibilidade entre o efeito preclusivo dos meios de oposição à execução, produzido pela norma censurada, e o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição -, o certo é que sempre subsistirá naquele procedimento - e, consequentemente, na execução que venha a fundar-se em título formado no respetivo âmbito - a especificidade resultante da ausência de qualquer limite quanto ao valor da obrigação em dívida.
14 - Por razões a que a própria Constituição não é alheia, a modelação adotada pelo ordenamento processual civil assenta no princípio segundo o qual a complexidade inerente às formas de processo admitidas é diretamente proporcional ao valor da causa.
Por assim ser, no âmbito do "balanceamento ou ponderação de interesses" que o legislador infraconstitucional é chamado a realizar, as "exigências de simplificação e celeridade" com base nas quais vêm sendo estabelecidos "certos efeitos cominatórios ou preclusivos" - assentes na "necessidade de dirimição do litígio em tempo útil" (cf. Lopes do Rego, in "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil", Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855) - serão para aquele efeito tanto mais atendíveis quanto menos expressivo for o valor da obrigação em dívida e, por consequência, o possível impacto da solução adotada sobre a situação da pessoa contra a qual é instaurado o procedimento.
No âmbito da apreciação da conformidade constitucional da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", parece, assim, poder afirmar-se que, quanto mais elevado for o valor da obrigação cuja cobrança coerciva é admitida no âmbito do processo executivo em que se verifica o efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor, desacompanhado da correspondente advertência prévia, maior é a premência ou a necessidade de garantir que o bem jurídico celeridade, globalmente prosseguido através dos procedimentos de injunção, não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efetiva.
A censura constitucional que, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, recaiu sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", não poderá, assim, deixar de atingir também as execuções baseadas em título formado no âmbito dos procedimentos de injunção que visem exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, na medida em que tais procedimentos, apesar de apenas poderem ser instaurados contra empresas ou entidades públicas, não deixam de apresentar, quando confrontados com os procedimentos de injunção destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, previstas no artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, a especificidade, para aquele efeito não despicienda, de poderem conduzir à formação de um título executivo independentemente do valor da dívida.
Se, em relação ao devedor contra o qual haja sido instaurada execução com base em requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, o efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor se produz independentemente do valor da obrigação exequenda, não parece que a situação em que o mesmo é por essa razão colocado possa ser diferenciada da posição de quem é executado com base em título formado no âmbito dos procedimentos de injunção destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, ao ponto de justificar, perante o princípio da proibição da indefesa, a formulação de um juízo inverso àquele que as decisões proferidas no âmbito da fiscalização concreta fizeram recair sobre a norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória".
E, nessa medida, o juízo de desconformidade constitucional da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", abrangerá os procedimentos de injunção que visem exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, digo, n.º 62/2013, de 10 de maio.
III - Decisão
15 - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Sem custas.
Lisboa, 12 de maio de 2015. - Maria José Rangel de Mesquita - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Guerra Martins - Catarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Pedro Machete (vencido em parte conforma declaração de voto em anexo) - Fernando Vaz Ventura (vencido em parte, pelas razões constantes da declaração de voto apresentada pelo Sr. Conselheiro Pedro Machete) - João Cura Mariano (vencido em parte pelas razões constantes da declaração de voto apresentada pelo Conselheiro Pedro Machete) - Maria Lúcia Amaral (vencida nos termos da declaração aposta ao Acórdão 529/2012) - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, no essencial pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral no Acórdão 529/2012, que remeto) - Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido em parte, no essencial, pelas razões da declaração aposta ao Acórdão 388/2013.
Com efeito, apesar de ter sido o relator do Acórdão 714/2014 (e, bem assim, da Decisão Sumária n.º 59/2015), continuo a entender, de resto reforçadamente na sequência da Diretiva 2011/7/EU do Parlamento e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, e do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, que no domínio específico das transações comerciais se justifica uma distinta ordem de ponderações daquela que é feita relativamente às obrigações pecuniárias emergentes de um comum contrato de valor não superior a (euro) 15 000,00.
a) Em primeiro lugar, porque no âmbito daquelas transações, além de não colherem as preocupações com uma eventual indefesa da «parte mais fraca» (ou, porventura, menos atenta ou informada) - uma vez que estão em causa relações entre profissionais a quem é exigível uma diligência consistente com a atuação em mercado concorrencial -, é justamente a proteção dessa «parte» que reclama um combate eficaz aos atrasos de pagamentos por fornecimentos já realizados a entidades públicas ou a grandes empresas comerciais. Conforme se salienta no preâmbulo do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio, "nas transações comerciais entre empresas, ou entre empresas e entidades públicas, verifica-se com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Os atrasos de pagamento desta natureza afetam a liquidez e dificultam a gestão financeira das empresas, em especial das pequenas e médias empresas (PME), particularmente em período de recessão, quando o acesso ao crédito é mais difícil".
b) Entendo, por outro lado, que o apelo ao princípio - e trata-se de um princípio, não de uma regra - da correlação entre as garantias processuais inerentes a uma forma de processo mais complexa e o valor da causa é in casu deslocado.
Desde logo, porque esse valor reveste um significado meramente indiciário e insuscetível de, por si só, justificar no âmbito de processos de execução uma relação de proporcionalidade direta entre o valor da causa e a sua complexidade.
Mas, sobretudo, porque o que está concretamente em causa no regime de injunção objeto de apreciação é o modo de o devedor ser chamado ao processo e de ser advertido para as cominações em que incorre em caso de não oposição imediata. Ora, quanto à aludida necessidade de uma forma de processo adequada que tenha em conta a complexidade da causa indiciada pelo respetivo valor, a verdade é que o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação, não a ignorou, conforme resulta claramente do artigo 7.º do anterior Decreto-Lei 32/2003, de 17 de fevereiro, e, agora, do artigo 10.º do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de maio. - Pedro Machete