Decreto-Lei 94/95
de 9 de Maio
A prática da medicina denominada «homeopática», com a consequente utilização de produtos denominados «homeopáticos», é hoje uma realidade no espaço da União Europeia com significativa expressão em alguns dos seus Estados membros. Em Portugal, país onde se reconhece o direito de acesso aos produtos homeopáticos, verifica-se a utilização crescente desses produtos, ainda que de alguma forma não generalizada.
Da realização da plena integração dos Estados membros da União Europeia decorre que estes produtos farmacêuticos tenderão a ser disponibilizados em todo o espaço comunitário, pelo que a Directiva n.º 92/73/CEE , do Conselho, de 22 de Setembro de 1992, alargou a este tipo de produtos o âmbito da aplicação das Directivas n.os 65/65/CEE e 75/319/CEE , relativas à aproximação das legislações respeitantes aos medicamentos, estabelecendo ainda disposições específicas para os mesmos, com vista a assegurar a necessária harmonização em matéria de produção, controlo, distribuição e utilização destes produtos.
A Directiva n.º 92/73/CEE preconiza para os produtos homeopáticos um regime semelhante ao existente para os medicamentos, tendo em conta, no entanto, as suas características específicas, designadamente o seu reduzido teor em princípios activos e a dificuldade de se lhes aplicar a metodologia estatística convencional dos ensaios clínicos.
A referida directiva prevê, por um lado, um processo de registo simplificado especial para os produtos tradicionais introduzidos no mercado sem indicações terapêuticas e sob forma farmacêutica e dosagem que não apresente riscos para o doente e, por outro, considerando a existência de produtos homeopáticos comercializados com indicações terapêuticas ou com uma apresentação susceptível de apresentar riscos, um regime idêntico ao dos medicamentos, sem prejuízo das características próprias a que devem obedecer os ensaios tóxico-farmacológicos e clínicos daqueles produtos.
O presente diploma transpõe para a ordem jurídica a Directiva n.º 92/73/CEE , garantindo a qualidade e a segurança de utilização dos produtos homeopáticos - como salvaguarda da saúde pública e assegurando, também, aos seus utilizadores o fornecimento de informações claras sobre o seu carácter homeopático e a sua inocuidade.
Foram ouvidas a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 - O presente diploma aprova o regime jurídico da introdução no mercado, do fabrico, da comercialização, da rotulagem e da publicidade dos produtos homeopáticos para uso humano.
2 - Os produtos homeopáticos preparados de acordo com uma fórmula oficinal ou magistral, na acepção das alíneas c) e d) do artigo 2.º do Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro, são excluídos do âmbito do presente diploma, aplicando-se-lhes, com as devidas adaptações, as práticas de bom fabrico a observar na preparação de produtos manipulados.
Artigo 2.º
Produtos homeopáticos
1 - Para efeitos do disposto no presente diploma, são considerados produtos homeopáticos aqueles que, contendo uma ou mais substâncias, sejam obtidos a partir de produtos ou composições denominados «matérias-primas homeopáticas», de acordo com o processo de fabrico homeopático descrito na Farmacopeia Europeia ou, quando dela não conste, nas farmacopeias de qualquer Estado membro da União Europeia.
2 - Os produtos homeopáticos são classificados, quanto às suas características, em:
a) Medicamentos homeopáticos;
b) Produtos farmacêuticos homeopáticos.
Artigo 3.º
Medicamentos homeopáticos
1 - Entende-se por medicamento homeopático qualquer produto homeopático que possua propriedades curativas ou preventivas das doenças do homem e dos seus sintomas, com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou modificar as suas funções orgânicas.
2 - Ao processo de introdução no mercado, ao fabrico, comercialização e direcção técnica, à rotulagem, folheto informativo e à publicidade dos medicamentos homeopáticos é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime jurídico previsto para os medicamentos de uso humano, constante do Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro, e dos Decretos-Leis n.os 100/94 e 101/94, ambos de 19 de Abril.
Artigo 4.º
Produtos farmacêuticos homeopáticos
1 - Entende-se por produto farmacêutico homeopático qualquer produto homeopático que reúna, cumulativamente, as seguintes características:
a) Administração por via oral ou tópica;
b) Grau de diluição que garanta a inocuidade do produto, não devendo este conter mais de uma parte por 10000 de tintura-mãe, nem mais de 1/100 da mais pequena dose eventualmente utilizada em alopatia para as substâncias activas, cuja presença num medicamento alopático obrigue a prescrição médica;
c) Ausência de indicações terapêuticas especiais no rótulo ou em qualquer informação relativa ao produto.
2 - A introdução no mercado dos produtos farmacêuticos homeopáticos está sujeita a um processo de registo simplificado, nos termos do disposto nos artigos seguintes.
Artigo 5.º
Instrução do processo
1 - O pedido de registo de produtos farmacêuticos homeopáticos é apresentado pelo requerente ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, a quem compete instruir o processo e proceder ao registo respectivo.
2 - O pedido a que se refere o número anterior deve ser acompanhado de documentação que comprove a qualidade farmacêutica e a homogeneidade dos lotes de fabrico dos produtos, designadamente:
a) Denominação científica, ou outra denominação constante de uma farmacopeia, das matérias-primas, com menção das várias vias de administração, formas farmacêuticas, graus de diluição e apresentações que se pretendem registar;
b) Processo que descreva o modo de obtenção e o controlo das matérias-primas e que fundamente o seu carácter homeopático, com base em bibliografia adequada;
c) Processo de fabrico e controlo de todas as formas farmacêuticas e descrição dos métodos de diluição e de dinamização;
d) Autorização de fabrico dos produtos em questão;
e) Cópia dos registos ou autorizações eventualmente obtidos, para os mesmos produtos, noutros Estados membros da União Europeia;
f) Uma ou mais amostras ou reproduções do modelo para venda dos produtos a registar;
g) Dados relativos à estabilidade do produto.
Artigo 6.º
Fabrico e direcção técnica
1 - Ao fabrico de produtos farmacêuticos homeopáticos é aplicável o disposto no capítulo III do Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro.
2 - Os titulares de autorização de fabrico de produtos farmacêuticos homeopáticos devem dispor de direcção técnica que, de forma permanente e contínua, assegure a qualidade do produto.
Artigo 7.º
Rotulagem e folheto informativo
O fabricante e o importador de produtos farmacêuticos homeopáticos são responsáveis pela inclusão na embalagem exterior, no recipiente e no folheto informativo de informações escritas em língua portuguesa sobre as características e precauções a observar no uso do produto.
Artigo 8.º
Conteúdo do rótulo e do folheto informativo
A embalagem exterior dos produtos farmacêuticos homeopáticos ou, na sua falta, o recipiente e o folheto informativo respectivos devem conter a indicação «produto farmacêutico homeopático» aposta de forma bem visível e legível, em maiúsculas e em fundo azul, bem como as seguintes informações:
a) Denominação científica das matérias-primas, seguida do grau de diluição, utilizando os símbolos da farmacopeia adoptada, de acordo com o disposto no Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro;
b) Nome e endereço do responsável pela introdução no mercado e, se for caso disso, do fabricante e do importador;
c) Modo de administração e, se necessário, via de administração;
d) Prazo de validade explícito, incluindo mês e ano;
e) Forma farmacêutica;
f) Apresentação;
g) Precauções específicas de conservação, quando for caso disso;
h) Advertências especiais, quando o produto assim o exigir;
i) Número de lote de fabrico;
j) Número de registo;
k) «Produto farmacêutico homeopático sem indicações terapêuticas aprovadas»;
l) Aviso aconselhando o utilizador a consultar o médico se persistirem os sintomas durante a utilização do medicamento.
Artigo 9.º
Fiscalização
A fiscalização do cumprimento das disposições do presente diploma e demais legislação aplicável compete à Inspecção-Geral das Actividades Económicas e ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, no âmbito das respectivas competências.
Artigo 10.º
Contra-ordenações
1 - Constitui contra-ordenação punível com coima de 100000$00 a 500000$00 ou até 6000000$00, consoante o agente seja pessoa singular ou colectiva:
a) O fabrico ou comercialização de produtos homeopáticos sem autorização;
b) O fabrico ou comercialização de produtos homeopáticos cuja autorização de fabrico, de introdução no mercado ou registo tenham sido revogados ou suspensos;
c) O fabrico de produtos homeopáticos sem dispor de direcção técnica;
d) O incumprimento das normas de boas práticas de fabrico, nos termos da legislação em vigor;
e) O incumprimento do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro, no caso dos medicamentos homeopáticos;
f) O incumprimento do disposto nos artigos 3.º e 6.º a 8.º do Decreto-Lei 101/94, de 19 de Abril, no caso dos medicamentos homeopáticos;
g) O incumprimento do disposto nos artigos 7.º e 8.º do presente diploma, no caso dos produtos farmacêuticos homeopáticos.
2 - Nas contra-ordenações previstas no número anterior a negligência e a tentativa são punidas.
3 - Às contra-ordenações previstas no presente diploma aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro, competindo à IGAE ou ao INFARMED, conforme se trate de produtos farmacêuticos homeopáticos ou medicamentos homeopáticos, a instrução do processo.
Artigo 11.º
Aplicação e destino das coimas
1 - A instrução dos processos contra-ordenacionais, bem como a aplicação das coimas, é da competência do inspector-geral da IGAE ou do conselho de administração do INFARMED, no âmbito das respectivas competências.
2 - O produto das coimas reverte em 60% para o Estado e em 40% para a entidade competente, nos termos do número anterior.
Artigo 12.º
Taxas
1 - Os encargos resultantes dos actos relativos aos procedimentos previstos no presente diploma e dos exames laboratoriais constituem encargo dos requerentes, nos termos de tabelas próprias, aprovadas por portaria do Ministro da Saúde.
2 - O produto das taxas aplicadas ao abrigo do número anterior destina-se a suportar os encargos decorrentes da prestação do serviço respectivo e constitui receita própria do INFARMED.
Artigo 13.º
Norma transitória
1 - Os produtos farmacêuticos homeopáticos comercializados no mercado à data da entrada em vigor do presente diploma devem ser registados no prazo de um ano.
2 - Os produtos a que se refere o número anterior podem continuar a ser comercializados até à notificação da decisão sobre o pedido.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 16 de Fevereiro de 1995. - Aníbal António Cavaco Silva - Eduardo de Almeida Catroga - Luís Fernando Mira Amaral - Adalberto Paulo da Fonseca Mendo - Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira.
Promulgado em 4 de Abril de 1995.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 6 de Abril de 1995.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.