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Acórdão 217/2015, de 15 de Maio

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Sumário

Não conhece do recurso quanto a determinada interpretação da norma do artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial (RCE), anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de março e da norma do artigo 14.º do mesmo Regulamento, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro (prazo de caducidade); não julga inconstitucional a norma do artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de março, segundo a qual o facto tributário daquela corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra

Texto do documento

Acórdão 217/2015

Processo 1354/13

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - A Companhia Portuguesa de Hipermercados, S. A. (agora denominada Auchan Portugal Hipermercados, SA), impugnou judicialmente o ato de liquidação da Contribuição Especial prevista no Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, no montante de (euro)1.396.127,79, sustentando, inter alia, a caducidade do direito de liquidação e a inverificação do facto tributário relativamente à impugnante.

Por sentença proferida em 21 de novembro de 2012 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi a impugnação julgada improcedente.

2 - Inconformada, a impugnante recorreu, vindo o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão proferido em 17 de novembro de 2013, a negar provimento ao recurso e a confirmar a sentença recorrida.

3 - Nessa sequência, a impugnante interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), através de requerimento com o seguinte teor:

«O recurso é de fiscalização concreta e destina-se à apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, constante do Anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, por violação do princípio tributário da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º da CRP, quando interpretado no sentido de que (i) o facto tributário corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra e que (ii) o sujeito passivo é, necessariamente, a pessoa em nome da qual este alvará é emitido.

Destina-se ainda ao exame da inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º do Regulamento da Contribuição Especial, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 472/99, de 8 de novembro, por violação da reserva de lei da Assembleia da República em matéria de impostos que se encontra consagrada nos artigos 165.º, n.º 1 alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP, bem como por desrespeito pelo princípio da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de a emissão do alvará ser o facto tributário da Contribuição Especial, dissociando, assim, o dies a quo do prazo de caducidade do direito à liquidação do facto tributário.

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, a Recorrente informa que suscitou as questões de inconstitucionalidade supra identificadas nas alegações de recurso que deram origem ao Acórdão recorrido, as quais foram apresentadas no Tribunal a quo em 17/01/2013 e dirigidas a este Tribunal Central Administrativo Sul - cf., em especial, os n.os 4, 30, 33, 36 e 37 das conclusões. [...].»

4 - Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«1 - No que à Contribuição Especial prevista no Decreto-Lei 43/98 respeita, o artigo 1.º, n.º 1 do RCE estatui que o facto tributário corresponde ao aumento de valor dos prédios rústicos "resultante da possibilidade" da sua utilização como terrenos para construção urbana, ou seja, associa a valorização ou mais-valia que consubstancia o facto tributário ao momento a partir do qual existe a suscetibilidade de afetação do imóvel à construção.

2 - Se tivermos em conta que o artigo 26.º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro ("RJUE") estabelece que "A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística", podemos afirmar que esta deliberação marca o momento em que o prédio passa a ser apto para a construção urbana, i.e. o instante em que se dá a valorização que o artigo 1.º, n.º 1 do RCE identifica como sendo o facto tributário.

3 - Sendo o fundamento da Contribuição Especial uma manifestação positiva da capacidade contributiva que se materializa na valorização do imóvel, o facto tributário deve ser aquele que melhor revela este acréscimo de valor patrimonial, deve ser o facto que exterioriza efetivamente a capacidade contributiva.

4 - À luz do artigo 1.º, n.º 1 do RCE e do disposto no artigo 26.º do RJUE, o direito de realizar a operação urbanística que provoca a valorização do imóvel e que corresponde ao facto tributário da Contribuição Especial surge na esfera jurídica do particular com a deliberação camarária, sendo o alvará um mero instrumento de titulação e de eficácia deste direito pré-existente.

5 - Portanto, o facto tributário da Contribuição Especial não corresponde ao ato de emissão do alvará de licença, porquanto este ato não é apto a revelar a capacidade contributiva subjacente à exigência do tributo.

6 - Relativamente ao teor do artigo 3.º do RCE, dele não se pode retirar que os titulares do alvará de licença são obrigatoriamente sujeitos passivos porque consagra uma presunção legal em matéria de incidência subjetiva que, como tal, é passível de ser ilidida, sob pena de inconstitucionalidade por desrespeito aos artigos 13.º, n.º 2, 103.º, n.º 1 e 104.º da Lei Fundamental (cf. ainda o artigo 73.º da LGT).

7 - Em consequência do exposto, uma interpretação da norma contida no artigo 3.º do RCE como aquela que foi perfilhada pelo Tribunal a quo não pode ser aceite por violar o princípio tributário da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º da CRP.

8 - De referir que nos Acórdãos n.º 63/2006, de 24/0112006 e n.º 579/2011, de 29/11/2011 o Tribunal Constitucional não associa a realização da mais-valia - facto tributário - à emissão do alvará mas antes ao requerimento de licença, definindo ainda que as balizas temporais contidas no artigo 2.º, n.º 1 do RCE não visam determinar o facto tributário, mas apenas servir de instrumento de quantificação da matéria coletável sujeita à Contribuição Especial.

9 - Relativamente à interpretação da norma do artigo 14.º do RCE feita pelo Tribunal a quo, é violadora dos princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva (cf. artigos 13.º, 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP), por um lado, por considerar como facto tributário um evento que não tem a suscetibilidade de revelar a mais-valia que constitui a razão de ser da Contribuição Especial.

10 - E, por outro lado, por dissociar o termo inicial do prazo de contagem da caducidade do direito à liquidação do facto tributário da Contribuição Especial, porquanto a emissão do alvará não consubstancia o facto tributário deste tributo.

11 - Efetivamente, o Governo não se encontrava autorizado pela Lei 52-C/96 a dissociar o facto tributário da Contribuição Especial do "aumento de valor dos prédios rústicos resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana", o que equivaleria a uma alteração de um elemento essencial do tributo que redundaria numa violação dos referidos princípios constitucionais da legalidade fiscal e da capacidade contributiva.

12 - Ademais, em momento algum o artigo 34.º da Lei 52-C/96 autorizou o Governo a consagrar um regime de caducidade do direito à liquidação diverso daquele que, na altura, estava consagrado no Código de Processo Tributário (cf. artigo 33.º do diploma) e do qual já resultava que o facto tributário marcava o início da contagem do prazo de caducidade.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, por provado, com a consequente aplicação dos trâmites previstos no artigo 80.º da Lei 28/82, na medida em que o acórdão recorrido:

A) Faz uma interpretação da norma contida no artigo 3.º do RCE, constante do Anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, que atenta contra o princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º da CRP, no sentido de que (I) o facto tributário da Contribuição Especial corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra; (II) o sujeito passivo é, obrigatoriamente, a pessoa em nome da qual este alvará é emitido;

B) Faz uma interpretação da norma contida no artigo 14.º do RCE que desrespeita os princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva (cf. artigos 13.º, 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP) (I) por considerar como facto tributário um evento que não tem a suscetibilidade de revelar a mais-valia que constitui a razão de ser da contribuição especial e (II) por dissociar o termo inicial do prazo de contagem da caducidade do direito à liquidação do facto tributário da contribuição especial, porquanto a emissão do alvará não consubstancia o facto tributário deste tributo.»

5 - Notificada, a Fazenda Pública veio aos autos apresentar contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso, que concluiu do seguinte modo:

«A) Foi o presente recurso interposto, pela ora recorrente, Companhia Portuguesa de Hipermercados, SA, do Acórdão do TCA Sul de 17/10/13, proferido nos autos de recurso n.º 6461/13, o qual veio a negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela mesma, com a consequente manutenção da sentença de 1.ª Instância e da liquidação de contribuição especial prevista no Decreto-Lei 43/98.

B) Pretende a recorrente, face ao deliberado pelo TCA Sul, que seja apreciada a interpretação e aplicação da norma constante do artigo 30.º do Regulamento da Contribuição Especial, ao caso em concreto, que a recorrente considera violadora do princípio tributário da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º da CRP, ao concluir que o facto tributário da contribuição especial em questão corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra e que o sujeito passivo é, obrigatoriamente, a pessoa em nome da qual este alvará é emitido.

C) Pretende, igualmente, que se proceda ao exame da inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º do RCE, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 472/99, de 8/11, por violação da reserva de lei da AR em matéria de impostos que se encontra consagrada nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º n.º 2 da CRP, bem como, por desrespeito pelo princípio da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de a emissão do alvará ser o facto tributário da contribuição especial, dissociando, assim, o dies a quo do prazo de caducidade do direito à liquidação do facto tributário.

D) Passando agora à análise dos argumentos invocados pela recorrente, relevando que o facto tributário aqui considerado ocorre no momento em que é emitido o alvará, pois só então fica definitivamente assente o interesse jurídico relevante, que é a concreta configuração do direito a construir que o alvará titula, também fica resolvida a questão de quem é o sujeito passivo do imposto, ou seja, o titular daquele direito.

E) Visando a contribuição especial tributar não uma valorização gradual dos imóveis, mas sim a valorização que ocorre no momento em que se efetiva a possibilidade de utilização dos terrenos para o fim de construção urbana, com um valor acrescido por via das obras públicas que tornaram viável tal utilização, não há dúvida que o titular da licença de construção tem benefícios acrescidos. pelo que, está estabelecida a necessária conexão entre a prestação da contribuição especial e a aferição do benefício, não se mostrando violado o princípio da capacidade contributiva positivado no artigo 104.º da CRP.

F) Quanto à interpretação feita pelo Tribunal recorrido do artigo 14.º do RCE que, segundo a recorrente, ao dissociar o termo inicial do prazo de contagem da caducidade do direito à liquidação, para a data da emissão do alvará, seria violadora dos princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva, também à recorrente não assiste qualquer razão.

G) Na verdade, como se realçou no Acórdão do TCA Sul de 17/10/13, ora recorrido, há sempre dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respetivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera realizado o acréscimo desse valor.

H) Assim, como também se refere naquele Acórdão, o facto gerador do tributo é o ato jurídico de licenciamento da edificação - rectius no momento em que é emitido o título correspondente - que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a atual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido.

I) Pelo que, o artigo 14.º do RCE ao estabelecer que a liquidação de contribuição especial só pode ser liquidada no prazo de 4 anos seguintes àquele em que tiver sido emitido o alvará de licença de construção, não violou a lei de autorização legislativa (Lei 52-C/96) pois que, resulta da mesma que é esse o momento que o legislador pretendeu erigir como o do nascimento da obrigação tributária ao referir no n.º 6, alínea a) do artigo 34.º que a contribuição especial só se torna exigível aquando da emissão da licença de construção ou da obra e nem o principio da capacidade contributiva.

J) E esse regime de caducidade do direito de liquidação em nada se afasta do que se estabelecia no artigo 33.º do CPT pois que, deste mesmo artigo, não resulta que houvesse um outro facto que devesse ser erigido como facto tributário para efeitos de contribuição especial, mas apenas, que o início do prazo de caducidade do direito à liquidação se deva sempre contar a partir da data em que ocorre o facto tributário e essa regra não é afastada pela interpretação feita pelo Acórdão recorrido do artigo 14.º do RCE.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela recorrente serem julgadas improcedentes, e, em consequência, ser julgada conforme à Constituição a interpretação feita, pelo Acórdão recorrido, dos artigos 3.º e 14.º do RCE.»

6 - Por despacho do relator, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, quanto à eventualidade do recurso não ser conhecido, por falta de normatividade da primeira questão colocada, e por desconformidade com as normas aplicadas pela decisão recorrida como ratio decidendi, quanto às demais.

Apenas a recorrente veio aos autos pronunciar-se sobre tal questão prévia, pugnando pelo conhecimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Da delimitação e não conhecimento parcial do objeto do recurso

7 - O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que "apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

Assim, e em concretização do modelo de fiscalização concreta da constitucionalidade acolhido no artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso são exclusivamente normas jurídicas, ou interpretações normativas, cujo sentido, tal definido pelo ato jurisdicional recorrido, tenha sido determinante para o julgamento do caso em apreço. Encontra-se afastado da competência do Tribunal apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário, e bem assim sindicar a subsunção dos factos ao direito operada na decisão recorrida, dimensões próprias do ato jurisdicional, em si mesmo considerado. Não cabe aqui, como aconteceria noutros sistemas, exercer uma função revisora da atuação dos demais tribunais fundada na direta imputação de violação da Constituição, mormente no plano dos direitos fundamentais, dirigida a atos concretos de aplicação do Direito.

A cognição do Tribunal cinge-se, pois, à validade de um ato normativo perante os parâmetros constitucionais pertinentes, não cabendo apreciar questões de facto ou de direito respeitantes ao mérito da causa em julgamento perante o tribunal a quo, não podendo o Tribunal controlar a interpretação aplicada como determinante do julgado, sob o prisma da sua obediência às regras da interpretação da lei: nomeadamente, não pode o Tribunal Constitucional aferir se os preceitos legais mobilizados deviam ter sido interpretados pelo tribunal recorrido do modo por que o foram.

Por outro lado, tendo em atenção a via de recurso de constitucionalidade aqui seguida, constituem pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade normativa "durante o processo" e "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver controlada (artigo 79.º- C, da LTC).

Este último pressuposto processual decorre da função instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo que a sua admissibilidade depende da existência de interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, o Tribunal só deve conhecer das questões de constitucionalidade cuja decisão se possa repercutir utilmente na decisão da causa. Mostra-se, desse jeito, necessário que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é posta a controlo tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida, pois só assim um eventual juízo de inconstitucionalidade será suscetível de conduzir à reformulação dessa decisão (artigo 80.º, n.º 2, da LTC).

8 - Os termos constantes do requerimento de interposição de recurso - os únicos que relevam para a delimitação do objeto do recurso, não sendo admissível a sua ampliação ou substituição por outro enunciado em sede de alegações - permitem identificar a colocação de três questões de inconstitucionalidade, pese embora se denotem planos de sobreposição, ou melhor, de incorporação do sentido de umas questões no enunciado de outras, fruto da conexão lógica subjacente à problemática jurídica a que todas se reportam, respeitante à incidência objetiva e subjetiva da Contribuição Especial prevista no Decreto-Lei 43/98, de 3 de março.

Assim, a recorrente formula uma primeira questão, dirigida a norma contida no artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial (doravante RCE), anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, que enuncia como versando interpretação com o sentido de que "o facto tributário da Contribuição Especial em questão corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra".

Uma segunda questão, também relativa a norma obtida por interpretação do preceituado do mesmo artigo 3.º, agora perspetivando a incidência subjetiva do tributo, visa o controlo da constitucionalidade de sentido normativo segundo o qual "o sujeito passivo é, necessariamente, a pessoa em nome da qual este alvará é emitido".

Por último, a terceira questão colocada incorpora o mesmo sentido que constitui objeto da primeira questão, atrás referida, e aduz-lhe, a partir do disposto no artigo 14.º do RCE, na redação conferida pelo Decreto-Lei 472/99, de 8 de novembro, menção a um efeito ou consequência no plano da regulação do prazo de caducidade do direito à liquidação. Pretende-se, na formulação constante do requerimento de interposição de recurso, obter pronúncia deste Tribunal sobre a conformidade constitucional de interpretação com o "sentido de a emissão do alvará ser o facto tributário da Contribuição Especial, dissociando, assim, o dies a quo do prazo de caducidade do direito à liquidação do facto tributário".

A recorrente invoca, como parâmetro constitucional infringido por qualquer dos sentidos questionados, o princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º da Constituição, a que junta, no que respeita à terceira questão, o vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva de lei da Assembleia da República consagrada nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição.

Aqui chegados, importa, em primeiro lugar, verificar se se encontram reunidos os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso quanto a todas as questões colocadas.

9 - Tomando a primeira questão de inconstitucionalidade formulada - reiterada, como se disse, no enunciado da terceira questão colocada -, verifica-se que, a partir da formulação no requerimento de interposição de recurso de uma pretensão de controlo da constitucionalidade dirigida a norma que fixa como facto tributário da Contribuição Especial instituída pelo Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, o ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra, o recorrente vem em alegações procurar deslocar a discussão para a aferição do acerto da interpretação que identifique esse ato e momento como aquele que corresponde, à luz do direito ordinário, ao evento gerador da obrigação tributária.

Com efeito, nas alegações apresentadas neste Tribunal, o recorrente desenvolve argumentação relativa ao que deve ser entendido como facto tributário e a sustentar a procedência de entendimento distinto do atingido pelo tribunal a quo, que procura suportar em vários preceitos legais, como sejam os artigos 1.º do RCE e 26.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), constante do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, com vista a concluir que "o facto tributário da Contribuição Especial não corresponde ao ato de emissão do alvará de licença" (conclusão 5.ª). O facto tributário seria, antes, como expressamente avança, a deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento, a qual constituiria "o instante em que se dá a valorização que o artigo 1.º, n.º 1 do RCE identifica como sendo o facto tributário" (conclusões 1.ª, 2.ª e 4.ª).

E, novamente, em resposta a convite do Relator neste Tribunal, a recorrente evidencia a pretensão de colocar em causa a interpretação do direito infraconstitucional, acolhida pelo tribunal a quo. Mais uma vez, a premissa do seu raciocínio é a de que o facto tributário não é, afinal, aquele que o tribunal recorridodefiniu, mas aqueloutro, anterior, que defende a partir de distinta leitura da lei. Nessa lógica, a "distorção" do princípio da capacidade contributiva decorre de não se ter respeitado a conformação legal do tributo, o que vale por dizer que o vício é assacado ao intérprete.

Ora, como se disse, não cabe aqui sindicar a decisão recorrida no que tange à definição hermenêutica do direito infraconstitucional - não se encontrando invocado o desenvolvimento de percurso interpretativo vedado pela Constituição -, o que constitui questão de legalidade, inidónea a ser conhecida pelo Tribunal.

A esta conclusão não se opõe o argumento, avançado pela recorrente nas alegações apresentadas e reiterado na resposta ao despacho/convite do Relator, fundado em anteriores pronúncias do Tribunal sobre a Contribuição Especial aprovada pelo Decreto-Lei 43/98.

Em alegações, a recorrente invoca os Acórdãos n.º 63/2006 e 579/2011 (acessíveis, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt) como "não associa[ndo] a realização da mais valia - facto tributário - à emissão do alvará mas antes ao requerimento de licença", enquanto na resposta vai mais longe, dizendo que o entendimento que sufraga coincide com a conclusão dos apontados arestos. Incorre, todavia, em equívoco.

Importa notar que os Acórdãos n.os 63/2006 e 579/2011 tiveram em atenção questão reportada a norma extraída interpretativamente do disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do RCE, estando particularmente em exame a respetiva conformidade constitucional face ao princípio da não retroatividade dos impostos.

A interpretação normativa em controlo no primeiro aresto, proferido em sede de fiscalização abstrata, no âmbito dos artigos 281.º, n.º 3 da Constituição e 82.º da LTC, foi a de que, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor do diploma, seria devida a Contribuição Especial por este instituída que, assim, incidiria sobre a valorização ocorrida entre 1 de janeiro de 1994 e a data daquele requerimento. Entendeu, então, o Tribunal que a consideração do princípio da não retroatividade dos impostos conduzia a julgamento de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, em virtude da relevância que devia ser atribuída, mesmo que para determinação do valor do tributo, "ao ato voluntário através do qual (e ao momento em que) é requerido o licenciamento de construção ou de obra. É que, no momento em que apresentou o requerimento para licenciamento de construção ou de obra - recorde-se, momento anterior ao da entrada em vigor do diploma em apreço - o titular do prédio não podia contar com a aplicação da Contribuição Especial, pela simples razão e que tal tributo não havia ainda ser criado".

O Acórdão 579/2011, por seu turno, versou outro objeto normativo - como não poderia deixar de acontecer, face à invalidação da norma operada pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do Acórdão 63/2006 -, na medida em que a data em que havia sido requerido o licenciamento no caso então em apreço ocorrera em momento posterior ao da entrada em vigor do Decreto-Lei 43/98, o que, naturalmente, também acontecia com os seus ulteriores termos, culminando na emissão do alvará de licença de construção ou de obra.

O problema aí colocado estava, pois, balizado pelo requerimento de licenciamento e centrado no cálculo do benefício, tratando-se de responder à questão de saber se ao facto tributário da contribuição em análise correspondia natureza complexa ou instantânea, qualificação que relevava direta e decisivamente para uma conclusão sobre a verificação do invocado vício de retroatividade constitucionalmente proibida. Nesse contexto, o Tribunal considerou que o facto gerador da obrigação de pagamento só ocorre no momento da realização do benefício, pois na Contribuição Especial não se visa tributar uma valorização gradual dos imóveis, mas sim a valorização que ocorre no momento em que se efetiva a possibilidade de utilização dos terrenos para fins de construção urbana, tratando-se, pois, de facto tributário instantâneo.

Porém, contrariamente ao que pretende a recorrente, não procedeu então o Tribunal à aferição do preciso ato (e momento) que corresponde, nos termos legais e no âmbito do procedimento de licenciamento de operação urbanística, ao nascimento da obrigação tributária, porque inteiramente verificadas as condições específicas de que depende a consumação do facto tributário.

Regressando ao presente recurso, pese embora não seja de conhecer de toda a argumentação votada a convencer de que foi outro, afinal, o facto tributário fixado pelo legislador, persiste a questão de saber se a norma efetivamente aplicado pelo Tribunal a quo, e que faz corresponder ao ato de emissão de alvará de licença de construção ou de obra o facto gerador da obrigação de pagar a Contribuição Especial - facto tributário -, é incompatível com o princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, 103.º e 204.º da Constituição.

Cumpre, pois, apreciar o mérito da questão de constitucionalidade dirigida a critério normativo, com tais contornos.

10 - Diferentemente, as demais questões não reúnem os pressupostos de que depende a respetiva cognição.

Com efeito, a segunda questão colocada à apreciação do Tribunal tem pressuposta a interpretação de que o facto gerador da obrigação tributária ocorre com a emissão do alvará de licença de construção ou de obra, mas versa especificamente a regra de incidência subjetiva constante do artigo 3.º do RCE.

Verifica-se, novamente, que a recorrente inscreve nas alegações produzidas em Tribunal argumentos que relevam no plano da legalidade, designadamente quando alude ao que do preceito "não se pode retirar", e invoca o disposto no artigo 73.º da LGT, no que constitui defesa de interpretação de que o artigo 3.º do RCE contém presunção ilidível no que respeita à correspondência entre o beneficiário do aumento de valor do imóvel - o titular do direito de construir - que se visa tributar e o titular do alvará de licença de construção ou de obra (cf. conclusão 6.ª; nos mesmos termos, n.º 6 da resposta transcrita no ponto 6 supra).

Entende a recorrente que foi outro, todavia, o entendimento seguido pelo tribunal recorrido, o que decorre da inscrição no enunciado da questão do advérbio necessariamente e encontra significado equivalente na parte final das alegações ("... obrigatoriamente..."). Teria, então, na sua ótica, sido aplicado critério normativo que consubstancia a impossibilidade de afastar tal presunção legal, conformando-a desse modo como presunção inilidível.

Contudo, mostra-se patente que a decisão recorrida não aplicou critério normativo com esse sentido. Na verdade, ao contrário do que aconteceria se o julgador entendesse estar perante uma presunção inilidível, o Tribunal a quo abordou a questão de saber se o titular do alvará de licença de construção ou de obra foi quem efetivamente beneficiou do direito de construir, concluindo por resposta afirmativa. Relevando especialmente a transmissão do direito a construir ocorrida entre o requerimento de licenciamento e a emissão do alvará, sendo este emitido em nome da recorrente por efeito de pedido de averbamento da substituição na titularidade da posição jurídica-subjetiva que a mesma formulou, diz-se na decisão recorrida:

«Como dissemos já, [...] não subsistem dúvidas, porque nesta matéria o legislador, como vimos, foi claríssimo, a contribuição especial instituída pelo Decreto-Lei 43/98 de 3 de março incide sobre a valorização dos prédios resultante da sua utilização como terrenos para construção resultante de elevado investimento em obras públicas realizadas nas áreas adjacentes.

Também já deixamos expresso que essa contribuição é exigível àqueles que obtiverem o direito de construção e o correspondente beneficio, isto é, os titulares do alvará de licença de construção ou de obra (artigo 3.º do RCE) em cuja esfera jurídica a valorização do terreno, visada pela contribuição especial, se repercute, independentemente de estes serem ou não os sujeitos que efetivamente venham a realizar a obra ou, até, de a virem a realizarem ou não já que «a capacidade contributiva [se] afere pela valorização dos terrenos operada pela realização de obras públicas nas áreas adjacentes e não pela realização da construção, tanto mais que o próprio n.º 1 do artigo 1.º do RCE refere que a contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção e não da sua efetiva utilização como tal» [Ac. do STA de 28-9-2011] sendo que o titular efetivo do direito a construir é o titular do alvará e não o requerente do referido pedido de licenciamento que, no nosso caso, à data de emissão do alvará já não era titular do direito a construir por o haver transmitido à Impugnante por força da escritura pública de compra e venda dos prédios objeto do licenciamento celebrada a 6-12-2004 (cf. factualidade vertida de e) a h) do ponto III supra).

Facto esse, de resto, que conduziu a que a Recorrente se tenha apresentado, como assume na petição inicial (artigo 57.º), a assumir a qualidade e obrigações inerentes a esta transmissão de direitos, pedindo o averbamento do processo junto da Câmara Municipal da Amadora em seu nome, em dezembro de 2004, e que foi determinante, como não podia deixar de ser, a que o alvará viesse a ser emitido em seu nome (cf. factos assentes nas alíneas i) e j) do probatório).

Em suma, a Recorrente não tem razão quando defende nas suas conclusões de recurso que se verifica no caso concreto uma violação das regras de incidência subjetiva e do princípio da capacidade contributiva.

Não há violação das regras de incidência subjetiva porque não foi a "Saguibelas" a beneficiar do aumento do valor da propriedade. Como se refere no Ac. do STA de 2013.01.30 (0804/12), cuja doutrina já no ponto 4.1. havíamos acolhido integralmente «Na confrontação do artigo 2.º com o 3.º parece haver dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respetivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera "realizado" o acréscimo desse valor. Como a incidência objetiva do imposto recai sobre o aumento de valor do prédio, o que revela como data da sua realização é a data em que o direito de construir se toma efetivo, o que só acontece com a emissão do alvará». E como o alvará foi emitido em nome da Impugnante, é esta o sujeito passivo do imposto.

Não tem razão quanto à violação do princípio da capacidade contributiva, porque esta é revelada na utilização da potencialidade construtiva do prédio que beneficiou das obras públicas. E quem está a utilizar essas potencialidades é a impugnante. em nome da qual foi emitido o alvará.»

Resulta claro desse trecho que, fosse outra a situação de facto, como seria por exemplo a demonstração que o alvará de licença fora emitido em nome de quem efetivamente já não tinha o direito de construir, porque transmitido sem que fosse requerido o averbamento da substituição nos termos dos artigos 9.º e 77.º, n.º 7 do RJEU, outra seria a solução encontrada quanto ao sujeito passivo da Contribuição Especial, em consonância com a jurisprudência do acórdão proferido pelo STA em 30 de janeiro de 2013, Processo 0804/12 (acessível em http://www.dgsi.pt), a que o Tribunal a quo deu expressa e integral adesão.

Diz-se, com efeito, no apontado acórdão do STA: "O artigo 3.º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respetivo alvará da licença de construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efetivamente já não tinha o direito de construir".

Assim, neste particular, impõe-se concluir que a interpretação questionada não encontra correspondência com o critério normativo efetivamente aplicado, como ratio decidendi, na decisão recorrida, não revestindo, por conseguinte, o recurso de constitucionalidade qualquer utilidade.

11 - A terceira questão suscitada incorpora, como se disse já, a norma colocada a controlo no âmbito do enunciado da primeira questão, incidindo sobre a determinação do facto tributário, sendo, no entanto, reportada a preceito e a âmbito de regulação distinto, a saber, ao disposto no artigo 14.º do RCE quanto ao início do prazo de contagem do prazo de caducidade da liquidação da contribuição.

Na ótica da recorrente, porque o facto tributário da Contribuição Especial não corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra, então o preceituado no artigo 14.º do RCE, na redação conferida pelo artigo 6.º do Decreto-Lei 472/99, de 8 de novembro, na medida em que estipula que o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da LGT tem o seu início (dies a quo) na "data em que tiver sido emitido o alvará de licença de construção ou da obra", comporta um vício gerador de censura constitucional. Vício esse que seria o de dar início ao prazo de caducidade do direito à liquidação em momento posterior àquele em que, sustenta, nascera a obrigação tributária, sem estar para tal habilitado pela autorização legislativa concedida pelo artigo 34.º da Lei 52-C/96, de 27 de dezembro.

Ora, como se referiu, não cabe ao Tribunal discutir o acerto da interpretação do direito ordinário que conduziu o tribunal a quo a definir o momento em que é emitido o alvará de licença de construção ou de obra como aquele em que se consumam todos os pressupostos legalmente fixados para a geração da obrigação tributária.

E, assim sendo, fácil é constatar que, na lógica da decisão recorrida, nenhuma dissociação ou apartamento decorre entre o facto tributário e o dies a quo do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo decorre do critério normativo efetivamente aplicado na decisão recorrida: ambos correspondem ao mesmo ato e momento, i.e., ao dia em que foi emitido o alvará de licenciamento de construção ou de obra.

Nessa medida, o conhecimento desta questão mostra-se vedado pela sua inutilidade, por não assumir identidade com o critério normativo efetivamente aplicado pelo tribunal a quo na decisão da exceção de caducidade do direito à liquidação.

B) Do mérito do recurso

12 - O contexto normativo em que se inscreve a norma impugnada decorre do Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, através do qual foi criada uma Contribuição Especial, com o objetivo de tributar a valorização de que beneficiaram os prédios rústicos e terrenos para construção situados nas zonas envolventes à CRIL, CREL, CRIP, CREP e respetivos acessos, bem como à travessia ferroviária do Tejo, além de outros investimentos. O valor sujeito a contribuição resulta da aplicação da fórmula prevista no artigo 2.º, n.º 1, do RCE, o qual resulta da diferença entre o valor do prédio à data em que é requerido o licenciamento de construção ou de obra, e o seu valor à data de 1 de janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda.

A contribuição em questão nos presentes autos constitui exemplo de tributo assente nos designados "encargos de mais-valia", porque "incidente em geral sobre o aumento de valor de prédio rústicos que, em virtude de obras de urbanização ou da construção de infraestruturas, ficam aptos para a construção", integrando a espécie de contribuição especial de melhoria (cf. Casalta Nabais, Direito Fiscal,, 7.ª edição, Almedina, p. 53 e Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Ed., p. 57).

A norma cuja conformidade constitucional vem impugnada é reportada pela recorrente ao disposto no artigo 3.º do RCE. Porém, esse preceito regula a incidência subjetiva da Contribuição Especial criada por aquele diploma, tendo como pressuposto a regulação sobre a incidência objetiva do tributo, constante do artigo 2.º, n.º 1, do mesmo RCE. É, pois, da conjugação de ambos os preceitos que se atinge a definição do facto tributário e do sujeito passivo da específica Contribuição Especial em causa.

O teor de tais artigos é o seguinte:

«Artigo 2.º

1 - Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que se refere o artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.

2 - Os valores que servem para determinar a diferença são determinados por avaliação nos termos do presente Regulamento.

Artigo 3.º

A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra.»

13 - De acordo com o entendimento normativo aplicado na decisão recorrida, o legislador acolheu como fator da norma de incidência objetiva, consubstanciada no aumento do valor do prédio, a efetiva possibilidade deste ser utilizado para construção urbana, não bastando para a realização do acréscimo de valor a tributar a viabilidade de determinada operação urbanística: para a realização do benefício que se projeta tributar importa a efetivaçãodo direito de construir, em sentido estrito, que se consolida ou atinge apenas com a emissão da licença titulada por alvará.

A recorrente sustenta que tal critério normativo é incompatível com o princípio da capacidade contributiva, mas não lhe assiste razão.

Efetivamente, a recorrente limita-se a afirmar que o ato de emissão de alvará de licença "não é apto a revelar a capacidade contributiva subjacente à exigência do tributo" (cf. conclusão 5.ª), não porque considere que a mais valia sobre que incide a Contribuição Especial não exista, por não ter sido gerada pelo investimento em obras públicas referido no diploma, mas porque entende que já se havia realizado em momento anterior, a saber, com a apresentação do requerimento de licenciamento de construção ou de obra.

Ora, inexiste fundamento para censurar, face ao princípio da capacidade contributiva, a definição do facto (e instante) gerador da obrigação de pagamento operada pelo legislador, tal como decorre do critério normativo aplicado na decisão recorrida.

14 - Como se refere no Acórdão 84/2003, o princípio da capacidade contributiva "exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de 'uniformidade' - o dever de todos pagarem impostos, segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário de tributação". Critério este "em que a incidência e a repartição dos impostos - dos 'impostos fiscais' mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou 'capacidade de gastar' [...] de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)". Apesar de não contar com consagração expressa no texto da Constituição, o Tribunal Constitucional vem acolhendo o princípio da capacidade contributiva como parâmetro de aferição da constituição de normas de natureza fiscal ou tributária (cf., entre muitos, os Acórdãos n.º 84/2003, 211/2003, 452/2003, 601/2004 e 451/2010. Sobre a evolução jurisprudencial, Xavier de Basto, "A Constituição e o sistema fiscal", XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Ed., 2009, pp. 168-192).

Não obstante, e como também se assinala no Acórdão 84/2003:

«De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal.

Assim, desde logo se imporá a maior contenção, reserva e dúvida, quanto à possibilidade de se chegar a um tal juízo sobre o regime legal em apreço, a partir do seu confronto com o mesmo princípio. E isto mesmo quando se aceite que tal princípio é um parâmetro constitucional suscetível de efetivamente assumir relevo no caso».

O princípio da capacidade contributiva assume nos termos em que é aqui convocado valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que a Contribuição Especial atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica. Note-se que a recorrente argumenta exclusivamente no plano da aptidãopara revelar o acréscimo patrimonial que se visa tributar, sem identificar qualquer plano de diferenciação arbitrária entre grupos de contribuintes com a mesma capacidade contributiva.

Independentemente de se poder considerar que a perspetiva de vantagens futuras pode, por si só, gerar um acréscimo de valor de mercado, tanto maior quanto o procedimento de licenciamento da operação urbanística atinja sucesso, certo é que, como aliás o próprio recorrente admite (conclusão 4.ª), a eficácia do ato de deferimento do pedido de licenciamento e do direito à utilização dos terrenos para construção fica condicionada ao ato de emissão de alvará (artigo 74.º, n.º 1, do RJUE), o qual pode, em virtude de substituição, ser emitido a favor de pessoa distinta da do requerente do licenciamento (artigos 9.º, n.º 10, e 77.º, n.º 7, do RJUE).

No âmbito do procedimento de licenciamento, o deferimento do pedido corresponde ao momento constitutivo de licenciamento, constituindo o ato administrativo principal e aquele que define a situação jurídica do particular, operando a remoção do limite legal ao jus aedificandi (artigo 23.º do RJUE). Porém, a lei impõe que esse ato só possa produzir efeitos jurídicos após a emissão de documento que servirá de título da licença (artigo 74.º, n.º 1, do RJUE), contendo os elementos essenciais do licenciamento (artigo 77.º do RJUE), assumindo a natureza de ato integrativo da eficácia do ato de licenciamento, o qual, ainda que sem conteúdo regulador, marca o momento em que a execução da operação urbanística licenciada se torna possível. Seguramente, caso seja deferido o pedido de licenciamento mas o alvará nunca venha a ser emitido, impedindo a construção ou obra, não se poderá entender que a possibilidade edificativa com valor aumentado em razão de um conjunto de acessibilidades executadas no âmbito de investimentos públicos, visada pela Contribuição Especial, foi realizada.

Justifica-se, então, que, com vista a atuar uma fórmula de cálculo de um aumento de valor dos prédios, resultante da realização de determinadas obras públicas, que comporta um termo inicial fixo e um termo final variável, o legislador tenha eleito como tributariamente relevante aquele ato que, por último, consolida a configuração do direito a construir e lhe confere eficácia. Na verdade, e como refere a recorrida, até à emissão do título, a valorização do prédio rústico visada pela Contribuição Especial é tão só potencial: só então se efetiva a possibilidade de utilização do prédio para o fim de construção urbana, com um valor substancialmente aumentado em virtude das obras públicas previstas no Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, e daí resultam, para o respetivo beneficiário, vantagens patrimoniais acrescidas.

15 - Deste modo, não procede a apontada ofensa ao princípio da capacidade contributiva, não se vislumbrando a violação de qualquer outro parâmetro constitucional.

III. Decisão

16 - Pelo exposto, decide-se:

a) Não conhecer do recurso quanto a norma do artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, segundo a qual o sujeito passivo é, necessariamente, a pessoa em nome da qual o alvará é emitido, e a norma do artigo 14.º do mesmo Regulamento, na redação conferida pelo Decreto-Lei 472/99, de 8 de novembro, com o sentido de a emissão do alvará ser o facto tributário da Contribuição Especial, dissociando, assim, o dies a quo do prazo de caducidade do direito à liquidação do facto tributário;

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de março, segundo a qual o facto tributário daquela corresponde ao ato de emissão do alvará de licença de construção ou de obra;

c) Em consequência, negar provimento ao recurso;

d) Condenar a recorrente nas custas, que se fixam em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, tendo em atenção o impulso desenvolvido e a graduação seguida em casos similares.

Notifique.

Lisboa, 8 de abril de 2015. - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208614475

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/754867.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1996-12-27 - Lei 52-C/96 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1997.

  • Tem documento Em vigor 1998-03-03 - Decreto-Lei 43/98 - Ministério das Finanças

    Aprova o Regulamento da Contribuição Especial, publicado em anexo, devida pela valorização dos imóveis beneficiados com a realização da CRIL, CREL, CRIP, CREP, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa e outros investimentos.

  • Tem documento Em vigor 1999-11-08 - Decreto-Lei 472/99 - Ministério das Finanças

    Altera o Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, o Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei 442-B/88, de 30 de Novembro, o Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei 394-B/84, de 26 de Dezembro, o Código do Imposto Municipal de de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), aprovado pelo Decreto-Lei 41969, de 24 de Novembro de 1958, o Código da Contribuição Autárquica (CCA), aprovado pelo Decreto-Lei 442-C/88, de 30 de Novembro, o Regulamento da Contribuição Especia (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-12-16 - Decreto-Lei 555/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação.

  • Tem documento Em vigor 2006-03-03 - Acórdão 63/2006 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor deste diploma, seria devida a contribuição especial por este instituída que, assim, incidiria sobre a valorização do terreno ocorrida entre 1 de Janeiro de 1994 e a data daquele requerimento.

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