Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 714/2014, de 10 de Dezembro

Partilhar:

Sumário

Julga inconstitucional o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória

Texto do documento

Acórdão 714/2014

Processo 589/14

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Sénia Patrícia Flores Pinto, recorrida nos presentes autos em que é recorrente o Ministério Público, deduziu embargos de executado no âmbito de execução movida pela Sonaecom - Serviço de Comunicações, S. A.. O 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco recusou aplicação à norma do artigo 857.º do Código de Processo Civil vigente «quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», por violação do artigo 20.º da Constituição, tendo, em consequência, admitido os embargos de executado com todos os fundamentos alegados (fls. 2 e ss.).

O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta decisão, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de novembro - Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional ("LTC"), o qual foi admitido por despacho de fls. 9.

Concomitantemente, foi proferida sentença com o seguinte teor (fls. 9 e ss.):

«I. Relatório

Sénia Patrícia Flores Pinto veio apresentar embargos de executado, alegando, em suma, que o título executivo dado à execução é uma injunção à qual foi aposta fórmula executória, no entanto, nunca foi notificada para o âmbito dessa injunção e nunca dela teve conhecimento.

Alega, além do mais, que nunca subscreveu qualquer contrato com a exequente, pelo que o contrato fundamento da injunção é inexistente.

Regularmente notificada a exequente não contestou.

II. Saneamento

[...]

III. Fundamentação

Uma vez que regularmente notificada, a exequente não deduziu contestação, nos termos do artigo 567.º, n.º 1, aplicável ex vi o disposto no artigo 732.º, n.º 2, ambos do Novo Código de Processo Civil, considero confessados os factos articulados na petição inicial, que não estão em contradição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo, concretamente os articulados em 3), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 23), 26), 27), 28), 31), 32), 33), 34), 35), cujo teor aqui dou por reproduzido para todos os legais efeitos.

IV. O Direito

Dispõe o artigo 45.º, do Código de Processo Civil, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.

No caso concreto, o título executivo junto aos autos é um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva pelo Senhor Secretário de Justiça.

Todavia, considerando que se deu por provado que a executada não foi notificada do requerimento injuntivo, logo se verifica que tal título executivo padece de um vício que afeta a própria instauração da ação executiva.

De facto, a aposição da força executiva foi efetuada pelo Senhor Secretário de Justiça com base, necessariamente na falta de contestação, nos termos do artigo 14.º, anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, pois que se tivesse existido oposição, teria existido distribuição (artigo 16.º, do diploma mencionado).

Por seu turno, o Senhor Secretário de Justiça apenas terá conferido aquela força executiva após a notificação da requerida, aqui executada/oponente, conforme prevê o artigo 12.º, do diploma mencionado, pois que se tal notificação se frustrasse, também teria havido lugar à distribuição (artigo 16.º, do diploma mencionado).

Ora, como esta notificação não se efetuou, que para estes efeitos é equiparável à falta de citação, existe uma nulidade que afeta todo o processado, inclusivamente a própria possibilidade de instaurar a ação executiva, não existindo assim título executivo válido.

Neste sentido, a oposição procede sem ser necessário analisar os demais argumentos aduzidos.»

Subidos os autos ao Tribunal Constitucional, foi ordenada a produção de alegações.

2 - Nas suas alegações (fls. 16 e ss.), o Ministério Público suscitou uma questão prévia quanto ao conhecimento do objeto do recurso nos seguintes termos:

«II

(Questão prévia do objeto do recurso)

4 - No despacho recorrido consta "Vem o executado apresentar embargos de executado, [alegando] por um lado que não teve conhecimento do processo de injunção, e por outro lado que não celebrou com o exequente o contrato subjacente à emissão das faturas cujo montante ora se peticiona, nem do mesmo beneficiou. Mais alega, em suma, que o crédito peticionado se encontra prescrito" (fls. 2).

5 - Nos embargos de executado - pois que a tramitação dos autos prosseguiu, em virtude de ter sido determinado que o recurso subisse imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo - consta, todavia, terem sido alegados os dois primeiros referidos fundamentos de defesa por exceção ("nunca foi notificada para o âmbito dessa injunção e nunca dela teve conhecimento" e ainda "nunca subscreveu qualquer contrato com a exequente, pelo que o fundamento da injunção é inexistente") e não já aquele último (prescrição do crédito).

Na sentença dos referidos embargos, em virtude de se ter dado por provado que "a executada não foi notificada do requerimento injuntivo, o que é equiparável à falta de citação, nulidade que afeta todo o processado, inclusivamente a própria possibilidade de instaurar a ação executiva, não existindo assim título executivo válido", foi julgada procedente a oposição, "sem ser necessário analisar os demais fundamentos aduzidos" e, em consequência, determinada a extinção da execução (fls. 11).

6 - Assim sendo, dos autos podemos deduzir que, embora no despacho recorrido tenha sido pronunciada a "recusa[] de aplicação, por inconstitucional, do artigo 857.º do CPC vigente, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória" (fls. 6), tal apreciação ficou prejudicada pela concreta decisão da causa, tal como ulteriormente se materializou nos julgamento dos embargos, assente em diferente "razão (jurídica e de facto) de decidir".

Com efeito, os fundamentos (de direito e de facto) determinantes da decisão da causa decorrem "da nulidade por falta de notificação do requerimento de injunção, não tendo a requerida intervindo no processo e, consequentemente, na inexistência de título executivo, válido" (fls. 10), tendo portanto sido aplicada a tal situação de facto a norma constante do artigo 729.º, n.º 1, al. d), do CPC vigente, mercê da remissão, da norma constante do n.º 1 do citado artigo 857.º, igualmente deste diploma legal.

Ou seja, em última análise a razão de (facto e de) direito determinante para a decisão dos autos foi a "nulidade por falta de notificação do requerimento de injunção", pelo que com o julgamento dos embargos ficou prejudicada a apreciação subjacente ao despacho recorrido.

7 - A contraprova do afirmado poderá ser feita à luz do pressuposto da utilidade processual do recurso de constitucionalidade. Com efeito, no caso concreto, qualquer que seja o sentido (provimento ou desprovimento) do julgamento da questão de constitucionalidade das normas jurídicas constantes do artigo 857.º do CPC, no aspeto agora em causa, do mesmo não decorrerá a reforma do despacho recorrido, de modo determinante para a decisão dos autos, pois sempre subsistirá a pronúncia que julgou "a oposição procedente por provada" e, em consequência", determinou a "extinção da execução", nos termos e com fundamento na previsão do artigo 729.º, n.º 1, al. d), do CPC vigente, que prevê, como vimos, um meio de defesa executiva, de alcance geral, procedente da "nulidade por falta de notificação do requerimento de injunção".

8 - Em conclusão, esta questão prévia da preterição de um pressuposto processual (diversidade do fundamento jurídico determinante da decisão da causa ou falta de utilidade processual) obstará ao conhecimento do mérito do recurso de constitucionalidade.»

Quanto ao mérito, alegou o recorrente Ministério Público no sentido da inconstitucionalidade da «norma jurídica constante dos preceitos conjugados do artigo 857.º, n.os 1, 2 e 3, alínea a) e b), com referência aos artigos 729.º e 731.º, todos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, e do artigo 7.º, 1.ª parte, do "Regime dos Procedimentos...", anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, na redação vigente, que por último lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, na medida em que impede a oposição ou defesa em sede da relação material litigada, por impugnação dos factos constitutivos e por exceção, em sentido próprio, de caráter perentório, decorrente de factos não supervenientes, muito em particular os que extinguem o direito exequendo (pagamento, prescrição, exceção de não cumprimento)», por violação das disposições conjugadas do artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição».

A recorrida não apresentou alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Da questão prévia quanto ao conhecimento do recurso

3 - A competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, reconduz-se à faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais. O recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que, a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, "é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil" (cf. Miguel Teixeira de Sousa, "Legitimidade e Interesse no recurso de fiscalização Concreta da Constitucionalidade" in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e ss., p. 958). Assim, "o recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cf. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99).

4 - O recorrente invoca, nas suas alegações, questão prévia obstativa do conhecimento do mérito da presente impugnação. Importa, por isso, começar por apreciar este aspeto: reunião dos pressupostos essenciais à prolação de uma decisão de mérito.

4.1 - O presente recurso tem por objeto o artigo 857.º do Código de Processo Civil vigente, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória.

Com efeito, o despacho recorrido de fls. 2 e ss. procedeu à recusa da aplicação da norma referida, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. O juízo de inconstitucionalidade foi desenvolvido tendo por referência o Acórdão 388/2013, deste Tribunal Constitucional, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória.

Tendo sido interposto o recurso de constitucionalidade obrigatório, o mesmo foi admitido, com regime de subida em separado e efeito meramente devolutivo (cf. despacho de admissão de fl. 9). Assim, o processo prosseguiu a sua tramitação, tendo posteriormente sido proferida sentença julgando a oposição procedente. Determinante para este desfecho foi o facto de o tribunal a quo ter considerado que não houve notificação da requerida, ora recorrida, traduzindo tal situação hipótese equiparável à falta de citação, hipótese subsumível à previsão do artigo 729.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

4.2 - Procedendo a oposição à execução com este fundamento, pode parecer que, in casu, a limitação operada no artigo 857.º aos meios de defesa oponíveis pelo executado em caso de execução baseada em requerimento de injunção - limitação essa circunscrita aos fundamentos de embargos previstos, precisamente, no artigo 729.º - não terá produzido quaisquer efeitos nos autos. Isto porque, não obstante a existência dessa limitação - cuja censura constitucional o Tribunal é agora convocado a apreciar -, sempre se verificou a procedência da oposição com base, precisamente, no preenchimento de um dos fundamentos previstos no referido artigo 729.º do Código de Processo Civil. Deste modo, argumenta o recorrente Ministério Público que, para a decisão do caso concreto, foi irrelevante o facto de a lei restringir a possibilidade de defesa em situações deste tipo às circunstâncias previstas no citado preceito. A diminuída margem de defesa operada pelo artigo 857.º não repercutiria, por conseguinte, efeito útil nos autos, uma vez preenchida uma das hipóteses constantes do artigo 729.º

4.3 - Uma tal conclusão, contudo, apenas poderia proceder caso já não fosse de todo em todo possível modificar a decisão que julgou procedente a oposição. Ora, os autos não evidenciam tal possibilidade, uma vez que não permitem concluir no sentido do trânsito em julgado dessa mesma decisão. Deste modo, não é legítimo concluir, sem mais, pela inutilidade da pronúncia quanto ao objeto do presente recurso de constitucionalidade.

Do mérito do recurso

5 - Como referido, o presente recurso tem por objeto o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil vigente, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória. Com efeito, o despacho de fls. 2 e ss. recusou a aplicação a tal preceito, com base na seguinte ordem de considerações:

«A alteração legislativa verificada com o NCPC prendeu-se, tão-somente, com a introdução dos n.os 2 e 3 do artigo 857.º, prevendo-se aí, como já se referiu, que o executado pode alegar todos os fundamentos que poderia alegar no processo executivo quando por justo impedimento não tenha tido possibilidade de se opor no procedimento de injunção ou quando, exista questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; ou ocorram, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso, alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 857.º do NCPC.

Ora, a questão de saber qual a amplitude das questões que o executado pode alegar em sede de oposição à execução quando o título executivo seja uma injunção foi muito discutida na doutrina e jurisprudência, incluindo a constitucional e sobre esta matéria pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, no Acórdão 388/2013 [...], tendo declarado, "com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição."

Aí se ponderou, de entre o mais e a propósito do artigo 814.º do CPC Decreto-Lei 226/2008, de 20 de Novembro que "a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar "todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração", afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de "indefesa".

Concluindo-se que "a 'norma' em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em 'requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória', padece do vício de inconstitucionalidade por violar o 'princípio da proibição da indefesa', enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição."

Ora, o preceito atual, na medida em que continua a restringir os fundamentos de oposição à injunção, padece de igual inconstitucionalidade por violar o princípio de proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.

Com efeito, o artigo 857.º reproduz, no essencial, aquela que já era a doutrina do artigo 814.º do CPC antigo e que foi declarada inconstitucional por sucessivos acórdãos, nomeadamente pelos acórdãos 468/2012 e 529/2012 e pelas Decisões Sumárias n.os 490/2012, 571/2012, 581/2012, 89/2013 e 112/2013, embora nem todos com a mesma fundamentação, e finalmente pelo acórdão 388/2013 que declara a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral.» (fls. 4-5)

No referido Acórdão 388/2013 - disponível, assim como os demais adiante citados em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ - entendeu o Tribunal, remetendo no essencial para os fundamentos do Acórdão 437/2012, que a equiparação entre a "sentença judicial" e o "requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória", enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução, traduzia uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo "de forma célere e simplificada". Em causa estava, por conseguinte, o problema de saber em que termos e com que alcance pode o desenvolvimento do procedimento de injunção - maxime o prévio confronto do executado com uma exigência institucional, formal e cominada à satisfação do crédito invocado e a sua inércia quanto à apresentação de defesa perante esse ataque - ser tido como aceitação - ou, pelo menos, como reconhecimento tácito da ausência de litígio - idóneo a repercutir-se, como valor negativo, na limitação dos meios de oposição à execução (cf. também o Acórdão 176/2013).

6 - A aprovação do novo Código de Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (doravante "NCPC") introduziu algumas alterações nesta matéria. É o seguinte o texto da nova lei:

«Artigo 857.º

Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção

1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.

3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:

a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;

b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.»

A regra continua a ser a da equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial, para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado. É este o alcance que resulta da remissão operada pelo artigo 857.º, n.º 1, do NCPC para o artigo 729.º Verifica-se, no entanto, que os n.os 2 e 3 procedem ao alargamento de tais meios de defesa, atenuando, por essa via, o efeito preclusivo da defesa perante a execução.

Será este alargamento suficiente para dar resposta aos fundamentos do juízo positivo de inconstitucionalidade relativo ao regime anterior - aquele que resultava do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro?

7 - Com o regime de 2013, passa a estar prevista a possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes ao prazo para dedução de oposição no processo de execução em duas situações distintas: (i) em caso de justo impedimento à oposição (artigo 857.º, n.º 2); e (ii) quando existem exceções dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (artigo 857.º, n.º 3).

Em análise ao alargamento dos fundamentos de defesa em caso de execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, salientam Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira, em recente anotação ao Acórdão 388/2013, o seguinte:

«A análise do artigo 857.º do CPC de 2013 permite concluir que esta alteração teve como intuito mitigar o efeito preclusivo que tinha sido introduzido aquando da reforma da ação executiva de 2008.

É certo que a lei continua a apontar para a equiparação aos fundamentos de oposição à execução de sentenças judiciais, ao remeter expressamente para o artigo respetivo (artigo 857.º, n.º 1, do CPC de 2013). No entanto, passa a estar prevista a possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes ao prazo para oposição no procedimento de injunção em duas situações: primeiro, em caso de justo impedimento à oposição (artigo 857.º, n,º 2, do CPC de 2013) e, segundo, quando existam exceções dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (artigo 857.º, n.º 3, do CPC de 2013). (cf. AA. citados, "A oposição à execução baseada em requerimento de injunção. Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013", in Themis, Ano XIII, n.os 24/25, 2013, pp. 315-348, em especial a p. 323).

8 - Persiste, contudo, a regra da equiparação deste título executivo a título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado. E, com igual importância para a análise desta questão, subsiste igualmente o mesmo regime em sede de injunção que conduziu aos juízos de censura que o Tribunal Constitucional formulou no passado a este propósito. Na verdade, o alargamento dos meios de defesa à falta de pressupostos processuais, à existência de exceções de conhecimento oficioso e a factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, desde que supervenientes ao prazo para oposição não tem por efeito sanar as diferenças incontornáveis entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença. Tais diferenças fazem-se sentir no modo como ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor e, de outra banda, na probabilidade e grau de intervenção judicial no processo.

8.1 - Assim, no tocante ao primeiro aspeto, enquanto que, tratando-se de sentença, o devedor é chamado à ação através de citação (artigo 219.º, n.º 1, do NCPC), no primeiro caso o requerimento de injunção é-lhe comunicado por via de notificação (artigos 12.º e 12.º-A do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro), sendo por conseguinte menores as garantias de cognoscibilidade do respetivo conteúdo. Como se referiu no Acórdão 529/2012 - :

«[E]sta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistirá num sibi imputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 01 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções - o Balcão Nacional de Injunções - e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um "processo justo" é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cf. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).

E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cf. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.»

Como salientam Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira - os dois Autores anteriormente citados - , «o exercício efetivo do contraditório em sede de injunção pressupõe que o requerido tome conhecimento do procedimento e dos efeitos preclusivos associados à falta de oposição. Ora, tal não é assegurado pela notificação pela via postal registada e ou simples para um ou mais locais que podem não corresponder à morada ou sede do requerido nem pelo conteúdo da notificação» (ob. cit., p. 328).

8.2 - No que se refere à intervenção judicial, enquanto a sentença é produto, por definição, de um procedimento judicial, sendo um ato materialmente judicial, a injunção tem um caráter não jurisdicional. A intervenção judicial apenas ocorre se for apresentada oposição pelo requerido mas, nesse caso, o processo segue os termos da ação declarativa especial (cf. artigo 17.º do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro). Esta regra apenas conhece a exceção do artigo 14.º, n.º 4 do regime referido, que prevê a possibilidade de reclamação para o juiz em caso de recusa pelo secretário judicial de aposição de fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou à finalidade do procedimento de injunção. Como se referiu no Acórdão 399/95, «[a]ssumindo o processo de formação deste tipo específico de título executivo índole essencialmente tabeliónica (trata-se de verificar a regularidade formal de papéis e levá-los, por via postal, ao conhecimento de alguém), é natural que o legislador, em homenagem aos objetivos de simplificação da atividade jurisdicional que motivaram a injunção, não tenha sobrecarregado a atividade do juiz com mais esse encargo. Daí, a sua entrega ao secretário judicial [...]».

Ora, como realçou o Acórdão 176/2013, as «exigências de eficácia do sistema de execução, e o relevo que reconhecidamente assumem para a dinâmica económica e o tráfego comercial, não consentem que, a partir de uma fase não jurisdicional, sujeita a um controlo meramente formal da competência do secretário judicial, em que se prescinde "de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria" (Lebre de Freitas, ob. cit., p. 182-183), se funde mais uma mera aparência da existência de um crédito e se opere efeito preclusivo para o qual não houve advertência. Em substância, essa ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que caracteriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual.»

9 - Permanecendo inalterados estes aspetos relativos ao regime específico da injunção, conclui-se que o alargamento dos meios de defesa operado pelo artigo 857.º, n.os 2 e 3, do NCPC não afasta os fundamentos que conduziram, no passado, ao juízo de inconstitucionalidade de solução legal semelhante.

Por isso, e em conclusão, subsiste a razão de ser que esteve na base da censura jus constitucional da solução que mantém as restrições do direito de defesa em sede de execução e da obtenção de pronúncia judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido pelo credor prévias à aposição da fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

Julgar inconstitucional o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória; e, em consequência,

Negar provimento ao recurso.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 28 de outubro de 2014. - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208271383

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/364812.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-01 - Decreto-Lei 269/98 - Ministério da Justiça

    Aprova o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, publicado em anexo. Altera o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto Lei 44129 de 28 de Dezembro de 1961.

  • Tem documento Em vigor 2008-11-20 - Decreto-Lei 226/2008 - Ministério da Justiça

    Altera, no que respeita à acção executiva, o Código de Processo Civil, os Estatutos da Câmara dos Solicitadores e da Ordem dos Advogados e o registo informático das execuções.

  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2015-06-08 - Acórdão do Tribunal Constitucional 264/2015 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória»

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda